Apelação/Remessa Necessária Nº 5019358-23.2019.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0003324-28.2018.8.16.0072/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE DA SILVA LIMA
ADVOGADO: BRUNO VILAS BOAS (OAB PR070266)
ADVOGADO: RENATA NASCIMENTO VIEIRA SANCHES (OAB PR035982)
ADVOGADO: CÍNTIA REGINA DE LIMA VIEIRA (OAB SP214484)
RELATÓRIO
Trata-se de ação de procedimento comum em que é postulada a averbação de tempo de trabalho rural de 01.07.1978 a 15.02.1989, bem como a concessão do benefício de aposentadoria de tempo de contribuição.
Processado o feito, sobreveio sentença, cujo dispositivo tem o seguinte teor:
JULGO PROCEDENTES os pedidos formulados por MARIA JOSÉ DA SILVA LIMA, para:
a) RECONHECER a ocorrência da prescrição quinquenal;
b) DETERMINAR a averbação do período de atividade rural compreendido entre 01.07.1978 a 15.02.1989;
b) CONDENAR O requerido a implantar o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição em favor do autor, desde a data do requerimento administrativo, ou seja, 23.11.2017, sendo que as parcelas vencidas deverão ser pagas de uma só vez.
O débito deve ser atualizado pelo IPCA-E, a partir dos correspondentes vencimentos, e acrescido de juros de mora, a partir da citação, com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, segundo a redação que a Lei 11960/2009 conferiu ao artigo 12-F da Lei 9494/1997 (REsp nº 1.270.439 PR, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção do STJ, votação unânime, com os efeitos do artigo 543-C do CPC, sistemática dos recursos repetitivos, j. 26-06-2013, DJe 02 08-2013 e ADIs n. 4357 e 4425).
O INSS apela, alegando que, no momento do requerimento administrativo, não foram apresentados vários documentos que somente compuseram a presente lide, não tendo a autarquia a oportunidade de analisá-los. Sendo assim, se a parte não apresentou perante ao INSS toda a prova que estava ao seu alcance, não haveria interesse processual na instauração do processo. Assim, afirma que falta uma das condições da ação, pois, a ausência da análise da prova em sede administrativa equivale à ausência de prévio requerimento administrativo (jurisprudência do STF, firmada no Recurso Extraordinário RE 631.240/MG, em sede de repercussão geral).
Requer o INSS a extinção do processo sem resolução do mérito em virtude da falta de interesse de agir quanto ao pedido de reconhecimento de atividade rural.
Afirma, também, que o período reconhecido foi de 1978 a 1989, mas as provas apresentadas foram produzidas em época distinta (1968, 1998, 2013), portanto, seriam imprestáveis ao deslinde da causa. Alega que ficha ou carteira de sindicato desacompanhada do comprovante de recolhimento das contribuições sindicais e não homologada pelo INSS é prova inválida do labor rural, bem como a ficha ou declaração escolar proveniente de instituição pública de ensino.
Por fim, requer reforma para modificar os critérios de correção monetária, utilizando-se o disposto no artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97.
Pede que seja reformada a sentença condenatória proferida em primeiro grau em virtude da falta de interesse de agir, ou, alternativamente, da ausência de prova do alegado trabalho nas lides rurais.
Com contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.
É o relatório.
VOTO
REMESSA NECESSÁRIA
Nos termos do artigo 496, caput e § 3º, I, do CPC, está sujeita à remessa necessária a sentença prolatada contra as pessoas jurídicas de direito público nele nominadas, à exceção dos casos em que, por simples cálculos aritméticos, seja possível concluir que o montante da condenação ou o proveito econômico obtido na causa é inferior a 1.000 salários mínimos.
No que diz respeito às demandas previdenciárias, o artigo 29, § 2º, da Lei nº 8.213/91 dispõe que o valor do salário de benefício não será superior ao limite máximo do salário de contribuição na data de início do benefício. Logo, por meio de simples cálculos aritméticos, é possível concluir que, mesmo na hipótese de concessão de benefício no limite máximo e acrescido das parcelas em atraso (últimos 05 anos) com correção monetária e juros de mora (artigo 103, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91), o valor da condenação não excederá o montante de 1.000 salários mínimos. Por igual, nas demandas previdenciárias envolvendo menores de 16 anos, hipótese em que a prescrição não corre (artigos 3º e 198, I, do CC), também a condenação não ultrapassa o limite legal.
Como não se trata de hipótese de sujeição da sentença à remessa necessária, impõe-se o seu não conhecimento.
PRELIMINAR: AUSÊNCIA DE INTERESSE
O INSS apela, alegando que, no momento do requerimento administrativo, não foram apresentados vários documentos que somente compuseram a presente lide, não tendo a autarquia a oportunidade de analisá-los. Sendo assim, se a parte não apresentou perante ao INSS toda a prova que estava ao seu alcance, não haveria interesse processual na instauração do processo. Assim, afirma que falta uma das condições da ação, pois, a ausência da análise da prova em sede administrativa equivale à ausência de prévio requerimento administrativo (jurisprudência do STF, firmada no Recurso Extraordinário RE 631240/MG, em sede de repercussão geral).
Sublinha-se que a autarquia também apelou quanto ao mérito da demanda.
Ora, ainda que a parte autora não tenha apresentado todos os documentos necessários para a concessão do benefício em sede administrativa, os quais, a princípio, apresentou no processo judicial, é preciso salientar que o INSS tem o dever de informar o segurado quanto aos documentos necessários para que lhe seja possível receber o benefício previdenciário. Assim prevê a Instrução Normativa 77/2015 da autarquia:
Da carta de exigência
Art. 678. A apresentação de documentação incompleta não constitui motivo para recusa do requerimento de benefício, ainda que, de plano, se possa constatar que o segurado não faz jus ao benefício ou serviço que pretende requerer, sendo obrigatória a protocolização de todos os pedidos administrativos.
1º Não apresentada toda a documentação indispensável ao processamento do benefício ou do serviço, o servidor deverá emitir carta de exigências elencando providências e documentos necessários, com prazo mínimo de trinta dias para cumprimento.
Assim, como o INSS apenas indeferiu o pleito sem emitir a carta de exigências (prevista em sua própria IN da autarquia) para que a parte autora procedesse à complementação demandada, entendo que não possui razão o recurso nesse ponto. Veja a jurisprudência deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. IMPLEMENTAÇÃO DOS REQUISITOS EXIGIDOS À CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. DIREITO A EXECUTAR AS PARCELAS VENCIDAS. OBRIGAÇÃO DO INSS DE ORIENTAR O SEGURADO. CARÁTER SOCIAL DA PREVIDÊNCIA. OPÇÃO PELA MANUTENÇÃO DO BENEFÍCIO MAIS VANTAJOSO. POSSIBILIDADE.
1. Implementados os requisitos exigidos para a concessão do benefício postulado, tem a parte autora direito ao pagamento das parcelas vencidas desde a data do requerimento administrativo, observada a prescrição quinquenal.
2. Decorre do próprio caráter social da atividade prestada pelo INSS a obrigação de orientar de forma efetiva os segurados no sentido de que, uma vez formulado pedido de concessão de benefício, quais documentos devem trazer para demonstrar que possuem direito ao que estão postulando, bem como que informações devem constar de tais documentos.
3. Ao verificar que a documentação apresentada se encontra incompleta ou com equívocos no que diz respeito ao preenchimento, tem o INSS também o dever de orientar o segurado a respeito de como sanar tais vícios.
4. Ao apreciar o pedido formulado, deve a autarquia verificar não apenas se ele possui direito ao benefício postulado, mas também se, a partir dos documentos apresentados, evidencia-se que possui direito a concessão de outro benefício previdenciário, ainda que não requerido expressamente.
5. É possível a manutenção do benefício concedido administrativamente no curso da ação e, concomitantemente, a execução das parcelas do benefício postulado na via judicial até a data da implantação administrativa. Precedentes desta Corte.
6. O fato de o segurado já estar percebendo um benefício deferido administrativamente quando do ingresso na via judicial postulando aquele que foi primeiramente postulado, e indeferido pelo INSS, não pode, por si só, representar uma opção do requerente naquele momento por um ou outro benefício, na medida em que, à toda evidência, não reunia condições de saber, de antemão, que prestação lhe resultaria mais vantajosa. Precedente deste Regional.
(TRF4, APELREEX 0019151-90.2011.404.9999, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, D.E. 05/07/2016)
Dessa forma, afasto a preliminar aventada pelo INSS e considero existente o interesse de agir da autora na presente ação.
MÉRITO
ATIVIDADE RURAL – SEGURADO ESPECIAL
O trabalho rural, na condição de segurado especial, encontra previsão no art. 11, VII, e § 1º da Lei 8.213/91, in verbis:
Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:
(...)
VII- como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em algomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de :
produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividades:
agropecurária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais;
de seringueiro ou extrativista vegetal que exerça suas atividades nos termos do inciso XII do caput do art. 2º da Lei nº 9.985 de 18 de julho de 2000, e faça dessas atividades o principal meio de vida;
pescador artesanal ou a este assemelhado que faça da pesca profissão habitual ou principal meio de vida; e
conjugue ou companheiro, bem como filho maior de 16 (dezesseis) anos de idade ou a este equiparado, do segurado de que tratam as alíneas a e b deste inciso, que, comprovadamente, trabalhem com o grupo familiar respectivo.
§ 1º Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes.
Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material (art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborada por prova testemunhal idônea, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sendo que se admite inclusive documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região.
Ainda sobre a prova, acrescenta-se que nos termos da Súmula 149 do STJ não se admite prova exclusivamente testemunhal para comprovação da atividade rurícola, para efeito de obtenção de benefício previdenciário. Nesse sentido, confira-se a jurisprudência do E. STJ e do TRF4:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ENUNCIADO ADMINISTRATIVO 3/STJ. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. AUSÊNCIA DE INÍCIO DE PROVA MATERIAL. ALTERAÇÃO DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA 7/STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
1. A questão jurídica posta no recurso especial gira em torno da caracterização da condição de segurado especial, para fins de concessão de aposentadoria rural por idade.
2. O Tribunal a quo concluiu pela inexistência de efetiva atividade campesina durante o período pretendido, porquanto ausente o início de prova material exigido por lei. Rever tal entendimento demandaria o reexame do conjunto fático-probatório, vedado pela Súmula 7/STJ.
Precedentes.
3. Ademais, o reconhecimento de tempo de serviço rurícola, para efeito de aposentadoria por idade, é tema pacificado pela Súmula 149 desta Egrégia Corte, no sentido de que a prova testemunhal deve estar apoiada em um início razoável de prova material.
4. Agravo interno não provido.
(AgInt no AREsp 1042311/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/05/2017, DJe 23/05/2017)
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. ATIVIDADE RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR E COMO "BÓIA-FRIA". RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. INÍCIO DE PROVA MATERIAL CORROBORADO PELA PROVA TESTEMUNHAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ANTECIPADA. CONVERSÃO EM TUTELA ESPECÍFICA. 1. O tempo de serviço rural para fins previdenciários pode ser demonstrado através de início de prova material suficiente, desde que complementado por prova testemunhal idônea. 2. Restando comprovado nos autos o requisito etário e o exercício de atividade rural no período de carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural à parte autora a contar do requerimento administrativo, a teor do disposto no art. 49, II, da Lei nº 8.213/91. 3. O fato de a parte autora ter recolhido contribuições previdenciárias não constitui óbice à caracterização da sua condição de segurada especial, porquanto, não raras vezes, o segurado especial, com o intuito de garantir o direito à inativação - o qual até a edição da Lei nº 8.213/91 somente era garantido aos trabalhadores rurais com 65 anos de idade e que fossem chefes ou arrimos de família - inscrevia-se na Previdência Social com o fito de assegurar assistência médica, sem, contudo, deixar de exercer, exclusivamente, a atividade rural. Isso sem falar que tais contribuições não acarretam qualquer prejuízo ao INSS, uma vez que foram vertidas aos cofres públicos. 4. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 497 do CPC/15, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo). Contudo, já tendo havido a implantação por força de antecipação de tutela, mantenho a implantação agora sob esse fundamento. (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR MAIORIA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017)
Destaca-se, a propósito, que esta Turma já firmou entendimento de que os documentos civis tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor constituem início de prova material (STJ, AR 1166/SP, 3ª Seção, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU de 26/2/2007; TRF4, AC Nº 0002853-52.2013.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE, , D.E. 10/11/2016; TRF4: AC 2003.71.08.009120-3/RS, 5ª Turma, Relator Desembargador Federal Celso Kipper, D.E. de 20/5/2008).
Relativamente à idade mínima, a limitação constitucional ao labor do menor de dezesseis anos de idade deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas/previdenciários quando tenha prova de que efetivamente desenvolveu tal atividade (TRF4, AC Nº 5018877-65.2016.404.9999, 6ª TURMA, Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/06/2017; TRF4, AC Nº 5002835-30.2011.404.7213, 5a. Turma, LORACI FLORES DE LIMA, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/03/2017).
Outrossim, há recente precedente deste Tribunal retratado nos autos da ação civil pública sob nº 5017267-34.2013.4.04.7100/RS, 6ª Turma, Rel. p/ acórdão Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, com o fito de que o INSS:
c.1) se abstenha de fixar idade mínima para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei 8.213/91, admitindo, para comprovação de seu exercício, os mesmos meios probatórios postos à disposição dos demais segurados;
c.2) altere seus regulamentos internos para adequá-los ao comando sentencial;
c.3) comunique às suas Gerências Executivas e Agências da Previdência Social a necessidade de fazer observar a obrigação estabelecida na sentença.
Esta Corte, por ocasião do julgamento da sessão do dia 09/04/2018, julgou integralmente procedente a ação, a fim de reconhecer a possibilidade de ser computado período de trabalho realizado antes dos 12 anos de idade, qual seja, sem a fixação de requisito etário para fins de reconhecimento de tempo de serviço e de contribuição pelo exercício das atividades descritas no art. 11 da Lei nº 8.213/91.
A decisão foi mantida pelo Supremo Tribunal Federal (RE nº 1.225.475).
Finalmente, no que diz respeito aos denominados boias-frias (trabalhadores informais), diante da dificuldade de obtenção de documentos, o STJ firmou entendimento no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do período pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por robusta prova testemunhal.
A partir do exposto, conclui-se, em síntese, que para o reconhecimento do labor rural permite-se:
a) o reconhecimento do tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que corroborado por prova testemunhal idônea e robusta (AgInt no REsp 1570030/PR, Rel. Ministra REGINA HELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 23/05/2017, DJe 29/05/2017);
b) o reconhecimento de documentos em nome de terceiros (parentes que compõem o grupo familiar) como início de prova material;
c) a averbação do tempo de serviço rural em regime de economia familiar sem a fixação de requisito etário;
d) que os documentos tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento/nascimento, em que consta a qualificação como agricultor, valham como início de prova material.
Registro ainda que o aproveitamento do tempo de atividade rural desenvolvida até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.
CASO CONCRETO – LABOR RURAL
A parte autora pretende seja reconhecido o exercício de labor rural, em regime de economia familiar e como boia-fria, no período de 01.07.1978 a 15.02.1989. Para tanto, acostou aos autos os seguintes documentos:
a) Cartão de identificação e filiação da genitora emitido pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colorado, com data de admissão em 14.11.1988;
b) Cópia autenticada de livro de chamada da escola rural onde a autora estudou, de 1980;
c) Certidão de Casamento dos genitores da parte autora onde consta a profissão do pai como "agricultor", de 1968;
d) Comprovantes de pagamento de contribuição ao sindicato rural pela genitora da requerente, de 1988 e 1989.
Os documentos apresentados (itens a/d) servem como início de prova material da atividade rural do requerente após 1978, não sendo demais frisar que a jurisprudência não exige "a comprovação da atividade rural ano a ano, de forma contínua" pois início de prova material não significa prova cabal, mas algum "registro por escrito que possa estabelecer liame entre o universo fático e aquilo que expresso pela testemunhal." (TRF 4ª Região - AC n° 2000.04.01.128896-6/RS, Relator Juiz João Surreaux Chagas, DJU de 25-7-2001, p. 215).
Com efeito, a certidão de casamento dos genitores da autora onde consta a profissão do pai como "agricultor", de 1968, bem como o cartão de identificação e filiação da genitora emitido pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colorado, com data de admissão em 14.11.1988, e a cópia autenticada de livro de chamada da escola rural onde a autora estudou, de 1980, servem como início razoável de prova material de que a família exerceu o labor rural no período controverso.
Na Audiência Judicial (evento 52), foram ouvidas duas testemunhas.
A primeira, Sr. Francisco Lopes, disse que conheceu o autor em 1961, pois eram vizinhos no município de Rondon. Contou que o autor morava na propriedade do Sr. Olívio, juntamente com os pais e irmãos. Declarou que outras famílias moravam na propriedade, mas cada uma tocava sua parte. Disse que com 13/14 anos já via o autor trabalhando. Referiu que não havia a contratação de empregados e tampouco possuíam outra fonte de renda. Disse que perderam contato em 1972, mas soube o que o autor continuou trabalhando na área rural na Fazenda Paraíso, em Tapejara, pois levava café para secar nesta propriedade.
A segunda, Sra. Zilda Carlos de Souza Rodrigues, disse que conhece a autora desde quando ela tinha 6, 7 anos, aproximadamente, quando ela morava na Fazenda Santa Amélia com a mãe. Que a autora estudava e trabalhava desde pequena, pois não tinha pai, já que ele abandonou a família. Afirma que a família plantava algodão, colhia amendoim, etc. Que moravam e trabalhavam na fazenda até 1988, quando se mudaram para Colorado. A testemunha ainda mora na região. Que a mãe da autora, ela e seus irmãos, já trabalharam inclusive no sítio do pai da testemunha como diarista, pois moravam próximos.
Em depoimento judicial, a parte autora disse que quando tinha 6 anos o pai foi embora e abandonou a mãe com os filhos pequenos. Que a mãe começou a trabalhar na Fazenda Santa Adélia para sustentar os filhos. Conta que estudava e trabalhava na roça desde pequena, mas que, aos 10 anos, parou de estudar e passou a só ajudar a mãe, pois era a filha mais velha. Que eles trabalhavam na lavoura da fazenda onde moravam, bem como nas redondezas, como boias-frias. Que morou na Fazenda Santa Adélia e lá trabalhou até os 18 anos, quando a família veio para cidade, em 1988, aproximadamente. Explica que passou a trabalhar em um supermercado com carteira assinada. Sobre o pagamento do trabalho, afirma que, dependendo do local, pagava-se uma diária para a mãe e uma para os filhos, ou, quando já eram maiores, uma diária para a mãe e uma diária a cada dois filhos. Que nunca voltou a estudar.
Examinando a CTPS da autora (evento 18, OUT2, fl. 08), é possível verificar que o primeiro registro de emprego, em 16/02/1989, foi em um supermercado situado em Colorado, conforme explicado pela autora em seu depoimento.
O INSS afirma que o período reconhecido foi de 1978 a 1989, mas, as provas apresentadas foram produzidas em época distinta (1968, 1998, 2013), portanto, seriam imprestáveis ao deslinde da causa.
Ora, não possui razão a autarquia, pois o cartão de identificação e filiação da genitora emitido pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Colorado possui 1988 como data de admissão, a cópia autenticada de livro de chamada da escola rural onde a autora estudou é datada de 1980, bem como os comprovantes de pagamento de contribuição ao sindicato rural pela genitora da requerente datam de 1988 e 1989.
Ressalta-se, ainda, a previsão da Súmula 577 do STJ, a qual preconiza que “é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”.
A autarquia também alega que ficha ou carteira de sindicato desacompanhada do comprovante de recolhimento das contribuições sindicais e não homologada pelo INSS é prova inválida do labor rural.
Veja, para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material (art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborada por prova testemunhal idônea, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sendo que se admite inclusive documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região.
Ademais, a própria Instrução Normativa Nº 77/2015 do INSS prevê em seu art. 54, incisos XX e XXI, a possibilidade de comprovar a atividade rural através de registro sindical e contribuição social ao sindicato de trabalhadores rurais, sem especificar que tais provam devem ser homologadas pelo INSS, segue:
Art. 54. Considera-se início de prova material, para fins de comprovação da atividade rural, entre outros, os seguintes documentos,desde que neles conste a profissão ou qualquer outro dado que evidencie o exercício da atividade rurícola e seja contemporâneo ao fato nele declarado, observado o disposto no art. 111:
XX - ficha de inscrição ou registro sindical ou associativo junto ao sindicato de trabalhadores rurais, colônia ou associação depescadores, produtores ou outras entidades congêneres;
XXI - contribuição social ao sindicato de trabalhadores rurais,à colônia ou à associação de pescadores, produtores rurais ou aoutras entidades congêneres;
Sobre a afirmação de que ficha ou declaração escolar proveniente de instituição pública de ensino são provas inválidas do labor rural, também verifica-se que a IN Nº 77/2015 do INSS prevê em seu art. 54, inciso VIII, a possibilidade de comprovar a atividade rural através de "comprovante de matrícula ou ficha de inscrição em escola, ata ou boletim escolar do trabalhador ou dos filhos;".
Por fim, no que diz respeito aos denominados boias-frias (trabalhadores informais), diante da dificuldade de obtenção de documentos, o STJ firmou entendimento no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do período pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por robusta prova testemunhal.
Assim, pelas razões acima exaradas, mantenho a sentença e julgo comprovado o exercício da atividade rural pela autora no período de 01.07.1978 a 15.02.1989.
CORREÇÃO MONETÁRIA
Este Tribunal entende que a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e deve ser calculada pelo INPC a partir de 04/2006 (Lei n.º 11.430/06, que acrescentou o artigo 41-A à Lei n.º 8.213/91), conforme decisão do STF no RE nº 870.947/SE (Tema 810, item 2), DJE de 20/11/2017, e do STJ no REsp nº 1.492.221/PR (Tema 905, item 3.2), DJe de 20/03/2018.
Desse modo, deve ser parcialmente provida apelação do INSS para fixar o INPC como índice de correção monetária.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A partir da jurisprudência do STJ (em especial do AgInt nos EREsp 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 09/08/2017, DJe 19/10/2017), para que haja a majoração dos honorários em decorrência da sucumbência recursal, é preciso o preenchimento dos seguintes requisitos simultaneamente: (a) sentença publicada a partir de 18/03/2016 (após a vigência do CPC/2015); (b) recurso não conhecido integralmente ou improvido; (c) existência de condenação da parte recorrente no primeiro grau; e (d) não ter ocorrido a prévia fixação dos honorários advocatícios nos limites máximos previstos nos §§2º e 3º do artigo 85 do CPC (impossibilidade de extrapolação). Acrescente-se a isso que a majoração independe da apresentação de contrarrazões.
Na espécie, diante do parcial provimento do recurso, não se mostra cabível a fixação de honorários de sucumbência recursal.
TUTELA ESPECÍFICA
Com base no artigo 497 do CPC e na jurisprudência consolidada da Terceira Seção desta Corte (QO-AC 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado, a ser efetivada em 45 dias, a contar da publicação do presente julgado, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Na hipótese de a parte autora já estar em gozo de benefício previdenciário, o INSS deverá implantar o benefício concedido ou revisado judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.
Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.
PREQUESTIONAMENTO
Objetivando possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto.
CONCLUSÃO
Remessa necessária: não conhecida.
Apelo do INSS: parcialmente provido para fixar o INPC como índice de correção monetária. Determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado, a ser efetivada em 45 dias.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento à apelação, nos termos da fundamentação. Determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado, a ser efetivada em 45 dias.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003055350v36 e do código CRC bd246a6c.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 23/3/2022, às 14:7:20
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5019358-23.2019.4.04.9999/PR
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0003324-28.2018.8.16.0072/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE DA SILVA LIMA
ADVOGADO: BRUNO VILAS BOAS (OAB PR070266)
ADVOGADO: RENATA NASCIMENTO VIEIRA SANCHES (OAB PR035982)
ADVOGADO: CÍNTIA REGINA DE LIMA VIEIRA (OAB SP214484)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. NÃO CONHECIMENTO. preliminar. interesse de agir. aposentadoria por tempo de contribuição. labor rural. requisitos preenchidos. TUTELA ESPECÍFICA. correção monetária.
1. Não conhecida a remessa necessária, considerando que, por simples cálculos aritméticos, é possível concluir que o montante da condenação ou o proveito econômico obtido na causa é inferior a 1.000 salários mínimos (artigo 496 do CPC).
2. Decorre do próprio caráter social da atividade prestada pelo INSS a obrigação de orientar de forma efetiva os segurados no sentido de que, uma vez formulado pedido de concessão de benefício, quais documentos devem trazer para demonstrar que possuem direito ao que estão postulando, bem como que informações devem constar de tais documentos. Presente o interesse de agir da parte autora.
3. A Súmula 577 do STJ preconiza que “é possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório”.
4. Para fins de comprovação do exercício da atividade rural, não se exige prova robusta, sendo necessário que o segurado especial apresente início de prova material (art. 106 da Lei nº 8.213/91), corroborada por prova testemunhal idônea, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, sendo que se admite inclusive documentos em nome de terceiros do mesmo grupo familiar, a teor da Súmula nº 73 do TRF da 4ª Região.
5. A própria Instrução Normativa Nº 77/2015 do INSS prevê em seu art. 54, incisos XX e XXI, a possibilidade de comprovar a atividade rural através de registro sindical e contribuição social ao sindicato de trabalhadores rurais.
6. A IN Nº 77/2015 do INSS prevê em seu art. 54, inciso VIII, a possibilidade de comprovar a atividade rural através de "comprovante de matrícula ou ficha de inscrição em escola, ata ou boletim escolar do trabalhador ou dos filhos;".
7. No que diz respeito aos denominados boias-frias (trabalhadores informais), diante da dificuldade de obtenção de documentos, o STJ firmou entendimento no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do período pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por robusta prova testemunhal.
8. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado.
9. A partir de 04/2006, fixado o INPC como índice de correção monetária.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, não conhecer da remessa necessária e dar parcial provimento à apelação, nos termos da fundamentação. Determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício concedido ou revisado, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Curitiba, 22 de março de 2022.
Documento eletrônico assinado por CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, Desembargadora Federal Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003055351v4 e do código CRC 51de4063.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Data e Hora: 23/3/2022, às 14:7:20
Conferência de autenticidade emitida em 31/03/2022 04:01:07.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/03/2022 A 22/03/2022
Apelação/Remessa Necessária Nº 5019358-23.2019.4.04.9999/PR
RELATORA: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
PROCURADOR(A): SERGIO CRUZ ARENHART
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA JOSE DA SILVA LIMA
ADVOGADO: BRUNO VILAS BOAS (OAB PR070266)
ADVOGADO: RENATA NASCIMENTO VIEIRA SANCHES (OAB PR035982)
ADVOGADO: CÍNTIA REGINA DE LIMA VIEIRA (OAB SP214484)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/03/2022, às 00:00, a 22/03/2022, às 16:00, na sequência 501, disponibilizada no DE de 04/03/2022.
Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NÃO CONHECER DA REMESSA NECESSÁRIA E DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO, NOS TERMOS DA FUNDAMENTAÇÃO. DETERMINO O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO CONCEDIDO OU REVISADO, A SER EFETIVADA EM 45 DIAS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI
Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA
Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO
SUZANA ROESSING
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 31/03/2022 04:01:07.