Apelação/Remessa Necessária Nº 5031409-37.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA HELENA HAHN
RELATÓRIO
Trata-se de ação pelo rito ordinário proposta por MARIA HELENA HAHN, nascida em 25/07/1954, em face do INSS, postulando a concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição, mediante o reconhecimento de tempo rural, referente aos períodos de 25/04/1966 a 19/05/1976 e de 15/02/1977 a 25/10/1982, acrescido ao tempo já reconhecido administrativamente.
A sentença (prolatada em 10/02/2016 - Evento 3 - SENT23) julgou procedente o pedido para reconhecer o exercício de atividade rural nos períodos pleiteados e condenar o INSS à concessão do benefício de aposentadoria proporcional à parte autora na razão de 70% do salário de benefício, mais 0,5% para cada novo ano completo de contribuição, até o máximo de 100% do salário de benefício a contar da DER (11/01/2011). A correção monetária foi determinada pelo INPC e os juros de mora de acordo com a lei 11.960/2009. O INSS restou condenado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que foram fixados em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença.
O INSS, em suas razões (Evento 3 - APELAÇÃO26), sustenta que, conforme observa-se dos registros do pai da autora junto ao CNIS, este, no período de 01/06/1966 a 05/05/1992, exerceu atividade urbana, o que descaracterizaria o regime de economia familiar. Alega que a certidão de casamento apresentada demonstra que o cônjuge da autora, desde o casamento, contraído em 03/10/1975, exercia atividade urbana (marceneiro), de modo que, também a partir dessa época, estaria descaracterizado o regime de economia familiar. Subsidiariamente, sustenta que a data inicial do benefício seja fixada apenas a partir da citação. Requer sua isenção do pagamento das custas judiciais.
Com contrarrazões.
É o relatório.
VOTO
M
REEXAME NECESSÁRIO
O reexame necessário incide nas hipóteses do art. 475 do CPC de 1973, mas há exceção quando a condenação, ou o direito controvertido, for de valor certo não excedente a 60 (sessenta) salários mínimos (§ 2º do art. 475 do CPC de 1973). Para os casos de sentença ilíquida, como o presente, a jurisprudência uniformizada do Superior Tribunal de Justiça orienta pela incidência do reexame necessário:
490. A dispensa de reexame necessário, quando o valor da condenação ou do direito controvertido for inferior a sessenta salários mínimos, não se aplica a sentenças ilíquidas.
(STJ, Súmula, v. 490, j. 28/06/2012)
Deve-se conhecer o reexame necessário neste processo.
MÉRITO
Os pontos controvertidos no plano recursal restringem-se:
- ao reconhecimento de tempo rural nos períodos de 25/04/1966 a 19/05/1976 e de 15/02/1977 a 25/10/1982;
- à concessão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição;
- à data inicial dos efeitos financeiros do benefício;
- à isenção do INSS do pagamento das custas judiciais.
TEMPO DE SERVIÇO RURAL - ECONOMIA FAMILIAR
CONSIDERAÇÕES GERAIS
O aproveitamento do tempo de atividade rural exercido até 31 de outubro de 1991 - independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência - está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, inc. V, do Decreto n.º 3.048/99. Quando exercido em regime de economia familiar, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
A partir da competência novembro de 1991, em observância ao princípio constitucional da anterioridade previsto no art. 195, §6º, da Constituição Federal (90 dias para a instituição de contribuições para a seguridade social), pretendendo o segurado especial computar tempo de serviço rural para obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição, deverá comprovar o recolhimento de contribuições facultativas, conforme dispõe o art. 39, II, da Lei nº 8.213/91. Significa dizer que a contribuição obrigatória sobre percentual retirado da receita bruta da comercialização da produção rural, prevista no art. 25 da Lei nº 8.212/91, não garante ao segurado especial a aposentadoria por tempo de serviço, pois tal benefício, conforme se depreende do exame dos arts. 11, inciso VII, e 39, I e II, da Lei nº 8.213/91, tem sua concessão condicionada ao recolhimento facultativo de contribuições.
Tal entendimento restou assim sumulado pelo Superior Tribunal de Justiça, em 11/09/2002:
Súmula 272 - "O trabalhador rural, na condição de segurado especial, sujeito à contribuição obrigatória sobre a produção rural comercializada, somente faz jus à aposentadoria por tempo de serviço, se recolher contribuições facultativas."
O tempo de trabalho rural deve ser demonstrado com, pelo menos, um início de prova material contemporânea ao período a ser comprovado, complementada por prova testemunhal idônea. Não é admitida a prova exclusivamente testemunhal, a teor do § 3º do art. 55 da Lei 8.213/1991, preceito jurisprudencialmente ratificado pelo STJ na Súmula 149 e no julgamento do REsp nº 1.321.493/PR (STJ, 1ª Seção, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, em regime de "recursos repetitivos" do art. 543-C do CPC1973). Embora o art. 106 da Lei 8.213/1991 relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo (STJ, Quinta Turma, REsp 612.222/PB, rel. Laurita Vaz, j. 28abr.2004, DJ 07/06/2004, p. 277).
Não se exige, por outro lado, prova documental contínua da atividade rural, ou em relação a todos os anos integrantes do período correspondente à carência, mas início de prova material (notas fiscais, talonário de produtor, comprovantes de pagamento do ITR ou prova de titularidade de imóvel rural, certidões de casamento, de nascimento, de óbito, certificado de dispensa de serviço militar, quaisquer registros em cadastros diversos) que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar:
[...] considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, o STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ [...]
(STJ, Primeira Seção, REsp 1321493/PR, rel. Herman Benjamin, j. 10/10/2012, DJe 19/12/2012)
Quanto à questão da contemporaneidade da prova documental com o período relevante para apuração de carência, já decidiu esta Corte: A contemporaneidade entre a prova documental e o período de labor rural equivalente à carência não é exigência legal, de forma que podem ser aceitos documentos que não correspondam precisamente ao intervalo necessário a comprovar. Precedentes do STJ (TRF4, Sexta Turma, REOAC 0017943-66.2014.404.9999, rel. João Batista Pinto Silveira, D.E. 14/08/2015).
Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do trabalho rural, já que o § 1º do art. 11 da Lei 8.213/1991 define como sendo regime de economia familiar o exercido pelos membros da família "em condições de mútua dependência e colaboração". Via de regra, os atos negociais são formalizados em nome do pater familias, que representa o grupo familiar perante terceiros, função esta em geral exercida pelo genitor ou cônjuge masculino entre os trabalhadores rurais. Nesse sentido, a propósito, preceitua a Súmula nº 73 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental", e já consolidado na jurisprudência do STJ: "A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento no sentido da admissibilidade de documentos em nome de terceiros como início de prova material para comprovação da atividade rural" (STJ, Quinta Turma, REsp 501.009/SC, rel. Arnaldo Esteves Lima, j. 20/11/2006, DJ 11/12/2006, p. 407).
Importante, ainda, ressaltar que o fato de um dos membros da família exercer atividade outra que não a rural não descaracteriza automaticamente a condição de segurado especial de quem postula o benefício. A hipótese fática do inc. VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, que utiliza o conceito de economia familiar, somente será descaracterizada se comprovado que a remuneração proveniente do trabalho urbano do membro da família dedicado a outra atividade que não a rural seja tal que dispense a renda do trabalho rural dos demais para a subsistência do grupo familiar:
PREVIDENCIÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. CONCESSÃO DE APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. O exercício de atividade urbana por um dos componentes do grupo familiar não afasta, por si só, a qualidade de segurado especial dos demais membros, se estes permanecem desenvolvendo atividade rural, em regime de economia familiar. Para a descaracterização daquele regime, é necessário que o trabalho urbano importe em remuneração de tal monta que dispense o labor rural dos demais para o sustento do grupo. Precedentes do STJ.
(TRF4, Terceira Seção, EINF 5009250-46.2012.404.7002, rel. Rogerio Favreto, juntado aos autos em 12/02/2015)
O INSS alega com frequência que os depoimentos e informações tomados na via administrativa apontam para a ausência de atividade rural no período de carência. As conclusões adotadas pelo INSS no âmbito administrativo devem ser corroboradas pela prova produzida em Juízo. Em conflito as provas colhidas na via administrativa e em as tomadas em juízo, deve-se ficar com estas últimas, pois produzidas com as cautelas legais, garantindo-se o contraditório: "A prova judicial, produzida com maior rigorismo, perante a autoridade judicial e os advogados das partes, de forma imparcial, prevalece sobre a justificação administrativa" (TRF4, Quinta Turma, APELREEX 0024057-21.2014.404.9999, rel. Taís Schilling Ferraz, D.E. 25/06/2015). Dispondo de elementos que impeçam a pretensão da parte autora, cabe ao INSS produzir em Juízo a prova adequada, cumprindo o ônus processual descrito no inc. II do art. 333 do CPC de 1973, e no inc. II do art. 373 do CPC de 2015.
Quanto à idade mínima para exercício de atividade laborativa, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais consolidou o entendimento no sentido de que "A prestação de serviço rural por menor de 12 a 14 anos, até o advento da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, devidamente comprovada, pode ser reconhecida para fins previdenciários." (Súmula n.º 05, DJ 25/09/2003, p. 493). Assim, e considerando também os precedentes da Corte Superior, prevalece o entendimento de que "as normas que proíbem o trabalho do menor foram criadas para protegê-lo e não para prejudicá-lo.". Logo, admissível o cômputo de labor rural já a partir dos 12 anos de idade.
Caso concreto quanto ao tempo rural
Para comprovar o exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, nos períodos de 25/04/1966 a 19/05/1976 e de 15/02/1977 a 25/10/1982, a parte autora acostou aos autos os seguintes documentos:
- certidão de casamento, em 03/10/1975, na qual consta como sua profissão "lides domésticas" e de seu esposo "marcineiro" (Evento 3 - ANEXOS PET4, fl. 23);
- registro civil de casamento de seus pais, datado de 24/03/1954, na qual consta "agricultor" como profissão de seu genitor (Evento 3 - ANEXOS PET4, fl. 24);
- escritura pública de compra e venda, datada de 16/12/1971, na qual consta como adquirente o pai da autora e consta como sua profissão agricultor (Evento 3 - ANEXOS PET4, fl. 25);
- certidão do registro de imóveis, datada de 12/04/1956, na qual consta "agricuItor" como profissão de joão Edmundo Christ (Evento 3 - ANEXOS PET4, fl. 26);
- certidão do INCRA, demonstrando cadastro de imóvel rural, em nome de seu pai, nos anos de 1965 a 1972 (Evento 3 - ANEXOS PET4, fl. 27);
- certificados de cadastro no INCRA, em nome de seu pai, nos anos de 1971 e 1982 (Evento 3 - ANEXOS PET4, fl. 28);
Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso.
A jurisprudência vem relativizando o requisito de contemporaneidade, admitindo a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, tanto de forma retrospectiva como prospectiva, com base em firme prova testemunhal. Assim, não é imperativo que o início de prova material diga respeito a todo período de atividade rural, desde que as lacunas na prova documental sejam supridas pela prova testemunhal. Nesse sentido, estabelece o Tema nº 638 do STJ: "Mostra-se possível o reconhecimento de tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo, desde que amparado por convincente prova testemunhal, colhida sob contraditório" (REsp 1348633 SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, julgado em 28/08/2013, DJe 05/12/2014).
No caso dos autos, diferentemente do que sustentado pelo juiz singular, entendo que os documentos que vieram aos autos são suficientes para comprovar o efetivo exercício da atividade rural, apenas de 25/04/1966 a 03/10/1975 (data do casamento da segurada).
Com efeito, muito embora não se exijam documentos que corroborem ano a ano o trabalho rural, necessita-se, no mínimo, de um conteúdo probatório que demonstre o efetivo trabalho na agricultura. No caso dos autos, como se vê pela documentação relacionada acima, não há prova robusta de que a autora, após seu casamento, continuou trabalhando nas lides agrícolas.
Há farta documentação em nome dos genitores da parte autora, que somente pode ser utilizada para comprovar o labor rural até o momento em que a segurada deixou aquele âmbito familiar.
Após seu casamento, a autora precisaria ter início de prova documental em nome próprio, pois os documentos em nome de seu marido não podem servir de início de prova material do seu labor rural, eis que o marido justamente não desenvolvia mais labor rural, pois estava qualificado como marceneiro. Muito menos podem os documentos em nome dos pais da autora servir como esse início de prova material, uma vez que, após o casamento, a autora passa a ter novo núcleo familiar, vinculado ao marido, cujo labor não era rural.
Assim, os documentos apresentados constituem início razoável de prova material, aptos a comprovar a atividade rural apenas no período de 25/04/1966 a 19/05/1976.
Nesse sentido, a prova testemunhal (Evento 7 – VÍDEO1, VÍDEO2 E VÍDEO3 e Evento 3 - PET18), por sua vez, é precisa e convincente da atividade rural pela parte segurada no período legalmente exigido, tendo em vista que as testemunhas referiram que a autora sempre trabalhou na lavoura na atividade de agricultura, plantando alfafa, milho, arroz, feijão, entre outros produtos, desde criança, ajudando sua família, sem auxílio de empregados, dali tirando seu sustento.
Trasncrevo abaixo os dopoimentos:
Marlene Maria Munchen Glaeser
Conhece a justificante desde que ela tinha uns dez ou doze anos. A depoente residia, no mesmo local onde hoje reside. A justificante residia na mesmo localidade, a uma distância de aproximadamente 500 metros da depoente. A depoente afirma que o justificante residia com os pais e mais 4 irmãos. Eram agricultores. Segundo a depoente a justificante trabalhava na roça desde aproximadamente 10 ou 12 anos. Trabalhava nas terras do pai, que tinham aproximadamente 03 ou 04 hectares. Estas terras ficavam na Colônia de Escadinhas/RS. Segundo a depoente, a justificante residia na mesmo propriedade em que laborava. Segundo a depoente, a justificante,e sua famlia laboravam apenas nas próprias terras. O justificante ficou trabalhando com os pais nos dizeres da depoente, até os 21, 22 anos de idade, quando começou a trabalhar fora. Não tinham empregados. Não tinham outra fonte de renda. Plantavam alfafa, arroz, feijão. Criavam porcos, vacas, galinhas Plantavam para pro'prio consumo e vendiam o excesso para o comércio local A depoente afirma que via a justificonte trabalhando. na roça .
Nair Assmann
Conhece a senhora Maria Helena Hahn desde 06, 07 anos, quando estudavam juntas. A depoente na época em Escadinhas, Feliz/RS. A justificante, na época, residia na mesma localidade a aproximadamente 1,5 qulômetros de distância. A justificante, segundo a depoente, morava com os pais e mais 03 irmãos. Eram agricultores nos dizeres da depoente, a justificante começou o trabalhar na roça com 07, 08 anos de idade. Trabalhava nas terras do pai, em Escadinhas, Feliz/RS, que tinha aproximadamente 03 a 04 hectares: Era uma iínica propriedade, onde também residia. Não utilizavam terras de terceiros A justificante ficou trabalhando com os pais até os dezesseis anos de idade, porém saiu para trabalhar na fábrica Reicherdt e regressou aos 21 anos de idade para o labor rural. Não tinham empregados: Não tinham outra fonte de renda. Plantavam soja, milha, batata doce, batata doce. Criavam vacas, porcos, galinhas: 0 produto do trabalho era destinado para a subsistência, sendo que o excedente era vendido para o comércio local. A depoente afi'rma que via a justificante trabalhando na roça dada a proximidade de suas residências.
Ivania Gertrudes Kayser
Conhece o senhora Maria Helena Hahn, a quem passoa me referir por justificante, desde que tem 07, 08 anos. A depoente residia, no mesmo local onde hoje reside. A justificante residia na mesma localidade, a uma distância de aproximadamente 1000 metros da depoente. A depoente afirma que a justificante residia com os pais e mais 03 irmãos. Eram agricultores. Segundo a depoente a justificante trabalhava na roça desde aproximadamente 06, 09 anos. Trabalhava nas terras dos pais, que tinham aproximadamente 03, 04 hectares. Estas terras ficavam em Escadinho, Feliz/RS. Segundo a depoente, a justificante residia na mesmo propriedade em que laborava. Segundo o depoente, a justificante e sua família laboravam apenas nas próprias terras. A justificante ficou trabalhando com os pais, nos dizeres da depoente, até os 21 anos de idade, quando começou a trabalhar fora. Não tinham empregados. Não tinham outra fonte de renda. Plantavam alfafa, batata doce,soja, feijão, arroz, aipim. Criavam porcos, vacas, galinhas. Plantavam para próprio consumo e vendiam o excesso para o comércio local. A depoente afirma que via a justificante trabalhando na roça.
Acresço que, no que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Eis o teor da Súmula 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
Nesse sentido, seguem os seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA NECESSÁRIA. TRABALHO RURAL. TEMPO DE ATIVIDADE ANTERIOR À LEI Nº 8.213/1991. EXTENSÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. PROVA DA EFETIVA EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. AGENTE NOCIVO RUÍDO. HIDROCARBONETOS: NOCIVIDADE E ANÁLISE QUANTITATIVA. UTILIZAÇÃO DE EQUIPAMENTO DE PROTEÇÃO INDIVIDUAL. APOSENTADORIA. CONSECTÁRIOS LEGAIS. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DE OFÍCIO DO TEMA N.° 905 DO STJ. HONORÁRIOS. PREQUESTIONAMENTO. 1. Se não se pode fazer projeção alguma de montante exigível que legalmente releve a decisão proferida ao reexame necessário, este deve ser afastado. 2. Tempo de trabalho rural. Segundo o art. 55, § 2º, da Lei nº 8.213/1991, o tempo de serviço do segurado trabalhador rural, anterior à data de início de vigência da Lei, será computado independentemente do recolhimento das contribuições, exceto para efeito de carência. Não obstante o marco final estabelecido seja a entrada em vigor da Lei nº 8.213/1991, o Decreto nº 3.048/1999, no art. 127, inciso V, estendeu a possibilidade de aproveitamento do tempo rural até 31/10/1991. 3. Estão abrangidos pelo disposto no § 2º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 todos os beneficiários do antigo PRORURAL: segurado especial, empregado, avulso e eventual rurais, além dos membros do grupo familiar incluídos na categoria de segurado especial, nos termos do art. 11, inciso VII, da mesma Lei. 4. Para a comprovação do tempo de serviço rural, o § 3º do art. 55 da Lei nº 8.213/1991 exige início de prova material, não admitindo prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito. Súmula nº 149 e Tema nº 297 do STJ. 5. O início de prova material não está restrito ao rol de documentos contido no art. 106 da Lei nº 8.213/1991, cujo caráter é meramente exemplificativo. Os documentos públicos nos quais consta a qualificação do declarante como agricultor possuem o mesmo valor probante dos meios de prova previstos na Lei nº 8.213/1991, sobretudo quando forem contemporâneos do período requerido. 6. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do labor rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo, quando realizado em regime de economia familiar, justifica a mitigação da exigência de prova documental. 7. É possível a ampliação da eficácia probatória do início de prova material, para alcançar período anterior ou posterior aos documentos apresentados, se a prova testemunhal for favorável ao segurado. Súmula nº 577 do STJ. 8. Aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar. Entendimento consolidado na Súmula 73 desta Corte. 9. As lacunas na prova documental podem ser supridas pela prova testemunhal, contanto que seja firme, consistente e harmônica, fornecendo subsídios relevantes quanto ao desempenho da atividade rural. (...) (TRF4, APELAÇÃO CÍVEL Nº 0012064-10.2016.404.9999, 5ª Turma, Des. Federal OSNI CARDOSO FILHO, POR UNANIMIDADE, D.E. 28/11/2018, PUBLICAÇÃO EM 29/11/2018)
Diante do exposto, deve ser reformada a sentença para reconhecer o exercício de atividade rural apenas em relação ao período de 25/04/1966 a 19/05/1976.
REQUISITOS PARA CONCESSÃO DE APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO
Até 16 de dezembro de 1998, quando do advento da EC n.º 20/98, a aposentadoria por tempo de serviço disciplinada pelos arts. 52 e 53 da Lei n.º 8.213/91, pressupunha o preenchimento, pelo segurado, do prazo de carência (previsto no art. 142 da referida Lei para os inscritos até 24 de julho de 1991 e previsto no art. 25, II, da referida Lei, para os inscritos posteriormente à referida data) e a comprovação de 25 anos de tempo de serviço para a mulher e de 30 anos para o homem, a fim de ser garantido o direito à aposentadoria proporcional no valor de 70% do salário-de-benefício, acrescido de 6% por ano adicional de tempo de serviço, até o limite de 100% (aposentadoria integral), o que se dá aos 30 anos de serviço para as mulheres e aos 35 para os homens.
Com as alterações introduzidas pela EC nº 20/98, o benefício passou denominar-se aposentadoria por tempo de contribuição, disciplinado pelo art. 201, § 7º, I, da Constituição Federal. A nova regra, entretanto, muito embora tenha extinto a aposentadoria proporcional, manteve os mesmos requisitos anteriormente exigidos à aposentadoria integral, quais sejam, o cumprimento do prazo de carência, naquelas mesmas condições, e a comprovação do tempo de contribuição de 30 anos para mulher e de 35 anos para homem.
Em caráter excepcional, possibilitou-se que o segurado já filiado ao regime geral de previdência social até a data de publicação da Emenda, ainda se aposente proporcionalmente quando, I) contando com 53 anos de idade, se homem, e com 48 anos de idade se mulher - e atendido ao requisito da carência - II) atingir tempo de contribuição igual, no mínimo, à soma de: a) 30 anos, se homem, e de 25 anos, se mulher; e b) e um período adicional de contribuição (pedágio) equivalente a quarenta por cento do tempo que, na data da publicação da Emenda, faltaria para atingir o mínimo de tempo para a aposentadoria proporcional (art. 9º, § 1º, da EC nº 20/98). O valor da aposentadoria proporcional será equivalente a 70% do salário-de-benefício, acrescido de 5% por ano de contribuição que supere a soma a que se referem os itens "a" e "b" supra, até o limite de 100%.
De qualquer modo, o disposto no art. 56 do Decreto n.º 3.048/99 (§§ 3º e 4º) expressamente ressalvou, independentemente da data do requerimento do benefício, o direito à aposentadoria pelas condições legalmente previstas à época do cumprimento de todos os requisitos, assegurando sua concessão pela forma mais benéfica, desde a entrada do requerimento.
Forma de cálculo da renda mensal inicial (RMI)
A renda mensal inicial do benefício será calculada de acordo com as regras da legislação infraconstitucional vigente na data em que o segurado completar todos os requisitos do benefício.
Assim, o segurado que completar os requisitos necessários à aposentadoria antes de 29/11/1999 (início da vigência da Lei n.º 9.876/99), terá direito a uma RMI calculada com base na média dos 36 últimos salários-de-contribuição apurados em período não superior a 48 meses (redação original do art. 29 da Lei n.º 8.213/91), não se cogitando da aplicação do "fator previdenciário", conforme expressamente garantido pelo art. 6º da respectiva lei.
Ao cálculo dos benefícios dos segurados filiados até o dia anterior à data de publicação da Lei nº 9.876, de 29/11/1999, que vierem a cumprir as condições exigidas para a concessão dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, será aplicado o disposto no art. 3º do referido diploma legal.
DIREITO À APOSENTADORIA NO CASO CONCRETO:
No caso em exame, tem-se a seguinte composição do tempo de serviço da parte autora:
RECONHECIDO NA FASE ADMINISTRATIVA | Anos | Meses | Dias | |||
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98: | 16/12/1998 | 2 | 3 | 25 | ||
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário: | 28/11/1999 | 3 | 3 | 7 | ||
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento: | 11/01/2011 | 13 | 0 | 25 | ||
RECONHECIDO NA FASE JUDICIAL | ||||||
Obs. | Data Inicial | Data Final | Mult. | Anos | Meses | Dias |
T. Rural | 25/04/1966 | 19/05/1976 | 1,0 | 10 | 0 | 25 |
Subtotal | 10 | 0 | 25 | |||
SOMATÓRIO (FASE ADM. + FASE JUDICIAL) | Modalidade: | Coef.: | Anos | Meses | Dias | |
Contagem até a Emenda Constitucional nº 20/98: | 16/12/1998 | Tempo Insuficiente | - | 12 | 4 | 20 |
Contagem até a Lei nº 9.876 - Fator Previdenciário: | 28/11/1999 | Tempo insuficiente | - | 13 | 4 | 2 |
Contagem até a Data de Entrada do Requerimento: | 11/01/2011 | Tempo insuficiente | - | 23 | 1 | 20 |
Pedágio a ser cumprido (Art. 9º EC 20/98): | 5 | 0 | 16 | |||
Data de Nascimento: | 25/04/1954 | |||||
Idade na DPL: | 45 anos | |||||
Idade na DER: | 56 anos |
Assim, não cumprido o requisito de tempo de serviço mínimo, não faz jus a parte autora à implementação do benefício de aposentadoria por tempo de serviço/contribuição, devendo apenas ser averbado o período reconhecido.
Honorários de sucumbência - fixação
Considerando que a sentença recorrida foi publicada antes de 18/03/2016, data da entrada em vigor do CPC/2015, e tendo em conta as explanações tecidas quando da análise do direito intertemporal, esclareço que as novas disposições acerca da verba honorária são inaplicáveis ao caso em tela, de forma que não se determinará a graduação conforme o valor da condenação (art. 85, §3º, I ao V, do CPC/2015), tampouco se estabelecerá a majoração em razão da interposição de recurso (art. 85, §11º, do CPC/2015).
No caso, tendo em vista a reforma da sentença para não reconhecer o período de atividade rural de 15/02/1977 a 25/10/1982, mantido o reconhecimento do período de 25/04/1966 a 19/05/1976, com a respectiva averbação, presente a sucumbência recíproca. Desse modo, cada parte arcará com os honorários do respectivo patrono.
CONCLUSÃO
Dado parcial provimento à remessa oficial e à apelação do INSS, para reformar a sentença, não reconhecendo o período de atividade rural de 15/02/1977 a 25/10/1982 e não concedendo o benefício previdenciário à parte autora. Mantido reconhecimento do tempo rural no período de 25/04/1966 a 19/05/1976, determinando sua averbação. Presente a sucumbência recíproca, na forma da fundamentação.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à remessa oficial e à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000982886v26 e do código CRC 229da1cd.Informações adicionais da assinatura:
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5031409-37.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA HELENA HAHN
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA OFICIAL. conhecimento. TEMPO DE SERVIÇO rural. regime de economia familiar. requisitos legais. comprovação. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS não ATENDIDOS. sucumbência reciproca.
1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço.
2. Desde que os elementos documentais evidenciem o exercício do trabalho rural, não é necessário que se refiram a todo o período, ano por ano. A informalidade do trabalho no campo justifica a mitigação da exigência de prova documental, presumindo-se a continuidade do exercício da atividade rurícola, até porque ocorre normalmente a migração do meio rural para o urbano e não o inverso.
3. Acresço que, no que diz respeito à comprovação do tempo de serviço rural prestado em regime de economia familiar, aceitam-se como início de prova material os documentos apresentados em nome de terceiros, desde que integrem o mesmo núcleo familiar.
4. Determinada sucumbência recíproca.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à remessa oficial e à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 30 de abril de 2019.
Documento eletrônico assinado por GISELE LEMKE, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40000982887v4 e do código CRC f747cad5.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/04/2019
Apelação/Remessa Necessária Nº 5031409-37.2017.4.04.9999/RS
RELATORA: Juíza Federal GISELE LEMKE
PRESIDENTE: Juíza Federal GISELE LEMKE
PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: MARIA HELENA HAHN
ADVOGADO: SILVANA AFONSO DUTRA (OAB RS039747)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/04/2019, na sequência 149, disponibilizada no DE de 15/04/2019.
Certifico que a 5ª Turma , ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA , DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E À APELAÇÃO DO INSS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juíza Federal GISELE LEMKE
Votante: Juiz Federal JOSÉ LUIS LUVIZETTO TERRA
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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