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Apelação Cível Nº 5029088-58.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCIA MARTINS DIAS
RELATÓRIO
LUCIA MARTINS DIAS ajuizou ação de procedimento comum em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS objetivando seja declarada a inexistência de débito referente ao recebimento de valores cumulados a título de auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez.
Processado o feito, sobreveio sentença com o seguinte dispositivo (
:" Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE a presente AÇÃO PREVIDENCIÁRIA ajuizada por LÚCIA MARTINS DIAS em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS – para declarar a inexigibilidade da quantia cobrada pela autarquia previdenciária federal, relativamente aos valores percebidos pela requerente, a título de auxílio-acidente, no período compreendido entre a concessão da aposentadoria e a cessação daquele benefício, restando, assim, confirmada a tutela antecipada.
Condeno o demandado ao pagamento dos honorários advocatícios em favor da procuradora da autora, estes fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, com base no art. 85, § 3º, inciso I, e § 4º, inciso III, do Novo CPC, considerando a natureza da causa, o trabalho desenvolvido e o zelo na condução do processo.
Sem custas processuais, considerando o contido no art. 5º, inciso I, do Regimento de Custas.
Desnecessária a remessa necessária, ante o contido no art. 496, § 3º, inciso I, do Novo Código de Processo Civil.
Caso haja apelação, considerando as novas disposições do atual Código de Processo Civil (art. 1.010), que determina a remessa do recurso independentemente do juízo de admissibilidade no primeiro grau, deverá o cartório intimar a parte recorrida para oferecer contrarrazões e, na sequência, remeter os autos para a instância superior.
Nada sendo postulado após o trânsito em julgado, arquive-se com baixa.
Publique-se.
Registre-se.
Intimem-se."
Apela o INSS.
Defende que a ausência de demonstração de má-fé não afasta a necessidade de restituição. Invoca o teor do art. artigo 115 da Lei 8.213/91 e o princípio da proibição do enriquecimento sem causa (art. 154 do Decreto nº 3.048/99). Refere, ainda, que se impõe a restituição para evitar lesão à ordem pública. Pugna seja autorizada a cobrança de valores pela autarquia.
Com contrarrazões, vieram os autos a esta Corte (
.Nesta instância, foi determinado o sobrestamento do processo até o julgamento do Tema 979 do STJ (
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Recebo o apelo do INSS, pois cabível, tempestivo e dispensado de preparo.
Mérito
Ressarcimento ao erário
Quanto ao ponto, a sentença, em fundamentação clara e coerente, concluiu que é indevida a restituição de valores ao erário, pois inexistente má-fé do segurado, mas equívoco do INSS.
Dessa forma, adoto os fundamentos da sentença como razões de decidir (
:" Assim, correto o entendimento da autarquia previdenciária em cessar o pagamento do auxílio-acidente, ante a vedação legal de cumulação e, quanto a isso, a propósito, a demandante, como deixou claro na petição inicial, não se insurge, já que a inconformidade diz respeito à devolução dos valores, recebidos após a concessão de aposentadoria.
Ora, considerando que o equívoco foi exclusivo da autarquia previdenciária, tenho que se mostra totalmente equivocada a pretensão visando o ressarcimento dos valores, porquanto foram recebidos de boa-fé e, inclusive, trata-se de verba de cunho alimentar.
Nesse sentido, cito o seguinte precedente:
PREVIDENCIÁRIO. CUMULAÇÃO. AUXÍLIO-ACIDENTE. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. REPETIÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. IMPROPRIEDADE. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. I. A vedação ao recebimento cumulativo de auxílio-acidente com a aposentadoria por tempo de contribuição apenas não atinge os benefícios se ambos (benefício acidentário e de aposentadoria) forem concedidos antes da vigência da Lei nº 9.528/97, tendo em vista o princípio tempus regit actum, o que não é o caso dos autos. II. Esta Corte vem se manifestando no sentido da impossibilidade de repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, sendo relativizadas as normas dos arts. 115, II, da Lei nº 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99. Hipótese em que, diante do princípio da irrepetibilidade ou da não-devolução dos alimentos, deve ser afastada a cobrança dos valores. (TRF4, APELREEX 5026293-32.2013.404.7108, QUINTA TURMA, Relator p/ Acórdão ROGERIO FAVRETO, juntado aos autos em 21/05/2015)
Portanto, nestes casos, cabível a relativização das regras contidas no art. 115, inciso II, e § 1º, da Lei 8.213/91[1] e 154, § 3º, do Decreto nº 3.048/99, dai porque a procedência do pedido é o corolário lógico."
Ao julgar o Tema 979, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese:
Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
O julgado (REsp n.º 1.381.734/RN) restou assim ementado:
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART.
115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO.
ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.
1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n.
8.213/1991.
2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.
3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.
4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.
5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).
6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.
8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa.
Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.
9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido.
Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.
(REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021)
Entendo que a sentença deve ser mantida, porque o pagamento indevido não decorre de erro material ou operacional, mas sim de equívoco do INSS na verificação do preenchimento dos requisitos legais para a concessão de aposentadoria por invalidez.
Não há que se falar caraterização de em má-fé no caso concreto. Não houve declaração falsa, simulação ou qualquer outra conduta do segurado que pudesse caracterizar má-fé. Não é exigível que a autora, sem conhecimento jurídico, deduzisse a impossibilidade de cumulação do benefício de auxílio-acidente e aposentadoria por invalidez.
O apelo do INSS deve ser desprovido.
Honorários recursais
Diante do desprovimento do recurso, majoro os honorários em 20%, nos termos do art. 85, § 11, do CPC.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5029088-58.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCIA MARTINS DIAS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. TEMA 979.
1. Não cabe a restituição ao erário de benefício recebido indevidamente por má interpretação da lei ou má análise das provas apresentadas na via administrativa quando não comprovada a má-fé do segurado.
2. Apelação do INSS desprovida.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 14 de setembro de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 06/09/2022 A 14/09/2022
Apelação Cível Nº 5029088-58.2019.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): ALEXANDRE AMARAL GAVRONSKI
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: LUCIA MARTINS DIAS
ADVOGADO: JONI HENRIQUE ORSI BLOS
ADVOGADO: RENAN MAURICIO ORSI BLOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 06/09/2022, às 00:00, a 14/09/2022, às 16:00, na sequência 463, disponibilizada no DE de 26/08/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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