Remessa Necessária Cível Nº 5008961-16.2017.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PARTE AUTORA: ELIETE TAVARES BAUER (IMPETRANTE)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
RELATÓRIO
Cuida-se de remessa necessária contra a sentença que julgou demanda de ressarcimento de valores de benefícios previdenciários pagos indevidamente nestes termos:
Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM, extinguindo o processo com decisão de mérito, na forma do art. 487, I, do CPC, a fim de
a) cancelar o débito relativo aos valores recebidos pela impetrante na pensão por morte nº 21/120.570.015-0, bem como a respectiva consignação (evento 19 - PROCADM2, p. 6);
b) determinar à autoridade impetrada que proceda à revisão da pensão por morte nº 21/120.570.015-0, segundo o artigo 29, II, da LBPS, no prazo de 15 dias.
Presentes a relevância dos fundamentos da impetração, em razão da concessão da ordem, e o perigo na demora intrínseco ao caráter alimentar do benefício, DEFIRO O PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA, fazendo-o com fulcro no art. 300 do CPC, e no art. 7º, III, da Lei nº 12.016/2009, para determinar à impetrada que proceda ao cancelamento do débito referido no item 'a' e à revisão da pensão por morte nº 21/120.570.015-0, segundo o artigo 29, II, da LBPS, no prazo de 15 dias.
Para o caso de descumprimento da ordem, fixo, desde já, multa no valor de R$ 100,00 (cem reais) por dia de atraso, a teor do que dispõe os artigos 500 e 537 do CPC.
Sem custas (Lei nº 9.289/1996, art. 4º, I) e sem condenação em honorários advocatícios (Lei nº 12.016/2009, art. 25).
A Procuradoria Regional da República da 4ª Região opinou desprovimento da remessa oficial (e. 5).
É o relatório.
VOTO
A sentença foi vazada nestes termos (e. 31):
[...]Filio-me a tal corrente jurisprudencial, pois entendo incorreto impor ao segurado à devolução de valores recebidos em boa-fé.
Sopesadas tais questões, verifico que, no caso concreto, não há quaisquer indícios de má-fé da postulante, tratando-se, em verdade de erro da própria Administração. Nesse sentido, a autoridade impetrada reconheceu que o benefício foi revisto automaticamente na via administrativa após o decurso do prazo decadencial, sendo o este o motivo da cancelamento da revisão e cobrança dos valores percebidos pela impetrante. Extrai-se, nesse sentido, do Memorando-Circular nº 41 /DIRBEN/INSS (evento 19 - PROCADM2):
1. Informamos que, quando do processamento automático da revisão de que trata o inciso II, art. 29, da Lei nº 8.213/91, denominada “Revisão do Artigo 29”, foram selecionados indevidamente 19.803 (dezenove mil, oitocentos e três) benefícios, sem a observação da decadência.
Por conseguinte, é possível concluir que a cobrança efetuada pelo INSS é descabida, por se tratar de verba alimentar recebida em boa-fé. Cito, nesse sentido, os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça (grifei):
[...]
Portanto, deve-se acolher o pedido relativo ao cancelamento do débito exigido pela autarquia
Restabelecimento da revisão
Nesse ponto, razão também assiste à impetrante.
De fato, ao contrário do que entendeu o INSS na via administrativa, o prazo decadencial para a revisão discutida nos autos atingiu apenas os benefícios concedidos anteriormente a 15/04/2000, pois o Memorando-Circular-Conjunto nº 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15/04/2010, reconheceu que "são passíveis de revisão os benefícios por incapacidade e pensões derivadas destes, assim como as não precedidas, com DIB a partir de 29/11/1999, em que, no Período Básico de Cálculo - PBC, foram considerados 100% (cem por cento) dos salários-de-contribuição, cabendo revisá-los para que sejam considerados somente os 80% (oitenta por cento) maiores salários-de-contribuição."
Dessa forma, o reconhecimento do direito pela autarquia em 15/04/2010 impediu que a decadência se operasse sobre os benefícios concedidos nos 10 anos anteriores.
O TRF4 e a TRU4 assim o têm decidido (grifei):
PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. ART. 29, II, DA LEI Nº 8.213/91. DECADÊNCIA. RECEBIMENTO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO DOS VALORES. 1. A decadência do direito à revisão dos benefícios previdenciários na forma do art. 29, II, da Lei 8.213/91 deve ser contada a partir do reconhecimento do direito por meio do Memorando-Circular-Conjunto nº 21/DIRBEN/PFEINSS, que autorizou dita revisão. 2. O Memorando-Circular Conjunto nº 21/DIRBEN/PFEINSS, de 15/4/2010, constitui marco interruptivo do prazo prescricional para a revisão dos benefícios com base no artigo 29, II, da Lei 8.213/91. Essa interrupção garante o recebimento das parcelas anteriores a cinco anos da publicação do normativo para pedidos que ingressarem administrativa ou judicialmente em até cinco anos após a mesma data, uma vez que houve reconhecimento administrativo do direito. 3. É inviável a repetição dos valores recebidos de boa-fé pelo segurado, dado o caráter alimentar das prestações previdenciárias, devendo ser interpretadas à luz da Constituição as normas dos arts. 115, II, da Lei 8.213/91, e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99. (TRF4 5008045-31.2016.4.04.7102, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 18/09/2017).
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE APOSENTADORIA POR INVALIDEZ PRECEDIDA DE AUXÍLIO DOENÇA. ART. 29, II, DA LEI Nº. 8.213/91. PRAZO DECADENCIAL AUTÔNOMO PARA CADA UM DOS BENEFÍCIOS - ORIGINÁRIO E DERIVADO. MEMORANDO-CIRCULAR CONJUNTO Nº. 21/DIRBEN/PFE/INSS, DE 15.04.2010. ATO ADMINISTRATIVO QUE RECONHECEU O DIREITO À REVISÃO DOS BENEFÍCIOS NÃO ATINGIDOS PELA DECADÊNCIA À ÉPOCA. DECADÊNCIA NÃO CONSUMADA NO CASO CONCRETO. INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. 1. Esta Turma firmou o entendimento de que "1. No caso de revisão, nos termos do art. 29, II, da Lei 8.213/91, de aposentadoria por invalidez decorrente da transformação de auxílio-doença, deve-se analisar a decadência ao direito de revisão de cada benefício de forma autônoma. "Tendo decaído o direito de revisar o benefício originário, não há possibilidade de revisão do benefício derivado, no caso de esta ser apenas reflexa da revisão do primeiro" (IUJEF 5000341-64.2012.404.7115, Rel. Paulo Paim da Silva, D.E. 25/06/2012). 2. Com o Memorando-Circular Conjunto nº. 21/DIRBEN/PFE/INSS, de 15/04/2010, a Administração reconheceu o direito à revisão de benefícios previdenciários, na forma do art. 29, II, da Lei 8.213/91. Por consequência, foi afastada a decadência relativa aos benefícios que, à época, não tinham sido atingidos pelo prazo decadencial (art. 103 da Lei 8.213/91). 5001161-73.2013.404.7107, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão Gilson Jacobsen, juntado aos autos em 29/04/2015 2. Todavia, o provimento do incidente não traz proveito ao INSS-recorrente, na medida em que " a decadência da revisão, mediante a aplicação do art. 29, II, da Lei 8.213/91, atinge somente os benefícios concedidos antes de 15/04/2000". 3. Incidente conhecido e não provido. (5004052-37.2013.404.7117, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator p/ Acórdão Marcelo Malucelli, juntado aos autos em 24/06/2015).
Consequentemente, como o benefício da impetrante foi concedido em 11/06/2001, não se operou a decadência do direito à revisão segundo o artigo 29, II, da LBPS. Destarte, deve-se conceder a segurança pleiteada também nesse ponto, determinando-se que o INSS proceda à revisão da pensão por morte nº 21/120.570.015-0 diretamente na via administrativa. (Grifei).
Examinando-se os autos é possível concluir que, na hipótese, resta irretocável a sentença que concedeu a segurança, na medida em que proferida à luz da legislação aplicável à espécie, bem como dentro dos parâmetros de coerência e adequação ao caso concreto, não se registrando em tal ato judicial, portanto, indício de ilegalidade ou mesmo de abuso de poder.
Saliente-se, outrossim, que nos casos de recebimento de valores de boa-fé em decorrência de erro ou interpretação equivocada da administração previdenciária, o Egrégio STJ firmou a seguinte tese no Tema 979: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.
Portanto, em se tratando de valores pagos em decorrência de errônea interpretação e/ou má aplicação da lei, não há falar em devolução de valores, conforme excerto do voto proferido pelo Min. Benedito Gonçalves no julgamento do aludido repetitivo (REsp 1381734/RN, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/03/2021, DJe 23/04/2021, transitado em julgado em 17-06-2021):
O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. É regra geral do direito que ao administrado não é permitido alegar o desconhecimento da legislação, no entanto, não é dado exigir daquele que recebe o valor acima do devido pela Previdência Social a percepção da interpretação de todo o complexo legislativo, legal e infralegal utilizado pela Administração para o pagamento do benefício. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido. Assim, nessas circunstâncias, evidencia-se não ser possível exigir-se do beneficiário a devolução de valores pagos pelo INSS, ainda que indevidamente.
De qualquer sorte, a aplicação da tese firmada no Tema 979/STJ em relação aos valores pagos por erro da administração está submetida à modulação efetuada pela Primeira Seção do STJ:
"Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão."
Logo, tendo sido a presente demanda ajuizada em 17-11-2017 (e. 1), isto é, antes da publicação do acórdão do Tema 979/STJ, ocorrida em 23-04-2021, descabe a cobrança dos valores em face da modulação dos efeitos referida alhures.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento à remessa necessária.
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Remessa Necessária Cível Nº 5008961-16.2017.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PARTE AUTORA: ELIETE TAVARES BAUER (IMPETRANTE)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RESSARCIMENTO. BENEFÍCIO INDEVIDO. ERRO ADMINISTRATIVO. TEMA 979/STJ. MODULAÇÃO. DEVOLUÇÃO DESCABIDA. RECURSO DO INSS DESPROVIDO.
Ainda que tenha ocorrido erro administrativo (operacional) do INSS, a tese firmada no Tema 979/STJ somente se aplica às demandas propostas após a publicação do acórdão (23-04-2021).
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 23 de novembro de 2021.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/11/2021 A 23/11/2021
Remessa Necessária Cível Nº 5008961-16.2017.4.04.7204/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
PROCURADOR(A): WALDIR ALVES
PARTE AUTORA: ELIETE TAVARES BAUER (IMPETRANTE)
ADVOGADO: ANDRE AFONSO TAVARES (OAB SC041485)
PARTE RÉ: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/11/2021, às 00:00, a 23/11/2021, às 16:00, na sequência 636, disponibilizada no DE de 04/11/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À REMESSA NECESSÁRIA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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