Apelação Cível Nº 5017213-42.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CLEZIO DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: ALDO BELUSSO (OAB RS052091)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
RELATÓRIO
A sentença proferida na ação ajuizada por Clézio da Silva contra o INSS julgou improcedentes os pedidos de reconhecimento do exercício de atividade em condições especiais no período de 01/07/1994 a 01/03/2016, de conversão do tempo especial em comum e de revisão da renda mensal da aposentadoria por tempo de contribuição, mediante a exclusão do fator previdenciário, com base no art. 29-C da Lei nº 8.213. A parte autora foi condenada ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da causa, ficando suspensa a exigibilidade das verbas de sucumbência.
O autor interpôs apelação. Afirmou que, conforme o formulário expedido pela Companhia Riograndense de Saneamento, trabalhou na função de auxiliar de tratamento de água e esgoto, exposto ao agente químico ácido sulfúrico. Expôs que o laudo técnico da empresa informa o contato com os seguintes agentes nocivos: cal hidratada, sulfato de alumínio, cloro, ferro, manganês, ácido clorídrico, hidróxido de alumínio, iodeto de potássio, tiocianato de potássio, ácido oxálico, dietil-ditiocarbonato de sódio, ortoluidina, álcalis cáusticos como hipoclorito de sódio e hipoclorito de cálcio, alumínio, fluossilicato de sódio, entre outros, bem como agentes biológicos (vírus e bactérias) e umidade excessiva. Aduziu que a conclusão do laudo é clara sobre a exposição habitual e permanente aos agentes físicos (umidade) e químicos (orgânicos e inorgânicos), que caracterizam as atividades laborais como insalubres. Destacou que o laudo técnico de 1998 é o único que a empresa possui, sendo possível utilizá-lo para a comprovação da especialidade de todo o período requerido. Sustentou que a prova produzida nos autos demonstra a habitualidade e a permanência na exposição aos agentes nocivos. Apontou que o Tribunal Regional da 4ª Região, em casos similares, reconheceu o enquadramento da atividade especial, tendo em vista o contato com agentes químicos, além dos agentes biológicos presentes no esgoto.
O INSS ofereceu contrarrazões.
A sentença foi publicada em 14 de outubro de 2017.
VOTO
Tempo de atividade especial
O reconhecimento da especialidade obedece à disciplina legal vigente na época em que a atividade foi exercida, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, havendo a prestação laboral sob a vigência de certa legislação, o segurado adquire o direito à contagem do tempo de serviço especial na forma estabelecida, bem como à comprovação das condições de trabalho como então exigido, não se aplicando retroativamente lei nova que venha a estabelecer restrições à admissão do tempo de serviço especial. Nesse sentido, a orientação adotada pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24-09-2008) e pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (EINF 2005.71.00.031824-5/RS, Terceira Seção, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 18-11-2009).
A evolução legislativa da matéria apresenta os seguintes marcos temporais:
a) até 28 de abril de 1995, quando esteve vigente a Lei nº 3.807 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei nº 8.213 (Lei de Benefícios da Previdência Social), em sua redação original (artigos 57 e 58), a especialidade do tempo de serviço decorria do exercício de atividade profissional prevista como especial nos Decretos nº 53.831/1964 e nº 83.080/1979 e/ou na legislação especial. As normas regulamentares classificavam as atividades de duas formas: segundo os grupos profissionais, presumindo-se a sujeição do trabalhador a condições prejudiciais à saúde ou à integridade física; e segundo os agentes nocivos, caso em que deve ser demonstrada a exposição ao agente por qualquer meio de prova. Para os agentes nocivos ruído e calor, é necessário mensurar os seus níveis por meio de perícia técnica, documentada nos autos ou informada em formulário emitido pela empresa, a fim de verificar o grau de nocividade dos agentes envolvidos;
b) entre 29 de abril de 1995 a 5 de março de 1997, período em que estavam vigentes as alterações introduzidas pela Lei nº 9.032 no artigo 57 da LBPS, torna-se necessária a demonstração efetiva da exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário-padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima. Foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei nº 5.527, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13 de outubro de 1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória nº 1.523, que a revogou expressamente;
c) a partir de 6 de março de 1997, data da entrada em vigor do Decreto nº 2.172/1997, que regulamentou as disposições introduzidas no artigo 58 da LBPS pela Medida Provisória nº 1.523 (convertida na Lei nº 9.528), passou a ser exigida, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário-padrão, embasado em laudo técnico de condições ambientais do trabalho, ou por meio de perícia técnica.
Para que se caracterize a habitualidade e a permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física (referidas no artigo 57, §3º, da Lei n° 8.213), a exposição ao agente nocivo deve ser ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Exegese diversa levaria à inutilidade da norma protetiva, pois em raras atividades a sujeição direta ao agente nocivo se dá durante toda a jornada de trabalho e, em muitas delas, a exposição em tal intensidade seria absolutamente impossível (EINF n.º 0003929-54.2008.404.7003, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Rogério Favreto, D.E. 24-10-2011; EINF n.º 2007.71.00.046688-7, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. 07-11-2011). Em suma, somente se a exposição ao agente nocivo for eventual ou ocasional, está afastada a especialidade do tempo de serviço.
Além disso, conforme o tipo de atividade, a exposição ao agente nocivo, ainda que não diuturna, configura atividade apta à concessão de aposentadoria especial, tendo em vista que a intermitência na exposição não reduz os danos ou riscos inerentes à atividade. Não é razoável que se retire do trabalhador o direito à redução do tempo de serviço para a aposentadoria, deixando-lhe apenas os ônus da atividade perigosa ou insalubre (EINF n° 2005.72.10.000389-1, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, D.E. 18-05-2011; EINF n° 2008.71.99.002246-0, TRF 4ª Região, 3ª Seção, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. 08-01-2010).
Uma vez que se incorpora ao patrimônio jurídico do trabalhador a prestação de trabalho em condições especiais, regida pela legislação em vigor na época do exercício da atividade, é possível a conversão do tempo especial para comum, independente da data da prestação do trabalho ou do requerimento de benefício. A respeito, cabe registrar que, embora o art. 28 da MP nº 1.663-10 tenha revogado o artigo 57, § 5º, da Lei nº 8.213, a lei de conversão (Lei nº 9.711) não manteve o dispositivo, permanecendo a possibilidade de soma do tempo de serviço especial, após a respectiva conversão, ao tempo de atividade comum, para a concessão de qualquer benefício. Sobre a matéria, o Superior Tribunal de Justiça fixou a seguinte tese:
Tema 422 - Permanece a possibilidade de conversão do tempo de serviço exercido em atividades especiais para comum após 1998, pois a partir da última reedição da MP n. 1.663, parcialmente convertida na Lei 9.711/1998, a norma tornou-se definitiva sem a parte do texto que revogava o referido § 5º do art. 57 da Lei n. 8.213/1991. (REsp 1151363/MG, Rel. Ministro Jorge Mussi, Terceira Seção, julgado em 23/03/2011, DJe 05/04/2011)
A atual redação do artigo 70 do Decreto nº 3.048/1999 estabelece que as regras de conversão de tempo de atividade sob condições especiais em tempo de atividade comum aplicam-se ao trabalho prestado em qualquer período. Contudo, o fator de conversão do tempo especial em comum a ser utilizado é o previsto na legislação vigente na data da concessão do benefício, e não aquele em vigor quando o serviço foi prestado.
De acordo com o art. 70 do Decreto nº 3.048/1999, com a redação dada pelo Decreto nº 4.827/2003, o fator de conversão a ser observado é de 1,4 para o homem e de 1,2 para a mulher (considerando, em ambos os casos, o exercício de atividade que ensejaria a aposentadoria especial em 25 anos).
Utilização de equipamento de proteção individual
A respeito da utilização de equipamento de proteção individual (EPI), a Medida Provisória nº 1.729, convertida na Lei nº 9.732, modificou a redação do art. 58, § 2º, da Lei nº 8.213, estabelecendo que a existência de tecnologia de proteção individual eficaz, que comprovadamente neutralize os agentes nocivos ou diminua a sua intensidade a limites de tolerância, afasta o efetivo prejuízo à saúde ou integridade física do trabalhador, razão pela qual a atividade não pode ser qualificada como especial. Note-se que a questão atinente ao uso do EPI só passou a ter relevância, para fins de reconhecimento das atividades exercidas em condições especiais, a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado com repercussão geral, firmou entendimento no sentido de que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não há direito à aposentadoria especial. Contudo, havendo demonstração de que o uso do EPI, no caso concreto, não é suficiente para afastar a nocividade, deve ser reconhecida a especialidade do trabalho. Em relação ao ruído, o STF considerou que a exposição a níveis superiores aos limites de tolerância causa prejuízos ao organismo humano que vão além dos relacionados à perda das funções auditivas. Assim, a utilização do EPI não garante a eliminação dos efeitos do agente nocivo ruído, pois existem fatores de difícil ou impossível controle que influenciam a sua efetividade. Esta é a redação da tese firmada no Tema 555:
I - O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo a sua saúde, de modo que, se o Equipamento de Proteção Individual (EPI) for realmente capaz de neutralizar a nocividade, não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial; II - Na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), da eficácia do Equipamento de Proteção Individual (EPI), não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria. (ARE 664335, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 04/12/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-029 DIVULG 11-02-2015 PUBLIC 12-02-2015)
No período posterior à MP nº 1.729, o uso de EPI se revela, de per si, ineficaz para neutralizar os danos causados ao organismo humano pelo ruído. Com efeito, consoante já identificado pela medicina do trabalho, a exposição a níveis elevados de ruído não causa danos apenas à audição, de sorte que protetores auriculares não são capazes de neutralizar os riscos à saúde do trabalhador. Os ruídos ambientais não são absorvidos apenas pelos ouvidos e suas estruturas condutivas, mas também pela estrutura óssea da cabeça, sendo que o protetor auricular reduz apenas a transmissão aérea e não a óssea, daí que a exposição, durante grande parte do tempo de serviço do segurado produz efeitos nocivos a longo prazo, como zumbidos e distúrbios do sono.
Por essa razão, a declaração do empregador sobre a eficácia do EPI não tem o condão de afastar o reconhecimento da especialidade com base no agente nocivo ruído, conforme a tese firmada no Tema 555 do STF.
Agentes químicos
Os Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999, no Anexo IV, arrolam os agentes químicos nocivos à saúde, nos códigos 1.0.1 a 1.0.19. Conforme o Decreto nº 3.265, de 29 de novembro de 1999, o rol de agentes nocivos é exaustivo, enquanto que as atividades listadas nas quais pode haver a exposição é exemplificativa.
No entanto, mesmo que os atos normativos infralegais não enquadrem determinada substância química como nociva, se for constatado o efetivo prejuízo à saúde do segurado, é possível o reconhecimento da especialidade do labor desempenhado. Isso porque, consoante entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça, em recurso representativo de controvérsia, fixou a seguinte tese:
Tema 534 - As normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro, desde que o trabalho seja permanente, não ocasional, nem intermitente, em condições especiais (art. 57, § 3º, da Lei 8.213/1991). (REsp 1.306.113/SC, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013)
Desse modo, constatando-se, concretamente, a insalubridade de determinada atividade, é imperioso o reconhecimento da sua especialidade, ainda que o agente nocivo não esteja elencado no respectivo ato regulamentar. Nesse sentido, aliás, já dispunha a Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos: Atendidos os demais requisitos, é devida a aposentadoria especial, se perícia judicial constata que a atividade exercida pelo segurado é perigosa, insalubre ou penosa, mesmo não inscrita em Regulamento.
Embora o Decreto nº 3.265/1999 estabeleça que o direito ao benefício decorre da exposição ao agente nocivo em nível de concentração superior aos limites de tolerância, a avaliação para os agentes nocivos previstos nos Anexos 6, 13, 13-A e 14 da Norma Regulamentadora nº 15 - NR-15 é apenas qualitativa, sendo a nocividade presumida e independente de mensuração, constatada pela simples presença do agente no ambiente de trabalho, segundo dispõe o art. 157, § 1º, inciso I, da Instrução Normativa INSS/DC nº 118/2005 e dos atos normativos posteriores.
Vale notar, ainda, que os limites de tolerância fixados no Anexo 11 da NR-15 são válidos apenas para absorção por via respiratória. Se a substância química também for absorvida pela pele, não há como determinar o limite seguro de exposição.
Nesse sentido, já decidiu este Tribunal Regional Federal:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. RECONHECIMENTO DE LABOR EM CONDIÇÕES ESPECIAIS. RUÍDO. AGENTES QUÍMICOS. EPI. REQUISITOS ATENDIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. CONSECTÁRIOS. DIFERIMENTO. TUTELA ESPECÍFICA. IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO. (...) 6. Destacado o caráter meramente exemplificativo das listas de fatores e situações de risco constantes dos Decretos regulamentadores, bem como a desnecessidade de avaliação quantitativa dos riscos ocupacionais gerados pela exposição aos agentes químicos do Anexo 13 da NR 15 do MTE. (...) (TRF4 5004685-94.2012.4.04.7113, QUINTA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 26/04/2017)
Agentes biológicos
Os Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999 não estabelecem o rol de micro-organismos e parasitas infecto-contagiosos vivos e suas toxinas que caracterizam a exposição ocupacional a agentes nocivos biológicos. Apenas preveem as atividades que amparam o enquadramento do tempo de serviço como especial.
A avaliação da nocividade dos agentes biológicos é qualitativa, ou seja, a simples presença no ambiente de trabalho desses agentes faz presumir a nocividade, independentemente de mensuração. A caracterização da especialidade, nesses casos, não decorre, portanto, do tempo de exposição aos agentes biológicos, nem da concentração ou intensidade desses agentes no ambiente de trabalho.
Por sua vez, a permanência e a habitualidade relacionam-se com as tarefas específicas desenvolvidas pelo trabalhador que o exponham, durante a sua rotina laboral, a condições prejudiciais à saúde. Se, no desempenho cotidiano das suas funções, ele tem contato com agentes nocivos, em período razoável da jornada de trabalho, a exposição é habitual e permanente.
Agente físico umidade
A umidade era considerada agente nocivo durante a vigência do Decreto nº 53.831/1964 (código 1.1.3 do quadro anexo). No entanto, mesmo que os atos normativos infralegais posteriores não prevejam o enquadramento da atividade como especial, se for constatado o efetivo prejuízo à saúde do trabalhador, é possível o reconhecimento da especialidade do labor desempenhado.
O entendimento da Súmula nº 198 do extinto TFR foi reafirmado pelo STJ, no julgamento do Tema nº 534, pois, à luz da interpretação sistemática, as normas regulamentadoras que estabelecem os casos de agentes e atividades nocivos à saúde do trabalhador são exemplificativas, podendo ser tido como distinto o labor que a técnica médica e a legislação correlata considerarem como prejudiciais ao obreiro (REsp 1.306.113/SC, Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, julgado em 14/11/2012, DJe 07/03/2013).
A Norma Regulamentadora 15, aprovada pela Portaria nº 3.214/1978, do Ministério do Trabalho, no Anexo 10, prevê a insalubridade das atividades ou operações executadas em locais alagados ou encharcados, com umidade excessiva, capazes de produzir danos à saúde dos trabalhadores, conforme o laudo de inspeção realizada no local de trabalho.
Dessa forma, deve ser reconhecido o exercício de atividade especial, em razão da exposição à umidade, embora o trabalho tenha sido prestado após a vigência dos Decretos nº 2.173/1997 e nº 3.048/1999, desde que seja comprovado o dano à saúde do trabalhador em laudo pericial. A matéria já foi apreciada por este Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS. RUÍDO. FRIO. UMIDADE. EPI. APOSENTADORIA ESPECIAL. REQUISITOS IMPLEMENTADOS. CONCESSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. (...) 3. A exposição aos agentes nocivos frio e umidade excessiva, cuja insalubridade veio atestada por meio de laudo pericial judicial, enseja o reconhecimento da especialidade das atividades, com fundamento na Súmula n.º 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos. (...) (TRF4, APELREEX 0019290-03.2015.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, D.E. 31/07/2018)
PREVIDENCIÁRIO. ATIVIDADE ESPECIAL. FRIO. PERICULOSIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. (...) . A exposição a frio, com temperaturas inferiores a 12ºC, enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. A permanência, em relação ao agente físico frio, deve ser considerada em razão da constante entrada e saída do empregado da câmara fria durante a jornada de trabalho e não como a permanência do segurado na câmara frigorífica, não sendo razoável exigir que a atividade seja desempenhada integralmente em temperaturas abaixo de 12ºC. (...) (TRF4, AC 5011357-77.2014.4.04.7104, QUINTA TURMA, Relatora LUCIANE MERLIN CLÈVE KRAVETZ, juntado aos autos em 02/08/2018)
Caso concreto
Conforme os dados constantes no perfil profissiográfico previdenciário emitido pela Companhia Riograndense de Saneamento - CORSAN, o autor exerceu, no período de 01/07/1994 a 01/03/2016, a função de auxiliar de tratamento de água e esgoto, no setor de tratamento. Suas atribuições eram a análise de água bruta e tratada; preparação dos meios de cultura; adição e controle dos produtos químicos utilizados no tratamento de água; manipulação de reativos, soluções e suspensões com produtos químicos; lavagem dos decantadores, filtros, tanques e reservatórios. A partir de 11 de dezembro de 1998, a empresa forneceu equipamento de proteção individual eficaz, com certificado de aprovação nº 6659 (evento 7, procadm1, p. 18/19).
Embora o PPP tenha informado somente o risco ocupacional decorrente do contato com o agente químico ácido sulfúrico, o laudo técnico padrão da CORSAN, relativo às atividades desenvolvidas em estações de tratamento de água - ETA, registra a exposição a vários agentes químicos, à umidade e a agentes biológicos (evento 1, out6).
Por isso, é relevante transcrever as condições ambientais de trabalho e o registro dos agentes nocivos descritos no laudo:
4 - CONDIÇÕES AMBIENTAIS DO LOCAL DE TRABALHO:
As condições ambientais do local de trabalho do servidor não são as mais adequadas as suas atividades, ressaltando-se as advindas da falta de espaço e acondicionamento dos agentes químicos empregados, e que implicam em contato e exposição prejudiciais a sua integridade física.
Ressalta-se que nos prédios das ETA's estão os depósitos de cal hidratada e sulfato de alumínio, acondiconados em sacos de papel.
O transporte e o manuseio destes produtos químicos faz com que o ar dos depósitos fique poluído com grande número de partículas em suspensão com suas consequências danosas à saúde do trabalhador.
As atividades de troca e substituição dos cilindros de cloro e a operação do sistema de dosagem de cloro são as maiores causadoras de riscos ocupacionais. É quando, por força das exigências de produção, alguns procedimentos de segurança não são cumpridos.
Em nível de laboratório para análise da água bruta e tratada são realizadas análises físicas, químicas e bacteriológicas. Isto é, PH, teor de cloro, turbidez, oxigênio dissolvido, oxigênio consumido, ferro, manganês, dureza e alcalinidade. Nestas análises são manuseadas matérias primas: água bruta, tratada e produtos químicos (Ácido Clorídrico, Ácido Sulfúrico, Hidróxido de Alumínio, Iodeto de Potássio, Tiocianato de Potássio) e orgânicos (Ácido Oxálico, Dietil-ditiocarbonato de Sódio e Ortotoluidina).
Além das atividades de nível de laboratório e adição de produtos químicos, são executados todos os controles operacionais de funcionamento da ETA.
Tais atividades em sua maioria são a céu aberto, executadas independentemente das condições climáticas, em frequências diária, semanal e mensal, como por exemplo: coletas externas de água nos tanques, controle externo de vazão e limpeza manual interna com acesso ou não, no interior dos floculadores, decantadores e filtros.
Também para controle das doenças de veiculações hídricas como o vibrião do cólera, vírus poliomielite, verminose e hepatite, são coletadas amostras nos mananciais.
5 - REGISTRO DOS AGENTES NOCIVOS:
O processo de trabalho relativo ao tratamento de água envolve diferentes etapas e situações de exposição a riscos ocupacionais com repercussões variadas sobre a saúde dos trabalhadores.
As técnicas utilizadas, as quais envolvem sedimentação (para depósitos de substâncias presentes na água bruta), filtração (para remoção de partículas e microorganismos), esterilização, oxigenação, fluoração dentre outras etapas, tem presente diversas atividades executadas em ambientes úmidos e uma variada gama de produtos químicos envolvidos na análise e tratamento da água bruta.
As atividades de substituição de cilindros de cloro e operação do sistema de dosagem de cloro são as maiores causadoras de riscos ocupacionais, quando, por força das exigências da produção, alguns dispositivos de segurança não são cumpridos.
Esses produtos químicos, por inalação ou contato cutâneo, podem ser responsáveis por reações alérgicas e irritabilidade das vias respiratórias e dermatites, bem como a ingestão acidental desses produtos pode ocasionar intoxicação grave. O contato diário com os mesmos produtos leva a riscos que comprometem a saúde dos trabalhadores, independente das condições de segurança adotadas pela Companhia.
Muitas substâncias conhecidas como álcalis cáusticos como hipoclorito de sódio e hipoclorito de cálcio, entre outros, e o ácido clorídrico são comprovadamente cáusticos e irritantes do aparelho respiratório, sem falar do cloro que, se aspirado pelo servidor, pode ser fatal.
O contato ocupacional com tais produtos, somente pode ser feito a partir da correta utilização de equipamentos de proteção individual e/ou coletiva, como luvas, botas, macacão, avental e medidas de proteção respiratória.
As atividades de inspeção e amostragem da água, manutenção e lavagem dos filtros de floculação e decantadores representam a exposição a agentes físicos, químicos, biológicos, como umidade, produtos químicos já citados, vírus e bactérias.
Muitas doenças estão relacionadas ao trabalho no tratamento da água bruta, tais como: hepatite, cólera, febre tifóide, leptospirose, gastroenterites, dentre outras. Também o contato com metais como alumínio pode determinar manifestações renais e neurológicas.
A consequência da exposição diária a um ambiente úmido e do contato direto da água com a pele favorece à embebição epidérmica resultando em maceração da camada córnea e seu consequente enfraquecimento e destruição com microfissuras, oportunizando a penetração de diversos agentes microbianos que podem levar à flogose e secreção purulenta, levando a oníquas e paroníquas por agentes fúngicos.
A umidade excessiva prejudica também o trabalhador, favorecendo a queda da resistência imunológica aos agentes biológicos, com manifestação de doenças infecto-contagiosas, principalmente do trato respiratório.
Outro grupo de doenças importantes e que têm sua gênese ligado ao contato permanente com ambientes úmidos é o reumatismo.
A umidade subtrai elétrons da pele provocando variações nas tensões elétricas dos tecidos que se estendem debaixo da cútis ocasionando a coagulação da albumina nos músculos.
Alguns solventes orgânicos podem determinar dano hepático.
Outro agente tóxico ao organismo, o fluossilicato de sódio, usado para a fluoretação da água, é danoso ao organismo, especialmente na forma seca e concentrada. Cuidados quanto a manipulação e estocagem são muito importantes.
Essa diversidade de riscos deve ser combatida a partir de diferentes estratégias envolvendo ações de Medicina do Trabalho e de Engenharia de segurança, ações integradas, e que contem com a real participação daqueles que efetivamente conhecem as condições materiais dos ambientes de trabalho: os trabalhadores de ETA's.
A despeito de a sentença considerar que as condições de trabalho do autor não se enquadram nos decretos regulamentares e que não haveria permanência e habitualidade na exposição aos agentes nocivos indicados no laudo pericial, as provas produzidas nos autos demonstram o contrário.
O laudo técnico da CORSAN não deixa dúvida quanto à exposição habitual e permanente do autor ao agente físico umidade nas atividades de lavagem dos floculadores, decantadores, filtros, tanques e reservatórios, bem como aos agentes químicos inorgânicos (ácido clorídrico, ácido sulfúrico, cal hidratada, cloro, fluossilicato de sódio, hidróxido de alumínio, hipoclorito de cálcio, hipoclorito de sódio, iodeto de potássio, oxicloreto de zircônio, permanganato de potássio, persulfato de potássio, sulfato de alumínio, tiocianato de potássio) e orgânicos (ácido oxálico, dietil-ditiocarbonato de sódio e ortotoluidina), manuseados nas atividades de tratamento e análise de água bruta e tratada. Também demonstra a nocividade do trabalho em estações de tratamento de água e esgoto, decorrente da exposição a agentes biológicos nas atividades de inspeção e amostragem, manutenção e lavagem dos filtros e decantadores.
Ainda que nem todas as substâncias químicas sejam nocivas à saúde, o cloro possui enquadramento no código 1.2.11 do Anexo I do Decreto nº 83.080/1979 e no código 1.0.9 do Anexo IV dos Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999; o ácido oxálico, no Anexo 13 da NR 15 (operações diversas); a ortotoluidina, no código 1.019 do Anexo IV dos Decretos nº 2.172/1997 e nº 3.048/1999; o ácido clorídrico no Anexo 11 da NR 15.
Como já referido, mesmo que o agente agressivo não esteja elencado no respectivo ato regulamentar, deve ser reconhecido o caráter especial do trabalho, desde que a insalubridade seja comprovada por meio de perícia técnica. Note-se que a avaliação da nocividade dos agentes químicos arrolados no Anexo 13 da NR 15 é somente qualitativa, não se sujeitando a limite de tolerância. Cabe ressaltar, ainda, que a ortotoluidina é potencialmente cancerígena.
O entendimento expendido na sentença, a respeito da permanência e da habitualidade, destoa da atual redação do art. 65 do Decreto nº 3.048/1999. O conceito de permanência não mais se relaciona à exposição do segurado a agentes nocivos em tempo integral durante a jornada de trabalho, mas sim aos riscos ocupacionais inerentes às atividades desempenhadas normalmente pelo trabalhador na produção do bem ou da prestação do serviço. Eis o teor do dispositivo:
Art. 65. Considera-se trabalho permanente, para efeito desta Subseção, aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço. (Redação dada pelo Decreto nº 4.882, de 2003)
Portanto, a permanência e a habitualidade relacionam-se com as tarefas específicas desenvolvidas pelo trabalhador, vinculadas ao processo produtivo ou à prestação do serviço, que o exponham, durante a sua rotina laboral, a condições prejudiciais à saúde. Se, no desempenho cotidiano das suas funções, ele tem contato com agentes nocivos, em período razoável da jornada de trabalho, a exposição é habitual e permanente.
A descrição das atividades executadas pelo autor no PPP evidencia o exercício de funções inerentes ao objeto social da empresa e o contato habitual e permanente com os agentes nocivos. Não há qualquer indício de que a exposição era eventual ou intermitente, pois o seu cotidiano de trabalho exigia o manuseio e o contato com produtos químicos na realização das tarefas de tratamento e análise de água bruta e tratada e expunha-o à umidade excessiva durante a limpeza dos floculadores, decantadores, filtros, tanques e reservatórios.
A respeito da utilização do equipamento de proteção individual, interessa averiguar apenas os períodos posteriores a 3 de dezembro de 1998, visto que a legislação anterior à Medida Provisória nº 1.729 não estabelecia expressamente a possibilidade de elisão do prejuízo à saúde ou à integridade física do trabalhador em razão da existência de tecnologia de proteção individual eficaz.
O PPP informou o fornecimento de EPI com certificado de aprovação nº 6659. A consulta ao sistema CAEPI - Certificado de Equipamento de Proteção Individual, da Secretaria de Inspeção do Trabalho, no endereço da internet http://caepi.mte.gov.br/internet/ConsultaCAInternet, indica que o certificado refere-se à luva de segurança confeccionada em borracha natural, destinada à proteção contra agentes mecânicos e químicos.
O equipamento de proteção individual somente pode ser considerado eficaz, se for adequado para proteger ou neutralizar os efeitos dos agentes nocivos específicos a que se expõe o trabalhador no desempenho das suas atividades.
O laudo pericial afirmou que, nas atividades de substituição de cilindros de cloro e operação do sistema de dosagem de cloro, o trabalhador estava sujeito à inalação e ao contato cutâneo. Também descreveu que o manuseio de cak hidratada e sulfato de alumínio, acondicionado em sacos de papel, propicia a contaminação do ar com partículas em suspensão. Dessa forma, a empresa deveria fornecer óculos de segurança e máscara de proteção respiratória, a fim de evitar o possível prejuízo à saúde do trabalhador.
Por sua vez, verifica-se que a empresa não forneceu os equipamentos de proteção individual adequados para o controle eficaz dos efeitos prejudiciais da umidade (luvas de látex, botas de borracha e avental de PVC).
Assim, não há subsídio probatório para caracterizar a eliminação do agente físico umidade e dos efeitos prejudicais dos agentes químicos aos olhos, à pele e ao sistema respiratório.
A questão já foi analisada por este Tribunal conforme o acórdão a seguir transcrito:
PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. CABIMENTO. AVERBAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. COMPROVAÇÃO - REQUISITOS LEGAIS. IRDR 15. AGENTE NOCIVO UMIDADE E BIOLÓGICO. SANEPAR. AUXILIAR NO TRATAMENTO DE ÁGUA E ESGOTO. EPI EFICAZ. INCABIMENTO. CONSECTÁRIOS LEGAIS DA CONDENAÇÃO. RE Nº 870.947/SE. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. EFEITO SUSPENSIVO. INDEFINIÇÃO. DIFERIMENTO PARA A FASE DE CUMPRIMENTO. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPLANTAÇÃO IMEDIATA DO BENEFÍCIO. 1. Hipótese em que, não sendo possível verificar de plano se o valor da condenação excede ou não o limite legal de 60 salários mínimos (vigente à época da prolação da sentença), a sentença está sujeita à remessa ex officio. 2. A lei em vigor quando da prestação dos serviços define a configuração do tempo como especial ou comum, o qual passa o integrar o patrimônio jurídico do trabalhador, como direito adquirido. 3. Até 28-4-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade do trabalho por categoria profissional; a partir de 29-4-1995 é necessária a demonstração da efetiva exposição, de forma não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde, por qualquer meio de prova; e a contar de 6-5-1997 a comprovação deve ser feita por formulário-padrão embasado em laudo técnico ou por perícia técnica. 4. O uso de EPI eficaz, apto a afastar a especialidade do tempo, somente pode ser aplicado a partir de 3-12-1998, tendo em conta que no período anterior vigente a orientação contida na Ordem de Serviço do INSS/DSS nº 564/1997, cujo item 12.2.5. estabelecia que o uso do Equipamento de Proteção Individual - EPI não descaracterizava o enquadramento da atividade sujeita a agentes agressivos à saúde ou à integridade física. 5. Nos termos do IRDR (Tema 15), esta Corte fixou o entendimento de que: a) quando o LTCAT e o PPP informam não ser eficaz o EPI, há a especialidade do período de atividade; b) quando a empresa informa no PPP a existência de EPI e sua eficácia, obrigatoriamente deverá ser oficiado ao empregador para fornecimento dos registros sobre o fornecimento do EPI e, apresentada a prova, deverá ser determinada a realização de prova pericial; e c) a utilização de EPI não afasta a especialidade do labor, pois é presumida a sua ineficácia: i) em períodos anteriores a 3-12-1998; ii) quando há enquadramento da categoria profissional; iii) em relação aos seguintes agentes nocivos: ruído, agentes biológicos, agentes cancerígenos (como asbestos e benzeno), agentes periculosos (como eletricidade), calor, radiações ionizantes e trabalhos sob condições hiperbáricas, trabalhos sob ar comprimido. 6. Não se exige a exposição ininterrupta, durante todas as horas da jornada de trabalho, bastando que o segurado fique sujeito às condições insalubres em parte razoável do tempo. 7. A atividade de auxiliar no tratamento de água e esgoto sujeita o segurado à exposição a diferentes agentes nocivos biológicos e umidade, comprovados por meio de PPP e laudo técnico, ensejando o reconhecimento da especialidade do período, independentemente de prova da eficácia do EPI. (...) (TRF4 5001475-73.2014.4.04.7013, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator FERNANDO QUADROS DA SILVA, juntado aos autos em 07/12/2018)
PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ESPECIAL. MAGISTÉRIO. AGENTES BIOLÓGICOS. FATOR PREVIDENCIÁRIO. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. A atividade de professor era considerada especial, em razão da penosidade, até o advento da Emenda Constitucional nº 18, de 08/07/1981, de modo que só pode ser convertida em tempo de serviço comum se prestada até a data da publicação da referida emenda. 2. A avaliação da nocividade do trabalho em contato com agentes nocivos biológicos é qualitativa, ou seja, a simples presença no ambiente de trabalho desses agentes faz presumir a nocividade, independente de mensuração. 3. Se, no desempenho cotidiano da função de auxiliar de tratamento de água e esgoto, o trabalhador tem contato com agentes nocivos biológicos em período razoável da jornada de trabalho, a exposição é habitual e permanente. 4. Havendo o cômputo de tempo de contribuição posterior à Lei nº 9.876/1999, o fator previdenciário incide sobre as aposentadorias concedidas com base na norma de transição do art. 9º da Emenda Constitucional nº 20/1998. 5. O Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, afastou a possibilidade de contagem do tempo de serviço posterior à Emenda Constitucional nº 20/1998 para a concessão de aposentadoria com base nas normas anteriores, porquanto inexiste direito adquirido a regime jurídico (Tema nº 70). 6. A idade mínima e o pedágio, enquanto requisitos para a concessão de aposentadoria conforme a regra do art. 9º da Emenda Constitucional nº 20/1998, não se confundem com as variáveis atuariais que compõem o cálculo do fator previdenciário (expectativa de sobrevida, tempo de contribuição e idade). 7. A diminuição do valor do salário de benefício decorrente da aplicação do fator previdenciário não se mostra incompatível com o critério de preservação do equilíbrio financeiro e atuarial que passou a orientar a Previdência Social desde a Emenda Constitucional nº 20/1998. 8. Aplica-se o INPC como índice de correção monetária em ações previdenciárias, inclusive após 30 de junho de 2009 (Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça). (TRF4, AC 5039612-23.2015.4.04.7100, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 04/10/2020)
Conclui-se, desse modo, que o autor exerceu atividade em condições especiais no período de 01/07/1994 a 01/03/2016, fazendo jus à conversão do tempo especial em comum, pelo fator 1,4.
Revisão do benefício e fator previdenciário
O art. 29-C da Lei nº 8.213/1991, incluído pela Lei nº 13.183/2015, resultante da conversão da Medida Provisória nº 676, de 17 de junho de 2015, assim dispõe:
Art. 29-C. O segurado que preencher o requisito para a aposentadoria por tempo de contribuição poderá optar pela não incidência do fator previdenciário no cálculo de sua aposentadoria, quando o total resultante da soma de sua idade e de seu tempo de contribuição, incluídas as frações, na data de requerimento da aposentadoria, for:
I - igual ou superior a noventa e cinco pontos, se homem, observando o tempo mínimo de contribuição de trinta e cinco anos; ou
II - igual ou superior a oitenta e cinco pontos, se mulher, observado o tempo mínimo de contribuição de trinta anos.
§ 1º Para os fins do disposto no caput, serão somadas as frações em meses completos de tempo de contribuição e idade.
§ 2º As somas de idade e de tempo de contribuição previstas no caput serão majoradas em um ponto em:
I - 31 de dezembro de 2018;
II - 31 de dezembro de 2020;
III - 31 de dezembro de 2022;
IV - 31 de dezembro de 2024;
V - 31 de dezembro de 2026.
§ 3º Para efeito de aplicação do disposto no caput e no § 2º, o tempo mínimo de contribuição do professor e da professora que comprovarem exclusivamente tempo de efetivo exercício de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio será de, respectivamente, trinta e vinte e cinco anos, e serão acrescidos cinco pontos à soma da idade com o tempo de contribuição.
O dispositivo é plenamente aplicável ao cálculo da renda mensal inicial do benefício, pois a data de entrada do requerimento da aposentadoria por tempo de contribuição é posterior à data de publicação da Medida Provisória nº 676/2015.
O INSS contou, na data do requerimento administrativo (16/03/2016), o tempo de contribuição de 36 anos e 28 dias e a carência de 430 meses.
O tempo de serviço especial (01/07/1994 a 01/03/2016), convertido pelo fator 1,4, perfaz 8 anos e 8 meses.
A soma do tempo de contribuição do autor resulta em 44 anos, 8 meses e 28 dias.
Considerando a idade do autor em 16 de março de 2016 (52 anos, 6 meses e 3 dias), é alcançada a pontuação de 97,2528.
Desse modo, o benefício de aposentadoria deve ser calculado sem a incidência do fator previdenciário, caso seja mais vantajoso.
Correção monetária e juros de mora
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 810, declarou a inconstitucionalidade do art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pela Lei nº 11.960, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança. Em relação aos juros de mora, reputou constitucional a aplicação do índice de remuneração da caderneta de poupança (RE 870.947, Relator Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, julgado em 20/09/2017).
Os embargos de declaração opostos no RE 870.947 foram rejeitados pelo STF, não sendo acolhido o pedido de modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade.
Dessa forma, devem ser observados os critérios de correção monetária e juros de mora fixados no Tema 905 do Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.495.146/MG, REsp 1.492.221/PR, REsp 1.495.144/RS, Relator Ministro Mauro Campbell Marques, Primeira Seção, julgado em 22/02/2018):
3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).
Assim, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada parcela, conforme a variação do INPC, a partir de abril de 2006 (art. 41-A da Lei nº 8.213).
Os juros moratórios incidem a contar da citação, conforme a taxa de juros da caderneta de poupança, de forma simples (não capitalizada).
Honorários advocatícios
O INSS, vencido integralmente na causa, deve responder pelo pagamento dos honorários advocatícios.
Arbitra-se o valor dos honorários de acordo com os percentuais estabelecidos no art. 85, §3º, do CPC, em grau mínimo, uma vez que não houve, na presente demanda, complexidade que justifique a adoção de outro percentual.
A base de cálculo da verba corresponde à soma das parcelas vencidas até a data do julgamento da apelação, segundo o entendimento da Súmula nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e da Súmula nº 76 deste Tribunal Regional Federal.
Tutela específica
Considerando os termos do art. 497 do CPC, que repete dispositivo constante do art. 461 do antigo CPC, e o fato de que, em princípio, esta decisão não está sujeita a recurso com efeito suspensivo (TRF4, AC 2002.71.00.050349-7, Terceira Seção, Relator para Acórdão Celso Kipper, D.E. 01/10/2007), o julgado deve ser cumprido imediatamente, observando-se o prazo de trinta dias úteis para a revisão do benefício.
Incumbe ao representante judicial do INSS que for intimado desta decisão dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Dou provimento à apelação da parte autora, para condenar o INSS a: a) reconhecer o exercício de atividade em condições especiais no período de 01/07/1994 a 01/03/2016; b) proceder à averbação do tempo de serviço especial e à conversão em tempo comum pelo fator 1,4; c) revisar a renda mensal inicial da aposentadoria por tempo de contribuição, sem a incidência do fator previdenciário, caso seja mais vantajoso; d) pagar as parcelas vencidas desde a data de início do benefício (16/03/2016), com juros de mora e correção monetária nos termos da fundamentação.
De ofício, concedo a tutela específica.
Em face do que foi dito, voto no sentido de dar provimento à apelação da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002635997v33 e do código CRC 23f0d98d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 5/8/2021, às 15:26:31
Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:22.
Apelação Cível Nº 5017213-42.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
APELANTE: CLEZIO DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: ALDO BELUSSO (OAB RS052091)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
EMENTA
previdenciário. revisão de benefício. exercício de atividade especial. tratamento de água e esgoto. exposição a agentes químicos, biológicos e umidade. habitualidade e permanência. equipamento de proteção individual. fator previdenciário. art. 29-C da lei nº 8.213.
1. Desde que seja comprovado o efetivo prejuízo à saúde do trabalhador, é possível o reconhecimento da especialidade com base na exposição à umidade excessiva.
2. A avaliação da nocividade do trabalho em contato com agentes nocivos químicos e biológicos, previstos nos Anexos 13, 13-A e 14 da Norma Regulamentadora nº 15 - NR-15 é apenas qualitativa, ou seja, a simples presença no ambiente de trabalho desses agentes faz presumir a nocividade, independente de mensuração.
3. Prepondera a conclusão do laudo técnico da empresa, firmado por profissional habilitado, se não há conjunto probatório a infirmar a constatação acerca da habitualidade e da permanência da sujeição aos agentes nocivos químicos, biológicos e à umidade na atividade de tratamento de água e esgoto.
4. O equipamento de proteção individual somente pode ser considerado eficaz, se for adequado para proteger ou neutralizar os efeitos dos agentes nocivos específicos a que se expõe o trabalhador.
5. O art. 29-C da Lei nº 8.213, que permite o afastamento da incidência do fator previdenciário mediante a fórmula 85/95, tem aplicação ao cálculo da renda mensal inicial dos benefícios com data de requerimento posterior à publicação da Medida Provisória nº 676, de 17 de junho de 2015.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e, de ofício, conceder a tutela específica, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 20 de julho de 2021.
Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002635998v6 e do código CRC 06f5d77d.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 5/8/2021, às 15:26:31
Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:22.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 13/07/2021 A 20/07/2021
Apelação Cível Nº 5017213-42.2016.4.04.7107/RS
RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PRESIDENTE: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
APELANTE: CLEZIO DA SILVA (AUTOR)
ADVOGADO: ALDO BELUSSO (OAB RS052091)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 13/07/2021, às 00:00, a 20/07/2021, às 14:00, na sequência 18, disponibilizada no DE de 02/07/2021.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E, DE OFÍCIO, CONCEDER A TUTELA ESPECÍFICA.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 13/08/2021 04:01:22.