
Apelação Cível Nº 5002444-73.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: QUELI DENISE DA ROSA
RELATÓRIO
Trata-se de ação em que a parte autora objetiva a concessão de salário-maternidade, em virtude do nascimento de seu filho Igor Joaquim da Rosa Allas, em 21/07/2020.
Ao proferir a sentença, em 23/11/2021 (evento 29), o magistrado a quo julgou procedente o pedido, condenando o INSS à concessão de salário-maternidade à autora, a contar da data do parto, em 06/07/2020, bem como no pagamento de custas e honorários advocatícios.
Inconformado, o INSS interpôs recurso de apelação, sustentando estar ausente a qualidade de segurada especial da parte autora, pois ausente documentos em nome próprio. Além do mais, no período de carência, o companheiro da autora só possuí vínculos urbanos, sendo, portanto, indevido o benefício pleiteado. Em caso de manutenção da sentença, requer o prequestionamento da matéria.
Oportunizadas contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
ADMISSIBILIDADE
Recurso adequado e tempestivo.
SALÁRIO-MATERNIDADE
O salário maternidade é devido à trabalhadora que comprove o exercício da atividade rural pelo período de 10 meses anteriores ao início do benefício, considerado desde o requerimento administrativo (quando ocorrido antes do parto, até o limite de 28 dias), ou desde o dia do parto (quando o requerimento for posterior), por 120 dias, com parcelas pertinentes ao salário-mínimo da época em que devidas.
Assim está regulado na Lei de Benefícios:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Redação dada pala Lei nº 10.710, de 5.8.2003)
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
(...)
III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 11 e o art. 13: dez contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi antecipado." (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
Art. 26. Independe de carência a concessão das seguintes prestações:
I - pensão por morte, salário-família e auxílio-acidente; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
(...)
VI – salário-maternidade para as seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
(...)
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício. (Incluído pela Lei nº 8.861, de 1994).
A Lei nº 9.876/99 estendeu o salário-maternidade a todas as seguradas da Previdência Social, com regras específicas em relação ao valor e ao prazo de carência. E, a partir da edição da Lei nº 10.421/02, o benefício passou a ser devido também nas hipóteses de adoção de crianças.
Nos termos do artigo 26 da Lei nº 8.213/91, independe de carência o salário-maternidade pago às seguradas empregada, trabalhadora avulsa e empregada doméstica. Para as seguradas facultativa, contribuinte individual e especial (enquanto contribuinte individual), o prazo de carência é de dez contribuições mensais.
CASO CONCRETO
A maternidade foi comprovada pela certidão de nascimento, ocorrido em 06/07/2020 (evento 1.6).
Controvertem as partes acerca da qualidade de segurada especial da autora.
O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).
A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.
Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados - insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) - art. 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.
Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental - Súmula 73 do TRF 4ª Região).
Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do requisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.
Saliente-se que a própria certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade constitui início de prova material, pois o egrégio STJ pacificou entendimento no sentido de reconhecer como início probatório as certidões da vida civil, como bem se verifica.
Como início de prova material do labor rural juntou a parte autora os seguintes documentos:
a) Certidão de nascimento de Igor Joaquim da Rosa Allas, datada de 06/07/2020, em que tanto o companheiro como a requerente foram qualificados como agricultores (ev. 1.6);
b) Notas de produtos rurais, datadas de 2017, 2018, 2019 e 02/2020 (ev. 1.7), em nome de Célio Marcos da Rosa, pai da requerente (ev. 1.6);
c) Registro de Imóvel Rural, em nome do pai da requerente (ev. 1.8).
d) CTPS da requerente, sem vínculos empregatícios (ev. 1.5).
Da análise dos autos, tenho que a sentença merece ser confirmada.
Isso porque o conjunto probatório acostado, corroborado pelas testemunhos colhidos, permitem comprovar o exercício de atividade rural pela requente no período de carência legal analisado, restando caracterizada sua condição de segurada especial.
De mais a mais, os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a súmula n° 73, desta Corte.
Com efeito, o artigo 11 da Lei de Benefícios, em seu § 1º, define regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem a atividade rural “em condições de mútua dependência e colaboração”. É comum os atos negociais da entidade respectiva não serem formalizados individualmente, mas sim em nome do representante do grupo familiar perante terceiros.
Além disso, também a certidão de nascimento do filho deve ser considerada como meio apto a indicar o desempenho da atividade agrícola pela autora. Nessa mesma linha, transcrevo os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça:
PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. QUALIDADE DE SEGURADO. TRABALHO RURAL. BOIA-FRIA. COMPROVAÇÃO. PROVA MATERIAL QUE NÃO ABRANGE TODO O PERÍODO PRETENDIDO. IDÔNEA E ROBUSTA PROVA TESTEMUNHAL. EXTENSÃO DA EFICÁCIA PROBATÓRIA. NÃO VIOLAÇÃO DA SÚMULA 149/STJ. PRECEDENTE JULGADO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973. (...) 2. Além disso, quanto aos documentos hábeis a comprovar o exercício de atividade rural como boia-fria, o STJ consolidou jurisprudência de que certidões de nascimento, casamento, certidão da Justiça Eleitoral e carteira de associação ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais podem ser aceitos como início de prova material. (...) (AREsp 1538882/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/09/2019, DJe 11/10/2019)
PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 INEXISTENTE. CONTRARIEDADE AO ART. 333, I, DO CPC. RECURSO DEFICIENTE. SÚMULA 284/STF. ATIVIDADE RURAL. RECONHECIMENTO. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. PROVA TESTEMUNHAL. PERÍODO DE CARÊNCIA. COMPROVAÇÃO. ALTERAÇÃO DO JULGADO QUE DEMANDA REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. (...) 3. Consoante jurisprudência do STJ, "o registro civil de nascimento é documento hábil para comprovar a condição de rurícola da mãe, para efeito de percepção do benefício previdenciário de salário-maternidade. A propósito: 'É considerado início razoável de prova material o documento que seja contemporâneo à época do suposto exercício de atividade profissional, como a certidão de nascimento da criança" (AgRg no AREsp 455.579/RS, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 6.5.2014)". 4. No tocante à contemporaneidade da prova material, o STJ, no julgamento do Recurso Especial 1.348.633/SP, processado sob o rito dos recursos repetitivos, consolidou o entendimento de que a prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o posterior à data do documento, desde que corroborado por robusta prova testemunhal. (...) (REsp 1724805/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/04/2018, DJe 25/05/2018)
A fim de complementar o início de prova material, foram ouvidas as testemunhas, em audiência, as quais foram uníssonas e convincentes ao declarar que a autora, no período que antecedeu o nascimento do filho, exercia atividade rural juntamente com seus pais.
Por fim, no que diz respeito à alegação de que o companheiro da requerente teve vínculos urbanos, observo que curtos períodos, não são capazes de descaracterizar a qualidade de segurada especial da autora, e isto porque não se exige que a atividade rural seja exercida de forma contínua e ininterrupta. Além do mais, ao contrário do alegado pelo INSS, tratam-se de períodos extemporâneos a carência exigida para a concessão do benefício do salário-maternidade.
Assim, presente início de prova material, complementada por prova oral, no período controverso, devida é a admissão da condição da parte autora como segurada especial à época do nascimento.
TERMO INICIAL
É o salário-maternidade devido desde o requerimento administrativo (quando ocorrido antes do parto, até o limite de 28 dias), ou desde o dia do parto (quando requerimento posterior), por 120 dias, com parcelas pertinentes ao salário-mínimo da época em que devidas.
O parto ocorreu em 06/07/2020 e o requerimento administrativo foi apresentado em 21/07/2020, portanto é devido o salário maternidade desde o dia do parto, como corretamente fixado pela sentença.
HONORÁRIOS RECURSAIS
Vencida a parte recorrente tanto em primeira como em segunda instância, sujeita-se ao acréscimo de honorários de advogado de sucumbência recursais de que trata o § 11 do art. 85 do CPC. Majora-se o saldo final de honorários de advogado de sucumbência que se apurar aplicando os critérios fixados pelo Juízo de origem, para a ele acrescer vinte por cento.
Caso o valor da condenação/atualizado da causa apurado em liquidação do julgado venha a superar o valor de 200 salários mínimos previsto no § 3º, inciso I, do artigo 85 do CPC/2015, o excedente deverá observar o percentual mínimo da faixa subsequente, assim sucessivamente, na forma do §§ 4º, inciso III e 5º do referido dispositivo legal.
PREQUESTIONAMENTO
Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.
CONCLUSÃO
Apelação do INSS improvida.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5002444-73.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: QUELI DENISE DA ROSA
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO MATERNIDADE. qualidade de segurada especial. trabalhadora rural. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. COMPROVAçao. honorários advocatícios.
1. O salário maternidade é devido à trabalhadora que comprove o exercício da atividade rural pelo período de 10 meses anteriores ao início do benefício, este considerado do requerimento administrativo (quando ocorrido antes do parto, até o limite de 28 dias), ou desde o dia do parto (quando o requerimento for posterior).
2. A comprovação do exercício de atividade rural pode ser efetuada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea.
3. Presente início de prova material, complementada por prova oral, no período controverso, devida é a admissão da condição da parte autora como segurada especial à época do nascimento.
4. Honorários advocatícios majorados em razão do comando inserto no § 11 do artigo 85 do CPC.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 27 de setembro de 2022.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/09/2022 A 27/09/2022
Apelação Cível Nº 5002444-73.2022.4.04.9999/RS
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): FABIO NESI VENZON
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: QUELI DENISE DA ROSA
ADVOGADO: JONAS DE MOURA (OAB RS087834)
ADVOGADO: FERNANDO DA SILVA (OAB RS111253)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 19/09/2022, às 00:00, a 27/09/2022, às 16:00, na sequência 292, disponibilizada no DE de 08/09/2022.
Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
Votante: Juíza Federal ADRIANE BATTISTI
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
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