D.E. Publicado em 16/03/2017 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003920-81.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LIZIANE BUFFON |
ADVOGADO | : | Glauber Casarin |
: | Claudio Casarin | |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE RONDA ALTA/RS |
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. REEXAME NECESSÁRIO. NÃO-SUJEIÇÃO. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. NOTAS FISCAIS DE PRODUTOR RURAL. ACEITABILIDADE.
1. A sentença que dá provimento ao pedido de concessão benefício de salário-maternidade (benefício previdenciário no valor de um salário mínimo, devido durante quatro meses), por prescindir de liquidação ou com condenação não excedente de sessenta salários-mínimos, não está sujeita à remessa oficial.
2. É devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural exercido no período de doze meses antecedentes ao início do benefício, ou nos dez meses precedentes ao parto (artigo 25, inciso III, c/c artigo 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, e no artigo 93, § 2º, do Decreto n.º 3.048/99).
3. Considera-se provada a atividade rural do segurado especial havendo início de prova material complementado por idônea prova testemunhal.
4. Caracterizam o início de prova material do exercício do labor rurícola exigido pela legislação previdenciária, as notas fiscais de produtor rural, documentos expressamente elencados no rol do art. 106 da Lei 8.213/91 como meio de comprovação do exercício da atividade rural.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, não conhecer da remessa oficial e negar provimento ao apelo da autarquia, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 07 de março de 2017.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
Documento eletrônico assinado por Des. Federal ROGER RAUPP RIOS, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8783098v6 e, se solicitado, do código CRC DE5C5A31. | |
Informações adicionais da assinatura: | |
Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
Data e Hora: | 08/03/2017 14:27 |
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003920-81.2015.4.04.9999/RS
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LIZIANE BUFFON |
ADVOGADO | : | Glauber Casarin |
: | Claudio Casarin | |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE RONDA ALTA/RS |
RELATÓRIO
Trata-se de apelação e de remessa oficial contra sentença que julgou procedente o pedido de concessão de salário-maternidade formulado por LIZIANE BUFFON em face do INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, nos seguintes termos:
EM FACE DO QUE FOI EXPOSTO, na forma do artigo 269, inciso I, do Código de Processo Civil, julgo PROCEDENTES os pedidos aduzidos por LIZIANE BUFFON contra INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, para:
a) reconhecendo o desempenho de atividade agrícola pela autora, CPF nº 010.684.510-17, conceder-lhe o benefício de salário-maternidade correspondentes ao valor de 01 (um) salário mínimo (benefício salário maternidade nº 160.841.526-8 - fl. 22), conforme dispõe o artigo 39, parágrafo único, da Lei nº 8.213/91;
b) condenar a autarquia ré ao pagamento de tal benefício previdenciário desde 30/07/2013 (data do parto - fl. 13), pelo período de 120 (cento e vinte) dias (artigo 71 da Lei nº 8.213/91), acrescido de correção monetária pelo IGP-DI, desde o vencimento de cada prestação vencida, conforme dispõe o artigo 10 da Lei nº 9.711/98, já que se trata de dívida de natureza alimentar e de juros de mora, à taxa de 1% ao mês (artigo 406 do Código Civil c/c artigo 161,§1º, do Código Tributário Nacional), desde a citação do réu (20/11/2013 - fl. 25), conforme Súmula nº 2043 do STJ, encargos que a partir da vigência da Lei nº 11.960/09 (30/06/2009), que alterou a redação no artigo 1°-F da Lei nº 9.494/97, deverão ser alterados, sendo que os juros e a correção monetária observarão os "índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança".
Sucumbente, condeno o réu ao pagamento de honorários de advogado arbitrados em 10% (dez) sobre o valor da condenação, consoante artigo 20, §3º, do Código de Processo Civil, sem incluir as parcelas vincendas, como dispõe a Súmula nº 111 do STJ. Custas isentas, diante do disposto no art. 11, parágrafo único, da Lei Estadual nº 8.121/85, com redação dada pela Lei Estadual nº 13.471/10.
O INSS apela, defendendo a inexistência de início de prova material do exercício da atividade rural pela demandante no período de carência. Sustenta que a prova exclusivamente testemunhal não se presta a tal fim. Refere que a demandante afirmou, na entrevista rural, que reside com o companheiro, em área urbana, localizada a 4,5 km das terras onde supostamente exerce a atividade rural. Acrescenta, ainda, que consta do CNIS em nome do companheiro da autora que exerce ele atividade urbana desde 1999. Refere, ao depois, que, quando do preenchimento da Declaração de Nascido Vivo de sua filha, informou a demandante residir em perímetro urbano, com o companheiro, que desempenha atividade urbana e percebe mais um salário-mínimo mensal. Requer, por fim, que seja provido o recurso e reformada a sentença.
Transcorrido in albis o prazo para as contrarrazões, vieram os autos conclusos.
É o relatório.
VOTO
Do novo CPC (Lei 13.105/2015)
Consoante a norma inserta no art. 14 do atual CPC, Lei 13.105, de 16/03/2015, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada". Portanto, apesar da nova normatização processual ter aplicação imediata aos processos em curso, os atos processuais já praticados, perfeitos e acabados não podem mais ser atingidos pela mudança ocorrida a posteriori.
Nesse sentido, serão examinados segundo as normas do CPC de 2015 tão somente os recursos e remessas em face de sentenças/acórdãos publicado(a)s a contar do dia 18/03/2016.
Da ordem cronológica dos processos
Dispõe o art. 12 do atual CPC (Lei nº 13.105/2015, com redação da Lei nº 13.256/2016) que "os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão", estando, contudo, excluídos da regra do caput, entre outros, "as preferências legais e as metas estabelecidas pelo Conselho Nacional de Justiça" (§2º, inciso VII), bem como "a causa que exija urgência no julgamento, assim reconhecida por decisão fundamentada" (§2º, inciso IX).
Dessa forma, deverão ter preferência de julgamento em relação àqueles processos que estão conclusos há mais tempo, aqueles feitos em que esteja litigando pessoa com mais de sessenta anos (idoso, Lei n. 10.741/2013), pessoas portadoras de doenças indicadas no art. 6º, inciso XIV, da Lei n. 7.713/88, as demandas de interesse de criança ou adolescente (Lei n. 8.069/90) ou os processos inseridos como prioritários nas metas impostas pelo CNJ.
Observado que o caso presente se enquadra nas hipóteses referidas, justifica-se seja proferido julgamento fora da ordem cronológica de conclusão.
Da remessa oficial
Não se desconhece o entendimento do e. Superior Tribunal de Justiça no sentido de que as sentenças ilíquidas estão sujeitas ao reexame necessário. No entanto, tendo em vista que se trata de salário-maternidade - benefício previdenciário no valor de um salário mínimo, devido durante apenas 4 (quatro) meses -, a condenação jamais excederá sessenta salários mínimos.
Em sendo assim, a sentença prescinde de liquidação e não está sujeita ao reexame necessário, por força do disposto no § 2º do artigo 475 do Código de Processo Civil, com a redação dada pela Lei n.º 10.352/01, diploma legal aplicável ao presente caso (sentença proferida anteriormente a 18/03/2016).
Nesse sentido:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. REEXAME NECESSÁRIO. INADMISSÍVEL. Tratando-se de salário-maternidade postulado por trabalhadora rural, cujo benefício, de acordo com a lei, corresponde ao valor de um salário mínimo e a apenas quatro prestações mensais, a condenação representa montante inferior a 60 (sessenta) salários mínimos. Assim, a sentença prescinde de liquidação e não deve ser submetida ao reexame necessário, nos termos do disposto no art. 475, § 2º, do Código de Processo Civil. (TRF4, REOAC 0006142-22.2015.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 15/07/2015)
Não há de ser conhecida, assim, a remessa oficial.
Do salário-maternidade à segurada especial
A Constituição Federal, nos artigos 6º e 201, inciso II, assegura proteção "à maternidade, especialmente à gestante", mediante a inclusão do direito de "licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias" (inc. XVIII do art. 6º, CF).
Posteriormente, a Lei nº 8.213/91 dispôs sobre a matéria, na seção destinada aos benefícios, nos seguintes termos:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade. (Texto alterado pela Lei nº 10.710, de 5.8.2003).
A trabalhadora rural, apesar de havida como segurada especial da previdência social, consoante previsão do art. 11, inc. VII, da Lei nº 8.213/91, somente foi contemplada com o benefício em questão pela edição da Lei nº 8.861, de 23-03-1994, que acrescentou o § único ao art. 39, Lei nº 8.213/91, com a seguinte redação:
"Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício."
Com a edição da Lei nº 9.876, de 26-11-1999, regulamentada pelo Dec. nº 3.048, art. 93, § 2º, com a redação do Dec. 3.265, de 29-11-1999, foi acrescentado que a segurada especial deve comprovar o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores ao requerimento do benefício, ainda que de forma descontínua.
Portanto, para fazer jus ao benefício, a segurada especial deve comprovar o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, pelo período de 12 meses anteriores ao início do benefício (carência exigida), ou nos dez meses precedentes ao parto, consoante interpretação mais benéfica do próprio INSS, com fundamento no artigo 25, inciso III, c/c artigo 39, parágrafo único, da Lei n.º 8.213/91, e no artigo 93, § 2º, do Decreto n.º 3.048/99.
De outra monta, a comprovação da atividade rural, no caso da segurada especial, pauta-se pelo disposto nos artigos 55, § 3º, e 106 da Lei nº 8.213/91, que dispõem:
Art. 55. O tempo de serviço será comprovado na forma estabelecida no Regulamento, compreendendo, além do correspondente às atividades de qualquer das categorias de segurados de que trata o Art. 11 desta Lei, mesmo que anterior à perda da qualidade de segurado:
(...)
§3º A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no Art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Art. 106 - Para comprovação do exercício de atividade rural será obrigatória, a partir de 16 de abril de 1994, a apresentação da Carteira de Identificação e Contribuição - CIC referida no § 3º do art. 12 da Lei n.º 8.212, de 24 de julho de 1991.
Parágrafo único. A comprovação do exercício de atividade rural referente a período anterior a 16 de abril de 1994, observado o disposto no § 3º do art. 55 desta Lei, far-se-á alternativamente através de:
I - contrato individual de trabalho ou Carteira de Trabalho e Previdência Social;
II - contrato de arrendamento, parceria ou comodato rural;
III - declaração do sindicato de trabalhadores rurais, desde que homologada pelo Ministério Público ou por outras autoridades constituídas definidas pelo CNPS;
IV - comprovante de cadastro do INCRA, no caso de produtores em regime de economia familiar;
V - bloco de notas do produtor rural.
(Redação dada pela Lei n.º 9.063/95)
Não se exige prova plena da atividade rural em relação a todo o período de carência, mas somente início de documentação, que, aliada à prova testemunhal, viabilize a formação de conjunto probatório suficiente ao convencimento do Julgador. O artigo 106 relaciona documentos hábeis a esta comprovação; porém tal rol não é exaustivo, mas exemplificativo.
Estampa a jurisprudência:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL. REQUISITOS LEGAIS. COMPROVAÇÃO DA MATERNIDADE E DO LABOR RURAL. CERTIDÃO DE NASCIMENTO. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.
1. Nos termos dos arts. 71 e seguintes da Lei n. 8.213/91, é devido o salário-maternidade às seguradas especiais que fizerem prova do nascimento dos filhos e do labor rural no período de dez meses que antecede o início do benefício.
2. A certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedente desta Terceira Seção.
3. Preenchidos os requisitos legais, é de se conceder o benefício à autora.
(AC: 0004805-66.2013.404.9999/PR;Relator Des. Fed. Celso Kipper; 6ª T, D.E. 14/06/2013).
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADORA RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PERÍODO DE CARÊNCIA. CONDIÇÃO DE SEGURADA ESPECIAL DEMONSTRADA.
1. A parte autora faz jus à concessão do salário-maternidade quando demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência.
2. O exercício de atividades rurais, para fins previdenciários, pode ser demonstrado através de início razoável de prova material, desde que complementado por prova testemunhal idônea.
3. Tratando-se de pedido de concessão de salário-maternidade à trabalhadora rural, deve ser mitigada a exigência de demonstração plena do exercício de atividades rurais sob pena de tornar impossível a concretização de um dos objetivos deste benefício, qual seja, a proteção à criança.
(AC: 0004209-82.2013.404.9999/ PR, Relator Des. Fed. Rogerio Favreto,5ª T. , D.E. 18/06/2013).
Observa-se, ainda, que as certidões da vida civil são eficazes a constituir início probatório da atividade rural da parte autora, nos termos na jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça (REsp n.º 980.065/SP, Quinta Turma, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, j. em 20-11-2007, DJU, Seção 1, de 17-12-2007, p. 340, e REsp n.º 637.437/PB, Relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, j. em 17-08-2004, DJU, Seção 1, de 13-09-2004, p. 287, REsp n.º 1.321.493-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Herman Benjamim, DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos.).
Da contemporaneidade da prova material
É importante frisar que a Lei de Benefícios não exige que o início de prova material seja contemporâneo à época dos fatos que se pretende comprovar, conforme se vê da transcrição do § 3º, do art. 55 da Lei 8.213, que segue:
A comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.
Não há justificativa legal, portanto, para que se exija prova material contemporânea ao período a ser reconhecido, nos termos reiteradamente defendidos pela Autarquia Previdenciária; tal exigência administrativa implica a introdução indevida de requisito, impondo limites que não foram estabelecidos pelo legislador.
Consequentemente, em ações desta natureza devem ser consideradas as notórias e por vezes insuperáveis dificuldades probatórias do segurado especial, sendo dispensável a apresentação de prova documental de todo o período, desde que o início de prova material seja consubstanciado por prova testemunhal, nada impedindo que sejam contemplados os documentos extemporâneos ou emitidos em período próximo ao controverso, desde que levem a supor a continuidade da atividade rural.
Da prova da atividade em regime de economia familiar
O §1º do art. 11 da Lei de Benefícios define como sendo regime de economia familiar aquele em que os membros da família o exercem "em condições de mútua dependência e colaboração", sendo que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome daquele considerado como representante do grupo familiar perante terceiros. Assim, os documentos apresentados em nome de algum dos integrantes da mesma família consubstanciam início de prova material do labor rural, conforme preceitua a Súmula 73 deste Tribunal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".
A existência de assalariados nos comprovantes de pagamento de ITR não tem o condão, por si só, de descaracterizar a atividade agrícola em regime individual ou mesmo de economia familiar, pois o mero fato dessa anotação constar nos referidos documentos não significa, inequivocamente, regime permanente de contratação, devendo cada caso ser analisado individualmente de modo a que se possa extrair do conjunto probatório dos autos, a natureza do auxílio de terceiros (se eventual ou não), enquadrando-se assim na previsão do art. 11, VII da Lei 8.213/91, que define o segurado especial. Mesmo o fato de constar a qualificação "empregador II b" nos respectivos recibos de ITR não implica a condição de empregador rural. Ocorre que a simples qualificação no documento não desconfigura a condição do trabalho agrícola em regime de economia familiar, como se pode ver da redação do artigo 1º, II, "b", do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71.
Importante ainda ressaltar que o fato de o cônjuge exercer atividade outra que não a rural também não é "per se stante" para descaracterizar a condição de segurado especial de quem postula o benefício, pois, de acordo com o que dispõe o inciso VII do art. 11 da Lei nº 8.213/91, é segurado especial o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo; ou seja, ainda que considerado como trabalhador rural individual, sua situação encontra guarida no permissivo legal referido, sendo certo também que irrelevante a remuneração percebida pelo cônjuge, que não se comunica ou interfere com os ganhos oriundos da atividade agrícola.
Do caso concreto
No caso em tela, a maternidade restou comprovada a fls. 13, com a certidão de nascimento da filha da autora, ANA JÚLIA BUFFON FRANCIOSI, ocorrido em 30/07/2013, filha também de Vaguiner Franciosi.
O requerimento administrativo formulado em 03/09/2013 foi indeferido pelo INSS em 18/09/2013 (fls. 23), ao argumento de não ter a demandante comprovado o exercício da atividade rural no período de dez meses anteriores ao requerimento do benefício.
Para a comprovação do trabalho rural, foi acostada aos autos a seguinte documentação:
- cópia da certidão de nascimento da autora, ocorrido em 18/01/1985, em que aparece seu pai qualificado como agricultor e, a mãe, como "do lar" (fls. 12);
- cópia de notas fiscais de produtor rural em nome da autora e de seus pais, datadas de 2011, 2012 e 2013 (fls. 16/21);
- cópia da matrícula de imóvel rural em nome do pai da requerente (fls. 14).
Assiste razão ao Juízo a quo ao referir que a prova documental produzida é suficiente para comprovar que a autora exerceu atividade rural em regime de economia familiar, juntamente com seus pais, no período correspondente à carência do benefício.
As notas de produtor rural, documentos expressamente elencados no rol do art. 106 da Lei 8.213/91 como meio de comprovação do exercício da atividade rural, servem como início de prova material do exercício da atividade rural pela demandante no período de carência.
De outra parte, também o fato de constar o pai da requerente qualificado como agricultor na certidão de nascimento da autora denota a vocação da família para as lides campesinas.
Ao depois, o início de prova material apresentado foi complementado pela prova oral produzida em audiência realizada em 09/09/2014 que, no caso, confirmou de modo coerente e preciso o trabalho rural da parte autora, juntamente com seus pais, com quem residiu até pouco depois do nascimento de sua filha, corroborando a pretensão exposta e os fatos alegados na inicial. Vejamos.
A testemunha JOSÉ TREVISAN, declarou-se agricultor e informou que:
" é vizinho da parte autora, distando cerca de 300 ou 400m da residência da mesma. A autora atualmente mora na cidade, há cerca de um ano. Não sabe com quem a autora mora na cidade, sabe que ela tem uma filha e um filho. Quando ela morava na linha Divisória, ela residia com os pais , além de uma irmã da autora. Os pais da autora sobrevivem da agricultura, cultivando soja, milho, feijão, tem vacas de leite, porcos e galinhas. A área em que eles residem é dos pais da autora. O que é produzido a princípio é para consumo próprio e o que sobra vende. O depoente não sabe o nome do pai da filha da autora, nem no que ele trabalha. Chegou a ver a autora grávida, quando ainda residia com os pais, sendo que ela ajudava a mãe dela, lidando com as vacas. A autora ajudava em tudo. Quando estava grávida viu ela trabalhando, ajudando a mãe, exceto nos últimos meses da gravidez. Quando ganhou a filha ainda morava com seus pais. Atualmente a filha da autora possui 1 ano e 1 mês. Nada mais. PELO AUTOR: quando a autora teve sua filha não tinha nenhum companheiro, junto na casa dos pais. O pai da criança não estava morando no interior."
A testemunha FLÁVIO LUIZ BERTONCELLO, por sua vez, respondeu que:
"conhece a autora desde que nasceu, pois é vizinho da mesma. A autora atualmente mora na cidade, sendo que foi 100go depois que ela ganhou a criança, não repara muito nisso. Antes de ganhar a criança ela morava na linha Divisória com os pais dela. Além de seus pais morava com sua irmã. Conhece o pai da criança, sendo que atualmente ele não trabalha. Na época em que a filha da autora nasceu não sabe no que o pai da criança estava trabalhando. Não reparou se o pai da criança morou no interior com a autora e seus pais. Os pais da autora sobrevivem da agricultura, cultivando soja, milho, tem vacas de leite e galinhas. A área em que eles residem é dos pais da autora, não sabendo o tamanho da referida área. O que é produzido a princípio é para consumo próprio, sendo que apenas o leite é para venda. Chegou a ver a autora grávida, quando ainda residia com os pais, sendo que ela ajudava os mesmos na lavoura, na leitaria, no dia a dia. Quando estava grávida viu ela trabalhando, ajudando na leitaria, serviços mais leves. Quando ganhou a filha ainda morava com seus pais. Atualmente a filha da autora possui 1 ano e 1 mês. Nada mais. PELO AUTOR: desde que conhece a autora, até ela ganhar a filha, sempre trabalhou na lavoura com os pais. Atualmente não sabe a profissão da autora. Nada mais.
ZOLMIR BOSSA, ouvido como informante, aduziu que:
é vizinho da parte autora na cidade, morando no mesmo bairro. Faz cerca de 10 meses que ela é sua vizinha, sendo que quando ela se mudou ela já tinha filha. A filha da autora atualmente tem 13 meses. A autora mora sozinha com seus filhos. Não lembra quem é o pai da filha da autora. A autora trabalha atualmente como faxineira. Antes de vir para a cidade a autora trabalhava com os pais na agricultura, os quais possuem terras na linha Divisória. Viu a autora quando ela stava grávida, morando nesta época, na casa ao lado da do pai, na linha Divisória, sendo que nesta casa morava apenas ela e a filha. Não sabe porque ela não morava na mesma casa em que os pais. Nada mais. PELO AUTOR: antes da autora vir para cidade sempre trabalhou na lavoura com os pais. Nada mais.
Como se pode ver, não procede a alegação do INSS no sentido de que a autora residia com o companheiro, na cidade, não compondo o grupo familiar de seus pais à época da gestação, pois foi expressamente referido pelas testemunhas que a autora residia, sim, com seus pais e os auxiliava nos labores rurais até pouco depois do nascimento de sua filha, tendo passado a morar com o companheiro apenas depois de tal evento.
Cumpre aqui salientar que a prova elaborada unilateralmente, seja por ocasião de diligência administrativa, seja quando do preenchimento da Declaração de Nascido Vivo da filha da autora, não pode ter o mesmo peso que os elementos de convencimento produzidos no bojo do processo judicial, submetidos ao crivo do contraditório. Essa tem sido a orientação deste Tribunal:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE RURAL. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. PESQUISA ADMINISTRATIVA. CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO.
1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.
2. Existindo conflito entre as provas colhidas na esfera administrativa e em juízo, deve-se optar, em princípio, por estas últimas, porquanto produzidas com todas as cautelas legais, garantindo a imparcialidade e o contraditório. (g.n.)
3. Implementado o requisito etário (55 anos de idade para mulher e 60 anos para homem) e comprovado o exercício da atividade agrícola no período correspondente à carência (art. 142 da Lei n. 8.213/91), é devido o benefício de aposentadoria por idade rural. 4. Determinado o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício, a ser efetivada em 45 dias, nos termos do art. 461 do CPC.
(TRF4, Sexta Turma, APELREEX 0015021-86.2013.404.9999, Rel. Marcelo Malucelli, 11maio2015).
De outra parte, tampouco descaracteriza a condição de segurada especial da requerente à época da gestação, o fato de o pai da criança desempenhar atividade urbana, pois devidamente comprovado que ela residia e exercia o labor rurícola na companhia de seus pais, em regime de economia familiar, até depois do nascimento de sua filha.
Comprovado, pois, o exercício da atividade rural pela demandante no período de carência, por meio da prova material acostada aos autos e da testemunhal produzida em audiência, não merece reforma a sentença que reconheceu o direito da autora à percepção do salário-maternidade.
Conclusão
Remessa oficial não conhecida; improvido o apelo da autarquia.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por não conhecer da remessa oficial e negar provimento ao apelo da autarquia.
É o voto.
Des. Federal ROGER RAUPP RIOS
Relator
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Signatário (a): | Roger Raupp Rios |
Data e Hora: | 08/03/2017 14:27 |
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 07/03/2017
APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 0003920-81.2015.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS 00039513320138210148
RELATOR | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
PRESIDENTE | : | Paulo Afonso Brum Vaz |
PROCURADOR | : | Dr. Juarez Mercante |
APELANTE | : | INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS |
ADVOGADO | : | Procuradoria Regional da PFE-INSS |
APELADO | : | LIZIANE BUFFON |
ADVOGADO | : | Glauber Casarin |
: | Claudio Casarin | |
REMETENTE | : | JUIZO DE DIREITO DA 1A VARA DA COMARCA DE RONDA ALTA/RS |
Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 07/03/2017, na seqüência 209, disponibilizada no DE de 14/02/2017, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.
Certifico que o(a) 5ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NÃO CONHECER DA REMESSA OFICIAL E NEGAR PROVIMENTO AO APELO DA AUTARQUIA.
RELATOR ACÓRDÃO | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
VOTANTE(S) | : | Des. Federal ROGER RAUPP RIOS |
: | Des. Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ | |
: | Des. Federal ROGERIO FAVRETO |
Lídice Peña Thomaz
Secretária de Turma
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