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Apelação Cível Nº 5000720-97.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: TATIANE LESSE RODRIGUES JENNERICH
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
RELATÓRIO
Cuida-se de apelação interposta da sentença proferida sob a égide do CPC/2015 que julgou improcedente pedido de concessão de Salário-maternidade, deixando assim consignado:
Ante o exposto, com fulcro no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil – CPC, resolvo o mérito e JULGO IMPROCEDENTES os pedidos veiculados na petição inicial por TATIANE LESSE RODRIGUES JENNERICH contra o INSTITUTO NACIONAL DE SEGURO SOCIAL – INSS.
Condeno a autora ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como dos honorários advocatícios ao patrono da autarquia requerida, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da causa, na forma do art. 85, § 2º do Código de Processo Civil. Todavia, suspendo a exigibilidade da condenação ora imposta, uma vez que a autora é beneficiária da gratuidade judiciária (evento 5, CONT2), a teor do art. 98, §3º do CPC.
Publique-se. Registre-se. Intimem-se.
Com o trânsito em julgado, sendo mantida a presente sentença, arquive-se com baixa.
Inconformada, apelou a parte autora sustentando, em síntese, que exerceu atividade rural em regime de economia familiar nos dez meses anteriores ao ao parto, no caso, de natimorto, ocorrido 26-04-2019. Referiu que o labor rural restou comprovado nos autos por início de prova material, corroborado por prova testemunhal. Afirmou que convive em união estável com Jonatas Odil Jennerich desde 2015, vínculo este formalizado pelo casamento civil, motivo pelo qual os documentos emitidos em nome deste devem ser admitidos para o preenchimento do requisito de início de prova material.
Com as contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal pra julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
O apelo preenche os requisitos legais de admissibilidade.
Do salário-maternidade
O salário-maternidade - benefício previdenciário que visa substituir a remuneração da segurada ou do segurado da Previdência Social em virtude de nascimento de filho ou de adoção ou guarda judicial de criança - está previsto nos artigos 71 e 71-A, da Lei de Benefícios da Previdência Social (Lei nº 8.213/1991), nos termos seguintes:
Art. 71. O salário-maternidade é devido à segurada da Previdência Social, durante 120 (cento e vinte) dias, com início no período entre 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data de ocorrência deste, observadas as situações e condições previstas na legislação no que concerne à proteção à maternidade.
Art. 71-A. Ao segurado ou segurada da Previdência Social que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção de criança é devido salário-maternidade pelo período de 120 (cento e vinte) dias. (Redação dada pela Lei nº 12.873, de 2013).
O salário-maternidade devido às seguradas especiais esta disposto nos seguintes dispositivos da Lei nº 8.213/91:
O salário-maternidade devido à segurada especial está previsto nos art. 39 e 25 da Lei de Benefícios:
Art. 39. Para os segurados especiais, referidos no inciso VII do Art. 11 desta Lei, fica garantida a concessão:
(...)
Parágrafo único. Para a segurada especial fica garantida a concessão do salário-maternidade no valor de 1 (um) salário mínimo, desde que comprove o exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, nos 12 (doze) meses imediatamente anteriores ao do início do benefício. (Parágrafo acrescentado pela Lei n.º 8.861, de 25.3.94).
Art. 25. A concessão das prestações pecuniárias do Regime Geral de Previdência Social depende dos seguintes períodos de carência, ressalvado o disposto no art. 26:
(...)
III - salário-maternidade para as seguradas de que tratam os incisos V e VII do art. 11 e o art. 13: dez contribuições mensais, respeitado o disposto no parágrafo único do art. 39 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
Parágrafo único. Em caso de parto antecipado, o período de carência a que se refere o inciso III será reduzido em número de contribuições equivalente ao número de meses em que o parto foi antecipado." (Incluído pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)
Ainda, disciplina o § 2º do art. 93 do Decreto nº 3.048/99:
Art. 93. O salário-maternidade é devido à segurada da previdência social, durante cento e vinte dias, com início vinte e oito dias antes e término noventa e um dias depois do parto, podendo ser prorrogado na forma prevista no § 3º. (Nova redação dada pelo Decreto nº 4.862 de 21/10/2003)
§ 1º - ...
§ 2º - Será devido o salário-maternidade à segurada especial, desde que comprove o exercício de atividade rural nos últimos dez meses imediatamente anteriores à data do parto ou do requerimento do benefício, quando requerido antes do parto, mesmo que de forma descontínua, aplicando-se, quando for o caso, o disposto no parágrafo único do art. 29. (Nova redação dada pelo Decreto nº 5.545, de 22/9/2005)
Os requisitos, portanto, para concessão do benefício em discussão são, de um lado, a demonstração do nascimento do filho e, de outro, a comprovação do labor rural da mãe segurada especial, ainda que em períodos descontínuos, nos dez meses imediatamente anteriores ao início do benefício, salvo, em caso de parto antecipado, em que o referido período deve ser reduzido em número de meses equivalentes à antecipação, com fundamento na análise conjunta dos arts. 25, inc. III, parágrafo único, e 39, parágrafo único, ambos da LBPS.
Para os casos específicos de natimorto há regulação infralegal administrativa que disciplina e soluciona a matéria. A Instrução Normativa nº 77/2015 traz as seguintes disposições:
Art. 343. O salário-maternidade é devido durante 120 (cento e vinte) dias, com início fixado em até 28 (vinte e oito) dias antes do parto e a data da ocorrência deste, exceto para as seguradas em período de manutenção da qualidade de segurado, para as quais o benefício será devido a partir do nascimento da criança, observado o disposto no § 7º deste artigo.
§ 1º Considera-se fato gerador do salário-maternidade, o parto, inclusive do natimorto, o aborto não criminoso, a adoção ou aguarda judicial para fins de adoção.
(...)
§ 5º Tratando-se de parto antecipado ou não, ainda que ocorra parto de natimorto, este último comprovado mediante certidão de óbito, a segurada terá direito aos 120 (cento e vinte) dias previstos em lei, sem necessidade de avaliação médico-pericial pelo INSS.
Como se vê, a própria Autarquia Previdenciária, nos casos de parto de natimorto, reconhece o direito à percepção de salário-maternidade durante 120 (cento e vinte) dias, até porque o parto, fato gerador do direito à percepção de salário-maternidade por 120 dias, efetivamente ocorre nos casos de natimorto.
Nesse sentido, estampa a jurisprudência da Casa:
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. NATIMORTO. DURAÇÃO DO BENEFÍCIO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. 1. A própria Autarquia Previdenciária, nos casos de parto de natimorto, reconhece, por meio de previsão expressa na Instrução Normativa nº 77/2015, o direito à percepção de salário-maternidade durante 120 (cento e vinte) dias. Logo, não há falar em aplicação analógica do artigo 93, § 5º, do Decreto nº 3.048/99. 2. Considerando que a presente demanda versa sobre salário-maternidade devido à segurada especial, devem os honorários advocatícios ser mantidos em um salário mínimo, à luz do disposto no § 8º do artigo 85 do CPC. 3. Honorários advocatícios majorados, considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do CPC, em atenção ao disposto no § 11 do referido artigo. (TRF4, AC 5014613-63.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 30/09/2020)
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. PARTO PREMATURO. NASCIMENTO SEM VIDA NA 30 (TRIGÉSIMA) SEMANA DE GESTAÇÃO. INTEGRALIDADE. CONSECTÁRIOS LEGAIS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. JULGAMENTO DO RECURSO ESPECIAL 870.947/SE, TEMA 810, PELO STF. 1. O salário maternidade é devido à trabalhadora que comprove o exercício da atividade rural pelo período de 10 meses anteriores ao início do benefício, este considerado do requerimento administrativo (quando ocorrido antes do parto, até o limite de 28 dias), ou desde o dia do parto (quando o requerimento for posterior). 2. O nascimento de natimorto não autoriza a aplicação das regras do aborto, fazendo jus ao salário-maternidade, pelo período de 120 dias, quando o parto ocorrer a partir da vigésima terceira semana (sexto mês) de gestação (Instrução Normativa n. 45/PRES/INSS, de 6 de agosto de 2010, artigo 294, parágrafo 3º). 3. Em consonância com o entendimento fixado pelo Plenário do STF no Tema 810, oriundo do RE 870947, a correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam: a) INPC (de 04-2006 a 29-06-2009, conforme o art. 31 da Lei n.º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91); b) IPCA-E (a partir de 30-06-2009, conforme RE 870.947, j. 20-09-2017). Já os juros de mora serão de 1% (um por cento) ao mês, aplicados a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29-06-2009. A partir de 30-06-2009, segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. (TRF4, AC 5029250-24.2017.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 18/07/2018)
Da atividade rural
Para a análise do início de prova material, associo-me aos seguintes entendimentos:
Súmula n.º 73 deste Regional: Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental.
Súmula n.º 149 do STJ: A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de beneficio previdenciário.
Para a comprovação da atividade rural deve-se observar, ainda, os precedentes vinculantes, conforme estipula o art. 927 do CPC/2015.
Do STJ, temos as seguintes teses firmadas:
Tema 532: O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ).
Tema 533: A extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana.
Tema 554 - Abrandamento da prova para configurar tempo de serviço rural do "boia-fria"
"O STJ sedimentou o entendimento de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. (REsp 1321493/PR)
Tema 629: Ausência de prova material em ação de aposentadoria por idade de trabalhador rural e a possibilidade de reproposição de ação.
Tema 638: Reconhecimento de período de trabalho rural anterior ao documento mais antigo juntado como início de prova material.
Destaco, ainda, que a qualificação da mulher como "doméstica" ou "do lar", em certidões de registro civil, é muito comum. Não se pode, no entanto, concluir a partir disso que as mulheres dedicam-se apenas às tarefas da casa; ao contrário, sabe-se que, na maioria das vezes, elas acumulam tais responsabilidades com o trabalho no campo.
Saliente-se que a própria certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade constitui início de prova material, uma vez que o entendimento pacificado do egrégio STJ é no sentido de reconhecer como início probatório as certidões da vida civil, conforme se extrai dos seguintes precedentes:
PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR IDADE. TRABALHADOR RURAL. DOCUMENTO COM FÉ PÚBLICA. INÍCIO RAZOÁVEL DE PROVA MATERIAL. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. POSSIBILIDADE. VALORAÇÃO DE PROVA.
1. A comprovação da atividade laborativa do rurícola deve se dar com o início de prova material, ainda que constituída por dados do registro civil, assentos de óbito e outros documentos que contem com fé pública.
2. A Lei não exige que o início de prova material se refira precisamente ao período de carência do art. 143 da Lei n.º 8.213/91, se prova testemunhal for capaz de ampliar sua eficácia probatória, como ocorreu no caso dos autos.
(...) (RESP 637437 / PB, relatora Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 17-08-2004, publicado em DJ 13.09.2004, p. 287)
AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADOR RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.VALORAÇÃO.
I - A certidão de nascimento, onde o cônjuge da autora é qualificado como lavrador, constitui início de prova material apta à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários.
(...) (AgRg no REsp 951.518/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 04/09/2008, DJe 29/09/2008)
No mesmo sentido posicionou-se a Terceira Seção deste Tribunal:
EMBARGOS INFRINGENTES. PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. TRABALHADOR RURAL BOIA-FRIA.
(...)
2. A certidão de nascimento do filho em virtude do qual se postula o salário-maternidade é documento apto à constituição de início de prova material, até porque, segundo o entendimento do egrégio STJ, os dados constantes das certidões da vida civil são hábeis à comprovação da condição de rurícola para efeitos previdenciários. Precedente desta Terceira seção.
3. Caso em que a prova testemunhal foi uníssona e consistente ao corroborar o início de prova material apresentado, confirmando o labor rural da autora, na condição de boia-fria, inclusive durante a gestação, com indicação dos proprietários das terras nas quais trabalhou e dos intermediários que a transportavam ao serviço.
(...)
(EIAC N. 0004819-21.2011.404.9999, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 15-06-2012)
Desse modo, tratando-se de pedido de concessão de salário-maternidade à trabalhadora rural, deve ser mitigada a exigência de demonstração plena do exercício do labor rural em todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar, sob pena de tornar impossível a concretização de um dos objetivos deste benefício, qual seja, a proteção à criança.
Do caso concreto
Da maternidade
No caso em tela, a maternidade restou comprovada pela certidão de nascimento de natimorto, ocorrido em 07-05-2019 (evento5-Contes2, fl. 18).
Prova do exercício da atividade rural
Para comprovar o labor agrícola, a autora juntou aos autos diversos documentos, destacando-se (evento5-Contes2, ):
- certidão de parto de natimorto, ocorrido em 07-05-2019, estando a requerente e seu cônjuge qualificados como agricultores;
- certidão de seu casamento, ocorrido em 07-02-2019, em que a requerente e seu cônjuge estão qualificados como agricultores;
- contrato de arrendamento de imóvel rural no qual o companheiro/cônjuge foi nominado como arrendatário, de área de 3,0 ha, com vigência de 03-11-2017 a 03-11-2020, e certidão de matrícula do referido imóvel;
- notas fiscais de produtor em nome do companheiro/cônjuge da requerente, do período de 2015 a 2019;
- cadastros da autora e de seu companheiro junto ao SUS, nos quais foram qualificados como agricultores, constando o endereço do casal na Linha Pedro Garcia, interior do município de Braga/RS, do ano de de 2017;
- laudo de exame emitido pelo SUS, onde consta o endereço da autora na Linha Pedro Garcia interior do município de Braga/RS, do ano de de 2018;
- extrato do CNIS da autora sem registro de vínculos empregatícios;
- extrato do CNIS do esposo da autora, constando vínculos empregatícios, por curtos períodos, entre os anos de 2011 a 2014.
Tais documentos, porque contemporâneos ao período almejado pela autor, bem como por terem sido emitidos em nome de integrante do seu grupo familiar (companheiro/marido), são aptos ao preenchimento do requisito de início de prova material.
Os documentos em nome de terceiros consubstanciam início de prova material do trabalho rural desenvolvido em regime de economia familiar, entendimento pacificado neste Tribunal com a edição Súmula n.º 73.
Cumpre ressaltar que, para caracterizar o início de prova material, deve-se presumir a continuidade do labor rural nos períodos imediatamente próximos à data do documento, sobretudo no período anterior à comprovação, sendo inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental.
Destaca-se, ainda, a respeito da prova extemporânea, em decisão proferida no Recurso Especial 1.348.633/SP, o qual seguiu o rito dos recursos repetitivos (Tema 638), firmou-se entendimento de que as provas testemunhais, tanto do período anterior ao mais antigo documento quanto do posterior ao mais recente, são válidas para complementar o início de prova material do tempo de serviço rural.
Adicionalmente, a parte autora apresentou autodeclaração de segurado especial - rural, para o período de 01/01/2018 a 25/04/2019, na qual declarou ter trabalhado nas lidas campesinas em regime de economia familiar, com companheiro/cônjuge, em terras arrendadas, com área de 3,0 ha, situadas no município de Braga/RS, onde plantam soja, milho e mandioca e criam vacas, porcos e galinhas, sendo os produtos destinados à subsistência da família e o excedente comercializado (evento5-Contes2, fls. 20/21).
Não se pode desconsiderar, que as trabalhadoras rurais que desenvolvem suas atividades em terras de terceiros são, à exceção das trabalhadoras rurais boias-frias, talvez as mais prejudicadas quando se trata de comprovar labor rural. Como não detêm título de propriedade e, na maior parte das vezes, comercializam a produção em nome do proprietário do imóvel, acabam por ficar sem qualquer documento que as vincule ao exercício da agricultura.
No que tange à comprovação da união estável, estabelece a Súmula nº 104 desta Corte: "A legislação previdenciária não faz qualquer restrição quanto à admissibilidade da prova testemunhal, para comprovação da união estável, com vista à obtenção de benefício previdenciário." No caso em apreço, do acervo probatório é possível concluir que a autora efetivamente viveu em união estável até a data de seu casamento com o convivente, especialmente pelos dados do registro civil, razão pela qual os documentos em nome de seu companheiro devem ser admitidos como início de prova material do labor rural por ela exercido, no período de carência.
Dessa forma, comprovado o parto de natimorto e demonstrada a condição de segurada especial nos dez meses anteriores a este, o INSS deve conceder à autora o salário-maternidade, com duração de 120 dias a contar da data do parto.
Assim sendo, deve ser dado provimento a apelo.
Abono Anual
O art. 120 do Decreto nº 3.048/1999 prevê que será devido abono anual ao segurado e ao dependente que, durante o ano, recebeu auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria, salário-maternidade, pensão por morte ou auxílio-reclusão.
A Instrução Normativa nº 45/2010 do INSS, por sua vez, em seu art. 345, dispõe:
Art. 345. O abono anual, conhecido como décimo terceiro salário ou gratificação natalina, corresponde ao valor da renda mensal do benefício no mês de dezembro ou no mês da alta ou da cessação do benefício, para o segurado que recebeu auxílio-doença, auxílio-acidente, aposentadoria, salário-maternidade, pensão por morte ou auxílio-reclusão, na forma do que dispõe o art. 120 do RPS.
§ 1º O recebimento de benefício por período inferior a doze meses, dentro do mesmo ano, determina o cálculo do abono anual de forma proporcional.
§ 2º O período igual ou superior a quinze dias, dentro do mês, será considerado como mês integral para efeito de cálculo do abono anual.
§ 3º O valor do abono anual correspondente ao período de duração do salário-maternidade será pago, em cada exercício, juntamente com a última parcela do benefício nele devido. (...)
Dessa forma, é devido o abono anual ao segurado que receber salário-maternidade.
Base de Cálculo
O benefício deve ser calculado com base no valor do salário mínimo vigente à data do parto (Precedentes desta 6ª Turma).
Dos Consectários
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5.º e 6.º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11.08.2006, e art. 31 da Lei 10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
A utilização da TR como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, que fora prevista na Lei 11.960/2009, que introduziu o art. 1º-F na Lei 9.494/1997, foi afastada pelo STF no julgamento do RE 870.947, Tema 810 da repercussão geral, o que restou confirmado no julgamento de embargos de declaração por aquela Corte, sem qualquer modulação de efeitos.
No julgamento do REsp 1.495.146, Tema 905 representativo de controvérsia repetitiva, o STJ, interpretando o precedente do STF, definiu quais os índices que se aplicariam em substituição à TR, concluindo que aos benefícios assistenciais deveria ser utilizado IPCA-E, conforme decidiu a Suprema Corte, e que, aos benefícios previdenciários voltaria a ser aplicável o INPC, uma vez que a inconstitucionalidade reconhecida restabeleceu a validade e os efeitos da legislação anterior, que determinava a adoção deste último índice, nos termos acima indicados.
A conjugação dos precedentes dos tribunais superiores resulta, assim, na aplicação do INPC aos benefícios previdenciários, a partir de abril 2006, reservando-se a aplicação do IPCA-E aos benefícios de natureza assistencial.
Importante ter presente, para a adequada compreensão do eventual impacto sobre os créditos dos segurados, que os índices em referência - INPC e IPCA-E tiveram variação muito próxima no período de julho de 2009 (data em que começou a vigorar a TR) e até setembro de 2019, quando julgados os embargos de declaração no RE 870947 pelo STF (IPCA-E: 76,77%; INPC 75,11), de forma que a adoção de um ou outro índice nas decisões judiciais já proferidas não produzirá diferenças significativas sobre o valor da condenação.
Os juros de mora devem incidir a partir da citação.
Até 29.06.2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3.º do Decreto-Lei 2.322/1987, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/1997, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRg no AgRg no Ag 1211604/SP).
Por fim, a partir de 09/12/2021, data da publicação da Emenda Constitucional n.º 113/2021, incidirá a determinação de seu art. 3.°, que assim dispõe:
Art. 3º Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.
Das Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei 9.289/96).
Tratando-se de feitos afetos à competência delegada, tramitados na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, a autarquia também é isenta do pagamento dessas custas (taxa única), de acordo com o disposto no art. 5.º, I, da Lei Estadual n.º 14.634/14, que institui a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado, ressalvando-se que tal isenção não a exime da obrigação de reembolsar eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora (parágrafo único, do art. 5.º). Salienta-se, ainda, que nessa taxa única não estão incluídas as despesas processuais mencionadas no parágrafo único do art. 2.º da referida lei, tais como remuneração de peritos e assistentes técnicos, despesas de condução de oficiais de justiça, entre outras.
Da Verba Honorária
Tendo em vista que a sentença foi publicada sob a égide do novo CPC, é aplicável quanto à sucumbência aquele regramento.
Conquanto os honorários advocatícios em matéria previdenciária, como regra, devam ser fixados em percentual sobre o valor da condenação, conforme as disposições do art. 85, §§ 3º e 4º do novo CPC, na espécie esta tem valor pouco expressivo, equivalente a 04 (quatro) salários mínimos mais acréscimos, de modo que justificada a fixação do valor dos honorários por apreciação equitativa, nos termos do § 8º do art. 85 do NCPC.
Desse modo, de forma a não aviltar o trabalho técnico do advogado, fixo os honorários advocatícios em R$ 1.302 (um mil trezentos e dois reais), nos termos do art. 85, §8º, do CPC/2015, o que está em consonância com o entendimento da Seção Previdenciária desta Corte.
Prequestionamento
Para fins de possibilitar o acesso das partes às instâncias superiores, consideram-se prequestionadas as matérias constitucionais e legais suscitadas nos recursos oferecidos pelas partes, nos termos dos fundamentos do voto, deixando de aplicar dispositivos constitucionais ou legais não expressamente mencionados e/ou havidos como aptos a fundamentar pronunciamento judicial em sentido diverso do que está declarado.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003709687v29 e do código CRC 4c9d86e5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 26/3/2023, às 2:57:12
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Apelação Cível Nº 5000720-97.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE: TATIANE LESSE RODRIGUES JENNERICH
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. SEGURADA ESPECIAL cONJUNTO PROBATÓRIO SUFICIENTE. PERÍODO DE CARÊNCIA COMPROVADO. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO.
1. Nos casos de parto de natimorto deve ser reconhecido o direito à percepção de salário-maternidade durante 120 (cento e vinte) dias, até porque o parto, fato gerador do direito à percepção de salário-maternidade efetivamente ocorre nos casos de natimorto. 2. Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental. (Súmula n.º 73 deste Regional.) 3. Demonstradas a maternidade, a atividade rural e a qualidade de segurada especial durante o período de carência, faz jus a parte autora ao benefício de salário-maternidade.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 22 de março de 2023.
Documento eletrônico assinado por JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003709688v3 e do código CRC 80120f70.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Data e Hora: 26/3/2023, às 2:57:12
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 15/03/2023 A 22/03/2023
Apelação Cível Nº 5000720-97.2023.4.04.9999/RS
RELATOR: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): LUIZ CARLOS WEBER
APELANTE: TATIANE LESSE RODRIGUES JENNERICH
ADVOGADO(A): VANESSA GERMANO DOS SANTOS (OAB RS117068)
ADVOGADO(A): RAFAEL SCHMIDT (OAB RS059026)
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 15/03/2023, às 00:00, a 22/03/2023, às 16:00, na sequência 40, disponibilizada no DE de 06/03/2023.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES
Secretário
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