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SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ONCOLÓGICO. LEGITIMIDADE. INEFICÁCIA DA POLÍTICA PÚBLICA DEMONSTRADA. CONCESSÃO JUDICIAL DO FÁRMACO POSTULADO. POSSIBI...

Data da publicação: 07/07/2020, 04:34:15

EMENTA: SAÚDE. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. ONCOLÓGICO. LEGITIMIDADE. INEFICÁCIA DA POLÍTICA PÚBLICA DEMONSTRADA. CONCESSÃO JUDICIAL DO FÁRMACO POSTULADO. POSSIBILIDADE. ATRIBUIÇÕES, CUSTEIO E REEMBOLSO DAS DESPESAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS DO DEFENSOR DATIVO. BIS IN IDEM. 1. A jurisprudência é sólida no sentido da responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios nas ações onde se postula fornecimento público de medicamentos ou tratamento médico, sendo que a solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. 2. O fato de ser atribuição dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia e similares o fornecimento de tratamento oncológico não altera a responsabilidade solidária dos entes federativos no estabelecimento de sistema eficaz para operacionalização da prestação do direito constitucional à saúde. 3. As normas relativas ao direito à saúde devem ser analisadas e interpretadas de forma sistêmica, visando à máxima abrangência e ao amplo acesso aos direitos sociais fundamentais. 4. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira de pessoa estatal. 5. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental. 6. Demonstrada a imprescindibilidade do tratamento postulado, consistente na conjugação da necessidade e adequação do fármaco com o esgotamento da política pública, é devida a dispensação judicial do medicamento demandado. 7. Sendo solidária a responsabilidade dos réus na demanda, também são igualmente responsáveis pelo fornecimento e ônus financeiro do serviço de saúde pleiteado e concedido e, eventual acerto de contas que se fizer necessário em virtude da repartição de competências dentro dos programas de saúde pública e repasses de numerário ou restituições, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial. 8. Tendo em vista que a causa foi patrocinada por advogado(a) dativo(a), e que os honorários a ela devidos foram corretamente fixados na sentença, incabível o arbitramento de outro valor a título de honorários, sob pena de incorrer em bis in idem. (TRF4 5000275-67.2019.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MARCELO MALUCELLI, juntado aos autos em 02/10/2019)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000275-67.2019.4.04.7009/PR

RELATOR: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)

APELANTE: SILVIO APARECIDO DA ROCHA (AUTOR)

ADVOGADO: KELLY CHRISTINE CUIMACHOWICZ (OAB PR054017)

APELADO: OS MESMOS

INTERESSADO: SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PONTA GROSSA (INTERESSADO)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária ajuizada objetivando o fornecimento gratuito do medicamento Cetuximabe (Erbitux®) para tratamento de neoplasia de reto metastático que acomete a parte autora.

Foi indeferida a antecipação da tutela (evento 3 - DESPDEC1).

Determinada a realização de perícia médica judicial, o laudo foi acostado aos autos no evento 44 - LAUDO1.

Na sentença, o juízo a quo concedeu a antecipação de tutela e julgou procedente a demanda, nos seguintes termos:

3. Dispositivo

Pelo exposto, concedo a antecipação dos efeitos da tutela e julgo procedente o pedido e extinto o feito com resolução de mérito, nos termos do art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de condenar os réus, em caráter solidário, a fornecerem, gratuita e ininterruptamente à parte autora o medicamento Erbitux® (cetuximabe), na dosagem prescrita pelo seu médico e enquanto perdurar sua necessidade e conforme evolução do tratamento e consoante prescrição do médico assistente, sob pena de multa diária de R$ 100,00 (cem reais), atendendo à jurisprudência já consolidada do TRF da 4ª Região.

Prazo para cumprimento: 30 (trinta) dias corridos.

O medicamento poderá ser ofertado na sua forma genérica, se existente, e/ou com variações de nome em razão do laboratório fabricante, se possível, conforme parecer de médico habilitado do SUS.

Forma de cumprimento: feitas as considerações acima, fica esclarecido e determinado que cabe ao Estado do Paraná manter o fornecimento do medicamento Erbitux® (cetuximabe), com custeio pro rata ou mediante recomposição do estoque advindo do Ministério da Saúde - se possível -, com entrega por intermédio do CACON/UNACON em que a parte autora obtém seu tratamento, utilizando-se do procedimento administrativo que lhe for mais conveniente, como correntemente o fazem, observada a dose prescrita e a periodicidade dos ciclos do tratamento.

Exoneração do fornecimento

Ficarão os réus desobrigados do fornecimento do medicamento em havendo notícia de que o tratamento passou a ser suportivo ou não cumpridas as obrigações acessórias adiante determinadas.

Obrigações acessórias de incumbência da parte autora

Determino as seguintes obrigações, que devem ser observadas pelo paciente para recebimento dos medicamentos deferidos nesta sentença, quais sejam:

a) a receita médica acerca dos medicamentos deve ser renovada bimestralmente e deve ser apresentada no local de retirada do medicamento;

b) comunicação imediata (dentro do prazo de 48 horas) ao órgão de saúde que disponibilizou o medicamento e a este juízo acerca da ocorrência de suspensão/interrupção do tratamento ou de morte do(s) paciente(s);

c) acondicionamento do medicamento recebido de acordo com as informações e especificações do laboratório fabricante;

d) devolução, no prazo de 48 horas, ao órgão estadual de saúde que disponibilizou o medicamento excedente ou não utilizado, a contar da interrupção/suspensão do tratamento ou da morte;

e) devolução, no prazo de 48 horas, do medicamento não utilizado por inadequação.

Determino também que a parte autora apresente, e anexe ao procedimento administrativo de fornecimento do medicamento, relatório bimestral subscrito pelo médico responsável por seu tratamento e vinculado à CACON/UNACON, informando a evolução de seu quadro clínico e a necessidade (ou não) de prosseguimento do tratamento com o medicamento Erbitux® (cetuximabe) inclusive declarando se a filosofia de manejo permanece paliativa.

O cumprimento de tais obrigações deve ser observado pelo CACON para entrega do medicamento, que lhe será enviado pela Estado do Paraná/União. Expeça-se ofício para comunicação do encargo e da obrigação de manter em arquivo os documentos respectivos, podendo ser este arquivo o próprio prontuário do autor.

Honorários sucumbenciais

A Terceira Turma do TRF da 4ª Região firmou entendimento, por ocasião do julgamento da AC nº 5007452-85.2014.404.7000, Relator Desembargador Federal Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, de que são devidos honorários de R$ 3.000,00 por ente que integre a lide. ''Isso, evidentemente, desde que não haja situação excepcional que recomende o arbitramento em valor diverso. Dentro da normalidade em ações onde se postula o fornecimento de tratamento médico, o valor atende perfeitamente aos requisitos previstos nas alíneas do § 3º do artigo 20 do Código de Processo Civil.'' (TRF4, AC 5009487-36.2015.4.04.7112, TERCEIRA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, juntado aos autos em 13/12/2017). A Quarta Turma possui entendimento semelhante.

Considerando que o processo tramitou por cinco meses e que pouca intervenção foi exigida da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento dos honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 2.000,00 (dois mil reais) para cada um dos réus, nos termos do artigo 85, §§ 2º, 3º e 6º, do CPC, atualizado de acordo com o Manual de Cálculos da Justiça Federal.

Fixo os honorários da advogada dativa no valor máximo da tabela do CJF e determino que o pagamento seja requisitado após o trânsito em julgado (art. 27, Resolução CJF 305/2014).

Condeno a parte ré ao reembolso, proporcionalmente, à Justiça Federal de Primeira Instância - Seção Judiciária do Paraná do valor dos honorários pagos à dativa (art. 32 e § 1º, Resolução CJF 305/2014), com a devida correção monetária (artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09).

Condeno, ainda, a parte ré ao reembolso, proporcionalmente, à Justiça Federal de Primeira Instância - Seção Judiciária do Paraná do valor dos honorários periciais pagos ao perito, com a devida correção monetária (artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09).

Sem custas ante o deferimento da assistência judiciária gratuita e o disposto no artigo 4º, I, da Lei n.º 9.289/1996.

Sentença sujeita ao reexame necessário.

Havendo interposição de recurso de apelação, intime-se a parte adversa para contrarrazões no prazo legal. Em seguida, remetam-se os autos ao e. Tribunal Regional Federal da 4.ª Região.

Publicada e registrada eletronicamente. Intimem-se.

Oportunamente, arquivem-se.

Em suas razões de apelação, a União Federal asseverou a existência de política pública para tratamento da moléstia que acomete a parte autora, bem assim a inexistência de comprovação da superioridade terapêutica do fármaco requerido frente àqueles dispensados pelo SUS. Teceu considerações sobre o alto custo da medicação. Alternativamente, postulou a exclusão da verba honorária fixada em duplicidade em seu desfavor ou, alternativamente, a exclusão dos honorários fixados a título de defensor dativo.

Igualmente, apelou o Estado do Paraná asseverando a ausência de comprovação da eficácia e da imprescindibilidade do tratamento demandado. Alternativamente, sustentou a obrigação exclusiva da União em custear o tratamento oncológico requerido ou, ainda, o dever da União em restituir o Estado do Paraná nos próprios autos, bem como a exclusão da verba honorária fixada em seu desfavor.

E, por fim, apelou a parte autora postulando a majoração da verba honorária para o montante de 10 a 20% sobre o valor da causa, nos termos do inciso I do §3º do artigo 85 do CPC ou, alternativamente, para R$ 3.000,00 (três mil reais) para cada ente.

Processado o feito, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório. Peço dia.



Documento eletrônico assinado por MARCELO MALUCELLI, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001320208v9 e do código CRC bb716977.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO MALUCELLI
Data e Hora: 2/10/2019, às 16:19:50


5000275-67.2019.4.04.7009
40001320208 .V9


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:34:14.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000275-67.2019.4.04.7009/PR

RELATOR: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)

APELANTE: SILVIO APARECIDO DA ROCHA (AUTOR)

ADVOGADO: KELLY CHRISTINE CUIMACHOWICZ (OAB PR054017)

APELADO: OS MESMOS

INTERESSADO: SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PONTA GROSSA (INTERESSADO)

VOTO

LEGITIMIDADE PASSIVA

A jurisprudência é sólida no sentido da responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios nas ações onde se postula fornecimento público de medicamentos ou tratamento médico, sendo que a solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais.

Para destacar:

ADMINISTRATIVO. MEDICAMENTO. LEGITIMIDADE PASSIVA. LITISCONSÓRCIO FACULTATIVO. SOLIDARIEDADE. RECONHECIMENTO. NECESSIDADE DO FÁRMACO. COMPROVAÇÃO. MULTA. 1. A União, os Estados-Membros e os Municípios têm legitimidade passiva e responsabilidade solidária nas causas que versam sobre fornecimento de medicamentos. 2. A solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais. Se a parte escolhe litigar somente contra um ou dois dos entes federados, não há a obrigatoriedade de inclusão dos demais. 3. Para fazer jus ao recebimento de medicamentos fornecidos por entes políticos, deve a parte autora comprovar a sua atual necessidade e ser aquele medicamento requerido insubstituível por outro similar/genérico no caso concreto. 4. Possível a aplicação de multa por dia de descumprimento, na esteira do art. 461, § 4º, do CPC, se for suficiente e compatível com a obrigação, não podendo, pois, ser exorbitante ou desproporcional, sob pena de ineficaz e desmoralizadora do próprio comando judicial. (AC nº5055474-72.2017.404.7000/PR, TRF/4ª Região, 4ª Turma, Rel. Des. Federal Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, e-Proc em 23-8-2018, evento5)

MEDICAMENTOS. LEGITIMIDADE/SOLIDARIEDADE. DEMONSTRAÇÃO DA IMPRESCINDIBILIDADE DO FÁRMACO. PARECERES TÉCNICOS FAVORÁVEIS. CONTRACAUTELAS. HONORÁRIOS. 1. União, Estados e Municípios passaram a ser considerados legítimos, indistintamente, para figurar no polo passivo de ações visando ao fornecimento de medicamentos. Em virtude das próprias características do instituto da solidariedade, está-se diante de litisconsórcio passivo facultativo entre os Entes. 2. Existe responsabilidade solidária dos réus também quanto à obrigação de fornecer a medicação, sendo que constitui um dos efeitos jurídicos de tal instituto o rateio, de forma igualitária, de todos os custos despendidos com a obtenção do fármaco por qualquer um dos réus do processo. A questão relativa a eventual ressarcimento de despesas efetuadas com a compra de medicamentos deve ser resolvida entre os entes federados na via administrativa ou em ação própria, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial. 3. Faz jus ao fornecimento do medicamento pelo Poder Público a parte que demonstra a respectiva imprescindibilidade, que consiste na conjugação da necessidade e adequação do fármaco e da ausência de alternativa terapêutica. 4. Considerando a situação peculiar do caso em análise, em que o medicamento postulado não é mais experimental, faz parte do RENAME para a doença do autor; o mesmo já comprovou a eficácia do fármaco no caso concreto, por utilizá-lo há mais de 10 anos, tendo início quando negado o tratamento de primeira linha pelo SUS, tudo corroborado pela prova pericial, a manutenção da sentença de procedência é medida que se impõe. 5. Considerando que o tratamento tem prazo indeterminado, cabível a fixação de contracautelas. 6. Honorários fixados com base no art. 85, § 8º do CPC e nos termos dos precedentes desta Turma em R$ 3.000,00 (três mil reais) por réu. (AC nº 5014906-18.2016.404.7107, TRF/4ª Região, 3ª Turma, Rel. Des. Federal Marga Inge Barth Tessler, e-Proc em 5-9-2018, evento8)

Ainda, segundo entendimento deste Tribunal, o fato de ser atribuição da Rede de Atenção Oncológica o fornecimento de medicação relacionada ao tratamento de câncer não altera o dever dos entes federativos estabelecerem um sistema eficaz de operacionalização da prestação do direito constitucional à saúde. Assim, os estabelecimentos credenciados, tais como as Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON) e os Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON), não detém legitimidade para figurar no polo passivo das ações onde postulado a disponibilização de medicamentos oncológicos pelo Poder Público.

No caso, portanto, configurada a legitimidade passiva dos entes públicos na lide.

FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS

No mérito, tenho que as normas relativas ao direito à saúde devem ser analisadas e interpretadas de forma sistêmica, visando à máxima abrangência e ao amplo acesso aos direitos sociais fundamentais. Exatamente por conta disso, a despeito de respeitáveis entendimentos em sentido contrário, entendo que, na esteira dos preceitos do neoconstitucionalismo, não há que se falar em mero caráter programático do artigo 196 da Constituição Federal, uma vez que referido modelo axiológico/valorativo parte da ideia central segundo a qual não basta limitar atividades arbitrárias anti-isonômicas (ponto fulcral do constitucionalismo clássico), mas se faz imprescindível a efetiva promoção dos direitos fundamentais.

Nesse contexto, cabe ao Poder Judiciário viabilizar a promoção do mínimo existencial, em face do qual não se admite qualquer alegação de irresponsabilidade por impossibilidade (reserva do possível). Não há, portanto, infundado ativismo judicial no caso em apreço (ou intervenção do Poder Judiciário em tema de apreciação restrita do Poder Executivo), mas respeito ao formalismo processual e aos direitos fundamentais individuais e sociais.

Resumidamente, tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira de pessoa estatal.

Assim, certo que o direito fundamental à saúde encontra-se garantido na Constituição, descabendo as alegações de mera norma programática, de forma a não lhe dar eficácia. A interpretação da norma constitucional há de ter em conta a unidade da Constituição, máxima efetividade dos direitos fundamentais e a concordância prática, que impede, como solução, o sacrifício cabal de um dos direitos em relação aos outros.

Sobre o tema em debate, o que temos, portanto, é a evidenciada multiplicidade de direitos e princípios postos em questão: reserva do possível, competência orçamentária do legislador, eficiência da atividade administrativa e a preservação do direito à vida e o direito à saúde. Bem por isso, na concretização das normas em face da realidade social e dos interesses, princípios e direitos em conflito e diante da excepcionalidade da atuação do Poder Público e das limitações que cercam o direito à saúde, os pedidos de fornecimento de medicamentos ou de tratamentos/ procedimentos médicos devem ser analisados caso a caso, com detida apreciação do contexto fático.

Para tanto, o Supremo Tribunal Federal fixou, no julgamento da Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), alguns pressupostos e critérios relevantes para a atuação do Poder Judiciário no tema da saúde, mais precisamente na questão do fornecimento de medicamentos e tratamentos pleiteados em face dos Entes Políticos, cumprindo ressaltar os seguintes trechos do voto:

[...] o primeiro dado a ser considerado é a existência, ou não, de política estatal que abranja a prestação de saúde pleiteada pela parte. Ao deferir uma prestação de saúde incluída entre as políticas sociais e econômicas formuladas pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o Judiciário não está criando política pública, mas apenas determinando o seu cumprimento. Nesses casos, a existência de um direito subjetivo público a determinada política pública de saúde parece ser evidente.

Se a prestação de saúde pleiteada não estiver entre as políticas do SUS, é imprescindível distinguir se a não prestação decorre de (1) uma omissão legislativa ou administrativa, (2) de uma decisão administrativa de não fornecê-la ou (3) de uma vedação legal a sua dispensação.

Não raro, busca-se, no Poder Judiciário, a condenação do Estado ao fornecimento de prestação de saúde não registrada na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). Como ficou claro nos depoimentos prestados na Audiência Pública, é vedado à Administração Pública fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA.

[...]

Por tudo isso, o registro na ANVISA configura-se como condição necessária para atestar a segurança e o benefício do produto, sendo o primeiro requisito para que o Sistema Único de Saúde possa considerar sua incorporação.

Claro que essa não é uma regra absoluta. Em casos excepcionais, a importação de medicamento não registrado poderá ser autorizada pela ANVISA.

[...]

O segundo dado a ser considerado é a existência de motivação para o não fornecimento de determinada ação de saúde pelo SUS.

[...]

Nessa hipótese, podem ocorrer, ainda, duas situações: 1º) o SUS fornece tratamento alternativo, mas não adequado a determinado paciente; 2º) o SUS não tem nenhum tratamento específico para determinada patologia.

[...]

Dessa forma, podemos concluir que, em geral, deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente.

Essa conclusão não afasta, contudo, a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso. Inclusive, como ressaltado pelo próprio Ministro da Saúde na Audiência Pública, há necessidade de revisão periódica dos protocolos existentes e de elaboração de novos protocolos. Assim, não se pode afirmar que os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS são inquestionáveis, o que permite sua contestação judicial.

Situação diferente é a que envolve a inexistência de tratamento na rede pública. Nesses casos, é preciso diferenciar os tratamentos puramente experimentais dos novos tratamentos ainda não testados pelo Sistema de Saúde brasileiro.

Os tratamentos experimentais (sem comprovação científica de sua eficácia) são realizados por laboratórios ou centros médicos de ponta, consubstanciando-se em pesquisas clínicas. A participação nesses tratamentos rege-se pelas normas que regulam a pesquisa médica e, portanto, o Estado não pode ser condenado a fornecê-los.

[...]

Quanto aos novos tratamentos (ainda não incorporados pelo SUS), é preciso que se tenha cuidado redobrado na apreciação da matéria. Como frisado pelos especialistas ouvidos na Audiência Pública, o conhecimento médico não é estanque, sua evolução é muito rápida e dificilmente suscetível de acompanhamento pela burocracia administrativa.

Se, por um lado, a elaboração dos Protocolos Clínicos e das Diretrizes Terapêuticas privilegia a melhor distribuição de recursos públicos e a segurança dos pacientes, por outro a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada.

Parece certo que a inexistência de Protocolo Clínico no SUS não pode significar violação ao princípio da integralidade do sistema, nem justificar a diferença entre as opções acessíveis aos usuários da rede pública e as disponíveis aos usuários da rede privada. Nesses casos, a omissão administrativa no tratamento de determinada patologia poderá ser objeto de impugnação judicial, tanto por ações individuais como coletivas. No entanto, é imprescindível que haja instrução processual, com ampla produção de provas, o que poderá configurar-se um obstáculo à concessão de medida cautelar.

Observando as premissas elencadas no julgado supra, quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores:

(a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente;

(b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente;

(c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99);

(d) a não configuração de tratamento experimental.

Concluindo, tem-se que:

(i) existente uma política estatal que abranja a prestação pleiteada pela parte, o demandante tem direito a tal, cabendo ao Judiciário determinar seu cumprimento pelo Poder Público, recomendando-se que o postulante seja incluído no serviço ou programa já existente no Sistema Único de Saúde (SUS), de acordo com o Enunciado nº 11 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional da Justiça;

(ii) havendo inefetividade ou impropriedade do tratamento previsto no protocolo clínico para determinada moléstia, incumbe à parte requerente demonstrá-la, sob pena de indeferimento do pedido não constante das políticas públicas do SUS, de acordo com o Enunciado nº 14 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional da Justiça. Todavia, restando suficientemente comprovada a ineficácia ou impropriedade da política de saúde existente, é possível ao Judiciário determinar que seja fornecida medida diversa da usualmente custeada pelo SUS, de acordo com os Enunciados nº4 e nº16 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça;

(iii) não estando a pretensão entre as políticas do SUS, as circunstâncias do caso concreto devem ser observadas, a fim de que se identifique se a não inclusão do tratamento nos Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do Sistema, elaborados com fundamento na corrente da "Medicina com base em evidências", trata-se de omissão legislativa/administrativa, ou está justificada em decisão administrativa fundamentada/vedação legal. Como exemplos citam-se os casos em que o medicamento ou tratamento pleiteado pode não ser oferecido pelo Poder Público por não possuir registro na ANVISA, (hipótese de vedação legal), ou no caso de inexistirem evidências científicas suficientes a autorizarem sua inclusão (hipótese de decisão administrativa fundamentada);

(iv) se o medicamento ou procedimento requerido judicialmente não estiver incluído nas políticas públicas de saúde, mas houver outra opção de tratamento para a moléstia do paciente, deve-se, em regra, privilegiar a escolha feita pelo administrador, nos termos do Enunciado nº 14, acima transcrito;

(v) se o medicamento ou procedimento postulado não constar das políticas do SUS, e tampouco houver tratamento alternativo ofertado para a patologia, há que se verificar se a prestação solicitada consiste em tratamento meramente experimental ou se trata de tratamento novo ainda não testado pelo Sistema ou a ele incorporado;

(v.i) Os tratamentos experimentais são aqueles sem comprovação da sua eficácia e testados em pesquisas clínicas. As drogas aí envolvidas sequer podem ser adquiridas, uma vez que nunca foram aprovadas ou avaliadas, devendo seu acesso ser disponibilizado apenas no âmbito de estudos clínicos ou programas de acesso expandido. Não se pode, assim, compelir o Estado a fornecer tais experimentos. Neste sentido é o Enunciado nº 9 da I Jornada de Direito da Saúde do Conselho Nacional de Justiça;

(v.ii) já os tratamentos novos, não contemplados em qualquer política pública, merecem atenção e cuidado redobrados, tendo em vista que, "a aprovação de novas indicações terapêuticas pode ser muito lenta e, assim, acabar por excluir o acesso de pacientes do SUS a tratamento há muito prestado pela iniciativa privada". Neste caso, é possível, pois, a impugnação judicial, tanto por ações individuais quanto coletivas, impondo-se, todavia, que se proceda a ampla instrução probatória sobre a matéria.

Não se desconhece que, mais recentemente, a 1ª Seção do STJ, ao julgar o recurso repetitivo (REsp nº 1.657.156), definiu os critérios para fornecimento de medicamentos não incorporados em atos normativos do SUS, exigindo, para tanto, a presença cumulativa dos seguintes requisitos:

1) comprovação por meio de laudo médico fundamentado e circunstanciado expedido por médico que assiste o paciente da imprescindibilidade ou necessidade do medicamento, assim como da ineficácia, para o tratamento da moléstia, dos fármacos fornecidos pelo SUS;

2) incapacidade financeira de arcar com o custo de medicamento prescrito; e

3) existência de registro na Anvisa do medicamento.

Ocorre que, quanto aos medicamentos oncológicos, de livre escolha pelos estabelecimentos credenciados junto à Rede de Atenção Oncológica, não incluídos em protocolos pré-estabelecidos pelo Ministério da Saúde, distinguindo-se, portanto, daqueles afetados ao Tema 106 do STJ, que versa especificamente sobre o Programa de Medicamentos Excepcionais, conforme entendimento sedimentado neste Tribunal (AI nº 5012401-64.2018.404.0000; AI nº 5020159-94.2018.404.0000/SC; AI nº 5039107-21.2017.404.0000), tenho que a sua dispensação judicial não está submetida à observância dos critérios estabelecidos por força do prefalado julgamento.

Importante registrar que a assistência oncológica, inclusive no tocante ao fornecimento de fármacos, é direta e integralmente prestada por entidades credenciadas junto ao Poder Público, integrantes da Rede de Atenção Oncológica, tais como as Unidades de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (UNACON), os Centros de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (CACON) e os Centros de Referência de Alta Complexidade em Oncologia, os quais devem ser ressarcidos pelo Ministério da Saúde pelos valores despendidos com medicação, consultas médicas, materiais hospitalares, materiais de escritório, materiais de uso de equipamentos especiais, materiais de limpeza e de manutenção da unidade. Não mais havendo padronização de medicamentos, mas apenas de procedimentos terapêuticos (quimioterapia, radioterapia etc.) para cada tipo e estágio de câncer, a indicação dos fármacos antineoplásicos necessários a cada paciente fica ao encargo dos médicos que integram a Rede de Atenção Oncológica, de acordo com as evidências científicas a respeito e os fatores específicos de cada caso, sendo que tudo deve ser alcançado, como dito, pelo próprio estabelecimento de saúde credenciado, e somente para os pacientes que estiverem recebendo seu tratamento no local.

Os procedimentos oncológicos são realizados através de autorizações (APAC-Onco), nas quais devem constar as informações pertinentes ao tratamento de cada paciente, como diagnóstico, tipo histológico, estadiamento, bem como o tratamento proposto. O oncologista, dentro de um protocolo estabelecido, tem relativa liberdade para indicar o melhor tratamento para o paciente, com exceções de alguns casos pontuais que apresentam portarias específicas. Esses procedimentos são periodicamente auditados por gestores ligados ao Ministério da Saúde e, em grande parte, possuem teto remuneratório, que, na verdade, é o maior entrave na efetivação dos tratamentos de câncer, responsável pela imensa maioria das ações de medicamentos antineoplásicos. Ou seja, o problema do tratamento oncológico é mais de ordem econômica do que procedimental.

É evidente que, em virtude da peculiaridade do tratamento oncológico pelo SUS, conclui-se que a criação ou não de protocolo visando à disponibilização de um medicamento específico para tratamento de pacientes que se enquadrem em determinado quadro de saúde constitui típica opção discricionária da Administração, a ser realizada segundo juízos de conveniência e oportunidade, inalcançáveis pelo Poder Judiciário. No entanto o direito da parte autora não pode aguardar solução burocrática.

Indispensável, em primeira linha, nos casos onde se pretende o fornecimento de fármaco oncológico, submissão do paciente a tratamento perante unidades de CACON ou UNACON, uma vez que o atendimento por estas não se resume a entrega do medicamento para a moléstia específica, mas o tratamento integral do paciente.

Nesse sentido é a Súmula 99 deste Regional:

A dispensação de medicamento oncológico, judicialmente determinada, far-se-á exclusivamente por estabelecimentos de saúde credenciados junto à Rede de Atenção Oncológica - CACON ou UNACON.

CASO CONCRETO

Na hipótese em exame, os documentos médicos juntados com a inicial no evento1 demonstram que a parte autora se submete a tratamento na Santa Casa de Misericórdia de Ponta Grossa, entidade credenciada como CACON/UNACON. Registro, ainda, que o relatório médico (evento 1 - ATESTMED9) foi elaborado por profissional vinculada à referida instituição, cujo corpo médico é o competente para indicar a medicação adequada ao seu tratamento, concluindo pela indicação do fármaco postulado, a fim de obtenção de controle da doença, face ao estágio avançado da mesma, à despeito de tratamento neoadjuvante com radioterapia e quimioterapia, amputação abdominal perineal, nova quimioterapia adjuvante com 5 FU + LV, cirurgia para ressecção de massa pélvica, nova quimioterapia com FOLFOX e, ainda, novo ciclo com FOLFIRI. Asseverou que o paciente possui a condição do gene Kras não mutado (selvagem).

No mesmo sentido, a perícia médica judicial (evento 44 - LAUDO1) concluiu pela imprescindibilidade de dispensação do fármaco postulado para fins de aumento da sobrevida global, estabilização da doença e da taxa de resposta, após esgotamento da política pública sem efeito. Veja-se:

(...)

RESUMO CLÍNICO

Trata-se de perícia médica sobre o caso clínico de SÍLVIO APARECIDO DA ROCHA, nascido em 13-11-1957, atualmente com 61 anos de idade. O relatório médico de 22-06-2018 (Dra. Lyzandra Ioshizumi CRM 18899 PR) indica que estava sob acompanhamento desde 16-02- 2015. Apresentava diagnóstico de adenocarcinoma de reto estadio III, tendo realizado radioterapia e quimioterapia neoadjuvante em março de 2015. Foi submetido à cirurgia de amputação abdomino-perineal (cirurgia de Miles) em 06-10-2015, cujo laudo comprovou adenocarcinoma tubular de baixo grau. O exame de gene k-ras de 23-06-2017 demonstrou a forma não mutada. Realizou quimioterapia adjuvante com o esquema 5 FU e Leucovorin até 29- 04-2016. Apresentou progressão em pelve tendo sido operado em 21-12-2016. Foi tratado com quimioterapia paliativa com o esquema FOLFOX até 24-10-2017. Em 30-11-2017 houve elevação do marcador CEA para 97,42, com surgimento de metástases pulmonares. Iniciou quimioterapia com o esquema FOLFIRI até 19-06-2018, mas a tomografia de tórax revelou aumento das metástases pulmonares.

Houve indicação da medicação CETUXIMABE (ERBITUX®) na dose de 500 mg/m² - 925 mg endovenoso a cada 2 semanas. Houve troca de quimioterapia para Capecitabina (Xeloda®) em outubro de 2018, encerrada em fevereiro de 2019. O periciado alega que aguarda reinício de outro esquema de quimioterapia. O exame do marcador CEA de 10-01-2019 revelou elevação para 448,90. Ao exame, apresenta-se em bom estado geral, apesar do tumor avançado. Consegue comunicar-se, deambular e movimentar-se. Pesa 74 quilos e mede 168 cm de altura. Possui falta de ar aos esforços intensos.

SOBRE A MEDICAÇÃO DEMANDADA

Trata-se da medicação denominada CETUXIMABE, nome comercial ERBITUX ® produzida pelo laboratório Merck e registrada na ANVISA (registro MS: 1.0089.0335). No Brasil, é comercializado na forma de solução injetável contendo 5 mg/ ml. Sua indicação é precisamente para “pacientes com câncer colorretal metastático com expressão de EGFR sem mutação do gene k-ras”, também denominado gene k-ras wild type, tanto em combinação com quimioterapia como de forma isolada em pacientes que tenham falhado à terapia baseada em Oxaliplatina e Irinotecano e que sejam intolerantes ao Irinotecano. Também pode ser indicado para pacientes com câncer de cabeça e pescoço. A dose empregada é de 400mg por m² de superfície corporal de ataque seguida de 250 mg por m² de manutenção, semanalmente.

Trata-se de um grupo especial de medicações, denominadas anticorpos monoclonais, ou terapias-alvo. Estes anticorpos são proteínas que se ligam a receptores específicos (denominados Epidermal Grow Factor Receptor ou EGFR), causando inibição do crescimento celular.

Os estudos demonstram que a incidência de mutação do gene k-ras é de 30% a 50%. Os pacientes com k-ras não mutado tem melhores chances de se beneficiarem com o Cetuximabe. Alguns estudos são notórios: o EMR 62 202-047 comparou 169 pacientes com câncer colorretal avançado que não receberam tratamento prévio os quais utilizaram Cetuximabe, Oxaliplatina e Fluorouracil com 168 pacientes somente com quimioterapia isolada. Os pacientes que receberam o Cetuximabe apresentaram taxa de resposta objetiva de 60,7% versus somente 37% na quimioterapia isolada.

Foi publicado no The New England Journal of Medicine 2008; 359:1757-1765, um estudo para verificar o benefício do Cetuximabe em 394 pacientes com câncer colorretal metastático. Nos pacientes com o gene k-ras selvagem, comparou-se o tratamento com a medicação demandada versus tratamento suportivo isolado. Houve aumento significativo da sobrevida global (9.5 meses versus 4.8 meses) e melhora da sobrevida livre de progressão do tumor (3.7 meses versus 1.9 meses). Outro estudo denominado EMR 62 202-013 comparou a Cetuximabe mais o esquema FOLFIRI com o esquema FOLFIRI isoladamente. Houve ganho de sobrevida global (28,4 meses versus 20,2 meses), sobrevida livre de progressão de doença (11,4 meses versus 8,4 meses) e taxa de resposta global (66,3% versus 38,6%).

QUESITOS

Do Juízo.

a) a parte autora está acometida de qual doença/neoplasia? Qual seu estadiamento/classificação?

Resposta. Sim. O autor possui câncer de reto com metástases pulmonares, estadio IV.

b) foi seguida eventual diretriz terapêutica estabelecida pelo Ministério da saúde para a patologia que acomete a parte?

Resposta. Sim. O autor foi tratado com quimioterapia e radioterapia, cirurgia de retossigmoidectomia e quimioterapia adjuvante em 2016. Após a recidiva, realizou quimioterapia com os esquemas FOLFOX, FOLFIRI e Capecitabina.

c) a prescrição do medicamento para o caso concreto do autor está fundada em Medicina Baseada em Evidências?

Resposta. Sim. Nos pacientes com o gene k-ras selvagem, comparou-se o tratamento com a medicação demandada versus tratamento suportivo isolado. Houve aumento significativo da sobrevida global (9.5 meses versus 4.8 meses) e melhora da sobrevida livre de progressão do tumor (3.7 meses versus 1.9 meses). Outro estudo denominado EMR 62 202-013 comparou a Cetuximabe mais o esquema FOLFIRI com o esquema FOLFIRI isoladamente. Houve ganho de sobrevida global (28,4 meses versus 20,2 meses), sobrevida livre de progressão de doença (11,4 meses versus 8,4 meses) e taxa de resposta global (66,3% versus 38,6%).

d) o autor obteve seu tratamento até o presente momento junto à rede pública de saúde?

Resposta. Sim. O autor se trata pelo SUS na Santa Casa de Ponta Grossa.

e) quais foram os tratamentos e/ou medicamentos a que se submeteu a parte autora?

Resposta. O autor realizou quimioterapia adjuvante com Fluorouracil e Leucovorin. Posteriormente utilizou quimioterapia com esquemas FOLFOX, FOLFIRI e Capecitabina.

f) em qual "linha de tratamento" (primeira, segunda...) se enquadraria atualmente o autor?

Resposta. Seria a segunda linha de tratamento paliativo.

g) a parte autora já se utilizou de todos os tratamentos equivalentes disponibilizados pelo SUS para essa doença? Quais? os resultados foram os esperados?

Resposta. Sim, mas houve aumento das metástases pulmonares.

h) qual o tratamento atual realizado pelo paciente? Os resultados são os esperados? ele propicia um controle adequado da doença?

Resposta. O autor estava utilizando Capecitabina até há poucos dias, mas houve interrupção do tratamento por progressão de doença.

i) se for mantido o tratamento atual, qual o prognóstico para a enfermidade?

Resposta. Independente da forma de tratamento, o prognóstico é reservado.

j) É viável a constatação de falha terapêutica indicativa da resistência, intolerância (efeitos colaterais graves) ou ineficácia dos medicamentos antes utilizados para o tratamento?

Resposta. Sim. Trata-se de progressão da doença após a quimioterapia.

k) o medicamento requerido é indicado para o tratamento da neoplasia/doença do autor no seu atual estágio e condições clínicas? Há comprovação de que seja metastático? Se não for mestastática a doença, caracterizar-se-ia tratamento off label/experimental?

Resposta. Sim, é indicado para a doença do autor. Há comprovação de metástases através das tomografias e prontuário médico.

l) por quais razões é pertinente e necessário o tratamento da parte autora com o medicamento requerido? Quais as eventuais conseqüências de sua não utilização?

Resposta. A medicação é indicada como forma de melhorar a sobrevida, embora o tumor seja incurável.

m) diante do quadro clínico atual, a indicação do medicamento pleiteado mostrase imprescindível?

Resposta. Não há como afirmar que seja absolutamente imprescindível, pois a doença é incurável. No entanto, a medicação pode aumentar a sobrevida global.

n) O medicamento pleiteado proporciona que tipo de melhorias no tratamento da doença? Que eficácia apresenta? Quais seus efeitos sobre o estágio atual da enfermidade da paciente?

Resposta. Há aumento da sobrevida global, estabilização da doença e taxa de resposta.

o) tratamento requerido apresenta relevante incremento de sobrevida livre de progressão ou de doença se comparado à submissão unicamente ao tratamento disponibilizado pelo SUS? é possível estimar a diferença de sobrevida em cada qual?

Resposta. Nos pacientes com o gene k-ras selvagem, comparou-se o tratamento com a medicação demandada versus tratamento suportivo isolado. Houve aumento significativo da sobrevida global (9.5 meses versus 4.8 meses) e melhora da sobrevida livre de progressão do tumor (3.7 meses versus 1.9 meses). Outro estudo denominado EMR 62 202-013 comparou a Cetuximabe mais o esquema FOLFIRI com o esquema FOLFIRI isoladamente. Houve ganho de sobrevida global (28,4 meses versus 20,2 meses), sobrevida livre de progressão de doença (11,4 meses versus 8,4 meses) e taxa de resposta global (66,3% versus 38,6%).

p) Qual é a vantagem (benefício) do medicamento requerido, se comparado com os demais que são eventualmente disponibilizados pelo SUS?

Resposta. Houve esgotamento de eficácia das medicações do SUS. A medicação demandada pode melhorar os índices prognósticos, mas o tumor é incurável.

q) as pesquisas acerca do medicamento pleiteado possuem grau de evidência definido? qual seria?

Resposta. Sim. Os estudos indicam alto grau de recomendação (2-A, fonte: https://leitlinienprogrammonkologie.de/uploads/tx_sbdownloader/LL_Colorectal_Cancer_1.1_english.pdf).

r) há algum tratamento, já se considerando que apenas há possibilidade de tratamentos paliativos para a doença, que tenha efetiva influência na doença, disponível pelo SUS ou não?

Resposta. Não neste momento.

s) Ou, qualquer que seja o tratamento instituído, incluídos aqueles existentes no SUS e/ou mencionados nos protocolos, estudos e documentos dos autos, o desfecho para a doença permanece inalterado?

Resposta. Sim, não há possibilidade de cura.

t) fora do âmbito do SUS existe a possibilidade de substituição do medicamento ou tratamento pretendido por outro de menor custo e efeito/eficácia equivalente? Quais e qual seu custo?

Resposta. Sim. Para os tumores de cólon sem mutação do gene k-ras, a outra opção é o Panitumumabe (Vectibix®). Sobre as medicações denominadas terapias-alvo para câncer colorretal avançado, pode-se afirmar que elas atuam sobre o receptor EGFR dos tumores. O site http://www.news-medical.net/news/20110106/1145/Portuguese.aspx traz um estudo comparando as três possibilidades existentes no mercado: CETUXIMABE (ERBITUX®), PANITUMUMABE (VECTIBIX®) e BEVACIZUMAB (AVASTIN®), todas elas liberadas pela ANVISA, mas não incluídas nos protocolos do SUS. As duas primeiras são indicadas para os tumores com gene kras não mutado (tipo selvagem). Nesta publicação, informa-se que a maioria dos especialistas nos Estados Unidos prescrevem o Cetuximabe ao invés do Panitumumabe, devido à maior recomendação em guidelines da primeira opção. Estima-se que o custo de terapia com o Cetuximabe seja maior do que com o Panitumumabe.

u) Caso o Sr. Perito entenda necessário, prestar outros esclarecimentos que entenda relevantes à aferição da necessidade e indispensabilidade da disponibilização do medicamento à parte autora.

Resposta. Já citado anteriormente.

(...)

Ainda, em consulta à CONITEC, verifica-se que a Portaria nº 958, de 26 de setembro de 2014, que aprova as Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas do Câncer de Cólon e Reto, indica a possibilidade de utilização da medicação requerida em 3ª linha de tratamento, para pacientes com gene KRAS natural (selvagem) como é o caso do autor:

"(...)

5.2. QUIMIOTERAPIA

(...)

Recomenda-se que a quimioterapia paliativa de 2ª linha ou 3ª linha sejam realizadas apenas para doentes com capacidade funcional 0 ou 1 na escala de Zubrod, pois não há evidência científica de que o tratamento antineoplásico paliativo seja seguro ou eficaz para doentes com capacidade funcional 2. O esquema quimioterápico deve ser selecionado segundo o esquema usado anteriormente e o perfil de segurança e eficácia então observados[45-47]. O uso de quimioterapia paliativa contendo cetuximabe ou panitumumabe é de limitada aplicação prática, restrita a doentes com capacidade funcional 0 ou 1, em 3ª linha de quimioterapia, com expressão tumoral do gene KRAS conhecida[48]. Quando usada, deve ser limitada aos doentes com tumores que apresentem expressão do gene KRAS natural, pois os doentes com tumores expressando KRAS mutado logram piores resultados terapêuticos com o uso deste medicamento[49]"

(...)

(http://conitec.gov.br/images/Artigos_Publicacoes/ddt_Colorretal__26092014.pdf)

Assim, para a situação específica dos autos, em que a parte autora já esgotou as 2 linhas de quimioterapia paliativa de que trata o PCDT do SUS, bem assim comprova a não mutação do gene K-RAS, há indicação do Cetuximabe em 3ª linha de quimioterapia paliativa.

Quanto à alegação de que existe relatório da CONITEC pela não recomendação do cetuximabe, em pesquisa ao site da Comissão, verifica-se que o relatório diz respeito ao tratamento de câncer colorretal com doença limitada ao fígado, em primeira linha de tratamento, o que não é o caso da autora. (http://conitec.gov.br/images/Relatorios/2018/Relatorio_Cetuximabe_CAColorretal_Metastatico.pdf)

Assim, tendo em vista a situação fática dos autos, de esgotamento da política do SUS, bem como de adequação e eficácia da medicação requerida, entendo que está suficientemente demonstrada a necessidade da dispensação da droga pleiteada, devendo ser mantida a sentença de procedência da ação.

ATRIBUIÇÕES, CUSTEIO E REEMBOLSO DAS DESPESAS ENTRE OS RÉUS

Sobre o assunto, não havendo dúvida quanto à legitimidade passiva dos réus e sendo solidária a responsabilidade destes na demanda, também são igualmente responsáveis pelo fornecimento e pelo ônus financeiro do serviço de saúde pleiteado e concedido.

No entanto, não cabe aqui declarar as atribuições ou direito de determinado réu em ressarcir-se dos demais quanto às despesas relativas ao cumprimento da obrigação, ainda que reconhecida a solidariedade. Eventual acerto de contas que se fizer necessário, em virtude da repartição de competências dentro dos programas de saúde pública e repasses de numerário ou restituições, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial.

HONORÁRIOS PERICIAIS

Sucumbentes os entes públicos, deverão restituir os honorários periciais.

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Com efeito, ao advogado pertencem os honorários advocatícios incluídos na condenação, sendo-lhe dado direito autônomo para promover a execução, conforme dispõe o artigo 23 da Lei nº 8.906/94. Nesse sentido, colaciono jurisprudência desta Corte:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO PELO JULGADO. ABATIMENTO DE VALORES RELATIVOS A BENEFÍCIO INACUMULÁVEL CONCEDIDO NA VIA ADMINISTRATIVA DURANTE O PROCESSO. BASE DE CÁLCULO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. O título judicial contém dois credores: o autor, em relação ao principal; e o advogado, quanto à verba honorária. São créditos distintos, de titularidade de pessoas diversas, o que por si só afasta a vinculação entre ambos, no caso de renúncia quanto à execução do valor principal ou na hipótese de não haver diferenças a título de principal, face ao abatimento das parcelas já recebidas administrativamente a título de antecipação ou percepção de outro benefício inacumulável, devendo ser apurado o valor da condenação, mesmo que por cálculo hipotético, apenas para dimensionar o valor dos honorários, sob pena de se aviltar o direito do advogado, autônomo em relação ao principal.

(TRF4, AG 5027054-71.2018.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 11-9-2018)

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. 1. Os honorários fixados judicialmente não pertencem à parte vencedora na ação, pois com a vigência do novo Estatuto da Advocacia tal verba passou a constituir direito do advogado, sua remuneração pelos serviços prestados em juízo. 2. O acordo homologado judicialmente na fase de execução, pelo qual o autor renuncia aos créditos que lhe seriam devidos em troca da implantação de outra aposentadoria, mais vantajosa, com a utilização dos períodos reconhecidos na ação e os subsequentes à data do primeiro requerimento administrativo, não tem o condão de substituir o título judicial decorrente da fase de conhecimento, tratando-se de mera composição entre as partes em sede de cumprimento do julgado e que não afeta o direito autônomo do advogado relativo às verbas de sucumbência, se quanto a estas nada foi referido na transação. 3. O título judicial contém dois credores: o autor, em relação ao principal; e o advogado, quanto à verba honorária. São créditos distintos, de titularidade de pessoas diversas, o que por si só afasta a vinculação entre ambos no caso de se verificar que, por qualquer razão, o crédito principal não mais se sujeita à execução judicial. 4. Havendo expressa previsão no título judicial para o pagamento de honorários advocatícios, a renúncia do autor aos valores que teria a receber não elide o direito de seu patrono de cobrar do devedor o crédito que lhe é devido por força da coisa julgada, devendo ser apurado o valor da condenação (in casu parcelas vencidas até a data do acórdão, referentes ao benefício concedido judicialmente), mesmo que por cálculo hipotético, apenas para dimensionar o montante da verba de sucumbência, sob pena de se aviltar direito que é autônomo em relação ao principal.

(TRF4, AG 5006557-36.2018.4.04.0000, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 4-7-2018)

PROCESSUAL CIVIL. RENÚNCIA DO FUNDO DE DIREITO. HOMOLOGAÇÃO. HONORÁRIOS. FIXAÇÃO. 1. A renúncia ao direito a que se funda a ação é ato unilateral, que independe da anuência da parte adversa e pode ser requerida a qualquer tempo e grau de jurisdição até o trânsito em julgado da sentença, ensejando a extinção do feito com julgamento do mérito, o que impede a propositura de qualquer outra ação sobre o mesmo direito, situação em que as despesas contratuais e honorários advocatícios devem ser arcados pelo autor. 2. A renúncia não impede que o procurador reivindique seus honorários advocatícios, justamente porque se trata de um direito autônomo pelo desempenho do advogado no seu trabalho.

(TRF4, AC 5000578-53.2011.4.04.7109, QUARTA TURMA, Relator LUÍS ALBERTO D'AZEVEDO AURVALLE, juntado aos autos em 4-10-2017)

Assim, tendo em vista que a causa foi patrocinada por advogada dativa, conforme encaminhamento carreado aos autos no evento 1 - NOMEAÇÃO3, e que os honorários a ela devidos foram corretamente fixados na sentença, de acordo com a tabela do CJF, incabível o arbitramento de outro valor a título de honorários, sob pena de incorrer em bis in idem.

Assim, é de ser provida a apelação da União Federal e do Estado do Paraná, bem como o reexame necessário que considero feito, para fins de afastar a condenação das rés ao pagamento de honorários advocatícios fixados em R$ 2.000,00 para cada ente, restando, outrossim, prejudicado o apelo da parte autora que requeria a majoração da referida verba.

PREQUESTIONAMENTO

Finalmente, esclareço, quanto ao prequestionamento, que não há necessidade de o julgador mencionar os dispositivos legais e constitucionais em que fundamenta sua decisão, tampouco os citados pelas partes, pois o enfrentamento da matéria através do julgamento feito pelo Tribunal justifica o conhecimento de eventual recurso pelos Tribunais Superiores (STJ, EREsp nº 155.621/SP, Corte Especial, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, DJ de 13-9-1999).

CONCLUSÃO

a) apelações da União Federal e do Estado do Paraná, bem como a remessa ex officio, que considero feita: parcialmente providas para o fim de afastar a verba honorária fixada em seu desfavor;

b) apelação da parte autora: prejudicada, nos termos da fundamentação.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto no sentido de dar parcial provimento às apelações da União Federal e do Estado do Paraná, bem como à remessa ex officio, que considero feita, prejudicado o apelo da parte autora.



Documento eletrônico assinado por MARCELO MALUCELLI, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001320209v10 e do código CRC 59e0e593.Informações adicionais da assinatura:
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5000275-67.2019.4.04.7009
40001320209 .V10


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:34:14.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000275-67.2019.4.04.7009/PR

RELATOR: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI

APELANTE: SILVIO APARECIDO DA ROCHA (AUTOR)

ADVOGADO: KELLY CHRISTINE CUIMACHOWICZ (OAB PR054017)

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)

APELADO: OS MESMOS

INTERESSADO: SANTA CASA DE MISERICORDIA DE PONTA GROSSA (INTERESSADO)

EMENTA

saúde. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. oncológico. LEGITIMIDADE. inEFICÁCIA da política pública demonstrada. concessão judicial do fármaco postulado. possibilidade. ATRIBUIÇÕES, CUSTEIO E REEMBOLSO DAS DESPESAS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HONORÁRIOS DO DEFENSOR DATIVO. BIS IN IDEM.

1. A jurisprudência é sólida no sentido da responsabilidade solidária da União, Estados e Municípios nas ações onde se postula fornecimento público de medicamentos ou tratamento médico, sendo que a solidariedade não induz litisconsórcio passivo necessário, mas facultativo, cabendo à parte autora a escolha daquele contra quem deseja litigar, sem obrigatoriedade de inclusão dos demais.

2. O fato de ser atribuição dos Centros de Alta Complexidade em Oncologia e similares o fornecimento de tratamento oncológico não altera a responsabilidade solidária dos entes federativos no estabelecimento de sistema eficaz para operacionalização da prestação do direito constitucional à saúde.

3. As normas relativas ao direito à saúde devem ser analisadas e interpretadas de forma sistêmica, visando à máxima abrangência e ao amplo acesso aos direitos sociais fundamentais.

4. Tratando-se de direito essencial, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira de pessoa estatal.

5. Observando as premissas elencadas no julgado Suspensão de Tutela Antecipada n. 175 (decisão da Corte Especial no Agravo Regimental respectivo proferida em 17 de março de 2010, Relator o Ministro Gilmar Mendes), quando da avaliação de caso concreto, devem ser considerados, entre outros, os seguintes fatores: (a) a inexistência de tratamento/procedimento ou medicamento similar/genérico oferecido gratuitamente pelo SUS para a doença ou, no caso de existência, sua utilização sem êxito pelo postulante ou sua inadequação devido a peculiaridades do paciente; (b) a adequação e a necessidade do tratamento ou do medicamento pleiteado para a doença que acomete o paciente; (c) a aprovação do medicamento pela ANVISA (só podendo ser relevado em situações muito excepcionais, segundo disposto nas Leis n.º 6.360/76 e 9.782/99) e (d) a não configuração de tratamento experimental.

6. Demonstrada a imprescindibilidade do tratamento postulado, consistente na conjugação da necessidade e adequação do fármaco com o esgotamento da política pública, é devida a dispensação judicial do medicamento demandado.

7. Sendo solidária a responsabilidade dos réus na demanda, também são igualmente responsáveis pelo fornecimento e ônus financeiro do serviço de saúde pleiteado e concedido e, eventual acerto de contas que se fizer necessário em virtude da repartição de competências dentro dos programas de saúde pública e repasses de numerário ou restituições, deve ser realizado administrativamente, sem prejuízo do cumprimento da decisão judicial.

8. Tendo em vista que a causa foi patrocinada por advogado(a) dativo(a), e que os honorários a ela devidos foram corretamente fixados na sentença, incabível o arbitramento de outro valor a título de honorários, sob pena de incorrer em bis in idem.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar do Paraná do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento às apelações da União Federal e do Estado do Paraná, bem como à remessa ex officio, prejudicado o apelo da parte autora, com ressalva de compreensão diversa do Desembargador MÁRCIO ANTONIO ROCHA, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 01 de outubro de 2019.



Documento eletrônico assinado por MARCELO MALUCELLI, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40001320210v7 e do código CRC 77a8adcb.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MARCELO MALUCELLI
Data e Hora: 2/10/2019, às 16:19:50


5000275-67.2019.4.04.7009
40001320210 .V7


Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:34:14.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Ordinária DE 01/10/2019

Apelação/Remessa Necessária Nº 5000275-67.2019.4.04.7009/PR

RELATOR: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI

PRESIDENTE: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

APELANTE: UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO (RÉU)

APELANTE: ESTADO DO PARANÁ (RÉU)

APELANTE: SILVIO APARECIDO DA ROCHA (AUTOR)

ADVOGADO: KELLY CHRISTINE CUIMACHOWICZ (OAB PR054017)

APELADO: OS MESMOS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 01/10/2019, na sequência 957, disponibilizada no DE de 16/09/2019.

Certifico que a Turma Regional suplementar do Paraná, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PARANÁ DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES DA UNIÃO FEDERAL E DO ESTADO DO PARANÁ, BEM COMO À REMESSA EX OFFICIO, PREJUDICADO O APELO DA PARTE AUTORA, COM RESSALVA DE COMPREENSÃO DIVERSA DO DESEMBARGADOR MÁRCIO ANTONIO ROCHA. DETERMINADA A JUNTADA DO VÍDEO DO JULGAMENTO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI

Votante: Juiz Federal MARCELO MALUCELLI

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Ressalva em 27/09/2019 15:19:07 - GAB. 102 (Des. Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA) - Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA.

Apenas ressalvo meu entendimento, conforme voto já previamente encaminhado, no sentido de não existir evidências suficientes da superioridade da medicação, bem como de erro da política publica de medicamentos ao não fornecer o fármaco em questão.

É que, no que concerne ao fármaco postulado para tratamento da doença que acomete a parte autora, a evidência científica, hoje, não recomenda a sua dispensação judicial.

No caso, infere-se que o paciente conta com 61 anos de idade e realiza tratamento oncológico pelo Sistema Único de Saúde (SUS), por ser portador de Câncer de Cólon, com gen KRAS natural (não mutado, selvagem) tendo indicação de tratamento com CETUXIMABE.

Como destacado na perícia médica em evidências científicas, o ganho de sobrevida global, bem como se sobrevida livre de progressão da doença, é diminuto, sendo referidos em 4,7 meses e 1,8 meses respectivamente para os casos cone KRAS selvagem, como o do autor:

c) a prescrição do medicamento para o caso concreto do autor está fundada em Medicina Baseada em Evidências?

Resposta. Sim. Nos pacientes com o gene k-ras selvagem, comparou-se o tratamento com a medicação demandada versus tratamento suportivo isolado. Houve aumento significativo da sobrevida global (9.5 meses versus 4.8 meses) e melhora da sobrevida livre de progressão do tumor (3.7 meses versus 1.9 meses). Outro estudo de nominado EMR 62 202-013 comparou a Cetuximabe mais o esquema FOLFIRI com o esquema FOLFIRI isoladamente. Houve ganho de sobrevida global (28,4 meses versus 20,2 meses), sobrevida livre de progressão de doença (11,4 meses versus 8,4 meses) e taxa de resposta global (66,3% versus 38,6%).

...

i) se for mantido o tratamento atual, qual o prognóstico para a enfermidade?

Resposta. Independente da forma de tratamento, o prognóstico é reservado.

...

l) por quais razões é pertinente e necessário o tratamento da parte autora com o medicamento requerido? Quais as eventuais conseqüências de sua não utilização?

Resposta. A medicação é indicada como forma de melhorar a sobrevida, embora o tumor seja incurável.

m) diante do quadro clínico atual, a indicação do medicamento pleiteado mostra-se imprescindível?

Resposta. Não há como afirmar que seja absolutamente imprescindível, pois a doença é incurável. No entanto, a medicação pode aumentar a sobrevida global.

Outrossim, observo que a DDT - Diretrizes Diagnósticas e Terapêuticas - do Câncer de Cólon referida no voto do Relator, embora indique a possibilidade de utilização da medicação requerida em 3ª linha de tratamento, para pacientes com gene KRAS natural, assevera que o "uso de quimioterapia paliativa contendo cetuximabe ou panitumumabe é de limitada aplicação prática, restrita a doentes com capacidade funcional 0 ou 1" .

Portanto, a medicação em questão, no estudo indicado pela perícia, teve um ganho de sobrevida de menos de 5 meses, comparado com pacientes que realizaram a terapia convencional.

A superioridade diminuta de um medicamento, frente a quimioterapia convencional, não trás dado relevante para demonstrar que os medicamentos fornecidos pelo SUS são menos eficientes que a medicação solicitada pela parte.

Portanto, no caso, diante da fragilidade das evidências científicas até então apontadas pela na perícia médica, não vejo a verossimilhança do direito alegado.

De fato, tratando-se de adoção de uma política pública de saúde, caberá aos profissionais de saúde, dentro de suas melhores convicções profissionais, tomarem as decisões que espelhem os interesses de toda a Sociedade. Isso importa, necessariamente, na eleição de prioridades, na análise de custo benefício, ponderação dos objetivos alcançáveis pelo tratamento, etc, tudo para que possa o sistema de saúde dar atendimento ao maior número de pacientes, e com a melhor eficiência possível frente as limitações orçamentárias. Desnecessário lembrar que a população, por vezes, carece de tratamentos e medicamentos, e mesmo de atendimento profissional, por questões de falta de recursos, mesmo para alguns tratamentos comprovadamente eficientes ou de urgência.

Estabelecida a política pública de disponibilização de medicamentos, há que se lhe dar credibilidade, pelo menos até que seja seriamente desafiada em sua correção. Isso, não apenas por que se presume a sua seriedade, mas também pois se presume tenha Estado consultado profissionais qualificados para definir sua dispensação de remédios. E ainda, fundamentalmente, por se admitir, de modo razoável, que o conjunto, que a reunião desses profissionais que subsidiaram as políticas públicas substancializa um espectro maior e mais variado de opiniões, cuja soma fornece densidade mais robusta que opiniões isoladas de médicos, muitas vezes pressionados pelos casos à frente.

Aqui uma primeira importante perspectiva, a política de dispensação de medicamentos não pode ser afastada, via de regra, com base em opinião isolada de um determinado médico, mesmo que perito nomeado pelo juiz. Não há qualquer razoabilidade em se admitir a opinião isolada de um único médico, contra o conjunto de informações que subsidiaram a decisão pública. Não bastará a mera opinião, baseada em considerações pessoais, sem que se aponte, com suficiente e racional fundamentação, o erro da política pública.

A crítica, para ser válida e aceitável, deverá ser manifestada em artigos, estudos ou qualquer dado público que confronte as razões que informam a decisão do sistema público em não ofertar, de forma geral e universal, determinado medicamento. Nesse sentido, aliás, não se tem até aqui comprovado que tenha a política pública de dispensação de medicamentos deixado de fora, por longo tempo, algum fármaco de efetiva eficácia para doenças raras. Muito pelo contrário, passado recente envolvendo a Fosfoetanolamina, cujo fornecimento generalizado foi autorizado pelo Poder Judiciário, demonstrou que a negativa do Estado no fornecimento desse preparado químico não tinha por base um erro da política de dispensação de remédios.

Nesse particular, observe-se que a problemática, de medicamentos não se limita à questão orçamentária. Igualmente importante, da necessidade ou não de determinado medicamento, e de se sua eficácia. Da análise do, por vezes, pouco benefício esperado frente a situações irreversíveis do curso da vida. Haveria ainda problemas periféricos, de certo conhecimento público, do induzimento do fornecimento de determinados medicamentos, ganhos diretos e indiretos relacionados à prescrições médicas, interesses da poderosa indústria farmacêutica, etc. Por outro lado, o fenômeno da judicialização da saúde tem criado um sistema de saúde lateral ao sistema único de saúde, sendo os dois sistemas custeados pelo orçamento público, o que evidencia que a questão fundamental não é orçamentária.

Tão importante quanto às questões acima, é preciso compreender que medicamentos que não ultrapassaram todas as fases de teste, são, em princípio, medicamentos ainda não definitivamente testados, tanto na comprovação de sua eficácia, quanto na averiguação das questões ligadas a riscos remanescentes de sua administração. Daí porque, não servem, em geral, para serem incorporados definitivamente no fornecimento pelo sistema de saúde. A aprovação de medicamentos em testes na fase III, deve ser seguida de esforços da pesquisa médica, e principalmente dos grandes fabricantes, para fornecimento dos estudos finais e definitivos sobre o fármaco. Do contrário, e especialmente no Brasil, a população estará sujeita a ser a base de testes da indústria farmacêutica, incorrendo a população nos riscos aí envolvidos, e mediante financiamento público.

Por outro lado, imaginar que o Juiz tenha condições de decidir o fornecimento de medicamentos, com base na voz de seu perito, é presumir racionalidade onde não há.

Primeiro, porque o médico perito não raras vezes, não terá maior conhecimento que os profissionais que informam a política pública de medicamentos, e assim, na grande maioria das vezes não indica onde está o erro por determinado medicamento não estar na lista dos disponibilizados. Nessas circunstâncias, o perito oferta ao Juiz mera opinião pessoal, e não uma análise científica, da possibilidade de determinado medicamente vir a ter efeito no paciente. Muitos peritos sequer mencionam experiências pessoais, ou novos estudos, onde teriam prescrito determinado medicamento, o que mostra a natureza meramente opinativa de seus pareceres.

Segundo, porque no processo judicial, não se tendo conhecimento técnico, o Juiz tenderá a fornecer o medicamento, não porque está convencido de que há um erro por parte do Estado, mas porque não desejará assumir o ônus moral de não ter deferido determinando medicamento. A decisão do juiz, nessas circunstâncias, visa o conforto emocional do magistrado e não se baseia em dados científicos e argumentos racionais. Apontados fossem, argumentos reais, a conclusão a se extrair da decisão seria o amplo e geral fornecimento do medicamento, a toda a população necessitada, independentemente do seu custo.

Sobre o ônus moral de decisões dessa natureza, importante observar que a decisão de não fornecer o medicamento já foi tomada pelo Estado. E ela é válida enquanto política universal destinada a atender a toda a população. Portanto, a decisão do Juiz, a se estabelecer, é outra. Ou seja, diz respeito a verificar se foram, ou não, fornecidos dados suficientes para comprovar que, no caso concreto, a política pública está equivocada, ou é insuficiente.



Conferência de autenticidade emitida em 07/07/2020 01:34:14.

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