Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. REQUERIMENTO DE APOSENTADORIA PELO REGIME GERAL. IMPOSSIBILIDADE. TRF4. 5008488-74.2023.4....

Data da publicação: 28/12/2023, 07:01:12

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. REQUERIMENTO DE APOSENTADORIA PELO REGIME GERAL. IMPOSSIBILIDADE. Consoante o artigo 99 da Lei nº 8.213/91, o regime previdenciário responsável pela concessão e manutenção do benefício será aquele a que o segurado estiver vinculado no momento do requerimento. (TRF4, AC 5008488-74.2023.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 20/12/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008488-74.2023.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: MARIA APARECIDA MIGUEL

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

A parte autora ajuizou ação contra o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), pleiteando a concessão de aposentadoria por idade híbrida ou mista.

Instruído o processo, foi proferida sentença, cujo dispositivo ficou assim redigido (evento 64, SENT1):

DISPOSITIVO:

Ante ao exposto, com fulcro no artigo 487, inciso I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado pela parte autora MARIA APARECIDA MIGUEL.

HONORÁRIOS:

Tendo em vista que o presente juízo atua em jurisdição delegada, bem assim que a justiça federal possui procedimento com competência absoluta para atuar em matéria previdenciária, impondo ao processo as normativas do JEF, donde não há cominação de sucumbência, ou seja, de custas e honorários, entendo por bem em não condenar o INSS em custas e honorários advocatícios neste processo, coadunando-se os procedimentos de jurisdições diversas (estadual X federal). Obviamente, ressalva-se eventual pagamento ao perito, porquanto se cuida de obrigação adiantada pelo INSS nos autos.

Isto porque, estou em que é razoável uma adequação do procedimento adjetivo em trâmite na justiça estadual, mantendo-se a lógica da mens legis, obviamente, mas sem ônus excessivo aos cofres públicos.

É fato, a jurisdição em sua evolução aceita interpretações ótimas, nos termos do princípio da normatividade constitucional, hermenêutica que deve ser acolhida na situação.

Noto que a jurisdição teve interessantes fases, as quais se podem destacar, de forma resumida, como ideias centrais e respectivas: a lide como núcleo central (Carnelutti); a coisa julgada como diferencial da jurisdição (Calamandrei); jurisdição como poder, função e dever, estes temas gravitando sobre a figura do magistrado, o qual aplica a lei abstrata no plano concreto (Chiovenda); e, finalmente, um posicionamento contemporâneo de jurisdição: o magistrado atua com criatividade (Klippel, Rodrigo e Bastos, Antônio Adonias. Manual de Direito Processual Civil, Ed. Juspodivm, 3ª ed., 2013, fls. 67/68).

Neste aspecto: “... o magistrado é chamado a preencher conceitos jurídicos indeterminados, cláusulas gerais, a ponderar a incidência de princípios constitucionais em situações concretas, o que faz com que não se possa mais pensar em sua atividade como mero silogismo, em que se encaixa a premissa jurídica na premissa fática como ambas se tratassem de peças ‘lego’ – grifei.

Dessa forma, deve-se concluir que a atividade do magistrado, de aplicar a lei ao caso concreto de forma imparcial, não é mecânica, mas sim criativa e preocupada em garantir os respeitos aos direitos fundamentais das pessoas” – grifei (op.cit, fls. 68/69).

Assim, tenho que é o caso de se aplicar as regras sucumbenciais do JEF à jurisdição delegada, pois, em não se cominando a referida exegese, analogicamente, a opção delegada facultada ao segurado traria severos prejuízos aos cofres públicos federais, os quais possuem natureza indisponível, simplesmente pela opção da parte autora pelo juízo estadual, o que é inaceitável.

Sem honorários. Com relação às custas, embora fosse razoável seguir o mesmo raciocínio, tenho que deve a parte sucumbente responder por essas, uma vez que se cuida de serventia privada, a qual necessita de recursos próprios para a mantença. Suspensa acaso deferida a AJG.

Cumpra-se os dispositivos do Código de Normas.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

A parte autora apela sustentando inexistir a exigência de recolhimento do FUNRURAL anteriormente à vigência da Lei 8.212/1991, estando desobrigada ao seu recolhimento e, portanto, devendo o tempo de serviço anterior à vigência da referida norma ser computado como tempo de contribuição para todos os efeitos. Requer o reconhecimento do labor rural desempenhado entre 28/06/1960 e 19/10/1987 e de 01/09/1988 a 28/02/1989 em regime de economia familiar e, subsidiariamente, requer a reabertura da instrução processual para a realização da audiência de instrução e julgamento (evento 68, PET1).

Sem contrarrazões, vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Aposentadoria por Idade "Mista" ou "Híbrida"

Ao segurado que implementar o requisito etário e contar com tempo de labor rural e urbano suficiente para a carência, é possível a concessão da aposentadoria por idade com fundamento no § 3º do artigo 48 da Lei nº 8.213/1991, incluído pela Lei nº 11.718/2008:

Art. 48. A aposentadoria por idade será devida ao segurado que, cumprida a carência exigida nesta Lei, completar 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta), se mulher.

§ 1º Os limites fixados no caput são reduzidos para sessenta e cinqüenta e cinco anos no caso de trabalhadores rurais, respectivamente homens e mulheres, referidos na alínea a do inciso I, na alínea g do inciso V e nos incisos VI e VII do art. 11

§ 2º Para os efeitos do disposto no § 1º deste artigo, o trabalhador rural deve comprovar o efetivo exercício de atividade rural, ainda que de forma descontínua, no período imediatamente anterior ao requerimento do benefício, por tempo igual ao número de meses de contribuição correspondente à carência do benefício pretendido, computado o período a que se referem os incisos III a VIII do § 9º do art. 11 desta Lei.

§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher.

§ 4º Para efeito do § 3º deste artigo, o cálculo da renda mensal do benefício será apurado de acordo com o disposto no inciso II do caput do art. 29 desta Lei, considerando-se como salário-de-contribuição mensal do período como segurado especial o limite mínimo de salário-de-contribuição da Previdência Social.

A intenção da lei foi possibilitar ao trabalhador rural que não se enquadra na previsão do § 2º do aludido artigo a aposentadoria por idade com o aproveitamento das contribuições sob outra(s) categoria(s), porém com a elevação da idade mínima para 65 (sessenta e cinco) anos para o homem e 60 (sessenta) anos para a mulher, observadas, quando for caso, as regras de transição da EC 103/2019, que elevaram o requisito etário da segurada para 62 anos:

Art. 18. O segurado de que trata o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal filiado ao Regime Geral de Previdência Social até a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional poderá aposentar-se quando preencher, cumulativamente, os seguintes requisitos:

I - 60 (sessenta) anos de idade, se mulher, e 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem; e

II - 15 (quinze) anos de contribuição, para ambos os sexos.

§ 1º A partir de 1º de janeiro de 2020, a idade de 60 (sessenta) anos da mulher, prevista no inciso I do caput, será acrescida em 6 (seis) meses a cada ano, até atingir 62 (sessenta e dois) anos de idade.

§ 2º O valor da aposentadoria de que trata este artigo será apurado na forma da lei.

Art. 19. Até que lei disponha sobre o tempo de contribuição a que se refere o inciso I do § 7º do art. 201 da Constituição Federal, o segurado filiado ao Regime Geral de Previdência Social após a data de entrada em vigor desta Emenda Constitucional será aposentado aos 62 (sessenta e dois) anos de idade, se mulher, 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, com 15 (quinze) anos de tempo de contribuição, se mulher, e 20(vinte) anos de tempo de contribuição, se homem.

Conferindo-se o mesmo tratamento atribuído à aposentadoria por idade urbana, não importa o preenchimento simultâneo da idade e carência. Vale dizer: a implementação da carência exigida, antes mesmo do preenchimento do requisito etário, não constitui óbice para o seu deferimento; da mesma forma, a perda da condição de segurado.

A respeito dessa questão, o § 1º do artigo 3º da Lei nº 10.666/03, assim dispõe:

Art. 3º. A perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão das aposentadorias por tempo de contribuição e especial.

§ 1º Na hipótese de aposentadoria por idade, a perda da qualidade de segurado não será considerada para a concessão desse benefício, desde que o segurado conte com, no mínimo, o tempo de contribuição correspondente ao exigido para efeito de carência na data do requerimento do benefício.

Em suma, o que importa é contar com tempo de contribuição correspondente à carência exigida na data do requerimento do benefício, além da idade mínima. E esse tempo, tratando-se de aposentadoria híbrida ou mista, poderá ser preenchido com períodos de labor rural e urbano.

Não se exige o recolhimento de contribuições relativas ao período de atividade rural em regime de economia familiar, mesmo em relação ao período de carência, conforme decidiu o Superior Tribunal de Justiça:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR IDADE HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3º e 4º, DA LEI 8.213/1991. TRABALHO URBANO E RURAL NO PERÍODO DE CARÊNCIA. REQUISITO. LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. EXIGÊNCIA AFASTADA. CONTRIBUIÇÕES. TRABALHO RURAL. DESNECESSIDADE. 1. O INSS interpôs Recurso Especial aduzindo que a parte ora recorrida não se enquadra na aposentadoria por idade prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, pois, no momento em que se implementou o requisito etário ou o requerimento administrativo, era trabalhadora urbana, sendo a citada norma dirigida a trabalhadores rurais. Aduz ainda que o tempo de serviço rural anterior à Lei 8.213/1991 não pode ser computado como carência. 2. O § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991 (com a redação dada pela Lei 11.718/2008) dispõe: "§ 3º Os trabalhadores rurais de que trata o § 1º deste artigo que não atendam ao disposto no § 2º deste artigo, mas que satisfaçam essa condição, se forem considerados períodos de contribuição sob outras categorias do segurado, farão jus ao benefício ao completarem 65 (sessenta e cinco) anos de idade, se homem, e 60 (sessenta) anos, se mulher". 3. Do contexto da Lei de Benefícios da Previdência Social se constata que a inovação legislativa trazida pela Lei 11.718/2008 criou forma de aposentação por idade híbrida de regimes de trabalho, contemplando aqueles trabalhadores rurais que migraram temporária ou definitivamente para o meio urbano e que não têm período de carência suficiente para a aposentadoria prevista para os trabalhadores urbanos (caput do art. 48 da Lei 8.213/1991) e para os rurais (§§ 1º e 2º do art. 48 da Lei 8.213/1991). 4. Como expressamente previsto em lei, a aposentadoria por idade urbana exige a idade mínima de 65 anos para homens e 60 anos para mulher, além de contribuição pelo período de carência exigido. Já para os trabalhadores exclusivamente rurais, a idade é reduzida em cinco anos, e o requisito da carência restringe-se ao efetivo trabalho rural (art. 39, I, e 143 da Lei 8.213/1991). 5. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3º e 4º no art. 48 da Lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles trabalhadores rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência. 6. Sob o ponto de vista do princípio da dignidade da pessoa humana, a inovação trazida pela Lei 11.718/2008 consubstancia a correção de distorção da cobertura previdenciária: a situação daqueles segurados rurais que, com a crescente absorção da força de trabalho campesina pela cidade, passam a exercer atividades laborais diferentes das lides do campo, especialmente quanto ao tratamento previdenciário. 7. Assim, a denominada aposentadoria por idade híbrida ou mista (art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991) aponta para um horizonte de equilíbrio entre a evolução das relações sociais e o Direito, o que ampara aqueles que efetivamente trabalharam e repercute, por conseguinte, na redução dos conflitos submetidos ao Poder Judiciário. 8. Essa nova possibilidade de aposentadoria por idade não representa desequilíbrio atuarial, pois, além de requerer idade mínima equivalente à aposentadoria por idade urbana (superior em cinco anos à aposentadoria rural), conta com lapsos de contribuição direta do segurado que a aposentadoria por idade rural não exige. 9. Para o sistema previdenciário, o retorno contributivo é maior na aposentadoria por idade híbrida do que se o mesmo segurado permanecesse exercendo atividade exclusivamente rural, em vez de migrar para o meio urbano, o que representará, por certo, expressão jurídica de amparo das situações de êxodo rural, já que, até então, esse fenômeno culminava em severa restrição de direitos previdenciários aos trabalhadores rurais. 10. Tal constatação é fortalecida pela conclusão de que o disposto no art. 48, §§ 3º e 4º, da Lei 8.213/1991 materializa a previsão constitucional da uniformidade e a equivalência entre os benefícios destinados às populações rurais e urbanas (art. 194, II, da CF), o que torna irrelevante a preponderância de atividade urbana ou rural para definir a aplicabilidade da inovação legal aqui analisada. 11. Assim, seja qual for a predominância do labor misto no período de carência ou o tipo de trabalho exercido por ocasião do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo, o trabalhador tem direito a se aposentar com as idades citadas no § 3º do art. 48 da Lei 8.213/1991, desde que cumprida a carência com a utilização de labor urbano ou rural. Por outro lado, se a carência foi cumprida exclusivamente como trabalhador urbano, sob esse regime o segurado será aposentado (caput do art. 48), o que vale também para o labor exclusivamente rurícola (§§1º e 2º da Lei 8.213/1991). 12. Na mesma linha do que aqui preceituado: REsp 1.376.479/RS, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, Julgado em 4.9.2014, pendente de publicação. 13. Observando-se a conjugação de regimes jurídicos de aposentadoria por idade no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, denota-se que cada qual deve ser observado de acordo com as respectivas regras. 14. Se os arts. 26, III, e 39, I, da Lei 8.213/1991 dispensam o recolhimento de contribuições para fins de aposentadoria por idade rural, exigindo apenas a comprovação do labor campesino, tal situação deve ser considerada para fins do cômputo da carência prevista no art. 48, § 3º, da Lei 8.213/1991, dispensando-se, portanto, o recolhimento das contribuições. 15. Recurso Especial não provido. (STJ, REsp 1702489/SP, Rel. Min. Herman Benjamin, 2ª T., j. 28.11.2017) - grifado

Destaca-se que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça definiu, por unanimidade, em sessão de 14.08.2019, o julgamento do Tema 1007, ratificando a sua jurisprudência e o entendimento que já vinha sendo aplicado neste Tribunal Regional Federal.

O acórdão da relatoria do Exmo. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, no REsp. 1.674.221, foi assim ementado (grifos no original):

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECURSO ESPECIAL SUBMETIDO AO RITO DOS RECURSOS REPETITIVOS. OBSERVÂNCIA DO ARTIGO 1.036, § 5o. DO CÓDIGO FUX E DOS ARTS. 256-E, II, E 256-I DO RISTJ. APOSENTADORIA HÍBRIDA. ART. 48, §§ 3o. E 4o. DA LEI 8.213/1991. PREVALÊNCIA DO PRINCÍPIO DE ISONOMIA A TRABALHADORES RURAIS E URBANOS. MESCLA DOS PERÍODOS DE TRABALHO URBANO E RURAL. EXERCÍCIO DE ATIVIDADE RURAL, REMOTO E DESCONTÍNUO, ANTERIOR À LEI 8.213/1991 A DESPEITO DO NÃO RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÃO. CÔMPUTO DO TEMPO DE SERVIÇO PARA FINS DE CARÊNCIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DO LABOR CAMPESINO POR OCASIÃO DO IMPLEMENTO DO REQUISITO ETÁRIO OU DO REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO. TESE FIXADA EM HARMONIA COM O PARECER MINISTERIAL. RECURSO ESPECIAL DA SEGURADA PROVIDO. 1. A análise da lide judicial que envolve a proteção do Trabalhador Rural exige do julgador sensibilidade, e é necessário lançar um olhar especial a esses trabalhadores para compreender a especial condição a que estão submetidos nas lides campesinas. 2. Como leciona a Professora DANIELA MARQUES DE MORAES, é preciso analisar quem é o outro e em que este outro é importante para os preceitos de direito e de justiça. Não obstante o outro possivelmente ser aqueles que foi deixado em segundo plano, identificá-lo pressupõe um cuidado maior. Não se pode limitar a apontar que seja o outro. É preciso tratar de tema correlatos ao outro, com alteridade, responsabilidade e, então, além de distinguir o outro, incluí-lo (mas não apenas de modo formal) ao rol dos sujeitos de direito e dos destinatários da justiça (A Importância do Olhar do Outro para a Democratização do Acesso à Justiça, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015, p. 35). 3. A Lei 11.718/2008, ao incluir a previsão dos §§ 3o. e 4o. no art. 48 da lei 8.213/1991, abrigou, como já referido, aqueles Trabalhadores Rurais que passaram a exercer temporária ou permanentemente períodos em atividade urbana, já que antes da inovação legislativa o mesmo Segurado se encontrava num paradoxo jurídico de desamparo previdenciário: ao atingir idade avançada, não podia receber a aposentadoria rural porque exerceu trabalho urbano e não tinha como desfrutar da aposentadoria urbana em razão de o curto período laboral não preencher o período de carência (REsp. 1. 407.613/RS, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 28.11.2014). 4. A aposentadoria híbrida consagra o princípio constitucional de uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais, conferindo proteção àqueles Trabalhadores que migraram, temporária ou definitivamente, muitas vezes acossados pela penúria, para o meio urbano, em busca de uma vida mais digna, e não conseguiram implementar os requisitos para a concessão de qualquer aposentadoria, encontrando-se em situação de extrema vulnerabilidade social. 5. A inovação legislativa objetivou conferir o máximo aproveitamento e valorização ao labor rural, ao admitir que o Trabalhador que não preenche os requisitos para concessão de aposentadoria rural ou aposentadoria urbana por idade possa integrar os períodos de labor rural com outros períodos contributivos em modalidade diversa de Segurado, para fins de comprovação da carência de 180 meses para a concessão da aposentadoria híbrida, desde que cumprido o requisito etário de 65 anos, se homem, e 60 anos, se mulher. 6. Analisando o tema, esta Corte é uníssona ao reconhecer a possibilidade de soma de lapsos de atividade rural, ainda que anteriores à edição da Lei 8.213/1991, sem necessidade de recolhimento de contribuições ou comprovação de que houve exercício de atividade rural no período contemporâneo ao requerimento administrativo ou implemento da idade, para fins de concessão de aposentadoria híbrida, desde que a soma do tempo de serviço urbano ou rural alcance a carência exigida para a concessão do benefício de aposentadoria por idade. 7. A teste defendida pela Autarquia Previdenciária, de que o Segurado deve comprovar o exercício de período de atividade rural nos últimos quinze anos que antecedem o implemento etário, criaria uma nova regra que não encontra qualquer previsão legal. Se revela, assim, não só contrária à orientação jurisprudencial desta Corte Superior, como também contraria o objetivo da legislação previdenciária. 8. Não admitir o cômputo do trabalho rural exercido em período remoto, ainda que o Segurado não tenha retornado à atividade campesina, tornaria a norma do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991 praticamente sem efeito, vez que a realidade demonstra que a tendência desses Trabalhadores é o exercício de atividade rural quando mais jovens, migrando para o atividade urbana com o avançar da idade. Na verdade, o entendimento contrário, expressa, sobretudo, a velha posição preconceituosa contra o Trabalhador Rural, máxime se do sexo feminino. 9. É a partir dessa realidade social experimentada pelos Trabalhadores Rurais que o texto legal deve ser interpretado, não se podendo admitir que a justiça fique retida entre o rochedo que o legalismo impõe e o vento que o pensamento renovador sopra. A justiça pode ser cega, mas os juízes não são. O juiz guia a justiça de forma surpreendente, nos meandros do processo, e ela sai desse labirinto com a venda retirada dos seus olhos. 10. Nestes termos, se propõe a fixação da seguinte tese: o tempo de serviço rural, ainda que remoto e descontínuo, anterior ao advento da Lei 8.213/1991, pode ser computado para fins da carência necessária à obtenção da aposentadoria híbrida por idade, ainda que não tenha sido efetivado o recolhimento das contribuições, nos termos do art. 48, § 3o. da Lei 8.213/1991, seja qual for a predominância do labor misto exercido no período de carência ou o tipo de trabalho exercido no momento do implemento do requisito etário ou do requerimento administrativo. 11. Recurso Especial da Segurada provido, determinando-se o retorno dos autos à origem, a fim de que prossiga no julgamento do feito analisando a possibilidade de concessão de aposentadoria híbrida. (REsp 1674221/SP, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª S., DJe 04.09.2019)

Outrossim, o Plenário do Supremo Tribunal Federal não reconheceu a constitucionalidade da questão no Recurso Extraordinário nº 1281909, interposto contra o acórdão representativo do Tema 1007/STJ, conforme decisão publicada em 25.09.2020:

"Decisão: O Tribunal, por maioria, reconheceu a inexistência de repercussão geral da questão, por não se tratar de matéria constitucional, vencido o Ministro Ricardo Lewandowski. Não se manifestou o Ministro Celso de Mello."

Nessa medida, não há falar em ofensa à disposição constitucional sobre a prévia fonte de custeio total (art. 195, § 5º, da CF/88), pois o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o período de atividade rural remota deve ser computado, sem a exigência de contribuições, e o Supremo Tribunal Federal não reconheceu a repercussão geral da questão, por não se tratar de matéria constitucional.

Caso Concreto

Analisando os autos, observa-se que a parte autora passou a integrar o Regime Próprio de Previdência Social junto ao município de Paranapoema, desde 02/05/1990, conforme CNIS juntado ao evento 1, OUT9, deixando de estar vinculada ao RGPS desde a referida data.

A situação é referida no artigo 99 da Lei 8.213/91, nos seguintes termos:

Art. 99. O benefício resultante de contagem de tempo de serviço na forma desta Seção será concedido e pago pelo sistema a que o interessado estiver vinculado ao requerê-lo, e calculado na forma da respectiva legislação.

Dessa forma, nos termos do dispositivo referido, não estando a parte autora vinculada ao RGPS ao requerer a aposentadoria, o benefício deve ser concedido e pago pelo RPPS.

Nesse sentido, cito precedentes desta Corte:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. ATIVIDADE RURAL. REQUISITOS LEGAIS. SEGURADO VINCULADO AO RPPS NA DER. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO JUNTO AO RGPS. IMPOSSIBILIDADE. 1. Considera-se comprovado o exercício de atividade rural havendo início de prova material complementada por prova testemunhal idônea. 2. A prova material juntada aos autos possui eficácia probatória tanto para o período anterior quanto para o período posterior à data do documento, desde que corroborado por prova testemunhal. 3. O benefício de aposentadoria deve ser requerido pelo segurado junto ao regime a que estiver então vinculado, não podendo optar aleatoriamente pelo regime de aposentação. 4. Tal contexto não afasta o direito da autora à averbação do período pretendido, mas sim a concessão do benefício previdenciário, já que a ausência de filiação ao RGPS constitui um óbice. (TRF4, AC 5002874-88.2023.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator Des. Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, 21/06/2023)

PREVIDENCIÁRIO. APELAÇÃO. PEDIDO DE DESISTÊNCIA APÓS A CONTESTAÇÃO (ART. 485, INC. X, § 4º DO CPC). HOMOLOGAÇÃO SEM RENÚNCIA AO DIREITO SOBRE O QUAL SE FUNDA A AÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. (I)LEGITIMIDADE DO POLO PASSIVO. EXTINÇÃO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. POSSIBILIDADE. ART. 485, VI, CPC. 1. A desistência da ação após a oferta de contestação, só pode ser homologada com o consentimento do réu (art. 485, § 4º, NCPC), e se houver a concomitante renúncia do autor ao direito sobre o qual se funda ação (art. 3º da Lei nº 9.469/97). 2. De acordo com o art. 99 da Lei 8.213/91, o benefício será concedido e pago pelo sistema que o interessado estiver vinculado ao requerê-lo e calculado na forma da respectiva legislação. 3. Em se tratando de servidor público vinculado a regime próprio de previdência, é competente para a análise do pedido de concessão da aposentadoria o ente gestor do regime próprio, sendo o INSS parte ilegítima para figurar no polo passivo da demanda. 4. Mantida a sentença de extinção sem resolução de mérito, porém, por razão diversa, forte no art. 485, VI, do CPC (ausência de legitimidade do polo passivo). (TRF4, AC 5019998-89.2020.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relatora Des. Federal CLÁUDIA CRISTINA CRISTOFANI, 19/11/2021)

Considerando que a parte autora não integra o RGPS, revela-se desnecessária a análise das demais alegações recursais trazidas, devendo ser ser mantida a sentença.

Honorários Advocatícios

Tendo sido expressamente afastada a condenação em honorários advocatícios na origem, sem recurso no ponto, não cabe fixação ou majoração da verba neste grau de jurisdição. Nesse sentido:

ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. OFENSA AOS ARTS. 489 E 1.022 DO CPC/015 NÃO CONFIGURADA. SERVIÇOS PÚBLICOS. ILUMINAÇÃO PÚBLICA. TRANSFERÊNCIA A MUNICÍPIO. RESOLUÇÃO 414/2010 E 479/2012 DA ANEEL. ATO NORMATIVO QUE NÃO SE ENQUADRA NO CONCEITO DE TRATADO OU LEI FEDERAL. INVIABILIDADE DO RECURSO ESPECIAL. HONORÁRIOS RECURSAIS. AUSÊNCIA DE FIXAÇÃO NA INSTÂNCIA DE ORIGEM. (...) 4. Quanto à condenação em honorários recursais, assiste razão à agravante. Isso porque de acordo com a jurisprudência do STJ, com amparo no art. 85, § 11, do CPC/2015, são devidos honorários recursais "...quando presentes os seguintes requisitos cumulativos: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/3/2016, quando entrou em vigor o novo Código de Processo Civil; b) Recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação ao pagamento de honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso" (AgInt nos EREsp 1.539.725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, Segunda Seção, julgado em 9/8/2017, DJe 19/10/2017). No caso dos autos, verifica-se que não houve condenação em verba honorária na instância ordinária; dessa forma, descabe a majoração com base no art. 85, §11, do CPC/2015. 5. Agravo Interno parcialmente provido para afastar a condenação em honorários recursais (art. 85, §11, do CPC/2015). (AgInt no AREsp n. 2.008.359/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 24/10/2022, DJe de 4/11/2022.)

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO INTERNO EM RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA ESPECIAL. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC/2015. INOCORRÊNCIA. REAFIRMAÇÃO DA DER. TEMA 995/STJ. JUROS MORATÓRIOS DEVIDOS EM CASO DE DESCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO. PRAZO PARA A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO: 45 DIAS DA CONDENAÇÃO. EDCL NO RESP 1.727.063/SP. HONORÁRIOS RECURSAIS. PRÉVIA FIXAÇÃO. (...) 3. Verifica-se que a majoração dos honorários, em desfavor do recorrente, somente ocorreria caso existisse prévia fixação de verba honorária pelas instâncias de origem. Assim, a rigor, considerando que o recorrente não foi condenado ao pagamento de honorários pelo Tribunal a quo, não há que se falar, consequentemente, em majoração da verba honorária, de forma que o agravante carece de interesse recursal no ponto. 4. Agravo interno do segurado a que se nega provimento. (AgInt no REsp n. 1.945.981/PR, relator Ministro Manoel Erhardt (Desembargador Convocado do Trf5), Primeira Turma, julgado em 19/10/2021, DJe de 22/10/2021.)

Ademais, registra-se que a parte autora obteve a concessão do benefício à justiça gratuita (evento 28, OUT1).

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

- apelação: improvida;

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004219649v10 e do código CRC 743f8b00.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 20/12/2023, às 7:48:12


5008488-74.2023.4.04.9999
40004219649.V10


Conferência de autenticidade emitida em 28/12/2023 04:01:11.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5008488-74.2023.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: MARIA APARECIDA MIGUEL

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. SERVIDOR PÚBLICO. REGIME PRÓPRIO DE PREVIDÊNCIA. REQUERIMENTO DE APOSENTADORIA PELO REGIME GERAL. IMPOSSIBILIDADE.

Consoante o artigo 99 da Lei nº 8.213/91, o regime previdenciário responsável pela concessão e manutenção do benefício será aquele a que o segurado estiver vinculado no momento do requerimento.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 19 de dezembro de 2023.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004219650v4 e do código CRC df55ef95.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 20/12/2023, às 7:48:12


5008488-74.2023.4.04.9999
40004219650 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 28/12/2023 04:01:11.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 12/12/2023 A 19/12/2023

Apelação Cível Nº 5008488-74.2023.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

PROCURADOR(A): DANIELE CARDOSO ESCOBAR

APELANTE: MARIA APARECIDA MIGUEL

ADVOGADO(A): RENATA NASCIMENTO VIEIRA SANCHES (OAB PR035982)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 12/12/2023, às 00:00, a 19/12/2023, às 16:00, na sequência 1183, disponibilizada no DE de 30/11/2023.

Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Juíza Federal MÁRCIA VOGEL VIDAL DE OLIVEIRA

Votante: Desembargadora Federal CLAUDIA CRISTINA CRISTOFANI

MARIANA DO PRADO GROCHOSKI BARONE

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 28/12/2023 04:01:11.

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora