Apelação/Remessa Necessária Nº 5009782-15.2011.4.04.7112/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: ARLINDO PEREIRA GARCIAS (Sucessão)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: VENILDA SALETE GONCALVES GARCIAS (Sucessor)
ADVOGADO(A): VILMAR LOURENÇO (OAB RS033559)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de apelações e de reexame necessário contra sentença publicada na vigência do Código de Processo Civil de 1973, em que foram julgados parcialmente procedentes os pedidos, com dispositivo de seguinte teor:
Ante o exposto:
• (1) RECONHEÇO a prescrição das parcelas anteriores a 17/11/2004 e;
(ll) julgo PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos deduzidos na presente ação ordinária contra o INSTITUTO NACIONAL D0 SEGUR0 SOCIAL, extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do art. 269, inciso 1, do Código de Processo Civil, para efeito de:
a) reconhecer e averbar como laborado em atividade especial os períodos de 13/02/74 a 15/04/78 e de 20/04/78 a 15/08/80. acrescentando ao tempo de contribuição do autor, após a conversão do tempo especial reconhecido em comum, pelo multiplicador "1.40", 2 anos, 7 meses e 5 dias;
b) revisar a RMI do seu beneficio de aposentadoria, que deverá ser calculada em 88% do salário de beneficio, nos termos do artigo 53. da Lei 8.2l3/91;
c) pagar as respectivas diferenças decorrentes do item "b". vencidas e vincendas, aquelas atualizadas nos termos da fundamentação.
Em face da sucumbência mínima do autor, CONDENO o réu ao pagamento ao pagamento dos honorários advocatícios, que fixo em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vencidas posteriormente à prolação da sentença (STJ, Súmula lll), considerando o grau de zelo do profissional e a ·simplicidade da causa, conforme arts. 20, § 4°, e 2l do Estatuto Processual.
Apelou a parte autora sustentando, preliminarmente, o cerceamento de defesa pelo indeferimento do pedido de produção de prova pericial, nos termos de seu agravo retido. No mérito, sustenta estar demonstrada a especialidade do labor nos intervalos de 04/10/1980 a 11/08/1983 e 13/09/1983 a 27/10/1984, bem como o labor rurícola de 01/01/1969 a 31/12/1970 e 01/01/1972 a 01/10/1972.
Apelou o INSS sustentando não ter sido comprovado o exercício de labor especial no período de 13/02/1974 a 15/04/1978.
Com contrarrazões, subiram os autos ao Tribunal para julgamento.
Em sessão realizada em 06/08/2015, a 6ª Turma reconheceu a decadência do direito à revisão do benefício (evento 29).
Opostos embargos infringentes, a estes foi dado parcial provimento pela 3ª Seção desta Corte Regional, por maioria, para afastar a decadência (evento 54) em relação à análise dos períodos de 01/01/1972 a 01/10/1972 (cômputo de tempo rural), 13/02/1974 a 15/04/1978, 20/04/1978 a 15/08/1980, 04/10/1980 a 11/08/1983 e 13/09/1983 a 27/10/1984 (cômputo de atividade especial), com devolução dos autos ao Relator, para análise do mérito (eventos 54 e 64).
Interposto recurso especial pelo INSS, visando ao reconhecimento da decadência do direito de revisão, o Superior Tribunal de Justiça negou provimento (evento 165).
Os feitos retornam à 6ª Turma, neste momento, para exame do mérito dos recursos.
É o relatório.
VOTO
Juízo de admissibilidade
Os apelos preenchem os requisitos legais de admissibilidade.
Da decadência
A discussão acerca da decadência do direito à revisão encontra-se superada a esta altura processual, nos termos do voto condutor da Relatora para acórdão dos embargos infringentes opostos perante a 3ª Seção deste Tribunal, Exma. Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida, que a afastou em relação aos intervalos de 01/01/1972 a 01/10/1972 (tempo de serviço rural), 13/02/1974 a 15/04/1978, 20/04/1978 a 15/08/1980, 04/10/1980 a 11/08/1983 e 13/09/1983 a 27/10/1984. Reconheceu-se a decadência, por outro lado, em relação pedido de cômputo do intervalo rural de 01/01/1969 a 31/12/1970 (eventos 54 e 64).
Do cerceamento de defesa
Não procedem as alegações da parte autora com relação ao cerceamento de defesa, em vista da não realização da prova pericial. Nos termos do art. 370 do Novo CPC, como já previa o CPC/1973 no art. 130, cabe ao julgador, inclusive de ofício, determinar a produção das provas necessárias ao julgamento de mérito. Portanto, se entender encontrar-se munido de suficientes elementos de convicção, é dispensável a produção de outras.
A procedência ou não dos pedidos, por sua vez, é matéria de mérito e será decidida oportunamente.
Nega-se provimento ao agravo retido.
Remessa oficial
Nos termos do artigo 14 do novo CPC, "a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada".
O intuito do legislador foi salvaguardar os atos já praticados, perfeitos e acabados, aplicando-se a nova lei processual com efeitos prospectivos.
Nesse sentido, quando publicada, a sentença destes autos estava sujeita a reexame obrigatório.
A superveniência dos novos parâmetros para remessa necessária (NCPC, art. 496, § 3º), entretanto, permitiria a interpretação de que houve fato superveniente à remessa, que suprimiu o interesse da Fazenda Pública em ver reexaminadas sentenças que a houvessem condenado ou garantido proveito econômico à outra parte em valores correspondentes a até mil salários mínimos. Inexistindo o interesse, por força da sobrevinda dos novos parâmetros, não haveria condição (interesse) para o conhecimento da remessa.
No entanto, em precedente sucessivamente repetido, o STJ assentou que a lei vigente à época da prolação da decisão recorrida é a que rege o cabimento da remessa oficial (REsp 642.838/SP, rel. Min. Teori Zavascki).
Nesses termos, em atenção ao precedente citado, impõe-se que a possibilidade de conhecimento da remessa necessária das sentenças anteriores à mudança processual observe os parâmetros do CPC de 1973.
No caso dos autos, o valor do proveito econômico, ainda que não registrado na sentença, é desde logo estimável, para efeitos de avaliação quanto ao cabimento da remessa necessária.
Considerando os elementos existentes nos autos, pode-se antever que o valor da renda mensal, multiplicado pelo número de meses da condenação, até a data da sentença, acrescido de correção monetária e de juros de mora nas condições estabelecidas na decisão de primeiro grau, resulta em valor manifestamente superior a sessenta salários-mínimos.
Assim, conheço da remessa oficial.
Mérito
A controvérsia no plano recursal restringe-se:
- ao cômputo do tempo rural de 01/01/1972 a 01/10/1972;
- ao reconhecimento da especialidade das atividades desenvolvidas nos períodos de 13/02/1974 a 15/04/1978, 20/04/1978 a 15/08/1980, 04/10/1980 a 11/08/1983 e 13/09/1983 a 27/10/1984.
- à consequente revisão de aposentadoria por tempo de contribuição, a contar da DER (07/10/1998).
Tempo de serviço rural
O aproveitamento do tempo de atividade rural desenvolvida até 31 de outubro de 1991, independentemente do recolhimento das respectivas contribuições previdenciárias e exceto para efeito de carência, está expressamente autorizado e previsto pelo art. 55, § 2º, da Lei n.º 8.213/91, e pelo art. 127, V, do Decreto n.º 3.048/99.
Acresce-se que o cômputo do tempo de serviço rural exercido no período anterior à Lei n.º 8.213/91, em regime de economia familiar e sem o recolhimento das contribuições, aproveita tanto ao arrimo de família quanto aos demais membros do grupo familiar que com ele laboram, porquanto a todos estes integrantes foi estendida a condição de segurado, nos termos do art. 11, inc. VII, da lei previdenciária (STJ, REsp 506.959/RS, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita Vaz, DJU de 10/11/2003).
Como regra geral, a comprovação do tempo de atividade rural para fins previdenciários exige, pelo menos, início de prova material (documental), complementado por prova testemunhal idônea (art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91; Recurso Especial Repetitivo n.º 1.133.863/RN, Rel. Des. convocado Celso Limongi, 3ª Seção, julgado em 13-12-2010, DJe 15-04-2011).
A relação de documentos referida no art. 106 da Lei n.º 8.213/1991 é apenas exemplificativa, sendo admitidos, como início de prova material, quaisquer documentos que indiquem, direta ou indiretamente, o exercício da atividade rural no período controvertido, inclusive em nome de outros membros do grupo familiar, em conformidade com o teor da Súmula n.º 73 deste Tribunal Regional Federal: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental." (DJU, Seção 2, de 02-02-2006, p. 524).
Ainda sobre a extensão do início de prova material em nome de membro do mesmo grupo familiar, “o trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar”, mas, “em exceção à regra geral (...) a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana” (Temas nº 532 e 533, respectivamente, do Superior Tribunal de Justiça, de 19-12-2012).
O início de prova material, de outro lado, não precisa abranger todo o período cujo reconhecimento é postulado, bastando ser contemporâneo aos fatos alegados. A prova testemunhal, desde que robusta, é apta a comprovar os claros não cobertos pela prova documental (STJ, AgRg no REsp 1.217.944/PR, Rel. Min. Jorge Mussi, 5ª Turma, julgado em 25-10-2011, DJe 11-11-2011; TRF4, EINF 0016396-93.2011.4.04.9999, Terceira Seção, Relator Celso Kipper, D.E. 16/04/2013).
No mesmo sentido, já restou firmado pelo Colendo STJ, na Súmula 577 (DJe 27-06-2016), que "É possível reconhecer o tempo de serviço rural anterior ao documento mais antigo apresentado, desde que amparado em convincente prova testemunhal colhida sob o contraditório.".
Exame do tempo rural no caso concreto
A título de prova documental do exercício da atividade rural, o segurado trouxe aos autos certidão de dispensa de incorporação militar, datada de 1971, em que é qualificado como lavrador (evento 2 - DOC5 - p. 21).
Registre-se que o período de 01/01/1971 a 31/12/1971 foi reconhecido na via administrativa, razão pela qual a prova datada de 1971 pode ser aproveitada como contemporânea ao período ora controvertido, imediatamente posterior, dada a unidade do período de labor rurícola. Entendimento em sentido contrário equivaleria a exigir documentação ano a ano, o que, como visto anteriormente, não prevalece.
O início de prova material contemporânea, portanto, embora singelo, está presente.
A prova oral, produzida em audiência judicial (evento 2 - DOC19), corroborou a prova material juntada aos autos. As testemunhas declinaram, de forma uníssona, detalhes da rotina laboral da parte autora e de sua família, tais como propriedade, localidade e extensão das terras, lavouras cultivadas, o tamanho do grupo familiar, a inexistência de empregados e de maquinário e o momento em que o autor deixou as lides rurais, configurando assim típico regime de economia familiar.
Dessa forma, impõe-se a averbação da atividade rural no período de 01/01/1972 a 01/10/1972, reformando-se a sentença, no ponto.
Da atividade especial
Tempo de serviço especial
O tempo de serviço especial é disciplinado pela lei vigente à época em que exercido, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. Desse modo, uma vez prestado o serviço, o segurado adquire o direito à sua contagem pela legislação então vigente, não podendo ser prejudicado pela lei nova, cuja previsão legislativa expressa se deu com a edição do Decreto n.º 4.827/03, que inseriu o § 1º no art. 70 do Decreto n.º 3.048/99. Nesse sentido é a orientação adotada pela Terceira Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça (AR 3320/PR, Relatora Ministra Maria Thereza de Assis Moura, DJe 24/9/2008; EREsp 345554/PB, Relator Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 8/3/2004; AGREsp 493.458/RS, Quinta Turma, Relator Ministro Gilson Dipp, DJU 23/6/2003; e REsp 491.338/RS, Sexta Turma, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, DJU 23/6/2003).
Isso assentado, e tendo em vista a diversidade de diplomas legais que se sucederam na disciplina da matéria, necessário definir qual a legislação aplicável ao caso concreto, ou seja, qual a legislação vigente quando da prestação da atividade pela parte autora.
Tem-se, então, a seguinte evolução legislativa quanto ao tema:
a) no período de trabalho até 28-04-1995, quando vigente a Lei n.º 3.807/60 (Lei Orgânica da Previdência Social) e suas alterações e, posteriormente, a Lei n.º 8.213/91 (Lei de Benefícios), em sua redação original (arts. 57 e 58), possível o reconhecimento da especialidade do trabalho quando houver a comprovação do exercício de atividade profissional enquadrável como especial nos decretos regulamentadores e/ou na legislação especial ou quando demonstrada a sujeição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova, exceto quanto à exposição a ruído e calor, em que necessária sempre a aferição de seus níveis (decibéis/ºC IBUTG), por meio de parecer técnico trazido aos autos ou, simplesmente, referido no formulário padrão emitido pela empresa;
b) a partir de 29-04-1995, inclusive, foi definitivamente extinto o enquadramento por categoria profissional - à exceção das atividades a que se refere a Lei 5.527/1968, cujo enquadramento por categoria deve ser feito até 13-10-1996, data imediatamente anterior à publicação da Medida Provisória 1.523, de 14-10-1996, que a revogou expressamente, de modo que, no interregno compreendido entre essas datas e 05-03-1997, em que vigentes as alterações introduzidas pela Lei n.º 9.032/95 no art. 57 da Lei de Benefícios, necessária a demonstração efetiva de exposição, de forma permanente, não ocasional nem intermitente, a agentes prejudiciais à saúde ou à integridade física, por qualquer meio de prova, considerando-se suficiente, para tanto, a apresentação de formulário padrão preenchido pela empresa, sem a exigência de embasamento em laudo técnico, ressalvados os agentes nocivos ruído e calor, em relação aos quais é imprescindível a realização de perícia técnica, conforme visto acima;
c) após 06-03-1997, quando vigente o Decreto n.º 2.172/97, que regulamentou as disposições introduzidas no art. 58 da Lei de Benefícios pela Lei n.º 9.528/97, passou-se a exigir, para fins de reconhecimento de tempo de serviço especial, a comprovação da efetiva sujeição do segurado a agentes agressivos por meio da apresentação de formulário padrão, embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
Essa interpretação das sucessivas normas que regulam o tempo de serviço especial está conforme à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (EDcl no REsp 415.298/SC, 5ª Turma, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, DJe 06/04/2009; AgRg no Ag 1053682/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 08/09/2009; REsp 956.110/SP, 5ª Turma, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ 22/10/2007; AgRg no REsp 746.102/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Og Fernandes, DJe 07/12/2009).
Observo, ainda, quanto ao enquadramento das categorias profissionais, que devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 2ª parte), 72.771/1973 (Quadro II do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo II) até 28/4/1995, data da extinção do reconhecimento da atividade especial por presunção legal, ressalvadas as exceções acima mencionadas. Já para o enquadramento dos agentes nocivos, devem ser considerados os Decretos 53.831/1964 (Quadro Anexo - 1ª parte), 72.771/1973 (Quadro I do Anexo) e 83.080/1979 (Anexo I) até 5/3/1997, e os Decretos 2.172/1997 (Anexo IV) e 3.048/1999 a partir de 6/3/1997, ressalvado o agente nocivo ruído, ao qual se aplica também o Decreto 4.882/2003. Além dessas hipóteses de enquadramento, sempre possível também a verificação da especialidade da atividade no caso concreto, por meio de perícia técnica, nos termos da Súmula 198 do extinto Tribunal Federal de Recursos (STJ, AGRESP 228832/SC, Relator Ministro Hamilton Carvalhido, Sexta Turma, DJU de 30/6/2003).
Exame do tempo especial no caso concreto
No caso concreto, o segurado exerceu, nos quatro períodos controvertidos (13/02/1974 a 15/04/1978, na Construtora Ernesto Woebcke; 20/04/1978 a 15/08/1980, na CBPO Engenharia; 04/10/1980 a 11/08/1983, na Construções Camargo Correa; e 13/09/1983 a 27/10/1984, na Azevedo Moura - Gertum S/A), a atividade de carpinteiro, em empresas do ramo de construção civil.
Os formulários (evento 2 - ANEX5 - p. 43, 44, 47 e 48) e o laudo técnico (evento 2 - ANEX5 - p. 61) acostados aos autos apontam exposição a ruído excessivo, à poeira (de madeira, dada a natureza de atividade) e a cimento.
O magistrado singular afastou o reconhecimento da especialidade nos intervalos de 04/10/1980 a 11/08/1983 e 13/09/1983 a 27/10/1984 sob o fundamento de não ser possível a aplicação de laudo similar para o agente nocivo ruído, pois quantitativo, bem como de a exposição a cimento ser eventual.
No entanto, acerca da utilização de prova técnica por similaridade para verificação das condições de trabalho do segurado, a jurisprudência tem admitido tal prova nos casos em que demonstrada a inviabilidade de perícia direta na empresa onde ocorreu a prestação do labor, a exemplo das hipóteses de inativação. Admite-se, pois, a aferição indireta das circunstâncias de labor, desde que em estabelecimento cujas atividades sejam semelhantes àquelas onde laborou originariamente, como ocorre no presente caso.
Ademais, os formulários acostados aos autos não apontam ruído devidamente medido e em nível de intensidade inferior ao limite de tolerância - o que poderia tornar indevida, em princípio, a utilização de laudo similar. Havendo menção a ruído, mas sem quantificação, torna-se possível a complementação do disposto nos formulários por meio da prova similar.
Quanto à possibilidade de reconhecimento da natureza especial do labor exercido sob exposição a poeiras de madeira, transcrevo trecho do voto de lavra da Desembargadora Federal Salise Monteiro Sanchotene, na AC nº 5000808-41.2010.4.04.7203, julgada em 14/12/2016:
"(...)
A poeira oriunda do beneficiamento da madeira, seja nas serrarias ou na indústria moveleira, é prejudicial ao trabalhador e enseja o reconhecimento da atividade como especial, desde que a ela exposto de modo habitual e diuturno em sua jornada de trabalho. Embora, a rigor, possa haver alguma dificuldade em enquadrá-la como agente químico ou orgânico típico, trata-se de agente patogênico com características físicas, químicas e biológicas, e o sistema do organismo mais comumente lesado pelo contato é o trato respiratório. Por ser partícula relativamente grande, sua inalação frequente pode provocar dermatite de contato no delicado tecido das vias aéreas superiores e no sensibilíssimo tecido pulmonar. A literatura médica relata com frequência a incidência de alergias, asma e pneumonia por irritação, em que a inflamação do pulmão e bronquíolos dá-se não em razão da presença de agentes químicos em si, mas pela intromissão do agente físico irritante em local desprovido de qualquer resistência. Isto se dá de forma gradativa, escapando, no mais das vezes, à atenção do trabalhador. Os sintomas podem surgir de forma mais rápida se o indivíduo inalar a poeira de madeira pela boca. Assim, o processo lesivo ao organismo nem sempre é aparente, constituindo-se, no mais das vezes, em tosses secas crônicas, dificuldade respiratória, bronquite crônica, rinites, entre outros, podendo evoluir, com o tempo, para doença pulmonar obstrutiva crônica, quando seus efeitos maléficos tornam-se mais evidentes e, em geral, irreversíveis.
Em suma: a poeira de madeira provoca, ao longo dos anos, redução da função pulmonar, em maior ou menor escala, conforme o indivíduo. Ademais, o pó de madeira também pode ser veículo para agentes químicos tóxicos (presentes em tintas, solventes e outros) e biológicos (fungos), igualmente agressivos ao trato respiratório. Nestes casos, em geral a asma é a patologia mais frequente, e tem natureza alérgica. Portanto, as atividades exercidas sob as condições acima descritas ensejam seu reconhecimento como especial, desde que demonstrada a exposição por meio de laudo técnico.
Comprovada a agressividade do agente e o malefício à saúde do trabalhador, pela exposição continuada ao longo da jornada de trabalho, o reconhecimento da especialidade pode ser feito mesmo sem enquadramento nos decretos regulamentadores, pois seu rol não é exaustivo. De qualquer sorte, podendo ser veículo de agentes químicos e biológicos, e mesmo tóxicos, cabe enquadrar a poeira de madeira sob os Códigos 1.2.11 do Anexo do Decreto 53.831/64, e 1.0.19 do Anexo IV do Decreto nº 3.048/99.
Nesse sentido os precedentes desta Corte, v. g.: Apelação/Reexame Necessário nº 00213525020144049999, Rel. Juiz Federal Hermes Siedler da Conceição Júnior, D.E. 05/08/2016; Apelação/Reexame Necessário nº 5013425-26.2011.404.7000, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgado em 24/07/2013.
(...)”.
Dessa maneira, considerando que a sujeição a poeiras de madeira implica graves danos à saúde do trabalhador, o reconhecimento da natureza especial do labor é medida que se impõe, inclusive em observância à Súmula n.º 198 do extinto TFR, uma vez que caracterizada a insalubridade das atividades.
Sobre a possibilidade de reconhecimento de atividade especial em virtude do manuseio do agente nocivo cimento, já se manifestou esta Corte: REOAC n.º 0006085-38.2014.4.04.9999/RS, Des. Federal Salise Monteiro Sanchotene, 6ª Turma, D.E. 22/06/2017; AC n.º 0004027-91.2016.4.04.9999/SC, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, Turma Regional Suplementar de Santa Catarina, D.E. 02/10/2017; REOAC n.º 5007277-47.2012.4.04.7102/RS, Rel. Juiz Federal Altair Antonio Gregório, 5ª Turma, julgado em 06/03/2018; dentre outros precedentes. Igualmente, a Terceira Seção deste Tribunal teve a oportunidade de se manifestar sobre o tema por ocasião do julgamento dos EIAC n.º 2000.04.01.034145-6/RS, Rel. o Des. Federal Celso Kipper, D.J.U. de 09/11/2005.
No julgamento proferido nos EI n. 2001.71.14.000772-3/RS, Relator Juiz Federal João Batista Lazzari, julgado em 02/07/2009, foi transcrito no voto vencedor trecho do laudo do perito judicial que atuou no feito. Foram arrolados pelo expert os efeitos à saúde que podem decorrer do manuseio do cimento:
"O cimento é um ligante hidráulico usado nas edificações e na Engenharia Civil. É um pó fino da moagem do clínquer (calcário + argila + gesso), cozido a altas temperaturas (1400ºC). Pode-se misturá-lo ao cal, areia e pedras de várias granulometrias para obter-se argamassa e concreto. O cimento tipo Portland é composto por silicatos e aluminatos de cálcio, óxidos de ferro e magnésio, álcalis e sulfatos. Aditivos ao cimento poderão ser: aceleradores e anticongelantes, antioxidantes, corantes, fungicidas, impermeabilizantes e plastificantes.
Dermatites de contato irritativas pelo cimento e poeiras do cimento sobre tegumento e conjuntivas:
- Dermatite de contato por irritação
- Dermatite de contato por irritação forte (queimadura pelo cimento)
- Dermatite de contato alérgica
- Hiperceratose-Hardening
- Hiperceratose Subungueal
- Paroníqueas
- Onicolises
- Sarnas dos Pedreiros
- Conjuntivites"
Evidenciados os possíveis efeitos deletérios à saúde do trabalhador que rotineiramente se expõe ao contato com o agente nocivo cimento, cujo composto é usualmente misturado com diversos materiais classificados como insalubres ao manuseio, é cabível o reconhecimento da natureza especial do labor.
Por fim, a exigência de comprovação da exposição habitual e permanente do segurado a agentes nocivos para fins de caracterização da especialidade de suas atividades foi introduzida pela Lei n.º 9.032/95, razão pela qual, para períodos anteriores a 28-04-1995, a questão perde relevância.
Assim, é de ser reconhecida a especialidade do labor nos intervalos de 13/02/1974 a 15/04/1978, 20/04/1978 a 15/08/1980, 04/10/1980 a 11/08/1983 e 13/09/1983 a 27/10/1984, dando-se provimento à apelação da parte autora e negando-se provimento à apelação do INSS e à remessa oficial no ponto.
Do direito à revisão da aposentadoria
Assim, é de ser reconhecido o direito à revisão da aposentadoria por tempo de contribuição, por meio do período reconhecido na presente ação, a contar da DER (07/10/1998).
Transcorridos mais de cinco anos entre a DER (07/10/1998) e o ajuizamento da ação, incide, no caso, a prescrição quinquenal. No entanto, em 18/03/2008, a parte autora requereu a revisão do benefício na via administrativa (evento 1 - DOC5 - p. 2), inexistindo notícia de resposta pelo INSS, ao menos até o ajuizamento da ação.
Vale observar que o prazo prescricional não corre durante o trâmite do processo administrativo, consoante o disposto no art. 4.º do Decreto n. 20.910/32:
Art. 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la.
Parágrafo único. A suspensão da prescrição, neste caso, verificar-se-á pela entrada do requerimento do titular do direito ou do credor nos livros ou protocolos das repartições públicas, com designação do dia, mês e ano.
O requerimento administrativo é, pois, causa suspensiva da prescrição. A suspensão mantém-se durante o período de tramitação do processo administrativo, até a comunicação da decisão ao interessado. Na verificação da prescrição quinquenal, computa-se, retroativamente, o lapso temporal decorrido entre o ajuizamento da ação e a comunicação da decisão administrativa, exclui-se o período de tramitação do processo administrativo e conta-se o tempo decorrido anteriormente ao requerimento administrativo.
Assim, dá-se parcial provimento à remessa oficial, para reconhecer a prescrição apenas das parcelas anteriores a 18/03/2003.
Consectários e provimentos finais
- Correção monetária e juros de mora
A correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada conforme a variação dos seguintes índices:
- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei 8.880/94);
- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da Lei 8.213/91, na redação da Lei 11.430/06, precedida da MP 316, de 11/08/2006, e art. 31 da Lei10.741/03, que determina a aplicação do índice de reajustamento dos benefícios do RGPS às parcelas pagas em atraso).
- INPC ou IPCA em substituição à TR, conforme se tratar, respectivamente, de débito previdenciário ou não, a partir de 30/06/2009, diante da inconstitucionalidade do uso da TR, consoante decidido pelo STF no Tema 810 e pelo STJ no tema 905.
Os juros de mora, por sua vez, devem incidir a partir da citação.
Até 29-06-2009, já tendo havido citação, deve-se adotar a taxa de 1% ao mês a título de juros de mora, conforme o art. 3º do Decreto-Lei n. 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.
A partir de então, deve haver incidência dos juros, uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo percentual aplicado à caderneta de poupança, nos termos estabelecidos no art. 1º-F, da Lei 9.494/97, na redação da Lei 11.960/2009, considerado, no ponto, constitucional pelo STF no RE 870947, decisão com repercussão geral.
Os juros de mora devem ser calculados sem capitalização, tendo em vista que o dispositivo legal em referência determina que os índices devem ser aplicados "uma única vez" e porque a capitalização, no direito brasileiro, pressupõe expressa autorização legal (STJ, AgRgno AgRg no Ag 1211604/SP).
Por fim, a partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve incidir o artigo 3º da Emenda n. 113, segundo o qual, nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente.
Honorários advocatícios
Quanto aos honorários advocatícios, adoto o entendimento constante de precedente do Superior Tribunal de Justiça (REsp 556.741) no sentido de que a norma a reger a sucumbência é aquela vigente na data da publicação da sentença. Assim, para as sentenças publicadas ainda sob a égide do CPC de 1973, aplicável, quanto à sucumbência, aquele regramento.
Os honorários advocatícios são devidos à taxa de 10% sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (acórdão), conforme a Súmula n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça.
Tutela específica
Deixa-se de determinar a revisão do benefício, pois noticiado o falecimento do segurado.
Conclusão
Provida a apelação da parte autora para reconhecer a especialidade do labor nos intervalos de 04/10/1980 a 11/08/1983 e 13/09/1983 a 27/10/1984, bem como o labor rurícola de 01/01/1969 a 31/12/1970 e 01/01/1972 a 01/10/1972, com a consequente revisão de sua aposentadoria por tempo de contribuição.
Parcialmente provida a remessa oficial para declarar a prescrição das parcelas vencidas há mais de cinco anos da data de pedido de revisão na via administrativa.
Adequados os critérios de juros de mora e de correção monetária.
Nos demais pontos, mantida a sentença.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, voto por negar provimento ao agravo retido, dar parcial provimento à remessa oficial, dar provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004236802v14 e do código CRC 9ad23c10.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
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Apelação/Remessa Necessária Nº 5009782-15.2011.4.04.7112/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
APELANTE: ARLINDO PEREIRA GARCIAS (Sucessão)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: VENILDA SALETE GONCALVES GARCIAS (Sucessor)
ADVOGADO(A): VILMAR LOURENÇO (OAB RS033559)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. AVERBAÇÃO. ATIVIDADE ESPECIAL. LAUDO SIMILAR. AGENTES NOCIVOS RUÍDO, POEIRA DE MADEIRA e CIMENTO.
1. Comprovado o labor rural em regime de economia familiar, mediante a produção de início de prova material, corroborada por prova testemunhal idônea, o segurado faz jus ao cômputo do respectivo tempo de serviço.
2. A exposição a ruído excessivo, poeiras de madeira e cimento enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
3. Admite-se a prova técnica por similaridade para verificação das condições de trabalho da parte autora quando inviável a aferição direta, desde que em estabelecimento de condições semelhantes àquelas onde o segurado laborou originariamente.
4. O trabalhador que rotineiramente, em razão de suas atividades profissionais, expõe-se ao contato com cimento, cujo composto é usualmente misturado a diversos materiais classificados como insalubres ao manuseio, faz jus ao reconhecimento da natureza especial do labor.
5. A poeira oriunda do beneficiamento da madeira, seja nas serrarias ou na indústria moveleira, é prejudicial ao trabalhador e enseja o reconhecimento da atividade como especial. Precedentes desta Corte.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao agravo retido, dar parcial provimento à remessa oficial, dar provimento à apelação da parte autora e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 13 de dezembro de 2023.
Documento eletrônico assinado por TAIS SCHILLING FERRAZ, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004236803v4 e do código CRC 0db2f9b8.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): TAIS SCHILLING FERRAZ
Data e Hora: 14/12/2023, às 14:4:17
Conferência de autenticidade emitida em 22/12/2023 12:01:50.
EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/12/2023 A 13/12/2023
Apelação/Remessa Necessária Nº 5009782-15.2011.4.04.7112/RS
RELATORA: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
PROCURADOR(A): MAURICIO GOTARDO GERUM
APELANTE: ARLINDO PEREIRA GARCIAS (Sucessão)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELANTE: VENILDA SALETE GONCALVES GARCIAS (Sucessor)
ADVOGADO(A): VILMAR LOURENÇO (OAB RS033559)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/12/2023, às 00:00, a 13/12/2023, às 16:00, na sequência 1007, disponibilizada no DE de 24/11/2023.
Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO RETIDO, DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ
Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO
Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
LIDICE PEÑA THOMAZ
Secretária
Conferência de autenticidade emitida em 22/12/2023 12:01:50.