Apelação Cível Nº 5003837-04.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ILSON FLESCH
RELATÓRIO
Trata-se de recurso da parte ré contra sentença (e. 106.1), prolatada em 10/02/2020, que julgou parcialmente procedente o pedido de enquadramento como tempo especial dos períodos de 05/11/2002 a 31/03/2005, 01/04/2005 a 11/01/2006 e 12/01/2006 a 24/09/2007 e de reconhecimento de tempo de labor urbano de 24/04/2009 a 15/01/2012, determinando a emissão das guias correspondentes para o recolhimento das contribuições relativas a esse último interregno, nos seguintes termos, após acolhidos embargos de declaração opostos pelo INSS (113.1), a fim de reconhecer a isenção da parte ré quanto às custas processuais (e. 115.1):
"(...) Diante do exposto, com supedâneo no artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTES os pedidos formulados por Ilson Flesch em face do Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, para:
I) RECONHECER como atividade especial os períodos de 5-11-2002 a 31-3-2005, 1º-4-2005 a 11-1-2006 e 12-1-2006 a 24-9-2007 e, ainda, determinar sua conversão em período comum, acrescendo-se ao tempo de contribuição o interstício de 01 (um) ano, 11 (onze) meses e 14 (quatorze) dias, na forma do art. 57, §5º, da Lei n. 8.213/91 e art. 70 do Decreto n. 3.048/99;
II) RECONHECER o exercício de atividade urbana desenvolvida pelo autor no período de 24-4-2009 a 15-1-2012, determinando, em consequência, que seja emitida guia para o recolhimento das contribuições, nos termos da fundamentação. Diante da sucumbência recíproca, condeno o autor ao pagamento de 30% (trinta por cento) das custas processuais. O réu é isento, na forma do §1º do art. 33 da LCE 156/97, com redação dada pela LCE 729/2018.
Condeno, ainda, a parte autora ao pagamento de honorários sucumbenciais no importe de R$ 400,00 (quatrocentos reais) e o réu ao pagamento de R$ 930,00 (novecentos e trinta reais) na forma do art. 85, §§2º e 8º, do CPC. Restam suspensas as exigibilidades em relação ao autor, pois deferido o benefício da Justiça Gratuita (fl. 288). Os honorários periciais já foram liberados (fl. 406) (...)."
Opostos embargos de declaração pelo INSS (e. 113.1), foi o recurso aclaratório acolhido, a fim de reconhecer
Em suas razões recursais (e. 121.1), insurge-se o INSS especificamente contra o enquadramento como tempo especial dos períodos controversos em decorrência de agentes biológicos (05/11/2002 a 31/03/2005 e de 12/01/2006 a 24/09/2007). Refere, em síntese, que não houve comprovação da exposição habitual e permanente a tais agentes. Alega, ainda, que "para fazer jus ao reconhecimento especial deveria o autor comprovar que trabalhava permanente em contato direto com animais doentes e infectados", não sendo esse "o caso de frigoríficos, que vendem carne para consumo humano e presume-se não estejam infectadas", mormente tendo em vista que "o Poder Público exerce notória fiscalização quanto à sanidade animal" em tais estabelecimentos. Sustenta, também, que "a simples constatação de desempenho de atividade em frigorífico, matadouro, açougue, indústria alimentícia ou estabelecimento similar não constitui prova da efetiva exposição", sendo de considerar, ainda, que "nesses casos o trabalhador tem contato apenas com animais saudáveis, pois destinados ao consumo humano".
Com as contrarrazões (e. 127.1), foram remetidos os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Limites da controvérsia
Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, a questão controvertida nos autos cinge-se ao enquadramento como tempo especial dos períodos de 05/11/2002 a 31/03/2005 e de 12/01/2006 a 24/09/2007, em que houve exposição a agentes biológicos, para fins de averbação administrativa da especialidade.
Exame do tempo especial no caso concreto
Passo à análise dos períodos controversos:
Período: 05/11/2002 a 31/03/2005 e de 12/01/2006 a 24/09/2007;
Empresa: FRIGORIFICO MABELA LTDA;
Função: Ajudante de Produção I;
Agente nocivo: agentes biológicos (microorganismos e parasitas inffeciosos vivos e suas toxinas);
Prova: CTPS (e. 1.4, pp. 25/30; e. 1.5, pp. 01/13), PPP (e. 1.12, pp. 13/15) e Laudo Pericial (e. 56, p. 01/18);
Enquadramento: Códigos 1.3.1 e 1.3.2 do Decreto 53.831/64, Códigos 1.3.2 do Decreto n. 83.080/79, e Código 3.0.1 dos Decretos n. 2.172/97 e n. 3.048/99, com a redação dada pelo Decreto n. 4.882/03;
Sobre a habitualidade e a permanência na sujeição aos agentes agressivos, esta Corte, ao julgar os EINF nº 0010314-72.2009.404.7200 (Relator Des. Federal Celso Kipper, Terceira Seção, D.E. 07/11/2011), decidiu que Para caracterização da especialidade não se reclama exposição às condições insalubres durante todos os momentos da prática laboral, sendo suficiente que o trabalhador, em cada dia de labor, esteja exposto a agentes nocivos em período razoável da jornada. De fato, Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente (TRF/4, AC nº 2000.04.01.073799-6/PR, 6ª Turma, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 09/05/2001). Deve-se lembrar, ademais, que o Decreto nº 4.882/03 alterou o Decreto nº 3.048/99, o qual, para a aposentadoria especial, em seu art. 65, passou a considerar trabalho permanente, não ocasional nem intermitente, em condições especiais, aquele cuja exposição ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, o que ocorre no caso vertente.
Na esteira deste entendimento, o próprio INSS alterou a sua orientação no âmbito administrativo, tendo em conta que a IN/INSS nº 77/2015 revogou o art. 244, parágrafo único da IN/PREs nº 45, que exigia, para o cômputo de tempo especial do profissional de saúde, o trabalho exclusivo com pacientes portadores de doenças infectocontagiosas em áreas de isolamento.
De fato, A exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes (TRF4, APELREEX 5002443-07.2012.404.7100, Sexta Turma, Relator p/ Acórdão João Batista Pinto Silveira, juntado aos autos em 26/07/2013). Os requisitos da habitualidade e da permanência devem ser entendidos como não-eventualidade e efetividade da função insalutífera, continuidade e não-interrupção da exposição ao agente nocivo. A intermitência refere-se ao exercício da atividade em local insalubre de modo descontínuo, ou seja, somente em determinadas ocasiões. Se o trabalhador desempenha diuturnamente suas funções em locais insalubres, mesmo que apenas em metade de sua jornada de trabalho, tem direito ao cômputo do tempo de serviço especial, porque estava exposto ao agente agressivo de modo constante, efetivo, habitual e permanente (TRF/4, AC nº 2000.04.01.073799-6/PR, 6ª Turma, Relator Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, DJU 09/05/2001).
A Turma Nacional de Uniformização, sobre o tema debatido, já sinalizou que, no caso de agentes biológicos, o conceito de habitualidade e permanência é diverso daquele utilizado para outros agentes nocivos, pois o que se protege não é o tempo de exposição (causador do eventual dano), mas o risco de exposição a agentes biológicos. (PEDILEF nº 0000026-98.2013.490.0000, Relator Juiz Federal Paulo Ernane Moreira Barros, DOU 25/04/2014, páginas 88/193).
Conforme dispõe a NR-15 do MTE, ao tratar da exposição a agentes biológicos em seu Anexo XIV, são insalubres as atividades desempenhadas em hospitais, serviços de emergência, enfermarias, ambulatórios, postos de vacinação e outros estabelecimentos destinados aos cuidados da saúde humana, quando houver contato direto com pacientes ou objetos por estes utilizados.
Na hipótese dos autos, em que pese os argumentos recursais do INSS, o perito judicial foi categórico ao concluir pela exposição habitual e permanente do autor a agentes biológicos, consoante se depreende dos seguintes excertos do Laudo Pericial (e. 56, p. 01/18):
(...)
Portanto, analisadas as atividades desenvolvidas pela parte autora, descritas no formulário PPP e laudo pericial acima referido, conclui-se que era ínsito ao labor o contato direto com sangue e secreções, condição suficiente para configurar exposição a agentes biológicos e caracterizar risco à saúde do trabalhador, tais como vírus, bactérias, protozoários, bacilos, parasitas, fungos e outros micro-organismos.
Conclusão: Tem-se por devidamente comprovado nos autos o exercício de atividade especial pela parte autora no período, conforme a legislação aplicável à espécie.
Conclusão quanto ao direito da parte autora
Confirma-se a sentença que enquadrou como tempo especial os períodos de 05/11/2002 a 31/03/2005 e de 12/01/2006 a 24/09/2007, em decorrência de exposição a agentes biológicos, com a consequente averbação administrativa da especialidade junto ao outro período também enquadrado como especial (01/04/2005 a 11/01/2006) e com o reconhecimento de tempo de labor urbano de 24/04/2009 a 15/01/2012.
Honorários advocatícios recursais
Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).
Aplica-se, portanto, em razão da atuação do advogado da parte em sede de apelação, o comando do §11 do referido artigo, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto nos §§ 2º a 6º e os limites estabelecidos nos §§ 2º e 3º do art. 85.
Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de R$ 930,00 (novecentos e trinta reais) para R$ 1.000,00 (um mil reais), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.
Custas Processuais
O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).
Tutela específica
Reconhecido o direito da parte em relação ao enquadramento como tempo especial dos períodos reconhecidos em primeira instância, impõe-se a determinação para a imediata averbação de tais interregnos, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS averbar os períodos reconhecidos em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.
Conclusão
Confirma-se a sentença que enquadrou como tempo especial os períodos de 05/11/2002 a 31/03/2005 e de 12/01/2006 a 24/09/2007, em decorrência de exposição a agentes biológicos, com a consequente averbação administrativa da especialidade junto ao outro período também enquadrado como especial (01/04/2005 a 11/01/2006) e com o reconhecimento de tempo de labor urbano de 24/04/2009 a 15/01/2012.
Nega-se provimento ao recurso do INSS.
Determina-se a imediata averbação dos períodos enquadrados em juízo como tempo especial.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por negar provimento ao recurso do INSS e determinar a imediata averbação dos períodos enquadrados em juízo como tempo especial.
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Apelação Cível Nº 5003837-04.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ILSON FLESCH
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. TEMPO ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE. RECONHECIMENTO DA ESPECIALIDADE.
1. Uma vez exercida atividade enquadrável como especial, sob a égide da legislação que a ampara, o segurado adquire o direito ao reconhecimento como tal e ao acréscimo decorrente da sua conversão em tempo de serviço comum no âmbito do Regime Geral de Previdência Social.
2. Até 28/04/1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, aceitando-se qualquer meio de prova (exceto para ruído); a partir de 29/04/1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, devendo existir comprovação da sujeição a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05/03/1997 e, a partir de então, por meio de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica.
3. A permanência a que se refere o art. 57, § 3º, da Lei nº 8.213/91 para fins de concessão da aposentadoria especial não requer que a exposição às condições insalubres ocorra durante todos os momentos da prática laboral. Basta que o empregado, no desempenho das suas atividades, diuturna e continuamente, sujeite-se ao agente nocivo, em período razoável da sua prestação laboral.
4. A exposição a agentes biológicos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial.
5. A exposição a agentes biológicos não precisa ser permanente para caracterizar a insalubridade do labor, sendo possível o cômputo do tempo de serviço especial diante do risco de contágio sempre presente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e determinar a imediata averbação dos períodos enquadrados em juízo como tempo especial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 21 de julho de 2021.
Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002626482v3 e do código CRC e3bd1aed.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 14/07/2021 A 21/07/2021
Apelação Cível Nº 5003837-04.2020.4.04.9999/SC
RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
APELADO: ILSON FLESCH
ADVOGADO: AIRTON SEHN (OAB SC019236)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 14/07/2021, às 00:00, a 21/07/2021, às 16:00, na sequência 453, disponibilizada no DE de 05/07/2021.
Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E DETERMINAR A IMEDIATA AVERBAÇÃO DOS PERÍODOS ENQUADRADOS EM JUÍZO COMO TEMPO ESPECIAL.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ
Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES
Secretária
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