Apelação Cível Nº 5003316-63.2015.4.04.7112/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: MILTON LUIZ TEIXEIRA (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
RELATÓRIO
Trata-se de apelação interposta em face de sentença que julgou procedente em parte o pedido (
), nos seguintes termos:Ante o exposto, defiro a tutela de urgência e julgo parcialmente procedentes os pedidos formulados na presente ação, resolvendo o mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para o fim de:
- reconhecer a existência de tempo de serviço militar no período de 05/02/1979 a 15/12/1979, condenando o INSS a averbá-lo para fins previdenciários;
- declarar que o trabalho, de 01/04/1980 a 26/04/1990 e de 18/02/1991 a 05/03/1997, foi prestado em condições especiais e que a parte autora tem direito à sua conversão para tempo comum com acréscimo;
- determinar ao INSS que averbe o tempo reconhecido, somando-o ao tempo de serviço/contribuição já admitido administrativamente com eventuais acréscimos cabíveis;
- determinar ao INSS que implante, em favor da parte autora, a aposentadoria a que tem direto (NB 160.980.707-0), com DER em 10/07/2012, conforme reconhecido na fundamentação supra na sistemática de cálculo mais benéfica;
- condenar o INSS a pagar as parcelas vencidas e não pagas, decorrentes do direito aqui reconhecido, desde a DER, devidamente acrescidas de correção monetária e juros de mora nos termos da fundamentação.
Consoante dispõe o Código de Processo Civil (Lei n.º 13.105/2015), tendo em vista a ausência de sucumbência substancial da parte autora, condeno a parte ré ao pagamento de despesas processuais, inclusive eventuais honorários periciais, que, na hipótese de já terem sido requisitados, via sistema AJG, deverão ser ressarcidos à Seção Judiciária do Rio Grande do Sul.
Condeno ainda a parte ré ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais, tendo por base de cálculo o valor devido à parte autora até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 do TRF4). O percentual incidente sobre tal base fica estabelecido no mínimo previsto no § 3º do artigo 85 do CPC, a ser aferido em fase de cumprimento, a partir do cálculo dos atrasados, conforme o número de salários mínimos a que estes correspondam até a data da sentença (inciso II do § 4º do artigo 85 do CPC). Assim, se o valor devido à parte autora, por ocasião da sentença, não ultrapassar 200 (duzentos) salários mínimos, os honorários serão de 10% (dez por cento) sobre os atrasados devidos até então; se for superior a 200 (duzentos) e inferior a 2.000 (dois mil) salários mínimos, os honorários serão de 10% (dez por cento) sobre 200 (duzentos) salários mínimos mais 8% (oito por cento) sobre o que exceder tal montante; e assim por diante.
Não há condenação ao pagamento de custas nos termos do artigo 4º, inciso I, da Lei n.º 9.289/1996.
A parte autora opôs embargos de declaração alegando omissão do julgado, porquanto não consta da fundamentação a tabela com o somatório de tempo especial reconhecido, sendo rejeitados ao argumento de que nos casos de aposentadoria especial basta verificar se a contagem total equivale a 25 anos ou mais, sem necessidade de conversões, idade mínima, coeficientes ou pedágio (
).O INSS recorre (
) com relação aos critérios de correção monetária e juros de mora, postulando a aplicação do art. 1-F da Lei 9.494/1997, com a redação conferida pela Lei 11.960/2009.Por sua vez, a parte autora recorre (
) alegando a ocorrência de cerceamento de defesa em razão do indeferimento da produção de prova pericial para a verificação das condições laborais junto à empresa Cervejarias Kaiser Brasil. No mérito, postula o reconhecimento como tempo especial do período de 06/03/1997 a 01/10/2013, em que trabalhou na Cervejarias Kaiser Brasil como mecânico de manutenção, exposto a ruídos excessivos e agentes químicos. Pugna, ainda, pela condenação integral da autarquia ao pagamento de honorários advocatícios.Oportunizada a apresentação de contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.
É o relatório.
VOTO
Juízo de Admissibilidade
Os apelos preenchem os requisitos de admissibilidade.
Cerceamento de Defesa - Prova Pericial
Postula a parte recorrente a anulação da sentença sob o argumento de cerceamento de defesa em razão de não ter sido oportunizada/deferida a produção de prova pericial para demonstração da especialidade das atividades no intervalo de 06/03/1997 a 01/10/2013, em que trabalhou na Cervejarias Kaiser Brasil como mecânico de manutenção.
O art. 370 do Código de Processo Civil estabelece que caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, indeferindo, fundamentadamente, as diligências inúteis ou meramente protelatórias. De ressaltar que cabe ao magistrado, no uso do seu poder instrutório, deferir ou não determinada prova, de acordo com a necessidade e utilidade para a formação de seu convencimento.
Ainda, o § 1º do art. 464 do CPC faculta ao juiz indeferir a prova pericial quando: I - a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico; II - for desnecessária em vista de outras provas produzidas; III - a verificação for impraticável.
Na hipótese, há que se diferenciar duas situações distintas:
a) em caso de dúvida sobre a fidedignidade ou suficiência da documentação fornecida pela empresa de vínculo (PPP - Perfil Profissiográfico Previdenciário - ou outros formulários e laudos técnicos), que goza de presunção relativa de veracidade;
b) quando se trata de empresa cujas atividades foram encerradas (baixada/inativa), muitas vezes há longos anos, sendo impossível ao segurado a apresentação da documentação antes referida, seja pela inexistência de avaliações ambientais contemporâneas ao labor, seja pela impossibilidade de obtenção dos formulários comprobatórios das condições laborais.
De início, ressalto que este Tribunal já decidiu que inexiste cerceamento de defesa ensejador de anulação de sentença para produção de prova pericial quando a documentação constante nos autos é considerada suficiente para a apreciação do pedido (TRF4, AC 5001814-84.2018.4.04.7112, Quinta Turma, Relatora Juíza Federal Gisele Lemke, juntado aos autos em 13/02/2020), fato que se insere no disposto no mencionado inciso II do § 1º do art. 464 do CPC.
Com efeito, se os documentos trazidos aos autos são suficientes para constituir o convencimento do juízo, não há falar em cerceamento de defesa decorrente do indeferimento da produção de prova pericial.
No tocante à realização de perícia em empresas ativas, em razão da discordância do segurado quanto ao conteúdo do PPP, torna-se necessária a demonstração da falta de correspondência entre as informações contidas no formulário e a realidade do trabalho prestado, não bastando a mera discordância genérica quanto aos dados fornecidos pelo empregador.
Em tais situações, parece-me que o caminho mais adequado a ser adotado pelo trabalhador para impugnar o PPP fornecido pelo empregador, seja para a correção das informações ali inseridas ou mesmo para incluir agentes nocivos omitidos, é a busca de solução perante a Justiça do Trabalho, com reconhecida competência para decidir sobre a matéria (AIRR-11346-40.2019.5.03.0044, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, DEJT 20/08/2021).
Porém, na linha do que tem decidido esta Corte, não se trata de caminho único, já que também no âmbito da demanda previdenciária poderá o segurado realizar prova complementar ao PPP regularmente emitido. No entanto, vale repetir, a admissão de provas em substituição ao PPP passa, necessariamente, pela demonstração, ainda que de forma indiciária, da existência de omissão na análise da exposição a algum agente agressivo ou, ainda, divergência a respeito da quantificação de agente informado no laudo.
De fato, diante especialmente dos precedentes jurisprudenciais alargando as hipóteses de enquadramento, nem sempre se estará tratando de agentes agressivos relevantes para a relação trabalhista, o que explica omissões em laudos produzidos pelos empregadores. Em casos tais, justifica-se a complementação do PPP mediante produção de provas em juízo, exclusivamente para suprir a omissão existente.
Da mesma forma, havendo dúvida razoável, formada a partir da análise de laudos individuais ou de empresas similares, acerca da correção do PPP, cabível a realização de perícia judicial junto à empresa de vínculo, para o devido esclarecimento. A prova, aqui, terá seus limites estabelecidos a partir do questionamento apresentado e tido como suficiente para colocar em dúvida a validade do PPP. Apenas a título de exemplo, se o segurado não contesta a descrição de atividades constante no PPP, não cabe ao perito, exceto se amparado em registros contemporâneos obtidos junto ao empregador, reformular essa informação com base unicamente no que lhe for dito pelo interessado (declaração unilateral). Noutras palavras: a prova judicial não substituirá por completo o PPP, apenas o complementará, se for o caso corrigindo omissão ou erro na quantificação de agente agressivo.
No que tange à realização de perícia em empresas similares, quando do encerramento das atividades da empresa de vínculo, entendo que a excepcionalidade da prova técnica deve-se ao fato de que a perícia indireta muitas vezes não se mostra capaz de mensurar os agentes nocivos presentes há distantes anos junto ao ambiente de trabalho, considerando a substituição de máquinas, envelhecimento dos aparelhos, mudanças de disposição, de layout e de processos produtivos.
É necessário, por isso, avaliar a utilidade da prova que se pretende produzir e a possibilidade material de sua produção. Afinal, a prova objetiva conferir segurança ao julgamento, propiciando ao seu destinatário – em última análise, o magistrado – elementos suficientes para a formação de seu convencimento.
De notar que a Súmula 106 deste Tribunal disciplina que quando impossível a realização de perícia técnica no local de trabalho do segurado, admite-se a produção desta prova em empresa similar, a fim de aferir a exposição aos agentes nocivos e comprovar a especialidade do labor.
No entanto, a demonstração da similaridade de empresa congênere é ônus da parte requerente, a quem compete comprovar o ramo de atividade, o porte das empresas, as condições ambientais e em que haja idêntica função à desempenhada pelo segurado.
Importa destacar que o retorno dos autos à origem, quando cabível, justifica-se pela ausência nos autos de documentação suficiente para esclarecer as condições de trabalho vivenciadas pela parte autora. Existindo tal documentação, de que são exemplos os formulários e laudos, não há falar em cerceamento de defesa. Entretanto, se a documentação trazida a exame não corroborar o quanto alegado pela parte autora em relação a determinado período alegadamente laborado sob condições especiais, haverá, na verdade, situação de contrariedade e inconformismo com o resultado alcançado, e não propriamente cerceamento do direito de defesa.
No caso dos autos, o autor apresenta PPP (
, p. 21) segundo o qual, a despeito da alteração da nomenclatura do cargo (mecânico de manutenção/técnico manutenção plena/ técnico instalações industriais), as atribuições desempenhadas de 18/02/1991 a 31/10/2007 foram as mesmas, consistentes em executar a manutenção preventiva, preditiva e corretiva em máquinas e equipamentos.A partir de 01/11/2007, o autor passou ao cargo de inspetor técnico, competindo-lhe propor e executar inspeções periódicas nos equipamentos, sugerindo intervenções e modificações. O formulário já não informa ser o autor responsável pela manutenção mas pela prestação de subsídios técnicos às atividades de manutenção, elaborando estudos e pareceres sobre equipamentos e instalações.
No campo referente aos fatores de risco, informa o PPP apenas a presença de ruído de 74,8 dB(A) entre 18/02/1991 a 31/10/2007 e de 66,2 dB(A) a partir de 01/11/2007. O laudo técnico (
), por sua vez, informa ruído de 85,21 dB(A), porém, não há informação quanto à data de sua elaboração. Já o informa ruído de 69,4 dB(A) no setor Instalações Industriais, também ausente a data de elaboração ou validade.O autor junta, ainda, laudo pericial emprestado (
), elaborado em 2014 no processo 5019501-86.2013.404.7100, junto à 20ª Vara Federal de Porto Alegre, em que, dentre as funções analisadas, se encontram as de técnico de manutenção pleno e técnico de instalações industriais. Naquele laudo, foi apresentada a medição de ruído de 90,7 dB(A), não havendo menção ao contato com agentes químicos.Contudo, considerando que a presença de agentes químicos é inerente à função de mecânico de manutenção, considero que a prova dos autos é insuficiente à demonstração das reais condições laborais, motivo pelo qual faz-se necessária a continuidade da instrução probatória.
Assim, deve ser anulada a sentença para a realização de prova pericial na empresa Cervejarias Kaiser Brasil a fim de avaliar as condições de trabalho nas funções de mecânico de manutenção/técnico manutenção plena/ técnico instalações industriais desempenhadas pelo autor de 06/03/1997 a 31/10/2007 e na função de inspetor técnico, entre 01/11/2007 e 01/10/2013, restando prejudicados os recursos nos demais pontos.
Dispositivo
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação do autor, prejudicada a apelação do INSS.
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Apelação Cível Nº 5003316-63.2015.4.04.7112/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
APELANTE: MILTON LUIZ TEIXEIRA (AUTOR)
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
EMENTA
previdenciário. tempo especial. mecânico de manutenção. exposição a hidrocarbonetos. cerceamento de defesa.
1. Hipótese em que a parte autora exerceu a função de mecânico de manutenção, com relação à qual é ínsito o contato com agentes químicos.
2. Se o formulário PPP e o laudo técnico da empresa não retratam, de modo fidedigno, as reais condições ambientais de trabalho do segurado, limitando-se à análise da nocividade sob a ótica do agente físico ruído, impõe-se a anulação parcial da sentença, por cerceamento de defesa, em virtude da ausência da prova pericial, tendo em vista a sua essencialidade para a comprovação das atividades desempenhadas pelo segurado e dos agentes nocivos a que estava exposto na prestação do labor.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 11ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação do autor, prejudicada a apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Florianópolis, 25 de abril de 2023.
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO ORDINÁRIA DE 25/04/2023
Apelação Cível Nº 5003316-63.2015.4.04.7112/RS
RELATORA: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PRESIDENTE: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
PROCURADOR(A): CARMEM ELISA HESSEL
SUSTENTAÇÃO ORAL POR VIDEOCONFERÊNCIA: ELISANGELA LEITE AGUIAR por MILTON LUIZ TEIXEIRA
APELANTE: MILTON LUIZ TEIXEIRA (AUTOR)
ADVOGADO(A): ALEXANDRA LONGONI PFEIL (OAB RS075297)
ADVOGADO(A): ELISANGELA LEITE AGUIAR (OAB RS080438)
ADVOGADO(A): ANILDO IVO DA SILVA
APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)
APELADO: OS MESMOS
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Ordinária do dia 25/04/2023, na sequência 116, disponibilizada no DE de 13/04/2023.
Certifico que a 11ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 11ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DO AUTOR, PREJUDICADA A APELAÇÃO DO INSS. ADVOGADA DISPENSOU A SUSTENTAÇÃO ORAL TENDO EM VISTA O RESULTADO FAVORÁVEL.
RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Desembargadora Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO
Votante: Juiz Federal MARCOS ROBERTO ARAUJO DOS SANTOS
Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ
LIGIA FUHRMANN GONCALVES DE OLIVEIRA
Secretária
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