Apelação Cível Nº 5019537-65.2017.4.04.7205/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5019537-65.2017.4.04.7205/SC
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: COPA INDUSTRIAL LTDA (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)
RELATÓRIO
COPA INDUSTRIAL LTDA impetrou mandado de segurança em face da UNIÃO - FAZENDA NACIONAL postulando repetição do indébito tributário no período imprescrito, relativo a pagamento a maior a título de contribuições ao SAT/RAT. Sustenta direito líquido e certo à incidência da alíquota de 2% (grau médio), devido a inconstitucionalidade da contribuição social ao SAT/RAT e do FAP, por entender que "a Constituição nunca permitiu o financiamento (por meio de tributação específica) de um “subdireito” de índole previdenciária, de forma apartada do conjunto de ações tendentes a financiar a Seguridade Social (de forma geral)".
Alega também inconstitucionalidade/ilegalidade do enquadramento da atividade preponderante da empresa nos graus de risco do SAT/RAT. Aduz que o enquadramento, efetivado por meio do D 6.957/2009, afronta o art. 37, da CF, e extrapola bases normativas da Lei 8.212/91 e Lei 10.666/2003, pois carece de embasamento técnico suficiente. Alega ofensa ao princípio da legalidade, moralidade e publicidade, e abuso/excesso do poder regulamentar, além de incoerência e insuficiência dos dados oficiais constantes dos “anuários estatísticos da Previdência Social” e pelo CNAE, os quais não poderiam embasar o aumento da alíquota.
Sustenta inconstitucionalidade/ilegalidade dos critérios adotados para o cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP) aplicado à empresa.
Sobreveio sentença denegando a segurança, considerando que não houve inconstitucionalidade ou ilegalidade na regulamentação da metodologia do SAT/RAT/FAP por meio dos Decretos nºs 6.042/2007 e 6.957/2009, pois nestes casos se admite a delegação legislativa para efetivação concreta da exação e as normas infralegais não extrapolaram os parâmetros básicos dispostos nas Leis ns. 8.212/91 e 10.666/03. Cita precedentes do TRF4.
A impetrante interpôs apelação, renovando os argumentos lançados na inicial.
Com contrarrazões, veio o processo a esta Corte.
VOTO
RISCO AMBIENTAL DO TRABALHO - RAT
O seguro de acidente de trabalho (SAT) é um direito social constitucionalmente assegurado aos trabalhadores urbanos e rurais, previsto no inc. XXVIII do art. 7º da Constituição:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
[...]
XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa;
A contribuição social para o RAT (nomenclatura atual da antiga contribuição para o SAT) encontra sua fundamentação nos arts. 195 e 201 da Constituição:
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre:
a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;
[...]
§ 9º As contribuições sociais previstas no inciso I do caput deste artigo poderão ter alíquotas ou bases de cálculo diferenciadas, em razão da atividade econômica, da utilização intensiva de mão-de-obra, do porte da empresa ou da condição estrutural do mercado de trabalho.
[...]
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:
I - cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada;
[...]
§ 10. Lei disciplinará a cobertura do risco de acidente do trabalho, a ser atendida concorrentemente pelo regime geral de previdência social e pelo setor privado.
A L 8.212/1991 instituiu a cobrança a que se refere o texto constitucional:
Art. 22. A contribuição a cargo da empresa, destinada à Seguridade Social, além do disposto no art. 23, é de:
[...]
II - para o financiamento do benefício previsto nos arts. 57 e 58 da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, e daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, sobre o total das remunerações pagas ou creditadas, no decorrer do mês, aos segurados empregados e trabalhadores avulsos:
a) 1% (um por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante o risco de acidentes do trabalho seja considerado leve;
b) 2% (dois por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado médio;
c) 3% (três por cento) para as empresas em cuja atividade preponderante esse risco seja considerado grave.
FATOR ACIDENTÁRIO DE PREVENÇÃO - FAP
A L 10.666/2003 dispôs que as citadas alíquotas poderão ser reduzidas à metade ou majoradas ao dobro, nos seguintes termos:
Art. 10. A alíquota de contribuição de um, dois ou três por cento, destinada ao financiamento do benefício de aposentadoria especial ou daqueles concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, poderá ser reduzida, em até cinqüenta por cento, ou aumentada, em até cem por cento, conforme dispuser o regulamento, em razão do desempenho da empresa em relação à respectiva atividade econômica, apurado em conformidade com os resultados obtidos a partir dos índices de freqüência, gravidade e custo, calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social.
O regulamento citado nesse artigo foi editado pelo D 6.042/2007, o qual acrescentou o art. 202-A ao D 3.048/1999, alterado posteriormente pelo D 6.957/2009 e, mais recentemente, pelo D 10.410/2020, cuja redação atual é a seguinte:
“Art. 202-A. As alíquotas a que se refere o caput do art. 202 serão reduzidas em até cinquenta por cento ou aumentadas em até cem por cento em razão do desempenho da empresa, individualizada pelo seu CNPJ em relação à sua atividade econômica, aferido pelo Fator Acidentário de Prevenção - FAP.
§ 1º O FAP consiste em multiplicador variável em um intervalo contínuo de cinco décimos a dois inteiros aplicado à respectiva alíquota, considerado o critério de truncamento na quarta casa decimal.
§ 2º Para fins da redução ou da majoração a que se refere o caput, o desempenho da empresa, individualizada pelo seu CNPJ será discriminado em relação à sua atividade econômica, a partir da criação de índice composto pelos índices de gravidade, de frequência e de custo que pondera os respectivos percentis.
§ 3º (Revogado pelo Decreto nº 6.957, de 2009)
§ 4º Os índices de frequência, gravidade e custo serão calculados segundo metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência Social, levando-se em conta:
I - para o índice de frequência, os registros de acidentes ou benefícios de natureza acidentária;
II - para o índice de gravidade, as hipóteses de auxílio por incapacidade temporária, auxílio-acidente, aposentadoria por incapacidade permanente, pensão por morte e morte de natureza acidentária, aos quais são atribuídos pesos diferentes em razão da gravidade da ocorrência, da seguinte forma:
a) pensão por morte e morte de natureza acidentária - peso de cinquenta por cento;
b) aposentadoria por incapacidade permanente - peso de trinta por cento; e
c) auxílio por incapacidade temporária e auxílio-acidente - peso de dez por cento para cada; e
III - para o índice de custo, os valores dos benefícios de natureza acidentária pagos ou devidos pela previdência social.
§ 5º O Ministério da Economia publicará, anualmente, no Diário Oficial da União, portaria para disponibilizar consulta ao FAP e aos róis dos percentis de frequência, gravidade e custo por subclasse da Classificação Nacional de Atividades Econômicas.
....................................................................................................................
§ 8º O FAP será calculado a partir de 1º de janeiro do ano seguinte àquele ano em que o estabelecimento completar dois anos de sua constituição.
§ 10. A metodologia aprovada pelo Conselho Nacional de Previdência indicará a sistemática de cálculo e a forma de aplicação de índices e critérios acessórios à composição do índice composto do FAP.” (NR)
Em cumprimento ao disposto, o Conselho Nacional de Previdência Social editou as Res. 1.308/2009 e 1.309/2009 (com alterações pela Res. 1.316/2010 e, posteriormente, pela Res. 1.329/2017), estabelecendo os critérios e a metodologia utilizada para o cálculo de frequência, gravidade e custo.
O Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade da contribuição em análise:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO: SEGURO DE ACIDENTE DO TRABALHO - SAT. Lei 7.787/89, arts. 3º e 4º; Lei 8.212/91, art. 22, II, redação da Lei 9.732/98. Decretos 612/92, 2.173/97 e 3.048/99. C.F., artigo 195, § 4º; art. 154, II; art. 5º, II; art. 150, I.
I. - Contribuição para o custeio do Seguro de Acidente do Trabalho - SAT: Lei 7.787/89, art. 3º, II; Lei 8.212/91, art. 22, II: alegação no sentido de que são ofensivos ao art. 195, § 4º, c/c art. 154, I, da Constituição Federal: improcedência. Desnecessidade de observância da técnica da competência residual da União, C.F., art. 154, I. Desnecessidade de lei complementar para a instituição da contribuição para o SAT.
II. - O art. 3º, II, da Lei 7.787/89, não é ofensivo ao princípio da igualdade, por isso que o art. 4º da mencionada Lei 7.787/89 cuidou de tratar desigualmente aos desiguais.
III. - As Leis 7.787/89, art. 3º, II, e 8.212/91, art. 22, II, definem, satisfatoriamente, todos os elementos capazes de fazer nascer a obrigação tributária válida. O fato de a lei deixar para o regulamento a complementação dos conceitos de "atividade preponderante" e "grau de risco leve, médio e grave", não implica ofensa ao princípio da legalidade genérica, C.F., art. 5º, II, e da legalidade tributária, C.F., art. 150, I. [...]
(STF, Tribunal Pleno, RE 343446, rel. Carlos Velloso, 4abr.2003)
A questão da possibilidade de mitigação ao princípio da legalidade estrita em matéria tributária é tema que vem sendo recorrentemente analisado pela Corte Suprema - e conduz à constitucionalidade de delegações que atendam a parâmetros pré-estabelecidos pelo legislador. No voto prevalecente no citado RE 343.446/SC, e valendo-se das razões utilizadas no julgamento do RE 290.076/SC, o STF fixou estas balizas: a) a delegação pode ser retirada daquele que a recebeu, a qualquer momento, por decisão do Congresso; b) o Congresso fixa standards ou padrões que limitam a ação do delegado; c) razoabilidade da delegação.
Foi assim que o Pretório Excelso reconheceu a constitucionalidade da Lei 6.994/82 (RE 838.248) e também foi assim que declarou a inconstitucionalidade do art. 2º da Lei 11.000/2004 (RE 704.292), considerando que este diploma delegou aos Conselhos de Fiscalização de profissões regulamentadas a atribuição de fixar as contribuições anuais, sem determinar limites máximos ao valor da exação.
Mais recentemente, no bojo da ADI 5277 (DJE em 01/02/2021), o Supremo reafirmou a tese da legalidade suficiente diante das especificidades do caso concreto, ao declarar a constitucionalidade do art. 5º, §§ 8º, 9º, 10 e 11, da Lei nº 9.718/98, incluídos pela Lei nº 11.727/08, que preveem a majoração ou redução de alíquotas, por meio de ato do Poder Executivo, das contribuições ao PIS-PASEP e COFINS em regime cumulativo, no tocante a setores específicos da economia - produtor, importador e distribuidor de álcool, inclusive para fins carburantes.
Por sua vez, a discussão sobre a fixação de alíquota da contribuição ao SAT a partir de parâmetros estabelecidos por regulamentação do Conselho Nacional de Previdência Social está submetida a recursos repetitivos perante o Supremo Tribunal Federal, RE 677725, tema 554, sem ordem de suspensão de processos ou julgamento até o momento.
Em meio a esse contexto, a Corte Especial deste Tribunal declarou a constitucionalidade da contribuição destinada ao RAT com a aplicação do FAP prevista no art. 10 da L 10.666/2003:
CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. RISCOS AMBIENTAIS DO TRABALHO. LEI Nº 10.666, ART. 10. REDUÇÃO E AUMENTO DE ALÍQUOTAS. É constitucional a redução ou aumento das alíquotas da contribuição social destinada ao financiamento da aposentadoria especial e dos benefícios por incapacidade laboral decorrentes dos riscos ambientais do trabalho, na forma determinada pelo art. 10 da Lei nº 10.666, de 2003.
(TRF4, Corte Especial, 5007417-47.2012.404.0000, rel. Rômulo Pizzolatti, 7nov.2012)
Tendo a lei estabelecido os elementos jurídicos suficientes à delimitação e ao nascimento da obrigação tributária (a L 8.212/91 fixou a hipótese de incidência ou fato gerador, a base de cálculo e as alíquotas mínima e máxima da contribuição ao RAT, e a L 10.666/2003 disciplinou a redução ou aumento das referidas alíquotas), restou delegado às normas infralegais a definição dos critérios para que a alíquota seja majorada ou reduzida.
A jurisprudência deste Tribunal é no sentido da constitucionalidade e legalidade da regulamentação da metodologia de apuração do FAP através dos Decretos e Resoluções relativos ao assunto:
[...] 2. A regulamentação da metodologia do RAT/FAP através dos Decretos nºs 6.042/2007 e 6.957/2009 e das Resoluções MPS/CNPS nºs 1.308/2009, 1.309/2009 e 1.316/2010 não implica afronta ao princípio da legalidade (art. 150, inc. I, da CF), já que as disposições essenciais à cobrança da contribuição se encontram delineadas nas Leis nºs 8.212/91 e 10.666/03.
3. A estipulação da metodologia FAP e o reenquadramento da alíquota, por meio do Decreto nº 6.957/2009 e resoluções, não violaram o princípio da legalidade, uma vez que não desbordaram dos limites da lei.
(TRF4, Primeira Turma, 5012398-96.2016.4.04.7205, rel. Roger Raupp Rios, 28set.2017)
[...] 1. A Corte Especial deste Tribunal reconheceu a constitucionalidade da contribuição destinada ao SAT/RAT, prevista no art. 10 da Lei nº 10.666, de 08-05-2003, na sessão realizada em 25-10-2012, rejeitando, por maioria, a Arguição de Inconstitucionalidade na AC nº 5007417-47.2012.404.0000.
2. A estipulação da metodologia FAP e o reenquadramento da alíquota, por meio do Decreto nº 6.957/09 e resoluções, não violou os princípios da irretroatividade e da publicidade.
3. A regulamentação da metodologia do FAP através dos Decretos nº 6.042/07 e 6.957/09 e das Resoluções MPS/CNPS nº 1.308/09, 1.309/09 e 1.316/10 não implica afronta ao princípio da legalidade (art. 150, inc. I, da CF), já que as disposições essenciais à cobrança da contribuição se encontram delineadas nas Leis nº 8.212/91 e 10.666/03. [...]
(TRF4, Segunda Turma, 5002226-38.2015.4.04.7009, rel. Otávio Roberto Pamplona, 7dez.2015)
Embora recente a alteração promovida pelo D 10.410/2020, que adequou o Regulamento da Previdência Social (D 3.048/99) às normas introduzidas pela EC 103/2019 (Reforma da Previdência) e deu nova redação ao Anexo V do RPS, trazendo novo enquadramento das atividades preponderantes das empresas submetidas ao RAT/FAP, entendo que as conclusões acima expostas podem ser aplicadas por analogia ao novo cenário normativo.
Caso concreto
No caso concreto, a impetrante alega inconstitucionalidade/ilegalidade das bases normativas vigentes (art. 22, II, da Lei 8.212/91, Lei 10.666/03 e D 6.957/09), alegando que (i) a CF/88 não permite o financiamento de riscos de acidentes de trabalho por meio de contribuição social específica; (ii) "a Constituição – mormente após a EC n. 20/98 – retirou o “acidente de trabalho” do rol dos direitos a serem custeados pelo empregador mediante a contribuição, não mais se justificando a cobrança da referida exação"; (iii) a alteração promovida pelo Decreto nº 6.957/09 extrapolou o poder regulamentar, "não havendo como majorar a arrecadação sem que seja demonstrado, de forma inequívoca, a necessidade do aumento da receita tributária frente aos gastos suportados pela Previdência Social com benefícios acidentários".
Igualmente sustenta a inconstitucionalidade/ilegalidade do ato coator do Delegado da RFB, por entender que tanto o reenquadramento da empresa nas alíquotas de SAT/RAT, promovido pelo D 6.957/2009, quanto o Fator Acidentário de Prevenção (FAP) aplicado à alíquota extrapolaram os limites da delegação legislativa concedida pela Lei 8.212/91 e Lei 10.666/2003.
Argumenta que "o Poder Executivo NÃO DIVULGOU AS ESTATÍSTICAS E OS DADOS DE ACIDENTES DE TRABALHO QUE SUPOSTAMENTE JUSTIFICARIAM O REENQUADRAMENTO DA EMPRESA EM GRAU DE RISCO MAIS ELEVADO".
Aduz que "da leitura do referido texto legal, pode-se inferir que os reenquadramentos não poderão se dar em “massa”, considerando o setor da atividade econômica, mas devem ser realizados de forma individualizada. A prova de que este requisito é o sentido que emana do texto legal, está no fato de que o legislador exigiu que, para o enquadramento das empresas (e não do setor), a Administração utilize de estatísticas apuradas em inspeção. Ora, a obtenção de dados, por meio de inspeção, é prática que, por óbvio, deverá considerar os contribuintes de forma individualizada".
Pontua que "a alteração do Anexo V do Decreto nº 3.048/99, trazida à baila pelo Decreto nº 6.957/09 foi nitidamente injustificada e arbitrária, afrontando o Art. 37 da Constituição Federal e art. 2º da Lei nº 9.784/99, que dispõe acerca dos princípios que regem a Administração Pública, entre eles o princípio da legalidade, moralidade e publicidade".
Afirma que, "baseando-se nos anuários publicados em cada exercício, chegar-se-á, de logo, a uma conclusão que maculará a publicidade das estatísticas como um todo: os dados divulgados são insuficientes a embasar o aumento da alíquota da contribuição ao SAT/RAT. Isso porque não condensam as informações/estatísticas por CNAE/segmento econômico.
Em sua visão, impõe-se concluir "a tamanha subjetividade dos dados disponibilizados nos Anuários Estatísticos de Acidentes de Trabalho por CNAE pela Previdência Social, bem como comprova que os dados divulgados são insuficientes a embasar o aumento da alíquota".
Não merece prosperar, contudo, a tese da impetrante.
Primeiramente, insta frisar que todas as alegações de inconstitucionalidade do art. 22, da Lei 8.212/91, e art. 10, da Lei 10.666/03, ou violação a princípios fundamentais da Carta Maior, no tocante às delegações legislativas promovidas pelos referidos diplomas, atribuindo ao Poder Executivo a regulamentação e aplicação concreta da tributação em comento, já se encontram enfrentadas e superadas na introdução deste voto, na esteira da pacífica jurisprudência desta Corte e do STF. Vale reforçar a pendêndia do RE 677725, tema 554, sem ordem de suspensão de processos ou julgamento até o momento.
Passa-se, portanto, à suposta ilegalidade ou abuso de poder, no âmbito dos atos normativos infralegais (D 6.042/2007, o qual acrescentou o art. 202-A ao D 3.048/1999, alterado posteriormente pelo D 6.957/2009 e D 10.410/2020) e demais atos administrativos concretos que (re)enquadram a situação da empresa nos graus de risco e alíquotas do SAT/RAT e nos critérios de cálculo do FAP, aplicado à referido alíquota ("RAT ajustado").
A L 8.212/1991 autorizou a regulamentação da exação pelo Executivo, permitindo a alteração do enquadramento das empresas em função da apuração estatística de acidentes do trabalho, como forma de estimular o investimento em tecnologias de proteção ao trabalhador, conforme se depreende do § 3º do art. 22:
§ 3º O Ministério do Trabalho e da Previdência Social poderá alterar, com base nas estatísticas de acidentes do trabalho, apuradas em inspeção, o enquadramento de empresas para efeito da contribuição a que se refere o inciso II deste artigo, a fim de estimular investimentos em prevenção de acidentes.
A jurisprudência deste Tribunal, a esse propósito, tem considerado que a ""inspeção" referida no dispositivo não se refere a inspeção individual nas empresas, mas em apuração estatística levando-se em conta os dados de que dispõe o MPS, oriundos, em sua maioria, das informações prestadas pelas próprias empresas" (TRF4, Segunda Turma, 5007512-57.2016.4.04.7107, rel. Roberto Fernandes Júnior, 10maio2017).
O D 6.957/2009 reenquadrou o grau de risco das atividades econômicas desenvolvidas pelas empresas. Foram reclassificados para os índices de 1%, 2% ou 3% todos os setores com base na frequência, na gravidade e no custo da acidentalidade, conforme dados registrados juntos ao INSS, cujos números médios foram divulgados pela Port. 254, publicada no DOU de 25set.2009 (http://www2.dataprev.gov.br/fap/portmps254.pdf). As mudanças de enquadramento se justificam a partir dos elementos concretos e técnicos que lhe dão sustentação, tendo sido dada publicidade aos dados que ensejaram a nova classificação. Nesse sentido resolveu a Primeira Seção deste Tribunal:
TRIBUTÁRIO. EMBARGOS INFRINGENTES. ALÍQUOTA DA CONTRIBUIÇÃO AO SAT. ARTIGO 22, INCISO II, E § 3º, DA LEI Nº 8.212/91. GRAU DE RISCO. REENQUADRAMENTO. ANEXO V DO REGULAMENTO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. DECRETO Nº 6.957/09. RISCOS AMBIENTAIS DO TRABALHO. FREQUÊNCIA, GRAVIDADE E CUSTOS DA ACIDENTALIDADE. PORTARIA INTERMINISTERIAL MPS/MF Nº 254/09. REDUÇÃO DO NÚMERO DE ACIDENTES. NÃO VERIFICAÇÃO PARA TODOS OS ESTABELECIMENTOS DA EMPRESA E EM TODO O PERÍODO RELEVANTE. PROVIMENTO DOS EMBARGOS INFRINGENTES.
1. A orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal e deste Tribunal é no sentido da constitucionalidade e da legalidade da delegação, ao Poder Executivo, quanto aos enquadramentos das empresas nos diferentes graus de risco, para fins de financiamento dos benefícios concedidos em razão do grau de incidência de incapacidade laborativa decorrente dos riscos ambientais do trabalho, dentre esses, o "seguro de acidente de trabalho" (SAT).
2. Os chamados "riscos ambientais do trabalho" (RAT) são apurados, a partir das alterações efetuadas pelo Decreto nº 6.957/09 no Regulamento da Previdência Social, levando-se em conta o número de acidentes do trabalho, a gravidade desses eventos e os custos gerados para a Previdência Social, conforme dados estatísticos, amplamente divulgados pelo Ministério da Previdência Social.
3. Os parâmetros da tarifação coletiva (artigo 22, inciso II, da Lei 8.212/91) tiveram como referencial analógico as Resoluções 1.308 e 1.309 do Conselho Nacional da Previdência Social, que operou a reclassificação para os índices de 1%, 2% ou 3% de todos os setores econômicos com base na freqüência, na gravidade e no custo da acidentalidade, conforme estatísticas e registros junto ao INSS cujos números médios foram divulgados na Portaria Interministerial MPS/MF nº 254, de 25 de setembro de 2009.
4. A definição da alíquota base por setor, que varia entre os valores de 1%, 2% ou 3%, foi estabelecida através da acidentalidade de cada subgrupo CNAE (Classificação Nacional de Atividades Econômicas), estando os elementos geradores destas grades dispostos no Anuário Estatístico de Acidentes do trabalho - AEAT-2008. Tratou-se, assim, de reenquadramento genérico, ou seja, aplicado a todas as empresas de determinada categoria.
5. Não há se falar que a Portaria Interministerial MPS/MF nº 254/09 não serviria aos fins do artigo 22, § 3º, da Lei nº 8.212/91, seja porque a inspeção referida nesse dispositivo legal não se cuida de inspeção individual in loco nas empresas, seja porque a aludida portaria apenas divulgou, dando publicidade, os dados estatísticos que já existiam e vinham sendo coletados no período relevante.
6. Não é ônus da União juntar aos autos todos os dados estatísticos e estudos que foram feitos e que embasam o SAT.
7. Ademais, para duas filiais da empresa, em que pese o número de acidentes tenha sido reduzido de 2008 para 2009, não houve igual diminuição quando tomado em consideração todo o período relevante, sendo que, para esses estabelecimentos, o número de acidentes em 2009 foi superior ao de 2007, o que infirma a tese do voto majoritário no julgamento da apelação, ainda que tal constatação tenha reflexos apenas a partir de fevereiro de 2014 (IN SRF nº 1.453/14).
8. Embargos infringentes providos.
(TRF4, Primeira Seção, 5027966-38.2014.4.04.7201, rel. Sebastião Ogê Muniz, 24out.2017)
Observa-se que os itens 2 e 3 do referido julgado sintetizam e confirmam a possibilidade de reenquadramento das alíquotas do RAT tendo como referencial analógico as Res. 1.308/2009 e 1.309/2009, que estabelecem os critérios de frequência, gravidade e custo empregados para a apuração do FAP.
Não houve violação ao princípio da legalidade porque a calibragem da alíquota, no que concerne à redução ou ao aumento em dobro, está prevista no art. 10 da Lei 10.666/03, limitando-se o regulamento a fixar os critérios para aferir o desempenho da empresa dentro da respectiva atividade econômica.
O D 6.957/2009 não viola os princípios da vedação ao confisco e do equilíbrio financeiro e atuarial, conforme jurisprudência deste Tribunal (TRF4, Primeira Turma, 5012928-28.2015.4.04.7208, rel. Maria de Fátima Freitas Labarrère, 18ago.2016; TRF4, Segunda Turma, 5005244-27.2016.4.04.7108, rel. Sebastião Ogê Muniz, 27mar.2018; TRF4, Segunda Turma, 5005509-32.2016.4.04.7204, rel. Alcides Vettorazzi, 09nov.2017; TRF4, Segunda Turma, 5001737-67.2016.4.04.7105, rel. Roberto Fernandes Júnior, 10maio2017).
Quanto à publicidade dos dados que embasam a aplicação do FAP, registra-se que o Ministério do Trabalho e da Previdência Social, bem como a FUNDACENTRO, instituição vinculada àquele Ministério, disponibilizam em seus sítios eletrônicos dados relativos ao assunto, de acesso geral e acesso privado a cada empresa, sendo inconteste a publicidade.
Não se verifica, do exposto, vício no D 6.042/2007, no D 6.957/2009 e na metodologia de cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), e conclui-se pela validade da tributação como estabeleceu.
Diante do contexto, afastam-se as alegações da impetrante no que diz respeito ao seu enquadramento às normas gerais e abstratas em vigor, visto que se mostram genéricas e desacompanhadas de prova pré-constituída, capaz de infirmar ou afastar, cabalmente, os estudos e critérios técnicos adotados pelo Poder Público.
Como é cediço, o direito líquido e certo a ser amparado por meio de mandado de segurança é aquele que se apresenta manifesto na sua existência, insuscetível de controvérsia e comprovável mediante prova pré-constituída, pois a ação não comporta dilação probatória.
Nesse sentido, precedente desta Turma:
TRIBUTÁRIO. ADUANEIRO. MANDADO DE SEGURANÇA. LIBERAÇÃO DE VEÍCULO APREENDIDO. DILAÇÃO PROBATÓRIA. NECESSIDADE. INADEQUAÇÃO DA VIA MANDAMENTAL. 1. A via estreita do mandado de segurança pressupõe a existência de prova pré-constituída, revelando-se descabida a dilação probatória. 2. Hipótese em que a comprovação dos fatos narrados na inicial demanda dilação probatória. Se o direito pleiteado não se apresenta líquido e certo, a extinção sem julgamento de mérito é medida que se impõe. 3. Apelação desprovida. (TRF4, AC 5000492-59.2018.4.04.7005, PRIMEIRA TURMA, Relator ROGER RAUPP RIOS, juntado aos autos em 11/07/2018)
No caso dos autos, a investigação da matéria fática por trás da questão proposta - falta de embasamento técnico ou discricionariedade no enquadramento da empresa ao SAT/RAT ou no cálculo do FAP - requer ampla produção de provas, inclusive com a realização de prova pericial, em um procedimento mais verticalizado do que o do mandado de segurança.
Quanto a este aspecto, vale dizer que a prova pericial juntada pela impetrante em anexo à inicial (Evento 1, OUT6) é inservível a fim de prova emprestada, ou seja, inapta a comprovar suas alegações, porquanto produzida em outra demanda judicial, observando a realidade de outra empresa. Como dito, caso houvesse intenção de análise pericial no caso específico da impetrante, deveria ter optado pela via procedimental ordinária.
Vale destacar a fundamentação exposta pela sentença de piso, em trecho que aqui utilizo como razões de decidir:
[...]
A empresa autora defende, em síntese, que a modificação classificatória provocada pelo Decreto 6.957/2009, que reenquadrou suas atividades de risco médio para grave, extrapolou os limites do §3º do referido artigo, uma vez que inexiste causa suficiente a justificar tal majoração.
Relativamente a questão de fundo, verifico que a matéria já foi analisada pelo TRF da 4ª Região, em voto do Ilustre Desembargador Jorge Antônio Maurique, externando entendimento do qual compartilho, razão pela qual transcrevo como razões de decidir, os fundamentos por ele lançados por ocasião do julgamento da AC nº 5002450-34.2010.404.7208/SC, in verbis:
"Reenquadramento da empresa nos graus de risco. Esclareço, inicialmente, que os parâmetros da classificação da tarifação coletiva denominada RAT - Riscos Ambientais do Trabalho tiveram como referencial analógico as Resoluções 1.308 e 1.309 do Conselho Nacional da Previdência Social. Foram reclassificados para os índices de 1%, 2% ou 3% todos os setores com base na frequência, na gravidade e no custo da acidentalidade, conforme estatísticas e registros juntos ao INSS, cujos números médios foram divulgados na Portaria Interministerial nº 254, publicada no DOU de 25 de setembro de 2009 (http://www2.dataprev.gov.br/fap/portmps254.pdf). Desse modo, quando o índice composto de Frequência, Gravidade e Custo era menor de 33,3 receberam alíquota de 1%, os índices compostos entre 33,3 e 66,7 receberam alíquotas de 2%; e os índices compostos superiores a 66,7 receberam alíquotas gerais de 3%, como regra geral.
A definição da alíquota base por setor, que varia entre os valores de 1%, 2% ou 3%, foi estabelecida através da acidentalidade de cada subgrupo CNAE, estando os elementos geradores destas grades dispostos no Anuário Estatístico de Acidentes do trabalho - AEAT-2008.
Assim, não há falar em ausência de motivação do novo enquadramento das atividades econômicas desenvolvidas pelas empresas, tendo havido a mais ampla publicidade dos dados que ensejaram a nova classificação.
Como bem destacado pela Desembargadora Federal Luciane Amaral, "se o ato infralegal pode definir o enquadramento, ele também pode alterá-lo respeitados os parâmetros legais. Esse enquadramento não se dá aleatoriamente, uma vez que toma por base a Classificação Nacional de Atividades Econômicas - CNAE, elaborada com considerável amparo técnico, conforme explicado no site da Receita Federal do Brasil:
'A CNAE é o instrumento de padronização nacional dos códigos de atividade econômica e dos critérios de enquadramento utilizados pelos diversos órgãos da Administração Tributária do país.
Trata-se de um detalhamento da CNAE - Classificação Nacional de Atividades Econômicas, aplicada a todos os agentes econômicos que estão engajados na produção de bens e serviços, podendo compreender estabelecimentos de empresas privadas ou públicas, estabelecimentos agrícolas, organismos públicos e privados, instituições sem fins lucrativos e agentes autônomos (pessoa física).
A CNAE resulta de um trabalho conjunto das três esferas de governo, elaborada sob a coordenação da Secretaria da Receita Federal e orientação técnica do IBGE, com representantes da União, dos Estados e dos Municípios, na Subcomissão Técnica da CNAE, que atua em caráter permanente no âmbito da Comissão Nacional de Classificação - CONCLA.'
(TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 5011990-42.2010.404.7100, 2ª TURMA, Des. Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 16/10/2013)
As mudanças de enquadramento, portanto, se justificam na medida em que os elementos concretos e técnicos que lhe dão sustentação estão em constante alteração e reavaliação, impondo, assim, se for o caso, reenquadramento.
Importante esclarecer, também, que esse reenquadramento acompanhou as estatísticas de acidentes, doenças, mortes e invalidez do trabalho no Brasil nos últimos anos. Consoante explicitado pela Diretoria de Políticas de Saúde e Segurança Ocupacional da SPS/MPS, em sua Nota DPSO/SPS 006/2010, "o enquadramento do CNAE vigente nos últimos anos (no anexo V do RPS), encontrava-se defasado, dentre outros motivos, porque até 2006 houve forte sub-notificação dos acidentes de trabalho pelos empregadores, não obstante a obrigação de emitirem CAT - Comunicação de acidente do trabalho (arts. 22 e 129, II, da Lei n° 8.213/1991).
Essa sub-notificação dos acidentes maquiava o real risco de certas atividades econômicas (além de prejudicar o direito dos trabalhadores em face da incorreta caracterização de seu benefício como não acidentário), gerando, diversas distorções ao não reconhecer a acidentalidade real. No entanto, a partir da implementação da metodologia de outro instituto previdenciário de grande relevância para a área de segurança e saúde do trabalho, o chamado Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário - NTEP, instituído pela Lei nº 11.430, de 27 de dezembro de 2006, cresceram substancialmente as notificações acidentárias com considerável aumento em relação às estatísticas anteriores, as quais eram obtidas somente com dados de CAT.
Nesse sentido, segundo a área técnica do Ministério da Previdência Social, o problema da sub-notificação dos acidentes de trabalho pelas empresas foi minorado após a implantação do NTEP presuntivo, sendo certo que o atual enquadramento de risco previsto no Anexo V do RPS - fruto do Decreto n° 6.957/2009, que originou o RAT/2010 - revela o verdadeiro cenário brasileiro de acidentes de trabalho, antes camuflado".
Ressalto, ainda, que o Risco Acidentário do Trabalho - RAT é uma tarifação coletiva, ou seja, o novo enquadramento das atividades das empresas nos graus de risco foi efetuado tendo por base os dados de todas as empresas que estão na mesma categoria econômica da empresa autora. Conclui-se, então, que a alteração no enquadramento das empresas é genérica, ou seja, aplica-se a todas as empresas de determinada categoria, via sub-classe CNAE.
O disposto no art. 22, § 3º, da Lei nº 8.212/91 expressa que, a partir de inspeções na documentação das estatísticas de acidente de trabalho das empresas de determinada categoria, onde se constate o ineficaz enquadramento, poderá ocorrer a correção do mesmo.
Assim, ainda que a autora tenha demonstrado que adota todas as medidas de segurança possíveis para minimizar os danos aos seus funcionários, e que tal situação tenha sido comprovada pela perícia, tal fato não tem o condão de modificar o novo enquadramento, eis que a análise individual da empresa não tem serventia para o RAT, influenciando apenas a alíquota do FAP, que uma tarifação individual.
Portanto, não obstante a perícia tenha concluído que não foram constatadas alterações significativas que suscitassem modificações no RAT, e que a autora deveria ser enquadrada no grau de risco médio, os elementos colhidos por meio da prova pericial não são suficientes para manter o enquadramento no grau de risco pretendido, uma vez que o novo enquadramento levou em consideração outros critérios.
Com efeito, a inexistência de acidentes na empresa ou o decréscimo no número de acidentes, por si só, não justifica a manutenção do grau de risco da atividade, porquanto, mesmo assim, pode ter havido um aumento dos custos com os benefícios acidentários.
Como bem destacado pela Juíza Federal Vera Lucia Feil Ponciano, na Ação Ordinária nº 5002320-86.2010.404.7000, "o seguro de acidente de trabalho financia a cobertura de riscos a que está sujeita toda a coletividade de segurados e não apenas os empregados de determinada empresa. O critério eleito tem base em cálculos atuariais originados nas estatísticas de acidentes de trabalho, não havendo obrigatoriedade legal de que a empresa contribuinte aufira qualquer proveito, vantagem ou benefício específico, através de seus empregados especificamente. A cobrança, em alíquota maior ou menor do SAT, segundo o número de empregados que trabalha sob o risco maior ou menor ao contrário de ofender o princípio da capacidade contributiva, prestigia-o, pois é válido que contribuam com mais as empresas que sujeitam o maior número de segurados ao risco".
Conclui-se, portanto, que não pode ser acolhida a pretensão a um regime próprio subjetivamente tido por mais adequado por meio de uma ação judicial. O Poder Judiciário, diante de razoável e proporcional agir administrativo, não pode substituir o enquadramento estipulado, sob pena de legislar. Nesse sentido:
TRIBUTÁRIO. SAT. ENQUADRAMENTO. EFETIVO GRAU DE RISCO. ART. 22, § 3º, DA LEI Nº 8.212/91. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA.
1. O art. 22, § 3º, da Lei nº 8.212/91 é categórico ao preconizar que a alteração do enquadramento da empresa, em atenção às estatísticas de acidente de trabalho que reflitam investimentos realizados na prevenção de sinistros, constitui ato atribuído pelo legislador exclusivamente ao Ministério do Trabalho e da Previdência Social.
2. Falece competência ao Poder Judiciário para imiscuir-se no âmbito da discricionariedade da Administração e determinar a realização de perícia com o intuito de beneficiar a empresa recorrente mediante enquadramento em grau de risco mais vantajoso.
3. Como se mostra de todo desnecessária a produção de prova pericial, não há que se cogitar de cerceamento de defesa e de infringência aos arts. 332, 420, parágrafo único, e 427 do CPC.
4. Recurso especial não provido.
(STJ. REsp 1095273/RS, Rel. Ministro Castro Meira. 2ª Turma. DJe 27/05/2009).
Conclui-se, assim, que o enquadramento das atividades conforme realidade fática (constatada por prova/perícia técnica) em lugar do enquadramento legal (presunção) estabelecido pelo Poder Executivo (Anexo V do Decreto n. 3.048/99), não pode ser aceito.
Desta forma, deve ser mantido o enquadramento da autora, nos termos do Anexo V do Decreto nº 6.957/09, que alterou o Decreto nº 3.048/99.
Ônus sucumbenciais. Tendo em vista a modificação do julgado, os ônus sucumbenciais deverão ser suportados pela autora, sendo fixados os honorários advocatícios em R$ 3.000,00.
Ante o exposto, voto por dar provimento ao apelo da União Federal e negar provimento ao apelo da autora."
Destarte, sendo o RAT uma tarifação coletiva aplicada genericamente a empresas de determinada categoria econômica com base em estatísticas estabelecidas em lei, a melhora ou piora dos índices de acidente de trabalho de uma empresa isoladamente não provoca por si só alterações em sua classificação nos graus de risco previstos no art. 22, inciso II, da Lei nº 8.212/91. Ademais, a definição dos graus de risco por atividade, como visto, ao contrário do alegado pela parte autora, se fundamentou em estudos e dados estatísticos.
Além disso, o fato de ter alegadamente diminuído os acidentes de trabalho, conforme afirmado na petição inicial, não implica automaticamente em um reenquadramento das empresas de determinada categoria uma vez que este não é o único critério levado em conta para fixação do grau de risco.
Assim, não sendo constatada a ilegalidade da modificação regulamentar apontada pela impetrante, é de ser denegada a ordem.
CONCLUSÃO
Deve a sentença ser mantida em todos os seus termos, inclusive no que se refere à distribuição dos ônus da sucumbência.
Incabível a condenação em honorários sucumbenciais (art. 25, Lei 12.016/2009).
PREQUESTIONAMENTO
Consigno que o enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar, junto às instâncias superiores, os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração, para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível, inclusive, de cominação de multa, nos termos do art. 1.026, §2º, do CPC.
Dispositivo. Pelo exposto, voto por negar provimento à apelação.
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Apelação Cível Nº 5019537-65.2017.4.04.7205/SC
PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 5019537-65.2017.4.04.7205/SC
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
APELANTE: COPA INDUSTRIAL LTDA (IMPETRANTE)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)
EMENTA
TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO PARA O SAT/RAT. FAP.
1. A Corte Especial deste Tribunal, na sessão de 25out.2012, ao julgar a Arguição De Inconstitucionalidade 5007417-47.2012.404.0000, declarou a constitucionalidade da contribuição destinada ao Seguro do Acidente do Trabalho - SAT/RAT prevista no artigo 10 da Lei 10.666/2003 com a aplicação do Fator Acidentário de Prevenção - FAP.
2. A regulamentação da metodologia do FAP através dos Decretos 6.042/2007, 6.957/2009 e 10.410/2020 e das Resoluções MPS/CNPS 1.308/2009, 1.309/2009, 1.316/2010 e 1.329/2017 não implica afronta ao princípio da legalidade, já que as disposições essenciais à cobrança da contribuição se encontram delineadas nas Leis 8.212/1991 e 10.666/2003.
3. O reenquadramento da alíquota por meio do Decreto 6.957/2009 não violou o princípio da legalidade, conforme decidido pela Primeira Seção deste Tribunal no julgamento dos Embargos Infringentes 5027966-38.2014.4.04.7201. A mesma conclusão deve ser aplicada, por analogia, aos enquadramentos promovidos pelo Decreto 10.420/2020.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 12 de maio de 2021.
Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Juiz Federal Convocado, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002478534v2 e do código CRC 1835d52b.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO Virtual DE 05/05/2021 A 12/05/2021
Apelação Cível Nº 5019537-65.2017.4.04.7205/SC
RELATOR: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
PRESIDENTE: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
PROCURADOR(A): EDUARDO KURTZ LORENZONI
APELANTE: COPA INDUSTRIAL LTDA (IMPETRANTE)
ADVOGADO: GRAZIELLE SEGER PFAU (OAB SC015860)
APELADO: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (INTERESSADO)
MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)
Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/05/2021, às 00:00, a 12/05/2021, às 16:00, na sequência 1068, disponibilizada no DE de 26/04/2021.
Certifico que a 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:
A 1ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.
RELATOR DO ACÓRDÃO: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL
Votante: Juiz Federal FRANCISCO DONIZETE GOMES
Votante: Desembargador Federal ROGER RAUPP RIOS
MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA
Secretária
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