Aparentemente, o Decreto 10.410/20 alterou a aposentadoria por idade híbrida, atrelando seus requisitos aos da aposentadoria pela regra permanente da Reforma da Previdência.
Isso significa que não é possível a concessão da aposentadoria por idade híbrida pelas regras de transição. Na prática, mulheres tem que cumprir mais idade e homens mais tempo de contribuição. Explicarei em detalhes ao longo da publicação.
Já adianto que na minha percepção isso se trata de uma clara ilegalidade e extrapolação regulamentar, que será objeto de apreciação pelo poder judiciário.
Antes do texto, confira o vídeo no qual abordamos exatamente esse assunto:
O que é a aposentadoria por idade híbrida?
A aposentadoria por idade híbrida é uma modalidade de benefício concebida pela Lei nº 11.718, de 20 de junho de 2008, que deu nova redação ao art. 48 da Lei 8.213/91, possibilitando a soma de tempo de trabalho urbano e rural para atingir o direito à aposentadoria por idade.
Trata-se, portanto, de um benefício inerentemente ligado à aposentadoria por idade por idade urbana, com a particularidade da utilização de tempo rural para o preenchimento do direito.
Entendendo as alterações trazidas pelo Decreto 10.410/20
A nova redação do art. 57 do Decreto 3.048/99, incluída pelo Decreto 10.410/20, dispõe sobre a possibilidade de concessão da aposentadoria por idade híbrida após a Reforma, nos seguintes termos:
Art. 57. Os trabalhadores rurais que não atendam ao disposto no art. 56 mas que satisfaçam essa condição, se considerados períodos de contribuição sob outras categorias de segurado, farão jus ao benefício ao atenderem os requisitos definidos nos incisos I e II do caput do art. 51.
Em resumo, o artigo diz que o trabalhador rural que não atinge os requisitos para aposentadoria rural, poderá utilizar o período de atividade rural para o benefício previsto no art. 51 do mesmo Decreto.
E qual é o benefício do art. 51? É a já chamada “aposentadoria programada”, ou aposentadoria pela regra permanente da Reforma da Previdência. Vale conferir o artigo:
Art. 51. A aposentadoria programada, uma vez cumprido o período de carência exigido, será devida ao segurado que cumprir, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I – sessenta e dois anos de idade, se mulher, e sessenta e cinco anos de idade, se homem;
II – quinze anos de tempo de contribuição, se mulher, e vinte anos de tempo de contribuição, se homem.
Veja que esta já é a regra para quem se filiou ao sistema após o início da vigência da Reforma da Previdência (art. 19 da EC 103/2019), que exige 62 anos de idade e 15 anos de tempo de contribuição para mulheres, e 65 anos de idade e 20 anos de tempo de contribuição para homens.
O quanto prejudicial é essa alteração?
Ao excluir a possibilidade de concessão da modalidade híbrida na aposentadoria por idade pela regra de transição da Reforma, o novo Decreto causa enorme prejuízo aos segurados.
Nesse sentido, vale relembrar a regra de transição (art. 18 da EC 103/2019):
- 60 anos, se mulher, e 65 anos, se homem – idade mínima para mulheres com aumento progressivo de 6 meses por ano a partir de 2020, chegando a 62 anos em 2023;
- 15 anos de contribuição para ambos os sexos.
Veja que, em 2020, a idade para uma mulher se aposentar pela híbrida saltaria de 60 anos e 06 meses (regra transição) para 62 anos (regra permanente). Isto é, pela nova disposição, uma segurada nesta situação teria que aguardar mais 01 ano e 06 meses para se aposentar.
Por outro lado, quando se trata de segurado homem, o prejuízo é ainda maior! Isso porque o requisito sobe de 15 anos de tempo de contribuição (regra transição) para 20 anos (regra permanente).
Nesse cenário, um homem que estava há 01 ano de completar o tempo para se aposentar, agora estará há 06 anos de sua aposentação, pois o requisito de 15 anos de tempo de contribuição sobe para 20 anos.
Por que a nova regra é ilegal?
Conforme já destaquei, a modalidade híbrida da aposentadoria por idade está expressamente prevista em Lei (art. 48, § 3º, Lei 8.213/91).
O dispositivo de Lei, ainda em perfeita vigência, assegura a possibilidade de somar tempo rural e urbano para o preenchimento dos requisitos da aposentadoria por idade.
Portanto, a ilegalidade do Decreto ao passar por cima da Lei e aplicar essa possibilidade somente a aposentadoria programada é evidente! Ela não se justifica em qualquer caráter lógico ou legal.
Se existe uma regra de transição da aposentadoria por idade, a modalidade híbrida deve legalmente ser aplicada a ela, simples assim!
Por fim, na hipótese absurda de se considerar que o Decreto não foi contrário à Lei, definitivamente estamos diante de uma extrapolação de sua capacidade normativa – decretos não possuem atribuição para criar requisitos de benefícios previdenciários.
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