Colegas Previdenciaristas!

Neste cenário de reforma previdenciária que experimentamos, tenho que o benefício de aposentadoria por incapacidade permanente (aposentadoria por invalidez) foi alvo de severa alteração, quanto ao seu valor mensal.

Perceba trecho EC 103/2019:

Art. 26. Até que lei discipline o cálculo dos benefícios do regime próprio de previdência social da União e do Regime Geral de Previdência Social, será utilizada a média aritmética simples dos salários de contribuição e das remunerações adotados como base para contribuições a regime próprio de previdência social e ao Regime Geral de Previdência Social, ou como base para contribuições decorrentes das atividades militares de que tratam os arts. 42 e 142 da Constituição Federal, atualizados monetariamente, correspondentes a 100% (cem por cento) do período contributivo desde a competência julho de 1994 ou desde o início da contribuição, se posterior àquela competência.

[…]

§ 2º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 60% (sessenta por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º, com acréscimo de 2 (dois) pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 (vinte) anos de contribuição nos casos:

[…]

III – de aposentadoria por incapacidade permanente aos segurados do Regime Geral de Previdência Social, ressalvado o disposto no inciso II do § 3º deste artigo; e

[…]

§ 3º O valor do benefício de aposentadoria corresponderá a 100% (cem por cento) da média aritmética definida na forma prevista no caput e no § 1º:

[…]

II – no caso de aposentadoria por incapacidade permanente, quando decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.

Como visto, a alteração legislativa prevê que o valor da aposentadoria por invalidez corresponderá a 60% da média aritmética (definida no caput do artigo 26 e no § 1º), com acréscimo de 2 pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição.

Todavia, o § 3º, II do artigo 26 estabelece que o valor corresponderá a 100% da média aritmética (na forma prevista no caput e no § 1º), quando decorrente de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho.

Considerando que, após a reforma, em muitas hipóteses a aposentadoria “acidentária” será mais vantajosa que a aposentadoria “comum”, deve o advogado previdenciarista analisar cuidadosamente o caso, a fim de verificar se a lesão apresentada por seu cliente guarda relação com a atividade laborativa desempenhada.

Nesta coluna, abordarei as formas de enquadramento das lesões acidentárias.

Acidente de Trabalho

O acidente de trabalho típico é o mais conhecido e também o de maior ocorrência entre as hipóteses trazidas nesta coluna. Vem estabelecido pelo artigo 19 da Lei nº 8.213/91 de forma bastante clara:

Art. 19.  Acidente do trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço de empresa ou de empregador doméstico ou pelo exercício do trabalho dos segurados referidos no inciso VII do art. 11 desta Lei, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que cause a morte ou a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para o trabalho.                 (Redação dada pela Lei Complementar nº 150, de 2015)

A comprovação de acidente de trabalho, em regra, se dá com e emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) pela empresa; ou, na falta dela, pelo acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública. Dispõe o Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99):

Art. 336.  Para fins estatísticos e epidemiológicos, a empresa deverá comunicar à previdência social o acidente de que tratam os arts. 192021 e 23 da Lei nº 8.213, de 1991, ocorrido com o segurado empregado, exceto o doméstico, e o trabalhador avulso, até o primeiro dia útil seguinte ao da ocorrência e, em caso de morte, de imediato, à autoridade competente, sob pena da multa aplicada e cobrada na forma do art. 286.                          (Redação dada pelo Decreto nº 4.032, de 2001)

[…]

§ 3º  Na falta de comunicação por parte da empresa, ou quando se tratar de segurado especial, podem formalizá-la o próprio acidentado, seus dependentes, a entidade sindical competente, o médico que o assistiu ou qualquer autoridade pública, não prevalecendo nestes casos o prazo previsto neste artigo.                       (Redação dada pelo Decreto nº 4.032, de 2001)

Salvo casos excepcionais, o acidente de trabalho típico não confere maior dificuldade à sua comprovação. Assim, passemos às definições da doenças ocupacionais/profissionais.

Doença Profissional

É aquela enfermidade que decorre de situações comuns a trabalhadores pertencentes à mesma categoria laboral. O exemplo típico de doença profissional é a Pneumoconiose entre os mineiros (enfermidade respiratória comum a profissionais que trabalham em minas). Ver Anexo II do Decreto 3.048/99.

O artigo 20, I da Lei nº 8.213/91 prevê que:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

I – doença profissional, assim entendida a produzida ou desencadeada pelo exercício do trabalho peculiar a determinada atividade e constante da respectiva relação elaborada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência Social;

[…]

§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Para simplificar, podemos dizer que doença profissional é a doença comum a trabalhadores do mesmo ramo, que exercem a mesma atividade laborativa.

Doença do Trabalho

É aquela decorrente de condições especiais em que o trabalho é desenvolvido e que com ele se relacione diretamente. Ver Anexo II do Decreto 3.048/99.

Vem disciplinada no artigo 20, II da Lei nº 8.213/91:

Art. 20. Consideram-se acidente do trabalho, nos termos do artigo anterior, as seguintes entidades mórbidas:

II – doença do trabalho, assim entendida a adquirida ou desencadeada em função de condições especiais em que o trabalho é realizado e com ele se relacione diretamente, constante da relação mencionada no inciso I.

[…]

§ 2º Em caso excepcional, constatando-se que a doença não incluída na relação prevista nos incisos I e II deste artigo resultou das condições especiais em que o trabalho é executado e com ele se relaciona diretamente, a Previdência Social deve considerá-la acidente do trabalho.

Aqui, trago um exemplo de doença do trabalho elaborado pelos brilhantes juristas Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari, pelos quais tenho muita admiração:

“É o caso, verbi gratia, de um empregado de casa noturna cujo “som ambiente” supere os limites de tolerância; a atividade profissional que desempenha não geraria nenhuma doença ou perturbação auditiva, porém, pelas condições em que exerce o seu trabalho, está sujeito ao agente nocivo à sua saúde”

A partir do exemplo supracitada, torna-se fácil entender o conceito de doença do trabalho e distingui-la da doença profissional.

Presunção de Nexo Causal

Método de aferição importantíssimo e pouco conhecido, a presunção de nexo causal é disciplinada no Regulamento da Previdência Social (Decreto nº 3.048/99):

Art. 337.  O acidente do trabalho será caracterizado tecnicamente pela perícia médica do INSS, mediante a identificação do nexo entre o trabalho e o agravo.                        (Redação dada pelo Decreto nº 6.042, de 2007).

[…]

§ 3o Considera-se estabelecido o nexo entre o trabalho e o agravo quando se verificar nexo técnico epidemiológico entre a atividade da empresa e a entidade mórbida motivadora da incapacidade, elencada na Classificação Internacional de Doenças – CID em conformidade com o disposto na Lista C do Anexo II deste Regulamento. (Redação dada pelo Decreto nº 6.957, de 2009)

A regra estabelece uma presunção legal quanto à existência de nexo entre a doença e o trabalho, sempre que a atividade da empresa possuir relação com a enfermidade. Trata-se de associação entre o código da Classificação Internacional de Doenças (CID) e código da Classificação Nacional de Atividade Econômica (CNAE).

Os intervalos de CID e as Classes CNAE onde se reconhece o Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário (NTEP) estão presentes no Anexo II, Lista C do Decreto nº 3.048/99.

Concausalidade

A teoria da concausa está amparada no artigo 21, I da Lei nº 8.213/91:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

[…]

Tal norma prevê que não apenas as hipóteses típicas de acidente de trabalho e doenças ocupacionais dão origem à lesões acidentárias, mas também os fatores que, embora não tenham sido causa única, contribuíram para morte, redução ou perda da capacidade ao trabalho do segurado, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação.

Novamente, peço licença a Pereira de Castro e Lazzari e transcrevo trecho de sua obra, cuja contribuição é de grande relevo para este estudo:

“As concausas podem ser anteriores, simultâneas ou posteriores ao acidente. A hemofilia do exemplo citado é concausa preexistente; a concausa é simultânea quando, por exemplo, alguém sofre infarto durante um assalto às dependências da empresa; exemplo de concausa superveniente é o de um acidentado que, hospitalizado após o acidente, venha a ser vítima de infecção hospitalar e em razão disso falece”

Contudo, há hipóteses nas quais enfrentamos bastante dificuldade para comprovar a relação entre a doença e a atividade desempenhada. É o caso, por exemplo, do segurado vendedor em determinada loja,  que vivencia muita cobrança por parte da gerência, possui metas a cumprir, etc., e acaba adquirindo algum transtorno psiquiátrico, o qual lhe retira a capacidade de trabalhar.

É bem provável que o ambiente de trabalho tenha contribuído para o quadro de incapacidade laboral deste segurado, ainda que não tenha sido a única causa. Em casos tais, aconselho aos colegas que façam aprofundada entrevista com seu cliente a fim de identificar as possíveis causas da enfermidade incapacitante. Quesitos específicos para o perito judicial e audiência de instrução e julgamento também são ferramentas hábeis à esta comprovação, sendo que o Prev já possui um modelo que trabalha com a questão.

Acidente de trabalho por equiparação

A Lei nº 8.213/91 discrimina as hipóteses de equiparação a acidente de trabalho:

Art. 21. Equiparam-se também ao acidente do trabalho, para efeitos desta Lei:

I – o acidente ligado ao trabalho que, embora não tenha sido a causa única, haja contribuído diretamente para a morte do segurado, para redução ou perda da sua capacidade para o trabalho, ou produzido lesão que exija atenção médica para a sua recuperação;

II – o acidente sofrido pelo segurado no local e no horário do trabalho, em conseqüência de:

a) ato de agressão, sabotagem ou terrorismo praticado por terceiro ou companheiro de trabalho;

b) ofensa física intencional, inclusive de terceiro, por motivo de disputa relacionada ao trabalho;

c) ato de imprudência, de negligência ou de imperícia de terceiro ou de companheiro de trabalho;

d) ato de pessoa privada do uso da razão;

e) desabamento, inundação, incêndio e outros casos fortuitos ou decorrentes de força maior;

III – a doença proveniente de contaminação acidental do empregado no exercício de sua atividade;

IV – o acidente sofrido pelo segurado ainda que fora do local e horário de trabalho:

a) na execução de ordem ou na realização de serviço sob a autoridade da empresa;

b) na prestação espontânea de qualquer serviço à empresa para lhe evitar prejuízo ou proporcionar proveito;

c) em viagem a serviço da empresa, inclusive para estudo quando financiada por esta dentro de seus planos para melhor capacitação da mão-de-obra, independentemente do meio de locomoção utilizado, inclusive veículo de propriedade do segurado;

§ 1º Nos períodos destinados a refeição ou descanso, ou por ocasião da satisfação de outras necessidades fisiológicas, no local do trabalho ou durante este, o empregado é considerado no exercício do trabalho.

2º Não é considerada agravação ou complicação de acidente do trabalho a lesão que, resultante de acidente de outra origem, se associe ou se superponha às conseqüências do anterior.

Percebam que o artigo 21 contempla várias possibilidades de enquadramento acidentário por equiparação, o que exige atenção e zelo do advogado para eventual aplicação da norma no caso concreto.

Acidente in itinere

Conforme muito bem exposto na coluna do meu colega e amigo Yoshiaki Yamamoto, a atual Medida Provisória nº 905/2019 revogou a norma que considerava como acidente de trabalho aquele sofrido no percurso da residência para o local de trabalho ou deste para aquela.

De qualquer sorte, devemos estar atentos para a futura confirmação ou rejeição da Medida Provisória.

Por fim, informo aos colegas que já publicamos modelo de petição inicial de concessão de aposentadoria por incapacidade permanente de acordo com a EC 103/2019.

Bom trabalho a todos! Fico à disposição!

 

REFERÊNCIAS

CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário. 22ª ed. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2019.

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