É muito comum o entendimento de que para ser caracterizada a condição de segurado especial o trabalhador rural deve se encontrar quase que em estado de miserabilidade, em uma pequena porção de terras, sem qualquer bem móvel e sem a utilização de maquinário agrícola.

Meu intuito neste post é colocar uma luz sobre a questão, partindo principalmente da compreensão do conceito de segurado especial.

Sem mais demoras, vamos ao assunto.

Conceito de segurado especial

Para desfazer a ideia equivocada de que o segurado especial é aquele trabalhador rural em condição de miserabilidade e, consequentemente, sem acesso a qualquer maquinário agrícola ou bem móvel, é necessário entender quem é, afinal, o segurado especial.

Além da Constituição Federal (art. 195, § 8º), a Lei 8.213/91 (art. 11, VII) traz disposição conceituando quem de fato pode ser considerado segurado especial da Previdência Social:

Art. 11 (…)

 VII – como segurado especial: a pessoa física residente no imóvel rural ou em aglomerado urbano ou rural próximo a ele que, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, na condição de:        

a) produtor, seja proprietário, usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais, que explore atividade:

1. agropecuária em área de até 4 (quatro) módulos fiscais; (…)

Veja-se que a Lei não impõe muitas limitações a caracterização do trabalhador rural como segurado especial. Em uma conceituação bem resumida, segurado especial é o trabalhador rural que, individualmente ou em regime de economia familiar, explora área rural de até 4 módulos fiscais, sem a utilização de empregados permanentes.

 

A utilização de maquinário

Pelo que acabei de mencionar, percebe-se que pouco importa a capacidade de produção e quais implementos agrícolas são utilizados para a caracterização do trabalhador rural como segurado especial.

Aliás, é de interesse público e social que o trabalhador rural utilize de todos os meios que dispõe para aumentar sua produtividade.

Nesse sentido, é necessário ter dimensão do que significa 4 módulos fiscais. Falo dimensão no sentido de espaço físico mesmo. Existem regiões no Brasil que 1 modulo fiscal pode corresponder até 110 hectares (consulta disponível no site da Embrapa).

Logo, 4 módulos fiscais podem ser iguais a 440 hectares. Lembrando que 1 hectare é igual a 10.000 metros quadrados. Isto é, 440 hectares são 4.400.000 metros quadrados!!!

Agora questiono: existe a possibilidade de um trabalhador explorar essa terra toda sem empregados e sem a utilização de maquinário agrícola? Obviamente, não!

Além disso, lembro que o segurado especial pode constituir microempresa agrícola, com faturamento anual de até 360 mil reais (art. 12, § 14, Lei 8212/91). Se a lei prevê essa possibilidade, onde residiria a lógica da restrição da utilização desse dinheiro para melhorar a produtividade com a eventual compra de implementos agrícolas?

Por fim, não há como falar de um assunto tão elementar à condição de segurado especial sem citar a Professora Jane Berwanger (2020, p. 75): 

O desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar não prescinde da modernização, da melhoria nas condições de produção. Portanto, a mecanização é uma realidade que precisa ser absorvida na compreensão do conceito de segurado especial, sob a pena de interpretação equivocada não somente da lei e da Constituição mas também da ideia de segurança alimentar que, conforme a legislação específica, só se efetiva com o incentivo à agricultura familiar. 

A explanação da Professora Jane, como de costume, é certeira. A proteção previdenciária diferenciada ao trabalhador rural transcende a esfera individual, na medida que é também um incentivo à agricultura familiar. 

Portanto, o segurado especial não só pode mas deve, sempre que tiver condições, adquirir maquinário agrícola capaz de melhorar sua produção e, consequentemente, as condições socioeconômicas do seu grupo familiar.

 

Referências bibliográficas:

BERWANGER, Jane Lucia Wilhelm. Segurado especial: novas teses e discussões. 3. ed. Curitiba: Juruá, 2020.

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