A aposentadoria rural é um benefício de muita relevância social, garantindo dignidade e sustento aos importantes trabalhadores responsáveis por boa parte da alimentação brasileira (e mesmo global). 

Contudo, a complexidade do próprio conceito de segurado especial, da comprovação da atividade e de toda a jurisprudência em torno dos trabalhadores rurais exigem um cuidado especial com a petição inicial.

A comprovação da atividade rural é uma das áreas mais desafiadoras (mas também gratificantes) do Direito Previdenciário. Afinal, busca-se comprovar uma atividade que é intrinsecamente informal em muitas regiões do Brasil, de modo que é necessário construir desde o primeiro momento processual bem a narrativa e demonstrar ao julgador, de forma organizada e objetiva, quais as controvérsias objeto do caso.

Este artigo se propõe a ser um guia prático e rápido para a elaboração de uma boa petição inicial para casos de aposentadoria rural. 

Qual é a relevância da petição inicial?

A petição inicial é a porta de entrada do caso perante o julgador e todos que irão trabalhar naquele processo, com particular importância no caso da aposentadoria rural, pois é através dela o primeiro contato com a história de vida do segurado, com as provas materiais, e com os fundamentos jurídicos que embasam o pedido.

A petição inicial, porém, depende de um bom atendimento com o cliente. Antes da petição inicial, é necessária atenção ao diagnóstico previdenciário, a uma boa entrevista com o segurado, buscando reconstruir a linha do tempo do cliente desde a infância, entender qual a relação do segurado e de sua família com as terras em que produz (próprias, arrendadas, parceria, condomínio), saber qual era a produção, se ela era vendida, e como era a dinâmica da economia familiar. 

Fundamentação legal: conhecimento aprofundado

Pode-se adotar a lógica das decisões judiciais para dar início à peça vestibular, começando pelos fundamentos legais e jurisprudenciais nos quais se sustenta a pretensão do cliente.

Geralmente pensamos na lógica de primeiro apresentar “os fatos” e depois “os fundamentos” da peça vestibular. Contudo, pensemos no modelo comum de sentenças e acórdãos, em que primeiro os julgadores elencam os fundamentos a partir dos quais vão decidir, para somente então promover a “análise do caso concreto”.

Neste sentido, o primeiro passo para uma boa petição inicial é dominar a legislação e a jurisprudência aplicáveis. A aposentadoria rural, sabe-se, é regida por dispositivos específicos da Lei nº 8.213/91, no Decreto nº 3.048/99 e também pelas Instruções Normativas do INSS, em especial a IN 128/2022, que detalha os procedimentos e documentos aceitos para comprovação da atividade rural. O fundamento para o benefício, contudo, é constitucional, previsto no art. 201, § 7º, da Constituição Federal.

Além disso, é fundamental trabalhar na petição inicial a jurisprudência pertinente, especialmente a do Superior Tribunal de Justiça, que tem vários precedentes sobre diferentes aspectos dos segurados especiais, como por exemplo os Temas 533, 642 e 629. Nos Juizados Especiais, vale abordar os precedentes da Turma Nacional de Uniformização, enquanto no procedimento comum é crucial abordar a jurisprudência do respectivo Tribunal Regional Federal de sua região.

Vale ressaltar, no ponto, que a jurisprudência sobre os segurados especiais é muito ampla, envolvendo várias peculiaridades, de modo que é interessante encontrar julgados vinculados ao caso concreto. Por exemplo, buscar precedentes envolvendo o trabalho rural individual quando há integrantes da família com outras fontes de renda, ou buscar trabalhar o Tema 301 da TNU quando se está buscando a aposentadoria rural com a utilização de períodos rurais descontínuos. 

A jurisprudência deve ser dirigida especificamente ao caso concreto para dirigir o próprio julgador à melhor solução a partir da jurisprudência sobre cada um dos elementos do segurado especial. Se um segurado tem um ótimo rol de provas, talvez não seja necessário abordar a jurisprudência do STJ que envolve o uso de provas em nome de terceiros e certidões da vida civil, mais afeita aos segurados com mais dificuldades probatórias.

E ainda, lembre-se de apresentar na petição inicial apenas o necessário. Corte o trecho específico da ementa na hora de apresentar a jurisprudência ao invés de colar páginas e mais páginas de julgados; não apresente julgados e repetidos, tente demonstrar usando o menor espaço possível que o entendimento daquele Tribunal é dominante naquele sentido.

É necessário ser responsável e pensar no interlocutor da petição inicial, no julgador que irá receber a petição. 

A narrativa dos fatos: contando a história do segurado

A seção dos fatos não deve ser apenas uma descrição despretensiosa de elementos da vida do cliente. Pode, e deve, ser construída uma narrativa coesa da vinculação do cliente à atividade rural, desde o ingresso na atividade, o tipo de atividade, quais os produtos, se os produtos são utilizados apenas para subsistência ou também para comercialização.

É importante apresentar os eventos de forma cronológica, facilitando a compreensão do julgador; com detalhamento, sem frases muito genéricas como “trabalhou na roça”, buscando descrever com particularidade a vida do segurado (por exemplo, descrever “planta desde os anos 80 nas terras que herdou do pai, junto com sua esposa e filhos, plantando milho, feijão e mandioca em cerca de dois hectares de terras, comercializando o feijão produzido e usando o resto para subsistência”).

Outro elemento necessário é esclarecer a composição do núcleo familiar e se a atividade rural é individual ou em regime de economia familiar, explicar o papel de cada membro da família na produção e a dependência mútua do trabalho para o sustento.

Deve-se, também, descrever quaisquer eventos relevantes como uma interrupção na atividade rural e a respectiva justificativa. Ainda que por vezes se tenha receio de que alguns fatos possam ser mal interpretados e possam trazer a discricionariedade na interpretação do conceito do segurado especial, são exatamente as lacunas informacionais que podem prejudicar o cliente, trazendo dúvidas sobre a higidez dos fatos narrados. É importante, portanto, ter transparência e antecipar quaisquer possíveis questionamentos. 

A  importância do início de prova material

A prova material é fundamental no pedido de aposentadoria rural. É imprescindível elencar os documentos que sustentam o pedido e a autodeclaração (que já deve ter sido juntada no processo administrativo), sobre o qual irá se fundamentar qualquer outro pedido de provas, como por exemplo a prova testemunhal.

A prova material deve ser apresentada em ordem cronológica, com boa identificação de cada documento e de quem são os titulares destes documentos.

Deve-se ver, inclusive, a qualidade dos arquivos, já que por vezes é necessário comprimir para satisfazer o limite de tamanho de cada sistema processual eletrônico e isso pode tornar alguns documentos ilegíveis (a exemplo da íntegra do processo administrativo, que na compressão pode parecer legível, mas deixar algumas páginas de difícil leitura).

Alguns documentos têm sua relação com a atividade rural mais “óbvia” (como a matrícula do imóvel apontando a propriedade, ou uma ficha do Sindicato ), mas outros merecem menção específica à relação entre o documento e a atividade (por exemplo, não juntar apenas um documento de “Crisma” de um filho, juntar tal documento e referir na petição inicial que “o cliente está qualificado como agricultor neste documento de 1972”.

A prova testemunhal: complementando o início de prova material

A prova testemunhal é crucial para complementar o início da prova material. As testemunhas devem ser pessoas que conheçam o segurado e sua família, que tenham presenciado o trabalho rural no período pleiteado e que possam corroborar as informações apresentadas nos documentos.

Elas podem já estar qualificadas e elencadas desde a petição inicial, embora não seja um requisito essencial desta petição. O rol de testemunhas pode ser juntado aos autos quando solicitado pelo juízo antes da data da designação da audiência.

Porém, ainda que o rol não precise estar na peça vestibular, o pedido expresso de produção desta prova é imprescindível. 

A pretensão resistida: enfrentar o indeferimento do INSS

Já tendo abordado legislação e jurisprudência ao início da peça, contado a narrativa detalhando a vida do segurado e elencar as provas materiais apresentadas, é interessante enfrentar diretamente o motivo do indeferimento, conectando-o com a fundamentação legal e jurisprudencial.

É importantíssimo delimitar a controvérsia, já que um bom uso da seara administrativa pode diminuir o número de discussões levadas ao Poder Judiciário através da petição inicial.

Por exemplo, se o INSS ou um dos órgãos colegiados da seara administrativa recursal já admite que há início de prova material, mas indefere o benefício referindo que o marido da cliente possui renda alheia à atividade rural, este é deve ser o foco da argumentação, ressaltando ao julgador que a prova material já foi reputada suficiente e que só resta uma controvérsia.

Mais do que só apontar ao julgador os elementos “soltos” envolvendo os fatos e o direito, este é o momento de conectar todas as peças anteriores da peça vestibular, demonstrando o erro no indeferimento do benefício e o motivo pelo qual a averbação do tempo rural e a concessão do benefício são as medidas adequadas. 

Dos pedidos: claro e objetivo

Ao final, formule os pedidos de forma clara e objetiva, requerendo expressamente:

  • A concessão do benefício desde a respectiva data de requerimento DER;
  • O pagamento das parcelas vencidas entre a DER e o início dos pagamentos (DIP), com juros e correção monetária.
  • A citação do INSS para apresentar contestação;
  • A produção de todos os meios de prova admitidos em direito (especialmente a documental e a testemunhal);
  • A condenação do INSS ao pagamento de honorários advocatícios e custas processuais;
  • A opção do cliente sobre a audiência de conciliação (exigência do art. 319 do CPC).

Valor da causa e documentos obrigatórios

Ao final da petição, não esqueça de fixar o valor da causa, se possível através de cálculo que acompanhe a petição inicial e que contenha, além das parcelas devidas, o acréscimo de doze parcelas vincendas.

É interessante também listar os documentos que acompanham a petição inicial, o que pode ajudar no saneamento do processo por parte do julgador e de sua equipe. 

Revisão Final: erros zero e facilidade de leitura

Por vezes um “passo invisível”, é sempre importante promover uma revisão da petição, para garantir que tudo está fazendo sentido, sem erros de ortografia, sem espaços inutilizados na formatação da petição.

Tenha atenção, inclusive, à formatação da petição (espaçamentos, fonte, tamanho da fonte, ou mesmo cabeçalhos, rodapés e marcas d’água excessivamente chamativas), sempre prezando por um documento cuja leitura seja agradável. Se o próprio advogado estiver achando difícil ler a sua petição inicial em sua integralidade, é sinal de que a formatação pode não estar favorecendo a petição.

A ideia é fazer o julgador “ter vontade” de ler sua petição inicial, em detrimento de bater o olho em vinte páginas de um arquivo com fonte pequena e um “amontoado” de informações e jurisprudências extensas.

Conclusão

A elaboração de uma petição inicial para aposentadoria rural é um desafio que exige atenção aos detalhes, conhecimento jurídico aprofundado e uma alta dose de estratégia  tanto na apresentação dos fatos e provas quanto na vinculação do caso à lei a à jurisprudência aplicáveis. 

Ao seguir os passos aqui apresentados, o profissional previdenciário estará apto a construir um documento sólido, que reflita a realidade do trabalhador rural e permita que o julgador compreenda a realidade do segurado e o fundamento de seu direito.

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Invista na sua petição inicial, ela é o primeiro passo para a vitória do seu cliente.

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