Neste texto vamos explicar sobre uma dúvida muito comum dos segurados da Previdência Social: se, após aposentado, ainda é possível receber auxílio por incapacidade temporária – chamado de auxílio-doença até a Emenda Constitucional 103/19.
A legislação previdenciária prevê várias hipóteses de aposentadoria. Podemos citar aquelas que decorrem de um tempo de trabalho, sendo que em alguns casos temos regras diferenciadas: por idade (urbana, rural ou híbrida), por tempo de contribuição (com regras de transição da Reforma da Previdência), aposentadoria especial (quando há exposição a agentes nocivos – insalubres, por exemplo) e do professor. Temos, ainda, a aposentadoria por incapacidade permanente, que na lei ainda se chama de aposentadoria por invalidez.
Já o auxílio por incapacidade temporária é um benefício que tem como requisitos: a incapacidade temporária, a vinculação com a previdência (qualidade de segurado), um número mínimo de 12 contribuições, sendo que, se houve interrupção das contribuições por muito tempo, após o retorno é necessário ter pelo menos seis contribuições mensais. Para esse tempo mínimo de contribuições, há exceções: não se exige quando o segurado sofreu acidente de trabalho ou de qualquer natureza e quando se trata de doenças graves, como câncer, cardiopatia grave, AIDS, dentre outras.
O que diz a lei sobre a acumulação de benefícios previdenciários?
A Lei 8.213/91 estabelece, no art. 124, as situações em que não é possível o recebimento de mais de um benefício:
Art. 124. Salvo no caso de direito adquirido, não é permitido o recebimento conjunto dos seguintes benefícios da Previdência Social:
I – aposentadoria e auxílio-doença;
II – mais de uma aposentadoria;
III – aposentadoria e abono de permanência em serviço;
IV – salário-maternidade e auxílio-doença;
V – mais de um auxílio-acidente;
VI – mais de uma pensão deixada por cônjuge ou companheiro, ressalvado o direito de opção pela mais vantajosa.
Parágrafo único. É vedado o recebimento conjunto do seguro-desemprego com qualquer benefício de prestação continuada da Previdência Social, exceto pensão por morte ou auxílio-acidente.
Nota-se que a primeira hipótese se refere justamente a cumulação de aposentadoria com auxílio-doença, em que a lei expressamente não permite.
Na prática, pode acontecer a cumulação?
O INSS não concede um auxílio por incapacidade temporária a quem está aposentado, mesmo que esteja contribuindo para a previdência por ainda estar exercendo alguma atividade laborativa. É muito comum as pessoas se aposentarem e continuarem trabalhando na mesma empresa ou em outra atividade. E essa contribuição é obrigatória, conforme dispõe o § 4° do art. 12 da Lei 8.212/91:
Art. 12. § 4º. O aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social – RGPS que estiver exercendo ou que voltar a exercer atividade abrangida por este Regime é segurado obrigatório em relação a essa atividade, ficando sujeito às contribuições de que trata esta Lei, para fins de custeio da Seguridade Social.
O Supremo Tribunal Federal já tinha o entendimento de que essa contribuição era constitucional e reafirmou esse entendimento no Tema 1.065, com a fixação da seguinte tese: É constitucional a contribuição previdenciária devida por aposentado pelo Regime Geral de Previdência Social (RGPS) que permaneça em atividade ou a essa retorne.
Desse modo, ainda que o aposentado seja obrigado a continuar contribuindo se ele permanecer em atividade laborativa, não é concedido o auxílio por incapacidade temporária, se ele ficar incapaz para o seu trabalho.
E se houver discussão judicial sobre um ou ambos os benefícios?
Imaginemos que um segurado tenha requerido a concessão da aposentadoria por tempo de contribuição e esta foi indeferida levando ao ajuizamento de ação para buscar esse direito. E durante a tramitação do processo judicial, ele vem a ficar incapaz para o trabalho, tendo concedido o auxílio por incapacidade temporária.
Se mais tarde julgado procedente a ação de concessão da aposentadoria, é necessário proceder a compensação dos valores recebidos em decorrência do auxílio por incapacidade temporária. Ao fazer essa compensação, o INSS calculava de modo que simplesmente descontava do montante a receber da aposentadoria, aqueles pagos a título de benefício por incapacidade, gerando, muitas vezes, valores negativos em determinados meses. Vamos dar um exemplo: a aposentadoria concedida têm renda mensal inicial de R$ 3.000,00 e o auxílio por incapacidade durante dois anos era no valor de R$ 3.500,00. Com isso, o INSS lançava valor negativo durante esses dois anos, de modo que, no final da conta, o segurado tinha um desconto (no nosso exemplo) de no mínimo R$ 84.000,00 (R$ 3.500,00 x 24 meses) e não apenas dos meses que não poderia cumular: R$ 72.000,00 (R$ 3.000,00 x 24 meses), sem falar do décimo-terceiro e dos juros.
Essa questão foi apreciada pelo STJ no Tema 1.207, com a seguinte tese fixada: A compensação de prestações previdenciárias, recebidas na via administrativa, quando da elaboração de cálculos em cumprimento de sentença concessiva de outro benefício, com elas não acumulável, deve ser feita mês a mês, no limite, para cada competência, do valor correspondente ao título judicial, não devendo ser apurado valor mensal ou final negativo ao beneficiário, de modo a evitar a execução invertida ou a restituição indevida.
Essa tese ainda não transitou em julgado, pois o INSS interpôs embargos de declaração e, possivelmente, vai recorrer para o Supremo Tribunal Federal.
Conclui-se, portanto, que não é permitido acumular aposentadoria e auxílio-doença (auxílio por incapacidade temporária), conforme a Lei 8.213/91. O INSS não concede esse auxílio a quem já está aposentado, mesmo que o aposentado ainda contribua por estar trabalhando. Em caso de disputa judicial por aposentadoria e recebimento do auxílio, é feita uma compensação dos valores, evitando saldo negativo ao beneficiário. O STJ já se pronunciou sobre a compensação de benefícios, mas a decisão ainda pode ser revisada pelo STF.
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