Olá, Previdenciaristas! Como estão?
A qualidade de segurado é requisito para acesso a vários benefícios pagos pela Previdência Social.
Sua previsão está no artigo 15 da Lei nº 8.213/91.
Recentemente, escrevi sobre a manutenção da qualidade de segurado após a cessação de benefício por incapacidade:
Na coluna de hoje, trago novamente a discussão sobre o tema.
Manutenção da qualidade de segurado ao beneficiário de boa-fé
Na prática forense, podemos observar com certa frequência decisões que determinam a revogação do ato de concessão de benefício previdenciário.
Geralmente, é mais comum que isto ocorra em processos judiciais com deferimento de tutelas antecipadas.
Exemplificando:
“Roberto ajuíza ação previdenciária de concessão de benefício por incapacidade, pois teve seu benefício indeferido pelo INSS. Em sede de sentença, é concedido o benefício de auxílio-doença em seu favor, com implantação imediata. Porém, após quatro anos a sentença é reformada pelo Tribunal, sendo determinada a cessação do benefício.”
Na situação ilustrativa acima, Roberto, de boa-fé, permaneceu quatro anos em gozo de auxílio-doença, concedido provisoriamente em sede de sentença.
Como fica a qualidade de segurado?
Pergunto: o que acontecerá com o vínculo de Roberto com a Previdência, após a cessação do benefício provisório? Haverá manutenção da qualidade de segurado?
Estou certo de que algum(a) dos(as) prezados(as) leitores(as) prontamente responderá: “não, pois o auxílio-doença era provisório!”.
Não desconheço que Roberto não era titular definitivamente do benefício que recebia.
O que diz a lei?
Contudo, a Lei nº 8.213/91 não diferencia, para fins de manutenção da qualidade de segurado, o benefício provisório ou definitivo:
Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:
I – sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício, exceto do auxílio-acidente; (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)
Percebam que a lei não condiciona a manutenção da qualidade de segurado à concessão definitiva do benefício.
Na minha opinião, se a lei não restringe, não cabe a nós fazê-lo.
E existe outro aspecto que permeia essa discussão: a credibilidade do Poder Público e a confiança que depositamos nas suas decisões.
Se o Poder Público decidiu pela concessão de benefício previdenciário em favor de Roberto, este beneficiário não questionará a legitimidade e a legalidade do ato. Pelo contrário: Roberto terá absoluta certeza de que preenche todos os requisitos para acesso ao benefício.
O tema é muito relevante, e sua repercussão no patrimônio jurídico dos segurados e dependentes é enorme.
No âmbito da 4ª Região Federal, em 2015 foi uniformizado o seguinte entendimento:
PEDIDO DE UNIFORMIZAÇÃO REGIONAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DE SEGURADO. GOZO DE BENEFÍCIO. TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. ART. 15, I, DA LEI 8.213/91. APLICABILIDADE. RECURSO IMPROVIDO. 1. Uniformizada a tese de no sentido de que “a previsão legal de manutenção da qualidade de segurado, contida no art. 15, I, da Lei 8.213/91, inclui os benefícios deferidos em caráter provisório, inclusive os implantados por força de tutela antecipada”. 5. Pedido de Uniformização improvido. (5019682-24.2012.404.7100, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator para Acórdão HENRIQUE LUIZ HARTMANN, juntado aos autos em 25/06/2015, com grifos acrescidos)
Em âmbito nacional, o assunto também ensejou pronunciamento do Poder Judiciário.
TNU julgou representativo de controvérsia
A matéria foi objeto de apreciação pela Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais (TNU), julgada no dia 19/06/2020 sob a sistemática de recurso representativo de controvérsia (Tema 245).
O julgamento foi favorável aos segurados!
Esta é a tese fixada pela TNU no representativo:
A invalidação do ato de concessão de benefício previdenciário não impede a aplicação do art. 15, I da Lei 8.213/91 ao segurado de boa-fé.
Li atentamente o voto vencedor, lavrado pelo brilhante jurista Fábio de Souza Silva, por quem tenho muita admiração.
Confiança legítima e segurança jurídica
A técnica jurídica empregada no julgamento é fantástica! A fundamentação traz como “norte” o princípio da confiança legítima, o qual é uma consequência de outro princípio: o da segurança jurídica.
Faço questão de transcrever trecho final do julgamento:
Se houve a concessão do benefício, por decisão administrativa ou judicial, foram estabelecidas condições para que o segurado confie no atuar do Poder Público, criando-se legítima expectativa de fruição dos efeitos do ato concessório. Por isso, em nome da segurança jurídica, em caso de invalidação do ato, deve ser aplicado o art. 15, I da Lei 8.213/91, sob pena de se atribuir ônus desproporcional ao segurado, o que afronta a previsão do parágrafo único, do art. 21, da LIND, além de toda a base principiológica citada.
Trata-se de decisão importantíssima em campo previdenciário!
Recomendo a todos(as) que seja feita a leitura completa do julgamento.
A tese fixada não protegerá apenas o segurado, mas também seus eventuais dependentes.
Imagine novamente Roberto: após ter recebido auxílio-doença por quatro anos, vem a óbito no mês posterior à cessação. Se fosse inaplicável ao caso o artigo 15, I da Lei nº 8.213/91, os possíveis dependentes de Roberto não teriam direito à pensão por morte, pois não haveria qualidade de segurado no momento do óbito.
Conforme mencionei acima, a repercussão é enorme.
Aqui, disponibilizo um modelo de petição inicial relacionado ao caso.
Bom trabalho e um forte abraço!!
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