O tema deste artigo nos remete à realidade de uma categoria específica de profissional: motorista de aplicativo, e suas nuances entre ser celetista, ser pessoa jurídica, ser prestador de serviços como pessoa física, e seus reflexos em um benefício previdenciário específico: pensão por morte

Para nossa reflexão sobre um assunto tão delicado, e sem pretensão de esgotá-lo, vamos primeiro entender as formas de prestação de serviços e suas tributações previdenciárias, as relações que se firmam com as empresas de aplicativos de transporte e por fim, quais os requisitos necessários para se habilitar um dependente previdenciário à correspondente prestação, pensão por morte. 

Das plataformas de aplicativo 

Segundo dados extraídos do Portal Sebrae, o serviço de entrega por aplicativo “engloba transporte de passageiros e também comida e outros itens”. Ainda, segundo a pesquisa citada, as “plataformas mais conhecidas, como Uber, 99, e Cabify (passageiros), e Rappi, Uber Eats e iFood (delivery), oferecem diferentes modelos de parceria.” 

Outro dado importante: para habilitar o motorista de aplicativo é necessário:  

  1. possuir Carteira Nacional de Habilitação (CNH) na categoria B ou superior e respectiva habilitação para atividade remunerada;  
  2. um veículo que atenda aos requisitos de idade e características exigidas pelo DETRAN e legislação pertinente;  
  3. Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo (CRLV) em dia; e, dependendo da legislação local,  
  4. apresentar certidão negativa de antecedentes criminais. 

Pois bem, superadas as questões administrativas, a análise e atual discussão é sobre a forma da prestação de serviços: se é (ou não) empregado da empresa de aplicativo, o que gera diferentes reflexos no trato trabalhista e previdenciário. 

Motorista de aplicativo é empregado celetista?  

Requisitos legais para caracterização do empregado 

Para compreendermos a caracterização da figura do empregado, temos o artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho, CLT, que dispõe: “Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.” 

Por sua vez, considera-se empregador, nos termos do artigo 2º também da CLT “a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.” 

Em resumo, temos a figura do empregado quando temos reunidos: 1. Uma pessoa física, 2. Prestação de serviços de natureza não eventual a empregador, 3. Dependência (compreendido como subordinação) e 4. remuneração. 

Num exemplo rápido:  

João da Silva é pessoa física, contratado como motorista de carga para a empresa MFA Produtos Naturais; foi contratado pelo empregador para uma jornada 44 horas semanais, de segunda a sexta-feira, de acordo com as normas da empresa e com remuneração previamente combinada. 

Nessa relação hipotética descrita, estamos diante da figura do empregado, que ao prestar serviços para pessoa jurídica, gozará de toda a proteção prevista na legislação trabalhista, fundiária e previdenciária.  

Agora, vamos mudar alguns dados desse exemplo:  

João da Silva, pessoa física, presta serviços diariamente como motorista de aplicativo, a uma plataforma de transportes de pessoas, “MFA Leva e Trás”; ele deve atender às políticas da empresa, prestando contas a essa plataforma da relação com o passageiro transportado entre outros; e é remunerado de acordo com o que foi acordado: um percentual sobre o valor da corrida, valor este estipulado pela MFA. 

Aqui também temos a figura da pessoa física, com certa dependência com a plataforma, uma vez que não pode inovar em padrões no valor da corrida, e por isso é remunerado. E fica a pergunta: neste caso, a empresa de aplicativo é reconhecida como empregador? Nessa hipótese, temos uma relação de emprego como prevista na CLT? 

Temos assim uma discussão, e separei apenas duas decisões, e assim seguiremos em reflexão, principalmente em como resolver demanda futura que envolva a prestação ao risco morte. 

– O entendimento do Tribunal Regional do Trabalho – TRT 

Em uma rápida pesquisa jurisprudencial, tomo como parâmetro o decidido num caso de improcedência de reconhecimento de vínculo empregatício entre a Reclamante e a empresa UBER. 

Nos autos do processo trabalhista, em grau recursal, o TRT da 4ª Região entendeu pela reforma do julgado de primeira instância, cuja ementa segue1

VÍNCULO DE EMPREGO. PRESENÇA DOS REQUISITOS LEGAIS. De acordo com o que preceitua o artigo 3º da CLT, sempre que uma pessoa física presta serviços de modo não eventual, com subordinação, pessoalidade e mediante salário, a outra pessoa, seja física ou jurídica, que se beneficia da atividade desenvolvida e assume os riscos do empreendimento (artigo 2º da CLT), tem-se configurada verdadeira relação de emprego. Demonstrado o efetivo preenchimento desses requisitos, justifica-se o reconhecimento do vínculo de emprego. Apelo provido. Retorno dos autos à origem.  

Na produção de provas testemunhais, foi ressaltado:   

  1. cadastro do motorista pelo aplicativo e  
  2. o motorista faz o seu horário e decide junto com o cliente qual percurso seguir entre outros.  

E foi o voto divergente, que impulsionou a reforma da decisão de primeira instância, esse de lavra do Exmo. Desembargador Marçal Henri dos Santos Figueiredo que a seguir cito:  

A sentença não reconhece o vínculo diante da autonomia do motorista de aplicativo. 

Entendo de modo diverso. A autonomia deixa de existir quando se percebe – e é fato público e notório -, que quem estabelece o preço do serviço é a UBER e também é ela quem recebe o valor, que depois é repassado ao motorista. 

O trabalho é realizado e remunerado por tarefa (levar o cliente do ponto “A” ao ponto “B”). E sendo por tarefa, não há falar em sujeição a honorário ou cumprimento de carga horária. 

Desimporta a pena de confissão do reclamante, na medida em que os fatos que levam ao vínculo são públicos e notórios e não se pode alvidar que houve o trabalho e a sua contraprestação.. 

Além disso, também é público e notório que após cada corrida os motoristas são avaliados, cujas “notas” são destinadas à UBER, que analisa o comportamento do motorista e até mesmo pode fazer cessar seu acesso à plataforma. 

Essa decisão é isolada e contrária ao decidido recentemente pelo Tribunal Superior do Trabalho, pela sua 4ª Turma, nos autos do AIRR 10575-88.2019.5.03.0003, com a seguinte Ementa: 

AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELA RECLAMANTE. ACÓRDÃO REGIONAL PUBLICADO NA VIGÊNCIA DAS LEIS Nºs 13.015/2014 E 13.467/2017. PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO. 

RELAÇÃO DE EMPREGO. RECONHECIMENTO DE VÍNCULO. TRABALHADOR AUTÔNOMO. MOTORISTA. APLICATIVO. UBER. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA. NÃO PROVIMENTO. 

Em resumo, a R. Turma não reconhece a figura do vínculo empregatício, exatamente pelo fato da autonomia e falta de ingerência da empresa de aplicativo na relação. 

– Tema 1.291 do Supremo Tribunal Federal – STF 

E exatamente por conta dessas divergências, que se faz necessário acompanhar o julgamento do 1.291 do Supremo Tribunal Federal (STF), admitido em sede de Repercussão Geral, que discute o “Reconhecimento de vínculo empregatício entre motorista de aplicativo de prestação de serviços de transporte e a empresa administradora de plataforma digital.” 

De relatoria do MINISTRO EDSON FACHIN, o recurso ainda não transitou em julgado e tem como caso principal o Recurso Extraordinário 14463362, e discussão com fundamento nos artigos 1º, IV; 5º, II, XIII; e 170, IV, da Constituição Federal. 

Devemos ter atenção ao que será decidido no mencionado Tema, cujos reflexos trabalhista e previdenciário impactarão e muito o cenário de muitos trabalhadores que ficaram sem proteção em situações de incapacidade parcial ou permanente, atingindo inclusive a situação de famílias cujos dependentes ficaram sem a proteção diante do evento morte. 

Se a decisão do Tema 1.291 do STF entender que há relação de emprego, teremos os seguintes reflexos trabalhistas:  

1 anotação do vínculo em carteira do trabalho;  

2 pagamento de salário e outros acréscimos como por exemplo, eventuais horas extras; 

3 depósitos do fundo de garantia entre outras garantias advindas de convenção coletiva. 

Ao se reconhecer o vínculo empregatício, teremos na esfera previdenciária: 

1 aumento no tempo de contribuição no patrimônio previdenciário do segurado(a) e com isso, a espera pela aposentadoria poderá ser antecipada; 

2 ao se reconhecer os salários de contribuição, o período básico de cálculo será revisado proporcionando também ganho no valor do benefício a ser pago; 

3 com o reconhecimento da relação empregatícia, o empregador é o responsável pelo recolhimento previdenciário, e por reflexo, a carência e a qualidade de segurado/manutenção também terão suas adequações. 

E assim, a proteção previdenciária se estenderá ao trabalhador, ora segurado do RGPS bem como ao seu conjunto de dependentes, tudo em conformidade com o disposto na Lei de Benefícios, n. 8.213/91 e seu Decreto Regulamentador, n. 3.048/99. 

Porém, se o STF entender que motorista de aplicativo não é empregado das plataformas para as quais o serviço é prestado, a relação previdenciária terá a figura do Contribuinte Individual, prestador de serviços para Pessoa Jurídica (empresas de aplicativos) e sem relação de emprego. 

E por isso é importante entender e enquadrar o motorista como Contribuinte Individual, para que ao recolher corretamente a sua contribuição previdenciária, garantirá diante do risco de morte, o benefício de pensão por morte ao conjunto de dependentes. 

Da condição de segurado do motorista de aplicativo 

Voltando ao modesto exemplo citado anteriormente, se João da Silva obtém o reconhecimento do vínculo empregatício na empresa MFA Leva a Trás, sua filiação no RGPS será como empregado, e o empregador será o responsável pelo recolhimento previdenciário, e estará sujeito aos demais encargos trabalhistas. 

Sua base de cálculo será a remuneração paga, devida ou creditada pelo “empregador” e caberá ao empregado gerenciar seu extrato previdenciário, pois caso a remuneração auferida fique inferior ao salário-mínimo, pode ser necessário um dos ajustes previstos no art. 19E do regulamento da Previdência Social. 

Todavia, se João da Silva não consegue o reconhecimento do seu vínculo empregatício, então assumirá o risco de sua atividade, e será enquadrado como Contribuinte Individual, nos moldes previstos no artigo 9º, parágrafo 15, inciso I do Decreto n. 3.048/99, devendo então proceder aos recolhimentos previdenciários.  

Nesse caso, sua base de cálculo será o valor que recebe da empresa de aplicativo, devendo também observar se esse salário de contribuição supera o valor do salário-mínimo, porque do contrário, também poderá proceder a um dos ajustes da complementação, agrupamento ou utilização do excedente, conforme previsão no Decreto n. 3.048/99, sob pena de não cômputo para fins de tempo de contribuição (artigo 195, par. 14 da Constituição Federal de 1988), bem como não será computado para carência, aquisição e manutenção da qualidade de segurado, e ainda, cálculo do salário de benefício, nos termos do já citado artigo 19E do regulamento da previdência social. 

Ao exercer sua atividade como motorista de aplicativo, por sua conta e risco, torna-se segurado obrigatório do INSS, na condição de Contribuinte Individual, e poderá escolher um dos modelos contributivos a seguir:   

– alíquota de 20% sobre o valor de sua remuneração e dessa forma poderá usufruir da aposentadoria por tempo de contribuição;  

– alíquota de 11% sobre uma base de cálculo fixa (salário mínimo), limitando-se o tipo de aposentadoria, que será apenas por idade) ou,  

–  alíquota de 5%, caso formalize seu atividade como MEI.  

Ao pagar sua contribuição previdenciária, obedecendo ao limite mínimo previsto em lei e regulamento, adquire sua condição de segurado(a), e dessa forma, esse requisito, qualidade de segurado, estará preenchido.  

Do benefício de pensão por morte 

Entre os riscos previstos constitucionalmente, está o evento morte (artigo 201, inciso V da CF/88), que combinado com os artigos 74 da Lei n. 8.213/91 e 105 e seguintes do Decreto n. 3.048/99, prevê ao conjunto de dependentes3 do segurado que falecer, o benefício de pensão por morte. 

Tanto a Lei quanto o Decreto estabelecem que para ter acesso ao benefício de pensão por morte, há a necessidade de que o instituidor do benefício tenha, na data do óbito, sua condição de segurado, pela ocorrência de uma das hipóteses a seguir:  

I – Contribuições ativas no RGPS, seja por meio de um contrato de trabalho formal ou por contribuições previdenciárias efetuadas pelo contribuinte individual ou segurado facultativo; 

II – em razão do instituidor do benefício de pensão por morte, ter usufruído, até o evento morte, de benefício programado (qualquer uma das aposentadorias) ou benefício de risco (benefício por incapacidade temporária ou permanente); 

III – por estar dentro do chamado período de graça4.  

Ao exercer sua atividade como motorista de aplicativo, e proceder aos recolhimentos de forma correta, naturalmente sua condição de segurado se mantém ativa, considerando-se inclusive o plano de recolhimento previdenciário como descrito anteriormente.  

Se o motorista de aplicativo é aposentado, sua condição de segurado está garantida e na ocorrência do seu óbito, seus dependentes terão o respectivo benefício de pensão por morte previdenciária.  

Pode ocorrer ainda, do motorista de aplicativo ter deixado de contribuir com o INSS, por questões de dificuldades financeiras ou até mesmo por ter cessado suas contribuições, Em qualquer uma destas situações, o sistema previdenciário garante por um lapso de tempo, a proteção social e assim, por 12, 24 ou 36 meses, no caso de entrega de benefício que exija qualidade de segurado (benefícios de risco, entre eles, o risco morte), o conjunto de dependentes terá a devida cobertura.  

Da carência previdenciária e o tempo de duração da pensão por morte 

Destaca-se ainda, que muito embora a legislação não exija carência mínima, qual seja, um número mínimo de meses para acessar o benefício de pensão pelo dependente, em se tratando de dependente esposo(a), companheiro(a), ainda que mesmo sexo, a Lei n. 8.213/91 traz, em seu artigo 77, algumas condições com relação à cessação do benefício:   

Art. 77. A pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais. 

[…] 

  • 1º Reverterá em favor dos demais a parte daquele cujo direito à pensão cessar. 
  • 2º O direito à percepção da cota individual cessará: 

[…] 

V – para cônjuge ou companheiro:   

[…] 

  1. b) em 4 (quatro) meses, se o óbito ocorrer sem que o segurado tenha vertido 18 (dezoito) contribuições mensais ou se o casamento ou a união estável tiverem sido iniciados em menos de 2 (dois) anos antes do óbito do segurado;  

Ou seja, caso esse motorista faleça sem ter vertido 18 contribuições ao sistema previdenciário, a pensão por morte será devida ao cônjuge/companheiro por apenas 4 meses. 

Nesse contexto da manutenção da qualidade de segurado(a) é importante esclarecer uma dúvida muito comum no dia a dia da advocacia, que exemplifico para melhor entendimento:  

João da Silva, tem sua primeira filiação como segurado Contribuinte Individual no RGPS, em razão de ter se cadastrado na empresa MFA Leva e Trás, como motorista de aplicativo, em janeiro/2021; pagou corretamente a competência 01/2021 em 15/02/2021; todavia, não contribuiu mais com o sistema e veio a óbito em 21 de março de 2025; nesse caso, o período de graça já excedeu todas as possibilidades legais: 1. Mais de doze meses da última contribuição previdenciária, conforme prevê o inciso I do artigo 15 da Lei n. 8.213/91; 2. Não faz prova de desemprego involuntário, nos termos dos parágrafos 1º e 2º da mesma lei, o que poderia elevar o período de graça em mais doze meses.  

Conclusão 

O conjunto de dependentes do Regime Geral de Previdência Social só terá proteção previdenciária diante do evento morte, se o instituidor do benefício ostentar no momento do óbito, a figura do segurado, ou, se presente algumas das hipóteses de manutenção da qualidade de segurado, conforme previsto nos artigos 15 da Lei de Benefícios e 16 do Regulamento da Previdência Social. 

Diante das discussões que envolvem os motoristas de aplicativo, se são empregados ou não das empresas de aplicativo, a fim de proteger seu conjunto de dependentes previdenciários, é de grande valia os recolhimentos previdenciários, assumidos pelo próprio, na condição de contribuinte individual, pois é a única forma de se adquirir e manter a qualidade de segurado, bem como, formar seu período básico de cálculo (PBC) para efeitos de cálculo do salário de benefício e que leva ao valor da renda mensal inicial.  

É de extrema importância a conscientização dessa categoria de profissional ter amplo conhecimento dos reflexos da ausência de recolhimento previdenciário, algo que pode ser ajustado a partir das contribuições previdenciárias. 

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