Experimente agora!
VoltarHome/Jurisprudência Previdenciária

PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10. 741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8. 472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE RENDA PER CAPTA FAMILIAR. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DA CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. INEXIGIBILIDADE DA COBRANÇA DE VALORES DEVIDOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. TRF3. 0042565-37.2017.4.03.9999

Data da publicação: 03/02/2021, 15:00:54

E M E N T A PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO. ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA. PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA). STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93, SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO DE LONGO PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE RENDA PER CAPTA FAMILIAR. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DA CESSAÇÃO DO BENEFÍCIO. INEXIGIBILIDADE DA COBRANÇA DE VALORES DEVIDOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ. APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. 1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo. 3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015. 4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia. 5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93. 6 – Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório. 7 - Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família. 8 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 27 de agosto de 2015 (ID 106230435 – p. 184/188), consignou o seguinte: "O Autor é portador do vírus HIV desde o ano de 2002 e perda auditiva. Apresentou atestado com CD4 = 209 céls/ml e carga viral 2976 cópias/ml. Assim, apresenta risco moderado de desenvolvimento de doenças oportunistas. Deste modo, tal condição, no momento do exame pericial, o incapacita total e temporariamente para o exercício de atividades laborativas.” Estimou um prazo de seis meses para a sua recuperação. 9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame. Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE: 26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010. 10 - A análise do impedimento de longo prazo, no caso da imunodeficiência adquirida, deve se dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu portador, do seu grau de escolaridade, do potencial exibido para recolocação profissional e reabilitação e, por fim, do ambiente profissional de convivência, eis que muitos dos portadores do vírus HIV, ainda que assintomáticos, não têm oportunidades de trabalho e são marginalizados pela sociedade, sofrendo com os constrangimentos, preconceitos e estigmas que giram em torno da doença; apresentam debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do coquetel que são submetidos, passam por diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas que dificultam o exercício de atividade laboral. 11 - Pois bem, no caso em apreço, o demandante sempre desempenhou atividades braçais (carpinteiro, borracheiro, mecânico e trabalhador rural – ID 106230435 – p. 207) e, provavelmente, vive em um ambiente social hostil a referida patologia, no qual a AIDS é estigmatizada, sobretudo, em razão do desconhecimento acerca de sua forma de transmissão, decorrente da própria condição socioeconômica das pessoas que fazem parte do seu convívio. 12 - Dessa forma, pelo diagnóstico apresentado, a falta de qualificação profissional, as últimas atividades remuneradas exercidas, o histórico laborativo indicativo da busca do autossustento por meio de sua força de trabalho e o ambiente profissional de convívio, tenho por presente o impedimento de longo prazo - já caracterizado desde o afastamento do requerente de sua última atividade remunerada, em 2002, quando contraiu o vírus. 13 - Corroborando esse mesmo raciocínio, cirúrgica a observação do parquet: “No que se refere à possibilidade referida pelo Sr. Perito da incapacidade cessar após seis meses de tratamento clínico no prazo de seis meses, a mesma não se concretizou no mundo dos fatos. A maior prova disso é o fato de que o próprio INSS concedeu administrativamente o benefício ao autor após a perícia, no curso da lide, com DIB em 12/04/2016 (fis. 211/212)”. 14 - A parte autora também demonstrou ser hipossuficiente para os fins de concessão do benefício ora em análise. 15 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa do demandante no dia 27 de abril de 2017 (ID 106230435, p. 205/207), informou que o autor, solteiro, morava sozinho e não havia qualquer indício de morar outra pessoa no local. 16 - Reside em imóvel financiado pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), de alvenaria, em péssimo estado de conservação. Todos os móveis e utensílios descritas são de modelos antigos e encontram-se em péssimo estado de conservação e higiene”. 17 - A renda do requerente, segundo o informado à assistente, decorria do valor do benefício assistencial que postula nesta demanda, no valor de 1 (um) salário mínimo, como visto, reconhecido administrativamente pelo INSS com data de início em 12/04/2016, o que, por si só, já seria suficiente para confirmar a sua hipossuficiência econômica. 18 - Não houve informação acerca do recebimento de qualquer tipo de auxílio de terceiros, do Poder Público ou de familiares. 19 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial de miserabilidade, de ½ (metade) de um salário mínimo. Na verdade, sequer renda existia, já que esta decorre do benefício assistencial ora vindicado. 20 - Consignou, ainda, a assistente social: “Diante dos fatos colhidos no presente estudo, concluímos a perícia socioeconómica e; tecnicamente, pode-se afirmar que o requerente JOCIMAR VENÂNCIO, embora seja um homem fisicamente saudável e com boa aparência, não possui nenhuma fonte de rendimentos próprios e depende única e exclusivamente do benefício assistencial que recebe atualmente, relatando não ter condições de laborar devido ao uso do coquetel para tratamento do HIV, que o deixa com fraqueza e vertigens, dentre outros desconfortos físicos” (ID 106230435 – p. 207). 21 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que a demandante se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo jus, portanto, ao beneplácito assistencial. 22 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência (AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 04/08/2015, DJe 14/08/2015). Assim, tendo em vista a apresentação do requerimento administrativo em 07/07/2003 (ID 106230435 – p. 28), a DIB deveria ser fixada em tal data. No entanto, como o pedido é de restabelecimento a partir da sua cessação indevida, é nesta data, 01/07/2014, que deve ser fixada, estendendo o pagamento das parcelas devidas até 11/04/2016, dia imediatamente anterior à nova concessão administrativa. Por óbvio que se apresentam inexigíveis as parcelas cobradas do demandante, referentes ao período de março a maio do ano de 2014, já que, como visto, a cessação do pagamento decorreu de análise equivocada da autarquia. 23 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento. 24 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as determinações legais e a jurisprudência dominante. 25 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37 da Lei nº 8.742/93. 26 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada moderadamente. 27 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente. (TRF 3ª Região, 7ª Turma, ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL, 0042565-37.2017.4.03.9999, Rel. Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO, julgado em 21/12/2020, Intimação via sistema DATA: 27/01/2021)



Processo
ApCiv - APELAÇÃO CÍVEL / SP

0042565-37.2017.4.03.9999

Relator(a)

Desembargador Federal CARLOS EDUARDO DELGADO

Órgão Julgador
7ª Turma

Data do Julgamento
21/12/2020

Data da Publicação/Fonte
Intimação via sistema DATA: 27/01/2021

Ementa


E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO.
ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA).
STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93,
SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA
MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO DE LONGO
PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE RENDA PER
CAPTA FAMILIAR. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DA CESSAÇÃO DO
BENEFÍCIO. INEXIGIBILIDADE DA COBRANÇA DE VALORES DEVIDOS. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA
PROCEDENTE.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
Jurisprudência/TRF3 - Acórdãos

3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em
decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 – Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão
do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
7 - Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
8 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 27 de
agosto de 2015 (ID 106230435 – p. 184/188), consignou o seguinte: "O Autor é portador do vírus
HIV desde o ano de 2002 e perda auditiva. Apresentou atestado com CD4 = 209 céls/ml e carga
viral 2976 cópias/ml. Assim, apresenta risco moderado de desenvolvimento de doenças
oportunistas. Deste modo, tal condição, no momento do exame pericial, o incapacita total e
temporariamente para o exercício de atividades laborativas.” Estimou um prazo de seis meses
para a sua recuperação.
9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73
(atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - A análise do impedimento de longo prazo, no caso da imunodeficiência adquirida, deve se
dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu portador, do seu grau de escolaridade, do
potencial exibido para recolocação profissional e reabilitação e, por fim, do ambiente profissional
de convivência, eis que muitos dos portadores do vírus HIV, ainda que assintomáticos, não têm
oportunidades de trabalho e são marginalizados pela sociedade, sofrendo com os
constrangimentos, preconceitos e estigmas que giram em torno da doença; apresentam
debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do coquetel que são submetidos, passam por
diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas que dificultam o exercício de atividade laboral.
11 - Pois bem, no caso em apreço, o demandante sempre desempenhou atividades braçais
(carpinteiro, borracheiro, mecânico e trabalhador rural – ID 106230435 – p. 207) e,
provavelmente, vive em um ambiente social hostil a referida patologia, no qual a AIDS é
estigmatizada, sobretudo, em razão do desconhecimento acerca de sua forma de transmissão,
decorrente da própria condição socioeconômica das pessoas que fazem parte do seu convívio.
12 - Dessa forma, pelo diagnóstico apresentado, a falta de qualificação profissional, as últimas

atividades remuneradas exercidas, o histórico laborativo indicativo da busca do autossustento por
meio de sua força de trabalho e o ambiente profissional de convívio, tenho por presente o
impedimento de longo prazo - já caracterizado desde o afastamento do requerente de sua última
atividade remunerada, em 2002, quando contraiu o vírus.
13 - Corroborando esse mesmo raciocínio, cirúrgica a observação do parquet: “No que se refere à
possibilidade referida pelo Sr. Perito da incapacidade cessar após seis meses de tratamento
clínico no prazo de seis meses, a mesma não se concretizou no mundo dos fatos. A maior prova
disso é o fato de que o próprio INSS concedeu administrativamente o benefício ao autor após a
perícia, no curso da lide, com DIB em 12/04/2016 (fis. 211/212)”.
14 - A parte autora também demonstrou ser hipossuficiente para os fins de concessão do
benefício ora em análise.
15 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa do demandante no dia 27
de abril de 2017 (ID 106230435, p. 205/207), informou que o autor, solteiro, morava sozinho e
não havia qualquer indício de morar outra pessoa no local.
16 - Reside em imóvel financiado pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e
Urbano), de alvenaria, em péssimo estado de conservação. Todos os móveis e utensílios
descritas são de modelos antigos e encontram-se em péssimo estado de conservação e higiene”.
17 - A renda do requerente, segundo o informado à assistente, decorria do valor do benefício
assistencial que postula nesta demanda, no valor de 1 (um) salário mínimo, como visto,
reconhecido administrativamente pelo INSS com data de início em 12/04/2016, o que, por si só, já
seria suficiente para confirmar a sua hipossuficiência econômica.
18 - Não houve informação acerca do recebimento de qualquer tipo de auxílio de terceiros, do
Poder Público ou de familiares.
19 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de ½ (metade) de um salário mínimo. Na verdade, sequer renda existia, já que
esta decorre do benefício assistencial ora vindicado.
20 - Consignou, ainda, a assistente social: “Diante dos fatos colhidos no presente estudo,
concluímos a perícia socioeconómica e; tecnicamente, pode-se afirmar que o requerente
JOCIMAR VENÂNCIO, embora seja um homem fisicamente saudável e com boa aparência, não
possui nenhuma fonte de rendimentos próprios e depende única e exclusivamente do benefício
assistencial que recebe atualmente, relatando não ter condições de laborar devido ao uso do
coquetel para tratamento do HIV, que o deixa com fraqueza e vertigens, dentre outros
desconfortos físicos” (ID 106230435 – p. 207).
21 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que a
demandante se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo jus,
portanto, ao beneplácito assistencial.
22 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na
data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência (AgRg
no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
04/08/2015, DJe 14/08/2015). Assim, tendo em vista a apresentação do requerimento
administrativo em 07/07/2003 (ID 106230435 – p. 28), a DIB deveria ser fixada em tal data. No
entanto, como o pedido é de restabelecimento a partir da sua cessação indevida, é nesta data,
01/07/2014, que deve ser fixada, estendendo o pagamento das parcelas devidas até 11/04/2016,
dia imediatamente anterior à nova concessão administrativa. Por óbvio que se apresentam
inexigíveis as parcelas cobradas do demandante, referentes ao período de março a maio do ano
de 2014, já que, como visto, a cessação do pagamento decorreu de análise equivocada da
autarquia.
23 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação

de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
24 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
25 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico
do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art.
37 da Lei nº 8.742/93.
26 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
27 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente.

Acórdao



APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0042565-37.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JOCIMAR VENANCIO

Advogado do(a) APELANTE: LUIZ FERNANDO PERES CURIA - SP348446-N

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS


OUTROS PARTICIPANTES:






APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0042565-37.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JOCIMAR VENANCIO
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ FERNANDO PERES CURIA - SP348446-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:




R E L A T Ó R I O

O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):

Trata-se de apelação interposta por JOCIMAR VENÂNCIO, em ação ajuizada em face do
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, objetivando a concessão de benefício
assistencial previsto no art. 203, V, da Constituição Federal.

A r. sentença julgou improcedente o pedido. Condenada a parte autora no pagamento dos
honorários advocatícios, arbitrados em 15% do valor da causa, suspensa a sua exigibilidade
diante da concessão da gratuidade da justiça (ID 106230452, p. 19/21).

Em razões recursais, a parte autora pugna pela reforma da sentença, ao fundamento de que
preenche os requisitos para a concessão do benefício ora vindicado (ID 106230452, p. 27/32).
Requer o restabelecimento do benefício desde 01/07/2014 (data da cessação administrativa) a
11/04/2016, além da declaração da inexigibilidade da restituição dos valores recebidos de março
a maio de 2014.

O INSS apresentou contrarrazões (ID 106230452, p. 34/35).

Devidamente processado o recurso, foram os autos remetidos a este Tribunal Regional Federal.

Parecer do Ministério Público Federal (ID 106230452, p. 49/55), no sentido do provimento do
apelo.

É o relatório.












APELAÇÃO CÍVEL (198) Nº0042565-37.2017.4.03.9999
RELATOR:Gab. 25 - DES. FED. CARLOS DELGADO
APELANTE: JOCIMAR VENANCIO
Advogado do(a) APELANTE: LUIZ FERNANDO PERES CURIA - SP348446-N
APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

OUTROS PARTICIPANTES:





V O T O
O EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS DELGADO
(RELATOR):

A República Federativa do Brasil, conforme disposto no art. 1º, III, da Constituição Federal, tem
como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana que, segundo José Afonso da
Silva, consiste em:

"um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o
direito à vida. 'Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos
fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa
humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-
constitucional e não uma qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido
da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de
direitos sociais, ou invocá-la para construir teoria do núcleo da personalidade individual,
ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana. Daí decorre que a ordem
econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará a
realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo
para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados formais, mas como
indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.'"
(Curso de Direito Constitucional Positivo. 13ª ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 106-107).

Para tornar efetivo este fundamento, diversos dispositivos foram contemplados na elaboração da
Carta Magna, dentre eles, o art. 7º, IV, que dispõe sobre as necessidades vitais básicas como
moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social
e o art. 203, que instituiu o benefício do amparo social, com a seguinte redação:

"A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à
seguridade social, e tem por objetivos:

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao
idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por
sua família, conforme dispuser a lei."

Entretanto, o supracitado inciso, por ser uma norma constitucional de eficácia limitada, dependia
da edição de uma norma posterior para produzir os seus efeitos, qual seja, a Lei nº 8.742, de 7 de
dezembro de 1993, regulamentada pelo Decreto nº 1.744, de 8 de dezembro de 1995 e,
posteriormente, pelo Decreto nº 6.214, de 26 de setembro de 2007.

O art. 20 da Lei Assistencial, com redação fornecida pela Lei nº 12.435/2011, e o art. 1º de seu
decreto regulamentar estabeleceram os requisitos para a concessão do benefício, quais sejam:
ser o requerente deficiente ou idoso, com 70 anos ou mais e que comprove não possuir meios de

prover a própria manutenção e nem tê-la provida por sua família. A idade mínima de 70 anos foi
reduzida para 67 anos, a partir de 1º de janeiro de 1998, pelo art. 1º da Lei nº 9.720/98 e,
posteriormente, para 65 anos, através do art. 34 da Lei nº 10.741 de 01 de outubro de 2003,
mantida, inclusive, por ocasião da edição da Lei nº 12.435, de 6 de julho de 2011.

Os mesmos dispositivos legais disciplinaram o que consideram como pessoa com deficiência,
família e ausência de condições de se manter ou de tê-la provida pela sua família.

Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para o trabalho, em decorrência de impedimentos
de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com
uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em
igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20, §2º, com a redação dada
pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.

O impedimento de longo prazo, a seu turno, é aquele que produz seus efeitos pelo prazo mínimo
de 2 (dois) anos (§10º).

A incapacidade exigida, por sua vez, não há que ser entendida como aquela que impeça a
execução de todos os atos da vida diária, para os quais se faria necessário o auxílio permanente
de terceiros, mas a impossibilidade de prover o seu sustento por meio do exercício de trabalho ou
ocupação remunerada.

Neste sentido, o entendimento do C. Superior Tribunal de Justiça, em julgado da lavra do Ministro
Relator Gilson Dipp (5ª Turma, REsp nº 360.202, 04.06.2002, DJU 01.07.2002, p. 377),
oportunidade em que se consignou: "O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida
laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da
ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do
benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação
continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de
locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador".

No que se refere à hipossuficiência econômica, a Medida Provisória nº 1.473-34, de 11.08.97,
transformada na Lei nº 9.720, em 30.11.98, alterou o conceito de família para considerar o
conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei nº 8.213/91, desde que vivendo sob o mesmo
teto. Com a superveniência da Lei nº 12.435/11, definiu-se, expressamente para os fins do art.
20, caput, da Lei Assistencial, ser a família composta pelo requerente, cônjuge ou companheiro,
os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e
enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto (art. 20, §1º).

Já no que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, anoto que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no
julgamento da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle
concentrado de constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.

O v. acórdão, cuja ementa ora transcrevo, transitou em julgado em 19.09.2013:

"Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da

Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V,
da Constituição da República, estabeleceu critérios para que o benefício mensal de um salário
mínimo fosse concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovassem não
possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º
da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal
na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a
manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita
seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo". O requisito financeiro estabelecido pela lei teve
sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente
miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto
constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo
Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Reclamação como
instrumento de (re)interpretação da decisão proferida em controle de constitucionalidade abstrato.
Preliminarmente, arguido o prejuízo da reclamação, em virtude do prévio julgamento dos recursos
extraordinários 580.963 e 567.985, o Tribunal, por maioria de votos, conheceu da reclamação. O
STF, no exercício da competência geral de fiscalizar a compatibilidade formal e material de
qualquer ato normativo com a Constituição, pode declarar a inconstitucionalidade,
incidentalmente, de normas tidas como fundamento da decisão ou do ato que é impugnado na
reclamação. Isso decorre da própria competência atribuída ao STF para exercer o denominado
controle difuso da constitucionalidade das leis e dos atos normativos. A oportunidade de
reapreciação das decisões tomadas em sede de controle abstrato de normas tende a surgir com
mais naturalidade e de forma mais recorrente no âmbito das reclamações. É no juízo
hermenêutico típico da reclamação - no "balançar de olhos" entre objeto e parâmetro da
reclamação - que surgirá com maior nitidez a oportunidade para evolução interpretativa no
controle de constitucionalidade. Com base na alegação de afronta a determinada decisão do STF,
o Tribunal poderá reapreciar e redefinir o conteúdo e o alcance de sua própria decisão. E,
inclusive, poderá ir além, superando total ou parcialmente a decisão-parâmetro da reclamação, se
entender que, em virtude de evolução hermenêutica, tal decisão não se coaduna mais com a
interpretação atual da Constituição. 4. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos
preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.
A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à
aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei
permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de contornar o critério objetivo e único
estipulado pela LOAS e avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes
idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais
elásticos para concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que
criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à
Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder
Executivo a conceder apoio financeiro a municípios que instituírem programas de garantia de
renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões
monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do
critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de
notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações
legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros
benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 5. Declaração de inconstitucionalidade
parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 6. Reclamação
constitucional julgada improcedente. (Rcl 4374, GILMAR MENDES, STF)"

Entretanto, interpretando tal decisão, chega-se à conclusão de que a Lei Assistencial, ao fixar a
renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de miserabilidade, não sendo vedado
comprovar a insuficiência de recursos para prover a manutenção do deficiente ou idoso por outros
meios de prova.

Tal entendimento descortina a possibilidade do exame do requisito atinente à hipossuficiência
econômica pelos já referidos "outros meios de prova".

A questão, inclusive, levou o Colendo Superior Tribunal de Justiça a sacramentar a discussão por
meio da apreciação da matéria em âmbito de recurso representativo de controvérsia repetitiva
assim ementado:

"RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO
PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA
CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA,
QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO
MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício
mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e
ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida
por sua família, conforme dispuser a lei.
2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe
que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de
deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua
renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.
(...)
5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se
comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la
provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou
seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior
a 1/4 do salário mínimo. 6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento
motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual
essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de
prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do
Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.
7. Recurso Especial provido."
(REsp nº 1.112.557/MG, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, Terceira Seção, DJ
20/11/2009). (grifos nossos)

No que pertine à exclusão, da renda do núcleo familiar, do valor do benefício assistencial
percebido pelo idoso, conforme disposto no art. 34, parágrafo único, da Lei nº 10.741/03, referido
tema revelou-se polêmico, por levantar a discussão acerca do discrímen em se considerar
somente o benefício assistencial para a exclusão referida, e não o benefício previdenciário de
qualquer natureza, desde que de igual importe; sustentava-se, então, que a ratio legis do artigo
em questão dizia respeito à irrelevância do valor para o cálculo referenciado e, bem por isso, não
havia justificativa plausível para a discriminação.

Estabelecido o dissenso inclusive perante o Superior Tribunal de Justiça, o mesmo se resolveu no

sentido, enfim, de se excluir do cálculo da renda familiar todo e qualquer benefício de valor
mínimo recebido por pessoa maior de 65 anos, em expressa aplicação analógica do contido no
art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.

Refiro-me, inicialmente, à Petição nº 7203/PE (Incidente de Uniformização de Jurisprudência),
apreciada pela 3ª Seção do STJ em 10 de agosto de 2011 (Rel. Ministra Maria Thereza de Assis
Moura) e, mais recentemente, ao Recurso Especial nº 1.355.052/SP, processado segundo o rito
do art. 543-C do CPC/73 e que porta a seguinte ementa:

"PREVIDENCIÁRIO. RECURSO REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. CONCESSÃO DE
BENEFÍCIO ASSISTENCIAL PREVISTO NA LEI N. 8.742/93 A PESSOA COM DEFICIÊNCIA.
AFERIÇÃO DA HIPOSSUFICIÊNCIA DO NÚCLEO FAMILIAR. RENDA PER CAPITA.
IMPOSSIBILIDADE DE SE COMPUTAR PARA ESSE FIM O BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO, NO
VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO, RECEBIDO POR IDOSO.
1. Recurso especial no qual se discute se o benefício previdenciário, recebido por idoso, no valor
de um salário mínimo, deve compor a renda familiar para fins de concessão ou não do benefício
de prestação mensal continuada a pessoa deficiente.
2. Com a finalidade para a qual é destinado o recurso especial submetido a julgamento pelo rito
do artigo 543-C do CPC, define-se: Aplica-se o parágrafo único do artigo 34 do Estatuto do Idoso
(Lei n. 10.741/03), por analogia, a pedido de benefício assistencial feito por pessoa com
deficiência a fim de que benefício previdenciário recebido por idoso, no valor de um salário
mínimo, não seja computado no cálculo da renda per capita prevista no artigo 20, § 3º, da Lei n.
8.742/93.
3. Recurso especial provido. Acórdão submetido à sistemática do § 7º do art. 543-C do Código de
Processo Civil e dos arts. 5º, II, e 6º, da Resolução STJ n. 08/2008.
(REsp nº 1.355.052/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, 1ª Seção, j. 25/02/2015, DJe
05/11/2015). (grifos nossos)

Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão do
benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.

Do caso concreto.

Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.

O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 27 de agosto
de 2015 (ID 106230435 – p. 184/188), consignou o seguinte:

"O Autor é portador do vírus HIV desde o ano de 2002 e perda auditiva. Apresentou atestado com
CD4 = 209 céls/ml e carga viral 2976 cópias/ml. Assim, apresenta risco moderado de
desenvolvimento de doenças oportunistas. Deste modo, tal condição, no momento do exame
pericial, o incapacita total e temporariamente para o exercício de atividades laborativas.” Estimou
um prazo de seis meses para a sua recuperação.


Assevero que o juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do
CPC/73 (atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o
destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.

Saliento que a análise do impedimento de longo prazo, no caso da imunodeficiência adquirida,
deve se dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu portador, do seu grau de
escolaridade, do potencial exibido para recolocação profissional e reabilitação e, por fim, do
ambiente profissional de convivência, eis que muitos dos portadores do vírus HIV, ainda que
assintomáticos, não têm oportunidades de trabalho e são marginalizados pela sociedade,
sofrendo com os constrangimentos, preconceitos e estigmas que giram em torno da doença;
apresentam debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do coquetel que são submetidos,
passam por diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas que dificultam o exercício de
atividade laboral.

Pois bem, no caso em apreço, verifico que o demandante sempre desempenhou atividades
braçais (carpinteiro, borracheiro, mecânico e trabalhador rural – ID 106230435 – p. 207) e,
provavelmente, vive em um ambiente social hostil a referida patologia, no qual a AIDS é
estigmatizada, sobretudo, em razão do desconhecimento acerca de sua forma de transmissão,
decorrente da própria condição socioeconômica das pessoas que fazem parte do seu convívio.

Dessa forma, ao meu sentir, pelo diagnóstico apresentado, a falta de qualificação profissional, as
últimas atividades remuneradas exercidas, o histórico laborativo indicativo da busca do
autossustento por meio de sua força de trabalho e o ambiente profissional de convívio, tenho por
presente o impedimento de longo prazo - já caracterizado desde o afastamento do requerente de
sua última atividade remunerada, em 2002, quando contraiu o vírus.

Corroborando esse mesmo raciocínio, cirúrgica a observação do parquet: “No que se refere à
possibilidade referida pelo Sr. Perito da incapacidade cessar após seis meses de tratamento
clínico no prazo de seis meses, a mesma não se concretizou no mundo dos fatos. A maior prova
disso é o fato de que o próprio INSS concedeu administrativamente o benefício ao autor após a
perícia, no curso da lide, com DIB em 12/04/2016 (fis. 211/212)”.

A parte autora também demonstrou ser hipossuficiente para os fins de concessão do benefício
ora em análise.

O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa do demandante no dia 27 de
abril de 2017 (ID 106230435, p. 205/207), informou que o autor, solteiro, morava sozinho e não
havia qualquer indício de morar outra pessoa no local.

Reside em imóvel financiado pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e
Urbano), de alvenaria, em péssimo estado de conservação. Todos os móveis e utensílios
descritas são de modelos antigos e encontram-se em péssimo estado de conservação e higiene”.

A renda do requerente, segundo o informado à assistente, decorria do valor do benefício
assistencial que postula nesta demanda, no valor de 1 (um) salário mínimo, como visto,

reconhecido administrativamente pelo INSS com data de início em 12/04/2016, o que, por si só, já
seria suficiente para confirmar a sua hipossuficiência econômica.

Não houve informação acerca do recebimento de qualquer tipo de auxílio de terceiros, do Poder
Público ou de familiares.

Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de ½ (metade) de um salário mínimo. Na verdade, sequer renda existia, já que
esta decorre do benefício assistencial ora vindicado.

Consignou, ainda, a assistente social: “Diante dos fatos colhidos no presente estudo, concluímos
a perícia socioeconómica e; tecnicamente, pode-se afirmar que o requerente JOCIMAR
VENÂNCIO, embora seja um homem fisicamente saudável e com boa aparência, não possui
nenhuma fonte de rendimentos próprios e depende única e exclusivamente do benefício
assistencial que recebe atualmente, relatando não ter condições de laborar devido ao uso do
coquetel para tratamento do HIV, que o deixa com fraqueza e vertigens, dentre outros
desconfortos físicos” (ID 106230435 – p. 207)

Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifico que a
demandante se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo jus,
portanto, ao beneplácito assistencial.

Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na data
do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência. Nessa
esteira, confira-se o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:

"PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. TERMO
INICIAL. REQUERIMENTO ADMINISTRATIVO.
1. Afasta-se a incidência da Súmula 7/STJ, porquanto o deslinde da controvérsia requer apenas a
análise de matéria exclusivamente de direito.
2. Nos termos da jurisprudência pacífica do STJ, o termo inicial para a concessão do benefício
assistencial de prestação continuada é a data do requerimento administrativo e, na sua ausência,
a partir da citação.
Agravo regimental improvido.
(AgRg no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado
em 04/08/2015, DJe 14/08/2015)."

Assim, tendo em vista a apresentação do requerimento administrativo em 07/07/2003 (ID
106230435 – p. 28), a DIB deveria ser fixada em tal data. No entanto, como o pedido é de
restabelecimento a partir da sua cessação indevida, é nesta data, 01/07/2014, que deve ser
fixada, estendendo o pagamento das parcelas devidas até 11/04/2016, dia imediatamente anterior
à nova concessão administrativa.

Por óbvio que se apresentam inexigíveis as parcelas cobradas do demandante, referentes ao
período de março a maio do ano de 2014, já que, como visto, a cessação do pagamento decorreu
de análise equivocada da autarquia.

A correção monetária dos valores em atraso deverá ser calculada de acordo com o Manual de

Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº
11.960/09, a partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a
sistemática da repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação
do IPCA-E, tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento

Os juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, devem ser fixados de acordo
com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir
as determinações legais e a jurisprudência dominante.

Saliento que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico do
Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art. 37
da Lei nº 8.742/93.

Arbitro os honorários advocatícios no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de acordo
com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação, consideradas as
parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma vez que, sendo as
condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a sociedade, a verba
honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada moderadamente.

Ante o exposto, dou provimento à apelação da parte autora para reformar a r. sentença e, com
isso, julgar procedente o pedido, condenando o INSS no restabelecimento e no pagamento dos
atrasados de benefício assistencial de prestação continuada, desde a data da sua cessação
indevida, ocorrida em 01/07/2014, até 11/04/2016, afastada a exigibilidade da cobrança dos
valores recebidos de março a maio de 2014, sendo que sobre os valores em atraso incidirá
correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos
índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo
com o mesmo Manual, além de condená-lo no pagamento de honorários advocatícios na ordem
de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença
de 1º grau de jurisdição.

É como voto.












E M E N T A
PROCESSUAL CIVIL. CONSTITUCIONAL. ASSISTÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO DE
PRESTAÇÃO CONTINUADA AO IDOSO E À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. ART. 203, V, DA
CONSTITUIÇÃO FEDERAL. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO PAGO AO IDOSO. EXCLUSÃO.

ART. 34, PARÁGRAFO ÚNICO, DA LEI Nº 10.741/03. APLICAÇÃO POR ANALOGIA.
PRECEDENTES JURISPRUDENCIAIS DO STJ (REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA).
STF. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO § 3º DO ART. 20 DA LEI Nº 8.472/93,
SEM PRONÚNCIA DE NULIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO ISOLADA. ANÁLISE DA
MISERABILIDADE EM CONJUNTO COM DEMAIS FATORES. IMPEDIMENTO DE LONGO
PRAZO. HIPOSSUFICIÊNCIA ECONÔMICA DEMONSTRADA. AUSÊNCIA DE RENDA PER
CAPTA FAMILIAR. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL DEVIDO. DIB. DATA DA CESSAÇÃO DO
BENEFÍCIO. INEXIGIBILIDADE DA COBRANÇA DE VALORES DEVIDOS. CORREÇÃO
MONETÁRIA. JUROS DE MORA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA 111 DO STJ.
APELAÇÃO DA PARTE AUTORA PROVIDA. SENTENÇA REFORMADA. AÇÃO JULGADA
PROCEDENTE.
1 - O art. 203, V, da Constituição Federal instituiu o benefício de amparo social, assegurando o
pagamento de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso que comprovem
não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
2 - A Lei nº 8.742/93 e seus decretos regulamentares estabeleceram os requisitos para a
concessão do benefício, a saber: pessoa deficiente ou idoso com 65 anos ou mais e que
comprove possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.
3 - Pessoa com deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho, em
decorrência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial,
os quais, em interação com uma ou mais barreiras, podem obstruir sua participação plena e
efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, na dicção do art. 20,
§2º, com a redação dada pela Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015.
4 - A Lei Assistencial, ao fixar a renda per capita, estabeleceu uma presunção da condição de
miserabilidade, não sendo vedado comprovar a insuficiência de recursos para prover a
manutenção do deficiente ou idoso por outros meios de prova. Precedente jurisprudencial do
Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso representativo de controvérsia.
5 - No que diz respeito ao limite de ¼ do salário mínimo per capita como critério objetivo para
comprovar a condição de miserabilidade, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento
da Reclamação nº 4374/PE, reapreciou a decisão proferida em sede de controle concentrado de
constitucionalidade (ADI nº 1.232-1/DF), declarando a inconstitucionalidade parcial, sem
pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93.
6 – Todavia, a mera aplicação do referido dispositivo não enseja, automaticamente, a concessão
do benefício, uma vez que o requisito da miserabilidade não pode ser analisado tão somente
levando-se em conta o valor per capita, sob pena de nos depararmos com decisões
completamente apartadas da realidade. Destarte, a ausência, ou presença, desta condição
econômica deve ser aferida por meio da análise de todo o conjunto probatório.
7 - Pleiteia a parte autora a concessão do benefício assistencial, uma vez que, segundo alega, é
incapaz e não possui condições de manter seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua
família.
8 - O profissional médico indicado pelo Juízo a quo, com base em exame realizado em 27 de
agosto de 2015 (ID 106230435 – p. 184/188), consignou o seguinte: "O Autor é portador do vírus
HIV desde o ano de 2002 e perda auditiva. Apresentou atestado com CD4 = 209 céls/ml e carga
viral 2976 cópias/ml. Assim, apresenta risco moderado de desenvolvimento de doenças
oportunistas. Deste modo, tal condição, no momento do exame pericial, o incapacita total e
temporariamente para o exercício de atividades laborativas.” Estimou um prazo de seis meses
para a sua recuperação.
9 - O juiz não está adstrito ao laudo pericial, nos termos do que dispõe o art. 436 do CPC/73
(atual art. 479 do CPC) e do princípio do livre convencimento motivado. Por ser o juiz o

destinatário das provas, a ele incumbe a valoração do conjunto probatório trazido a exame.
Precedentes: STJ, 4ª Turma, RESP nº 200802113000, Rel. Luis Felipe Salomão, DJE:
26/03/2013; AGA 200901317319, 1ª Turma, Rel. Arnaldo Esteves Lima, DJE. 12/11/2010.
10 - A análise do impedimento de longo prazo, no caso da imunodeficiência adquirida, deve se
dar à luz das ocupações funcionais habituais do seu portador, do seu grau de escolaridade, do
potencial exibido para recolocação profissional e reabilitação e, por fim, do ambiente profissional
de convivência, eis que muitos dos portadores do vírus HIV, ainda que assintomáticos, não têm
oportunidades de trabalho e são marginalizados pela sociedade, sofrendo com os
constrangimentos, preconceitos e estigmas que giram em torno da doença; apresentam
debilidades físicas e psicológicas; e, em razão do coquetel que são submetidos, passam por
diversos efeitos colaterais, com náuseas e fadigas que dificultam o exercício de atividade laboral.
11 - Pois bem, no caso em apreço, o demandante sempre desempenhou atividades braçais
(carpinteiro, borracheiro, mecânico e trabalhador rural – ID 106230435 – p. 207) e,
provavelmente, vive em um ambiente social hostil a referida patologia, no qual a AIDS é
estigmatizada, sobretudo, em razão do desconhecimento acerca de sua forma de transmissão,
decorrente da própria condição socioeconômica das pessoas que fazem parte do seu convívio.
12 - Dessa forma, pelo diagnóstico apresentado, a falta de qualificação profissional, as últimas
atividades remuneradas exercidas, o histórico laborativo indicativo da busca do autossustento por
meio de sua força de trabalho e o ambiente profissional de convívio, tenho por presente o
impedimento de longo prazo - já caracterizado desde o afastamento do requerente de sua última
atividade remunerada, em 2002, quando contraiu o vírus.
13 - Corroborando esse mesmo raciocínio, cirúrgica a observação do parquet: “No que se refere à
possibilidade referida pelo Sr. Perito da incapacidade cessar após seis meses de tratamento
clínico no prazo de seis meses, a mesma não se concretizou no mundo dos fatos. A maior prova
disso é o fato de que o próprio INSS concedeu administrativamente o benefício ao autor após a
perícia, no curso da lide, com DIB em 12/04/2016 (fis. 211/212)”.
14 - A parte autora também demonstrou ser hipossuficiente para os fins de concessão do
benefício ora em análise.
15 - O estudo social, elaborado com base em visita realizada na casa do demandante no dia 27
de abril de 2017 (ID 106230435, p. 205/207), informou que o autor, solteiro, morava sozinho e
não havia qualquer indício de morar outra pessoa no local.
16 - Reside em imóvel financiado pela CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e
Urbano), de alvenaria, em péssimo estado de conservação. Todos os móveis e utensílios
descritas são de modelos antigos e encontram-se em péssimo estado de conservação e higiene”.
17 - A renda do requerente, segundo o informado à assistente, decorria do valor do benefício
assistencial que postula nesta demanda, no valor de 1 (um) salário mínimo, como visto,
reconhecido administrativamente pelo INSS com data de início em 12/04/2016, o que, por si só, já
seria suficiente para confirmar a sua hipossuficiência econômica.
18 - Não houve informação acerca do recebimento de qualquer tipo de auxílio de terceiros, do
Poder Público ou de familiares.
19 - Nota-se, portanto, que a renda per capita familiar era inferior ao parâmetro jurisprudencial de
miserabilidade, de ½ (metade) de um salário mínimo. Na verdade, sequer renda existia, já que
esta decorre do benefício assistencial ora vindicado.
20 - Consignou, ainda, a assistente social: “Diante dos fatos colhidos no presente estudo,
concluímos a perícia socioeconómica e; tecnicamente, pode-se afirmar que o requerente
JOCIMAR VENÂNCIO, embora seja um homem fisicamente saudável e com boa aparência, não
possui nenhuma fonte de rendimentos próprios e depende única e exclusivamente do benefício
assistencial que recebe atualmente, relatando não ter condições de laborar devido ao uso do

coquetel para tratamento do HIV, que o deixa com fraqueza e vertigens, dentre outros
desconfortos físicos” (ID 106230435 – p. 207).
21 - Por todo o exposto, em minuciosa análise do conjunto fático probatório, verifica-se que a
demandante se enquadra na concepção legal de hipossuficiência econômica, fazendo jus,
portanto, ao beneplácito assistencial.
22 - Acerca do termo inicial do benefício, firmou-se consenso na jurisprudência que este se dá na
data do requerimento administrativo, se houver, ou na data da citação, na sua inexistência (AgRg
no REsp 1532015/SP, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em
04/08/2015, DJe 14/08/2015). Assim, tendo em vista a apresentação do requerimento
administrativo em 07/07/2003 (ID 106230435 – p. 28), a DIB deveria ser fixada em tal data. No
entanto, como o pedido é de restabelecimento a partir da sua cessação indevida, é nesta data,
01/07/2014, que deve ser fixada, estendendo o pagamento das parcelas devidas até 11/04/2016,
dia imediatamente anterior à nova concessão administrativa. Por óbvio que se apresentam
inexigíveis as parcelas cobradas do demandante, referentes ao período de março a maio do ano
de 2014, já que, como visto, a cessação do pagamento decorreu de análise equivocada da
autarquia.
23 - Correção monetária dos valores em atraso calculada de acordo com o Manual de Orientação
de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a
partir de quando será apurada, conforme julgamento proferido pelo C. STF, sob a sistemática da
repercussão geral (Tema nº 810 e RE nº 870.947/SE), pelos índices de variação do IPCA-E,
tendo em vista os efeitos ex tunc do mencionado pronunciamento.
24 - Juros de mora, incidentes até a expedição do ofício requisitório, fixados de acordo com o
Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, por refletir as
determinações legais e a jurisprudência dominante.
25 - Saliente-se que, não obstante tratar-se de benefício assistencial, deve ser observado o tópico
do Manual atinente aos benefícios previdenciários, a teor do disposto no parágrafo único do art.
37 da Lei nº 8.742/93.
26 - Honorários advocatícios arbitrados no percentual mínimo do §3º do artigo 85 do CPC, de
acordo com o inciso correspondente ao valor da condenação, após a devida liquidação,
consideradas as parcelas vencidas até a data da prolação da sentença (Súmula 111, STJ), uma
vez que, sendo as condenações pecuniárias da autarquia previdenciária suportadas por toda a
sociedade, a verba honorária deve, por imposição legal (art. 85, §2º, do CPC), ser fixada
moderadamente.
27 - Apelação da parte autora provida. Sentença reformada. Ação julgada procedente.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Sétima Turma, por
unanimidade, decidiu dar provimento à apelação da parte autora para reformar a r. sentença e,
com isso, julgar procedente o pedido, condenando o INSS no restabelecimento e no pagamento
dos atrasados de benefício assistencial de prestação continuada, desde a data da sua cessação
indevida, ocorrida em 01/07/2014, até 11/04/2016, afastada a exigibilidade da cobrança dos
valores recebidos de março a maio de 2014, sendo que sobre os valores em atraso incidirá
correção monetária de acordo com o Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos
na Justiça Federal até a promulgação da Lei nº 11.960/09, a partir de quando será apurada pelos
índices de variação do IPCA-E, e juros de mora até a expedição do ofício requisitório, de acordo
com o mesmo Manual, além de condená-lo no pagamento de honorários advocatícios na ordem
de 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença
de 1º grau de jurisdição, nos termos do relatório e voto que ficam fazendo parte integrante do
presente julgado.



Resumo Estruturado

VIDE EMENTA

O Prev já ajudou mais de 140 mil advogados em todo o Brasil.Faça cálculos ilimitados e utilize quantas petições quiser!

Experimente agora