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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TRF4. 5000791-36.2022.4.04.9999

Data da publicação: 30/04/2024, 07:00:59

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. 1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas. 2. Comprovado o tempo de serviço, é devida a revisão da aposentadoria por tempo de contribuição titularizada pelo autor, nos termos da sentença. 3. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do CPC/2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determina-se o cumprimento imediato do acórdão no tocante à revisão do benefício, a ser efetivada em 45 dias. (TRF4, AC 5000791-36.2022.4.04.9999, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 22/04/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000791-36.2022.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: VALDORI STEINHEUSER

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação contra sentença, publicada em 19-11-2021, na qual o magistrado a quo assim decidiu:

Ante o exposto, com fundamento no artigo 487, inciso I, do novo Código de Processo Civil, julgo procedente os pedidos formulados por VALDORI STEINHEUSER contra o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS e, em decorrência disso:

a) Declaro que o autor, no período compreendido entre 10/05/1974 a 31/12/1980, exerceu atividade rural e em regime de economia familiar, de modo que determino a averbação desse período para todos os fins na condição de segurado especial;

b) Condeno o INSS a revisar o benefício atualmente vigente (NB 166928346-9, DER 12/09/2018), tendo em vista o direito adquirido ao melhor benefício, com o acréscimo do tempo de labor rural em regime de economia familiar reconhecido no presente decisum;

c) Condeno a autarquia previdenciária a pagar à parte autora, de uma só vez, todos os valores devidos pela revisão do benefício, respeitada a prescrição quinquenal, bem como pagar as parcelas vincendas, com correção monetária e juros de mora conforme os parâmetros constantes da fundamentação da sentença.

d) Condeno a autarquia previdenciária observar o quadro mais favorável ao beneficiário, desde quando possível a aposentadoria proporcional, nos parâmetros fixados pelo STF em sede de Repercussão Geral, RE nº 630.501, respeitadas a decadência do direito à revisão e a prescrição quanto às prestações vencidas.

Condeno a autarquia previdenciária ré ainda ao pagamento dos honorários advocatícios, fixados no percentual mínimo previsto no art. 85, § 3º, do Código de Processo Civil sobre o valor das parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos da Súmula n. 111 do Superior Tribunal de Justiça e Súmula n. 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

No entanto, diante do que dispõe a Lei Estadual n. 17.654/2018, fica o ente público isento do pagamento das custas judiciais (art. 7º).

Considerando a eficácia dos provimentos fundados no artigo 497 do CPC, tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, aprioristicamente, a recurso com efeito suspensivo por se tratar de condenação de verba alimentar (art. 1.012, II, CPC/2015), determino o cumprimento do decisum no tocante à revisão do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias.

Sentença não sujeita à remessa necessária, haja vista que o quantum da condenação, claramente, não ultrapassa o limite previsto no art. 496, § 3º, I, do CPC/2015.

A Autarquia Previdenciária, em suas razões recursais, sustenta, em síntese, a ausência de comprovação, mediante início de prova material, do exercício de atividades rurais no período de 10-05-1974 a 31-12-1980.

Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Reexame necessário

Tendo sido o presente feito sentenciado na vigência do atual Diploma Processual Civil, não há falar em remessa oficial, porquanto foi interposto recurso voluntário pelo INSS, o que vai de encontro ao disposto no art. 496, § 1º, do vigente CPC. Com efeito, a redação do mencionado dispositivo é clara e inequívoca, não admitindo o seu texto outra interpretação, que seria ampliativa do condicionamento do trânsito em julgado da sentença ao reexame necessário. Trata-se de instituto excepcional e, sendo assim, há de ser restritivamente interpretado.

A propósito, Humberto Theodoro Júnior percucientemente observa que a novidade do CPC de 2015 é a supressão da superposição de remessa necessária e apelação. Se o recurso cabível já foi voluntariamente manifestado, o duplo grau já estará assegurado, não havendo necessidade de o juiz proceder à formalização da remessa oficial. (in Curso de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil, processo de conhecimento e procedimento comum. 57. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 1101).

Nesta exata linha de conta, colaciona-se o seguinte aresto do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

REEXAME NECESSÁRIO E APELAÇÃO CÍVEL. ACIDENTE DE TRABALHO. DESCABIMENTO DO DUPLO GRAU OBRIGATÓRIO DE JURISDIÇÃO. INCOMPATIBILIDADE LÓGICA ENTRE REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO FAZENDÁRIA NA SISTEMÁTICA PROCESSUAL NOVA (ART. 496, § 1º, DO CPC VIGENTE). REMESSA NÃO CONHECIDA. AUXÍLIO-ACIDENTE. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO NA ESPÉCIE. REDUÇÃO FUNCIONAL SUFICIENTEMENTE EVIDENCIADA. 1. Reexame necessário. De acordo com o artigo 496 ,§ 1º, do novo Código de Processo Civil, é descabida a coexistência de remessa necessária e recurso voluntariamente interposto pela Fazenda Pública. Com efeito, a nova codificação processual instituiu uma lógica clara de mútua exclusão dos institutos em referência, resumida pela sistemática segundo a qual só caberá remessa obrigatória se não houver apelação no prazo legal; em contrapartida, sobrevindo apelo fazendário, não haverá lugar para a remessa oficial. Precedentes doutrinários. Caso em que a apelação interposta pelo ente público dispensa o reexame oficioso da causa. Remessa necessária não conhecida. [...]. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. APELAÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NESTA, DESPROVIDA. (TJ/RS, 9ª Câmara Cível, Apelação e Reexame Necessário nº 70076942127, Rel. Des. Carlos Eduardo Richinitti, julg. 30-05-2018)

No mesmo sentido, inclusive, recentemente pronunciou-se esta Turma Julgadora:

PREVIDENCIÁRIO. REEXAME (DES)NECESSÁRIO. NÃO CABIMENTO EM CASO DE RECURSO DA FAZENDA PÚBLICA. CONCESSÃO DE AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS COMPROVADOS E NÃO QUESTIONADOS PELO APELANTE. ANULAÇÃO DA PERÍCIA. DESCABIMENTO. IMPUGNAÇÃO À PESSOA DO PERITO EM MOMENTO INOPORTUNO. PRECLUSÃO.

1. O reexame necessário é instituto de utilidade superada no processo civil diante da estruturação atual da Advocacia Pública, que inclusive percebe honorários advocatícios de sucumbência. Nada obstante, persiste positivado com aplicabilidade muito restrita. Considerada a redação do art. 496, § 1º, do NCPC, somente tem cabimento quando não houver apelação da Fazenda Pública. São incompatíveis e não convivem o apelo da Fazenda Pública e o reexame necessário, mera desconfiança em relação ao trabalho dos procuradores públicos, que compromete o tempo da Justiça, sobretudo da Federal.

2. Quatro são os requisitos para a concessão do benefício em tela: (a) qualidade de segurado do requerente; (b) cumprimento da carência de 12 contribuições mensais; (c) superveniência de moléstia incapacitante para o desenvolvimento de qualquer atividade que garanta a subsistência; e (d) caráter temporário da incapacidade.

3. In casu, pretendendo o INSS impugnar a nomeação do perito designado pelo juiz, deveria tê-lo feito, sob pena de preclusão, na primeira oportunidade em que tomou conhecimento de que a perícia seria realizada por aquele profissional. A impugnação do perito realizada após a perícia - a qual foi desfavorável ao Instituto - não tem o condão de afastar a preclusão.

4. Embora de acordo com o novo CPC não seja cabível agravo de instrumento da decisão interlocutória que rejeitou a impugnação do INSS ao perito, o que, em tese, poderia ensejar a aplicação do disposto no § 1º do art. 1.009, de modo a permitir que a matéria fosse reiterada em apelação, no caso, a referida impugnação ocorreu depois da realização da perícia, e não assim que o Instituto teve conhecimento de que a perícia seria realizada pelo profissional contestado, o que afasta a possibilidade de aplicação daquela regra. (TRF4, Nona Turma, Rel. Des. Federal Paulo Afonso Brum Vaz, unânime, julg. 12-12-2018).

Logo, conforme a regra da singularidade estabelecida pela nova Lei Adjetiva Civil, tendo sido, no caso, interposta apelação pela Autarquia Previdenciária, a hipótese que se apresenta é de não cabimento da remessa necessária.

Mérito

A controvérsia restringe-se ao reconhecimento do tempo de serviço rural, exercido em regime de economia familiar, no período de 10-05-1974 a 31-12-1980, com a consequente revisão do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição que o autor titula desde 12-09-2018.

Considerando que a presente demanda foi ajuizada em 17-12-2018, não transcorreu o prazo decadencial previsto no art. 103 da LBPS, assim como não há parcelas atingidas pela prescrição quinquenal.

Da atividade rural

Para a comprovação do tempo de atividade rural faz-se necessário início de prova material, não sendo admitida, via de regra, prova exclusivamente testemunhal (art. 55, § 3º, da Lei n. 8.213/91; Súmula 149 do STJ).

A respeito, está pacificado nos Tribunais que não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental (TRF4, AC n. 0021566-75.2013.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Celso Kipper, D.E. 27-05-2015; TRF4, AC n. 2003.04.01.009616-5, Terceira Seção, Rel. Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19-11-2009; TRF4, EAC n. 2002.04.01.025744-2, Terceira Seção, Rel. para o Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, j. em 14-06-2007; TRF4, EAC n. 2000.04.01.031228-6, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 09-11-2005).

Ademais, está pacificado que constituem prova material os documentos civis (STJ, AR n. 1166/SP, Rel. Min. Hamilton Carvalhido, Terceira Seção, DJU de 26-02-2007; TRF4, AC 5010621-36.2016.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, j. em 14-12-2016; TRF4, AC n. 2003.71.08.009120- 3, Quinta Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de 20-05-2008; TRF4, AMS n. 2005.70.01.002060-3, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJ de 31-05-2006) – tais como certificado de alistamento militar, certidões de casamento e de nascimento, dentre outros – em que consta a qualificação como agricultor tanto da parte autora como de membros do grupo parental. Assim, os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando integrantes do mesmo núcleo familiar, consubstanciam início de prova material do labor rural (Súmula 73 desta Corte).

No entanto, não existe consenso sobre o alcance temporal dos documentos, para efeitos probatórios, nem se há ou não necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado. Para chegar a uma conclusão, parece-me necessário averiguar a função da prova material na comprovação do tempo de serviço.

A prova material, conforme o caso, pode ser suficiente à comprovação do tempo de atividade rural, bastando, para exemplificar, citar a hipótese de registro contemporâneo em CTPS de contrato de trabalho como empregado rural. Em tal situação, não é necessária a inquirição de testemunhas para a comprovação do período registrado.

Na maioria dos casos que vêm a juízo, no entanto, a prova material não é suficiente à comprovação de tempo de trabalho, e havia a necessidade de ser corroborada por prova testemunhal. A propósito, jurisprudência de longa data sempre afirmou que o tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea [v. g., TRF4, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, EIAC 2000.04.01.107535-1/RS, j. em 08-09-2005, DJ 05-10-2005; TRF4, Terceira Seção, EIAC 1999.04.01.075012-1, j. em 10-11-2005, DJ 30-11-2005; STJ, REsp 1.348.633/SP, Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima, Primeira Seção, j. em 28-08-2013, DJe 05-12-2014 (Tema Repetitivo 638); STJ, Súmula 577; STJ, REsp 1.321.493/PR, Rel. Min. Herman Benjamin, Primeira Seção, j. em 10-10-2012, DJe 19-12-2012 (Tema Repetitivo 554); STJ, AgInt no AREsp 2.160526/SP, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, j. em 13-03-2023, DJe 16-03-2023].

Nesses casos, a prova material (ainda que incipiente) sempre teve a função de ancoragem da prova testemunhal, sabido que esta é flutuante, sujeita a esquecimentos, enganos e desvios de perspectiva. A prova material, portanto, serve de base, sustentação, pilar em que se apoia (apesar dos defeitos apontados) a então necessária prova testemunhal.

Em razão disso, sempre defendi que, no mais das vezes, não se pode averiguar os efeitos da prova material em relação a si mesma, devendo a análise recair sobre a prova material em relação à prova testemunhal, aos demais elementos dos autos e ao ambiente socioeconômico subjacente; em outras palavras, a análise deve ser conjunta. A consequência dessa premissa é que não se pode afirmar, a priori, que há necessidade de documento relativo ao início do período a ser comprovado, ou que a eficácia probatória do documento mais antigo deva retroagir um número limitado de anos. O alcance temporal da prova material dependerá do tipo de documento, da informação nele contida (havendo nuances conforme ela diga respeito à parte autora ou a outrem), da realidade fática presente nos autos ou que deles possa ser extraída e da realidade socioeconômica em que inseridos os fatos sob análise.

De certa forma, tudo o que foi dito até aqui permanece válido, embora seja necessária uma nova contextualização, à vista da inovação legislativa trazida pela MP n. 871, de 18-01-2019, convertida na Lei n. 13.846, de 18-06-2019, que alterou os artigos 106 e 55, § 3º, da LBPS, e acrescentou os artigos 38-A e 38- B, para considerar que o tempo de serviço rural será comprovado por autodeclaração do segurado, ratificada por entidades ou órgãos públicos credenciados. Ausente a ratificação, a autodeclaração deverá estar acompanhada de documentos hábeis a constituir início de prova material.

Em face disso, a jurisprudência dessa Corte passou a entender que a autodeclaração prestada pelo segurado é suficiente para, em cotejo com a prova material, autorizar o reconhecimento do tempo agrícola pretendido, sendo devida a oitiva de testemunhas apenas quando se mostre indispensável (AC n. 5023671-56.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, j. em 07-06-2022; AC n. 5023852-57.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Marcio Antônio Rocha, j. em 10-05-2022; AC n. 5003119-70.2021.4.04.9999, Nona Turma, Rel. Des. Federal Sebastião Ogê Muniz, j. em 08-04-2022; AC n. 5001363-77.2019.4.04.7127, Sexta Turma, Rel. Des. Federal Taís Schilling Ferraz, j. em 09-03-2022; AG n. 5031738-34.2021.4.04.0000, Sexta Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, j. em 22-09-2021).

A questão que ainda precisa ser respondida adequadamente é: quando a prova testemunhal permanece indispensável para a comprovação da atividade rural ou da condição de segurado especial?

Vislumbro, desde já, algumas situações em que a prova oral é indispensável à comprovação do tempo de atividade rural. Primeiramente, será indispensável sempre que o magistrado verificar algum ponto a ser melhor esclarecido, visando a completar lacunas da prova material (casos em que esta é escassa), dirimir contradições entre a autodeclaração e as provas materiais, ou destas entre si, para esclarecer dúvidas surgidas por elementos colhidos do CNIS ou PLENUS, para se certificar se a atividade rural era de fato essencial para a subsistência da família, se havia empregados permanentes, enfim, sempre que não houver prova suficiente para o reconhecimento pretendido, e desde que a prova oral possa suprir essa deficiência probatória, valendo-se o magistrado da faculdade-dever de determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito, nos termos do art. 370 do CPC.

Também poderá ser indispensável a prova testemunhal quando o pedido englobe o reconhecimento de atividade rural desenvolvida antes dos 12 anos de idade. Isso porque tal reconhecimento é possível desde que a prova da atividade do menor seja reforçada, mais robusta, demonstrando as atividades desempenhadas, as culturas plantadas ou os animais criados, de forma que seja possível avaliar, no regime de economia familiar, a essencialidade do trabalho rural desenvolvido pela criança para o sustento da família. Em outras palavras, “o tempo de serviço rural anterior aos 12 anos de idade pode ser reconhecido desde que haja prova inequívoca do efetivo exercício de trabalho rural pela parte autora e não apenas auxílio eventual ao grupo familiar” (TRF4, AC 5022088-36.2021.4.04.9999, Décima Turma, Rel. Des. Federal Luiz Fernando Wowk Penteado, j. em 22-03-2022). Ora, se há a necessidade de prova mais robusta ou inequívoca nesse sentido, não será suficiente, via de regra, a autodeclaração do segurado, tornando-se, no mais das vezes (salvo exceções), imprescindível a prova testemunhal.

Importante destacar a aplicabilidade do julgamento do IRDR n. 17 a casos em que há autodeclaração, houve dispensa de prova testemunhal e o conjunto probatório não permite o reconhecimento do período pleiteado.

Com efeito, no julgamento do IRDR n. 17, esta Corte fixou a seguinte tese jurídica:

Não é possível dispensar a produção de prova testemunhal em juízo, para comprovação de labor rural, quando houver prova oral colhida em justificação realizada no processo administrativo e o conjunto probatório não permitir o reconhecimento do período e/ou o deferimento do benefício previdenciário.

Ora, se já não era possível dispensar a prova oral mesmo quando houvesse tomada de depoimentos em justificação administrativa – insuficientes, no entanto, a permitir o reconhecimento do tempo rural –, da mesma forma aquela não poderá ser dispensada se o conjunto probatório, formado por início de prova material e autodeclaração, for também insuficiente para tal reconhecimento. A lógica que vingou naquele julgamento é inteiramente aplicável a esses últimos casos, pois as situações são similares.

Fixados os parâmetros de valoração da prova, passo ao exame da situação específica dos autos.

O autor pretende comprovar o labor rural no período de 10-05-1974 (12 anos) a 31-12-1980.

Para a comprovação da atividade rural, foram trazidos aos autos os seguintes documentos:

a) Cartão de registros de produtor em nome do autor, datado em 15-08-1985 (evento 1, CERT4, p. 3);

b) Carteira do Sindicato Rural em nome do autor, datada em 02-01-1982 (evento 1, CERT4, p. 4);

c) Certidão de casamento dos pais do autor, Martins Steinheuser e Santa Ana dos Passos, datada de 04-04-1959, em que o genitor está qualificado como lavrador (evento 1, DEC6, p. 7);

d) Declaração de exercício de atividade rural, emitida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Agricultores de Imbuia, em que consta que o autor exerceu atividades rurais no período de 10-05-1974 a 01-01-1985, como componente do grupo familiar do genitor, no Sítio Steinheuser Bracatinga (evento 1, DEC6, p. 1-3)

e) Fichas escolares em nome do autor, referente ao período de 01-03-1971 a 01-03-1973, em que consta a qualificação do genitor como lavrador (evento 1, DEC6 e DEC7);

f) Escritura publica de compra e venda de imóvel rural, datada de 16-10-1967, em que consta o genitor do autor, qualificado como lavrador, como adquirente do imóvel rural (evento 1, DEC7, p. 4-6);

g) Comprovante de pagamento de ITR, em nome do genitor do autor, referente aos exercícios de 1988 a 1989 (evento 1, DEC10, p. 5-6);

As testemunhas (evento 100) são uníssonas em afirmar o trabalho rural do demandante em regime de economia familiar, desde tenra idade, na propriedade da família, auxiliando os pais e os irmãos no cultivo rural, sem auxílio de empregados ou maquinário. Afirmam que o autor deixou a atividade campesina para ir à cidade quando já casado.

A certidão de casamento do autor, apresentada no evento 1, DEC14, p. 7, indica a realização em 30-05-1987.

Não se trata de reconhecer tempo de segurado especial sem documentos. Pelo contrário, há sim documentos nos autos comprovando as alegadas atividades pelo grupo familiar. O que se está dizendo, na esteira da remansosa jurisprudência deste Tribunal, é que não é necessária a apresentação de documentos para todos os anos pretendidos, presumindo-se a continuidade das atividades.

Reitero, nesse sentido, trecho da fundamentação do presente julgado:

A respeito, está pacificado nos Tribunais que não se exige comprovação documental ano a ano do período que se pretende comprovar, seja porque se deve presumir a continuidade nos períodos imediatamente próximos, sobretudo no período anterior à comprovação, à medida que a realidade em nosso país é a migração do meio rural ao urbano, e não o inverso, seja porque é inerente à informalidade do trabalho campesino a escassez documental (TRF - 4ª Região, AC n. 0021566-75.2013.4.04.9999, Sexta Turma, Rel. Des. Celso Kipper, D.E. 27-05-2015; TRF - 4ª Região, AC n. 2003.04.01.009616-5, Terceira Seção, Rel. Des. Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, D.E. de 19-11-2009; TRF - 4ª Região, EAC n. 2002.04.01.025744-2, Terceira Seção, Rel. para o Acórdão Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira, julgado em 14-06-2007; TRF - 4ª Região, EAC n. 2000.04.01.031228-6, Terceira Seção, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 09-11-2005).

Importa ainda observar que a própria Autarquia já reconheceu o tempo de serviço rural do demandante em período imediatamente posterior, qual seja, de 01-01-1981 a 31-12-1984 (evento 1, DEC16, p. 24), além do fato de que a emissão da CTPS e o registro do primeiro vínculo urbano do requerente deu-se somente no ano 1985 (evento 1, DEC13, p. 18), o que reforça a conclusão de que, nos anos anteriores, o demandante também vivia da exploração da atividade campesina.

Veja-se que, no período de 1974 a 1980, o autor possuía entre doze e dezoito anos de idade, faixa etária em que, usualmente, os dependentes residem na propriedade rural dos genitores e trabalham juntamente com estes na atividade campesina, sendo desarrazoado a exigência de apresentação de documentos como notas fiscais, recibos, contratos de arrendamento, financiamento ou qualificação formal em nome próprio. Diante desta circunstância, tenho que os documentos apresentados nos autos são aptos e convincentes à demonstração não somente da existência de propriedade rural pertencente ao seu genitor, mas também do exercício de atividade agrícola, os quais, em cotejo com a prova oral colhida, permitem concluir que o autor efetivamente participava da exploração da agricultura como forma de subsistência no intervalo postulado. Não se deve afastar, por tal motivo, a condição de segurado especial do requerente.

Diante disso, não merece prosperar a insurgência do INSS, devendo ser mantida a sentença quanto ao período rural reconhecido, bem como quanto à revisão da aposentadoria por tempo de contribuição que a parte autora titula.

Correção monetária e juros

A atualização monetária das parcelas vencidas deve observar o INPC no que se refere ao período compreendido entre 11-08-2006 e 08-12-2021, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp nº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterado após a conclusão do julgamento, pelo Plenário do STF, de todos os EDs opostos ao RE 870.947 (Tema 810 da repercussão geral), pois rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Quanto aos juros de mora, os quais são devidos a contar da citação, observo que, entre 29-06-2009 e 08-12-2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei n. 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).

A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".

Honorários advocatícios

Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 - STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.

Desse modo, tendo em conta os parâmetros dos §§ 2º, I a IV, e 3º, do artigo 85 do NCPC, bem como a probabilidade de o valor da condenação não ultrapassar o valor de 200 salários mínimos, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte), consoante as disposições do art. 85, § 3º, I, do NCPC, ficando ressalvado que, caso o montante da condenação venha a superar o limite mencionado, sobre o valor excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.

Doutra parte, considerando o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem assim recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g. ARE 971.774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. Edson Fachin, Primeira Turma, DJe 19-10-2016; ARE 964.330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgInt no AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp 1.357.561/MG, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, Terceira Turma, DJe de 19-04-2017), majoro a verba honorária para 12%, devendo ser observada a mesma proporção de majoração sobre eventual valor que exceder o limite de 200 salários-mínimos.

Custas

O INSS é isento do pagamento das custas judiciais na Justiça Federal, nos termos do art. 4º, I, da Lei n. 9.289/96, e na Justiça Estadual de Santa Catarina, a teor do que preceitua o art. 33, parágrafo primeiro, da Lei Complementar Estadual n. 156/97, com a redação dada pela Lei Complementar Estadual n. 729/2018.

Tutela específica

Na vigência do Código de Processo Civil de 1973, a Terceira Seção desta Corte, buscando dar efetividade ao disposto no art. 461, que dispunha acerca da tutela específica, firmou o entendimento de que o acórdão que concedesse benefício previdenciário e sujeito apenas a recurso especial e/ou extraordinário, em princípio, sem efeito suspensivo, ensejava o cumprimento imediato da determinação de implantar o benefício, independentemente do trânsito em julgado ou de requerimento específico da parte, em virtude da eficácia mandamental dos provimentos fundados no referido artigo (TRF4, 3ª Seção, Questão de Ordem na AC n. 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007).

Nesses termos, entendeu o Órgão Julgador que a parte correspondente à obrigação de fazer ensejava o cumprimento desde logo, enquanto a obrigação de pagar ficaria postergada para a fase executória.

O art. 497 do novo CPC, buscando dar efetividade ao processo, dispôs de forma similar à prevista no Código de 1973, razão pela qual o entendimento firmado pela Terceira Seção deste Tribunal, no julgamento da Questão de Ordem acima referida, mantém-se íntegro e atual.

Portanto, com fulcro no art. 497 do CPC, determino o cumprimento imediato do acórdão conforme os dados a seguir, a ser efetivado em 45 dias. Na hipótese de a parte autora já se encontrar em gozo de benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.

TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
CUMPRIMENTORevisar Benefício
NB
ESPÉCIE
DIB
DIPPrimeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
DCB
RMIA apurar
OBSERVAÇÕES

Requisite a Secretaria da Nona Turma o cumprimento da decisão à CEAB - Central Especializada de Análise de Benefícios.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à revisão do benefício via CEAB - Central Especializada de Análise de Benefícios.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004369121v15 e do código CRC 7829d9c7.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
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5000791-36.2022.4.04.9999
40004369121.V15


Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2024 04:00:59.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5000791-36.2022.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: VALDORI STEINHEUSER

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. REQUISITOS. ATIVIDADE RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL.

1. É devido o reconhecimento do tempo de serviço rural, em regime de economia familiar, quando comprovado mediante início de prova material corroborado por testemunhas.

2. Comprovado o tempo de serviço, é devida a revisão da aposentadoria por tempo de contribuição titularizada pelo autor, nos termos da sentença.

3. Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 497, caput, do CPC/2015, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo, determina-se o cumprimento imediato do acórdão no tocante à revisão do benefício, a ser efetivada em 45 dias.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS e determinar o cumprimento imediato do acórdão no tocante à revisão do benefício via CEAB - Central Especializada de Análise de Benefícios, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 12 de abril de 2024.



Documento eletrônico assinado por CELSO KIPPER, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004369122v4 e do código CRC 382abee5.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CELSO KIPPER
Data e Hora: 18/4/2024, às 19:6:9


5000791-36.2022.4.04.9999
40004369122 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2024 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 05/04/2024 A 12/04/2024

Apelação Cível Nº 5000791-36.2022.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal CELSO KIPPER

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): MARCUS VINICIUS AGUIAR MACEDO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: VALDORI STEINHEUSER

ADVOGADO(A): JOEL KORB (OAB SC032561)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 05/04/2024, às 00:00, a 12/04/2024, às 16:00, na sequência 503, disponibilizada no DE de 22/03/2024.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS E DETERMINAR O CUMPRIMENTO IMEDIATO DO ACÓRDÃO NO TOCANTE À REVISÃO DO BENEFÍCIO VIA CEAB - CENTRAL ESPECIALIZADA DE ANÁLISE DE BENEFÍCIOS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal CELSO KIPPER

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 30/04/2024 04:00:59.

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