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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. REQUISITO ATENDIDO. IRREPETIBILIDADE DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. TEMA 979 DO STJ. CONSECTÁRIOS LEGAIS. INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. TUTELA ESPECÍFICA. TRF4. 5000609-81.2022.4.04.7014

Data da publicação: 26/04/2024, 07:01:07

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. REQUISITO ATENDIDO. IRREPETIBILIDADE DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. TEMA 979 DO STJ. CONSECTÁRIOS LEGAIS. INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. TUTELA ESPECÍFICA. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. É devido o restabelecimento do benefício assistencial a pessoa com deficiência, visto o preenchimento dos requisitos necessários, à partir de 23/12/2021, data da cessação do benefício. 3. Conforme a tese definida no Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese de pagamento a maior decorrente de erro da administração, não cabe a restituição contra o beneficiário de boa-fé. 4. Deliberação sobre índices de correção monetária e juros de mora diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei nº 11.960/09, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante. 5. Invertida a sucumbência total, os honorários advocatícios são fixados em 10% sobre as parcelas vencidas. 6. Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC. (TRF4, AC 5000609-81.2022.4.04.7014, DÉCIMA TURMA, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 18/04/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gabinete do Des. Federal Penteado - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90019-395 - Fone: (51)3213-3282 - www.trf4.jus.br - Email: gpenteado@trf4.jus.br

Apelação Cível Nº 5000609-81.2022.4.04.7014/PR

RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

APELANTE: MARCELO TEIXEIRA DE LIMA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: MARIA IZABEL DE LIMA (Tutor) (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária, ajuizada contra o INSS, na qual a parte autora requer o restabelecimento do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência, a contar da data de cessação do benefício, ocorrido em 23/12/2021 (NB: 102.132.116-5) e a declaração de inexigibilidade dos débitos cobrados pelo INSS no valor de R$79.963,30.

Foi prolatada sentença (evento 80 - SENT1), em 01/06/2023, que julgou parcialmente procedente o pedido, cujo dispositivo foi lançado nos seguintes termos:

Ante o exposto, nos termos do inciso I do artigo 487 do CPC, resolvo o mérito e julgo improcedente o pedido de restabelecimento de benefício assistencial à pessoa deficiente (NB 102.132.116-5).

Julgo procedente o pedido da parte autora, para fins de declarar indevida a cobrança do valor de R$ 79.963,32 referente ao pagamento do benefício assistencial NB 102.132.116-5, e determinar ao INSS a suspensão dos atos administrativos direcionados à cobrança dos valores recebidos pelo autor no período de 28/1/2016 a 30/11/2021.

Condeno a parte autora ao pagamento das custas processuais, bem como honorários advocatícios sucumbenciais que arbitro em 10% do valor da causa atualizado, nos termos do artigo 85, parágrafos 2.º e 3.º, inciso I, do Código de Processo Civil.

Considerando a condição de beneficiária de justiça gratuita (evento 3), fica suspensa a exigibilidade dos honorários advocatícios sucumbenciais e custas, nos termos do artigo 12 da Lei n.º 1.060/50.

Sentença não sujeita a remessa necessária.

Extingo o processo, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Intimem-se.

1. Havendo interposição de recursos de apelação e adesivo, dê-se vista ao apelado para oferecimento de contrarrazões, no prazo legal.

2. Em seguida, remetam-se os autos ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

3. Após o trânsito em julgado, arquivem-se com as cautelas de estilo.

A parte autora apela sustentando, em síntese, que não deixou de preencher o critério quanto a vulnerabilidade social, cumprindo os requisitos necessários para que haja o restabelecimento do benefício. Por fim, requer a reforma da sentença.

Por sua vez, a Autarquia apela alegando que houve má-fé da parte autora, uma vez que não informou a mudança na renda familiar, devendo ser revertida a sentença e que seja determinado que a autora realize o ressarcimento da Autarquia.

Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos para este Tribunal.

VOTO

MÉRITO

BENEFÍCIO ASSISTENCIAL

O benefício assistencial encontra-se previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal e regulamentado pelo artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS), a qual foi alterada pela pelas Leis nº 9.720, de 30.11.1998, que reduziu o critério etário para 67 anos, e nº 10.741, de 01.10.2003 (Estatuto do Idoso), que reduziu movamente o critério etário para 65 anos. Sobrevieram, ainda, as Leis nº 12.435, de 06.07.2011, nº 12.470, de 31.08.2011 e Lei n.º 13.146/2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência).

Outrossim, novas alterações legislativas ocorreram em 2020 e 2021, ampliando o critério de miserabilidade, provisoriamente, no período de pandemia do COVID-19 e incluindo o art.20-A, resultando na seguinte redação:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja: (Redação dada pela Lei nº 13.982, de 2020)

I - igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo, até 31 de dezembro de 2020; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória.

§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada.

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS.

§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura.

§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.

§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo.

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos.

§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)

§ 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

§ 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

Art. 20-A. Em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário-mínimo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

§ 1º A ampliação de que trata o caput ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento, de acordo com os seguintes fatores, combinados entre si ou isoladamente: (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

I - o grau da deficiência; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

II - a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

III - as circunstâncias pessoais e ambientais e os fatores socioeconômicos e familiares que podem reduzir a funcionalidade e a plena participação social da pessoa com deficiência candidata ou do idoso; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

IV - o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 exclusivamente com gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS), ou com serviços não prestados pelo Serviço Único de Assistência Social (Suas), desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

§ 2º O grau da deficiência e o nível de perda de autonomia, representado pela dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária, de que tratam, respectivamente, os incisos I e II do § 1º deste artigo, serão aferidos, para a pessoa com deficiência, por meio de índices e instrumentos de avaliação funcional a serem desenvolvidos e adaptados para a realidade brasileira, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

§ 3º As circunstâncias pessoais e ambientais e os fatores socioeconômicos de que trata o inciso III do § 1º deste artigo levarão em consideração, observado o disposto nos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 2015, entre outros aspectos: (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

I - o grau de instrução e o nível educacional e cultural do candidato ao benefício; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

II - a acessibilidade e a adequação do local de residência à limitação funcional, as condições de moradia e habitabilidade, o saneamento básico e o entorno familiar e domiciliar; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

III - a existência e a disponibilidade de transporte público e de serviços públicos de saúde e de assistência social no local de residência do candidato ao benefício; (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

IV - a dependência do candidato ao benefício em relação ao uso de tecnologias assistivas; e (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

V - o número de pessoas que convivem com o candidato ao benefício e a coabitação com outro idoso ou pessoa com deficiência dependente de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos com tratamentos de saúde, médicos, fraldas, alimentos especiais e medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência, de que trata o inciso IV do § 1º deste artigo, será definido pelo Instituto Nacional do Seguro Social, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, conforme critérios definidos em regulamento, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, nos termos do referido regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

Por fim, a Lei nº 14.176, de 2021, alterou novamente o art.20, incluindo o art. 20-B e revogando o art.20-A:

Art. 20-A. (Revogado pela Lei nº 14.176, de 2021)

Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

I – o grau da deficiência;. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

§ 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

Portanto, nos termos da legislação vigente, cumpre ressaltar que o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do art. 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou de idoso (nesse caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e (b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

Saliente-se, por oportuno, que a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas com deficiência, consoante pacífica jurisprudência do STJ (v.g. STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002) e desta Corte (v.g. AC n. 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006).

Desse modo, a delimitação da incapacidade para a vida independente deve observar os seguintes aspectos: (a) não se exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou seja incapaz de se locomover; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene pessoal e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de se expressar ou se comunicar; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.

No que diz respeito ao requisito econômico, cabe ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça admitiu, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo (REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, 3ª Seção, DJe 20/11/2009). Posteriormente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao julgar, em 18/04/2013, a Reclamação nº 4374 e o Recurso Extraordinário nº 567985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto - ser a renda familiar mensal per capita inferior a um quarto do salário mínimo - está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade.

Assim, forçoso reconhecer que as despesas necessárias ao cuidado da parte autora como decorrentes de compra de medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família da parte demandante.

A propósito, a eventual percepção de recursos do Programa Bolsa Família, que, segundo consta no site do Ministério do Desenvolvimento Social e de Combate à Fome (http://www.mds.gov.br/bolsafamilia/), destina-se à "transferência direta de renda que beneficia famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza em todo o País" e "tem como foco de atuação os 16 milhões de brasileiros com renda familiar per capita inferior a R$ 70,00 mensais, e está baseado na garantia de renda, inclusão produtiva e no acesso aos serviços públicos", não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui prova indiciária acima de qualquer dúvida razoável de que a unidade familiar se encontra em situação de grave risco social.

Registre-se, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, ao julgar o Recurso Extraordinário 580.963/PR, em 17/04/2013, declarou a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei 10.741/03), o qual estabelecia que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e àquelas portadoras de deficiência. Segundo o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.

Dessa forma, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso, com 65 anos ou mais, a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima, ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC nº 2004.04.01.017568-9/PR, 3ª Seção, Relator Juiz Federal JOÃO BATISTA LAZZARI, unânime, D.E. de 02/07/2009). Ressalte-se que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.

CASO CONCRETO

A parte autora, atualmente com 30 anos de idade, pleiteia o restabelecimento do benefício na condição de pessoa com deficiência. Argumenta que sofre de doenças inflamatória do sistema nervoso central, meningite e retardo mental profundo e não tem meios de prover o seu sustendo ou de tê-lo provido por seus familiares.

Em relação ao requisito de deficiência que cause impedimento de longo prazo de natureza física, não há controvérsia, visto que o impedimento foi reconhecido na sentença e não há recurso da Autarquia quanto ao ponto.

Na decisão do juízo a quo, existe o entendimento que o autor não preenche o requisito de vulnerabilidade social em virtude do valor recebido pela sua genitora a título de pensão por morte.

Em 21/11/2022, foi realizado estudo socioeconômico na residência em que vive o requerente (Evento 63 - LAUDO1). Na ocasião, verificou-se que o grupo familiar é composto pelo autor e sua genitora de 62 anos de idade. A residência é própria, de alvenaria, possuindo três quartos, sala, cozinha, banheiro e garagem. Tem gastos fixos com alimentação, luz, água, gás e despesas médicas, totalizando cerca de R$ 2.530,00.

Ademais, que a renda do grupo familiar é oriunda da pensão por morte recebida pela genitora do autor no valor de um salário mínimo.

Ainda, a assistente-social discorre:

"Quanto o parecer socioeconômico afere-se que a renda auferida pela família provém do benefício de pensão por morte do genitor do Autor no valor de um salário-mínimo, considerando verba insuficiente para garantir a manutenção com dignidade da família. Nesse aspecto, é importante salientar que o Autor é totalmente incapaz dependente de cuidados de terceiros para se alimentar, se vestir, calçar, e fazer sua higienização, dessa forma a genitora não consegue trabalhar para complementar a renda familiar,sendo a genitora a única provedora da família, é importante ressaltar que é impossível falarmos em despesas somente destinadas à deficiência, quando se trata de uma família, pois como todas as outras famílias precisam de verba para alimentação, vestuário, água, energia, higiene, lazer e outras garantias de direito."

Assim, é possível identificar que a renda mensal per capita de 1/2 salário mínimo para o grupo familiar é adotado por esse juízo como critério para concessão do benefício, analisado outros elementos que caracterizem a vulnerabilidade social.

Logo, não obstante a renda per capita ultrapassar o mínimo estipulado em lei (um quarto do salário mínimo), a vulnerabilidade social pode ser relativizada, observando-se individualmente o contexto social do requerente. Assim, como dito nas considerações gerais, além da renda per capita, admite-se a utilização de outros meios probatórios para aferir a condição de hipossuficiência econômica familiar.

Dessa forma, avalio que a renda de um salário mínimo auferida pela genitora, não é suficiente para a subsistência digna do grupo familiar, haja vista que o autor é deficiente grave e a genitora passa todo o tempo nos cuidados do filho, já sendo uma senhora de idade e que reside apenas com o mesmo.

Portanto, atendidos os requisitos legais definidos pela Lei n.º 8.742/93, deve ser reconhecido o direito da parte autora ao restabelecimento do benefício de prestação continuada à pessoa com deficiência, a partir de 23/12/2021 (data da cessação do benefício), devendo ser reformada a sentença quanto ao ponto.

RESTITUIÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE

No que diz respeito à irrepetibilidade de valores, a sentença julgou procedente o pedido da parte autora. Com efeito, apesar dos argumentos apresentados pela Autarquia nas razões da contestação, a sentença deve ser mantida quanto ao ponto.

A possibilidade do INSS rever e anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que o tornem ilegais (buscando ou não a devolução de valores percebidos indevidamente) é consagrada nas Súmulas 346 e 473 do Supremo Tribunal Federal, passando posteriormente a contar com previsão legal expressa (artigo 53 da Lei nº 9.784/99 e art. 103-A, da Lei nº 8.213/91, introduzido pela Lei nº 10.839/04).

Entretanto, a simples má aplicação de norma jurídica, a interpretação equivocada e o erro da administração, por parte da Autarquia, não autoriza, por si só, a devolução de valores recebidos indevidamente a título de benefício previdenciário, já que, em tese, foram recebidos de boa-fé pelos segurados/beneficiários.

Sobre o assunto, recentemente, o STJ julgou o REsp 1381734/RN, sob a sistemática dos recursos repetitivos, sob a relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, o qual restou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. TEMA 979. ARTIGO 1.036 DO CPC/2015. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ARTIGOS 884 E 885 DO CÓDIGO CIVIL/2002. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA 211 DO STJ. ART. 115, II, DA LEI N. 8.213/1991. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE INTERPRETAÇÃO ERRÔNEA E MÁ APLICAÇÃO DA LEI. NÃO DEVOLUÇÃO. ERRO MATERIAL DA ADMINISTRAÇÃO. POSSIBILIDADE DE DEVOLUÇÃO SOMENTE NA HIPÓTESE DE ERRO EM QUE OS ELEMENTOS DO CASO CONCRETO NÃO PERMITAM CONCLUIR PELA INEQUÍVOCA PRESENÇA DA BOA-FÉ OBJETIVA.

1. Da admissão do recurso especial: Não se conhece do recurso especial quanto à alegada ofensa aos artigos 884 e 885 do Código Civil, pois não foram prequestionados. Aplica-se à hipótese o disposto no enunciado da Súmula 211 do STJ. O apelo especial que trata do dissídio também não comporta conhecimento, pois não indicou as circunstâncias que identifiquem ou assemelhem os precedentes colacionados e também por ausência de cotejo analítico e similitude entre as hipóteses apresentadas. Contudo, merece conhecimento o recurso quanto à suposta ofensa ao art. 115, II, da lei n. 8.213/1991.

2. Da limitação da tese proposta: A afetação do recurso em abstrato diz respeito à seguinte tese: Devolução ou não de valores recebidos de boa-fé, a título de benefício previdenciário, por força de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração da Previdência Social.

3. Irrepetibilidade de valores pagos pelo INSS em razão da errônea interpretação e/ou má aplicação da lei: O beneficiário não pode ser penalizado pela interpretação errônea ou má aplicação da lei previdenciária ao receber valor além do devido. Diz-se desse modo porque também é dever-poder da Administração bem interpretar a legislação que deve por ela ser aplicada no pagamento dos benefícios. Dentro dessa perspectiva, esta Corte Superior evoluiu a sua jurisprudência passando a adotar o entendimento no sentido de que, para a não devolução dos valores recebidos indevidamente pelo beneficiário da Previdência Social, é imprescindível que, além do caráter alimentar da verba e do princípio da irrepetibilidade do benefício, a presença da boa-fé objetiva daquele que recebe parcelas tidas por indevidas pela administração. Essas situações não refletem qualquer condição para que o cidadão comum compreenda de forma inequívoca que recebeu a maior o que não lhe era devido.

4. Repetição de valores pagos pelo INSS em razão de erro material da Administração previdenciária: No erro material, é necessário que se averigue em cada caso se os elementos objetivos levam à conclusão de que houve boa-fé do segurado no recebimento da verba. Vale dizer que em situações em que o homem médio consegue constatar a existência de erro, necessário se faz a devolução dos valores ao erário.

5. Do limite mensal para desconto a ser efetuado no benefício: O artigo 154, § 3º, do Decreto n. 3.048/1999 autoriza a Administração Previdenciária a proceder o desconto daquilo que pagou indevidamente; todavia, a dedução no benefício só deverá ocorrer quando se estiver diante de erro da administração. Nesse caso, caberá à Administração Previdenciária, ao instaurar o devido processo administrativo, observar as peculiaridades de cada caso concreto, com desconto no beneficio no percentual de até 30% (trinta por cento).

6. Tese a ser submetida ao Colegiado: Com relação aos pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis os valores, sendo legítimo o seu desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) do valor do benefício mensal, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

7. Modulação dos efeitos: Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão.

8. No caso concreto: Há previsão expressa quanto ao momento em que deverá ocorrer a cessação do benefício, não havendo margem para ilações quanto à impossibilidade de se estender o benefício para além da maioridade da beneficiária. Tratou-se, em verdade, de simples erro da administração na continuidade do pagamento da pensão, o que resulta na exigibilidade de tais valores, sob forma de ressarcimento ao erário, com descontos nos benefícios, tendo em vista o princípio da indisponibilidade do patrimônio público e em razão da vedação ao princípio do enriquecimento sem causa. Entretanto, em razão da modulação dos efeitos aqui definidos, deixa-se de efetuar o descontos dos valores recebidos indevidamente pelo segurado.

9. Dispositivo: Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, não provido. Acórdão sujeito ao regime previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015.

A tese fixada no Tema 979/STJ foi a seguinte:

Os pagamentos indevidos aos segurados decorrentes de erro administrativo (material ou operacional), não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração, são repetíveis, sendo legítimo o desconto no percentual de até 30% (trinta por cento) de valor do benefício pago ao segurado/beneficiário, ressalvada a hipótese em que o segurado, diante do caso concreto, comprova sua boa-fé objetiva, sobretudo com demonstração de que não lhe era possível constatar o pagamento indevido.

Ou seja, é cabível a devolução de valores quando os pagamentos forem feitos ao segurado por erro administrativo, não embasado em interpretação errônea ou equivocada da lei pela Administração. No entanto, exceção à regra ocorre quando o segurado comprovar a sua boa-fé objetiva, demonstrando que não tinha como constatar que o pagamento era incorreto.

Outrossim, a tese somente deverá ser aplicada aos processos distribuídos a partir da publicação do acórdão construído, conforme modulação dos efeitos:

Tem-se de rigor a modulação dos efeitos definidos neste representativo da controvérsia, em respeito à segurança jurídica e considerando o inafastável interesse social que permeia a questão sub examine, e a repercussão do tema que se amolda a centenas de processos sobrestados no Judiciário. Desse modo somente deve atingir os processos que tenham sido distribuídos, na primeira instância, a partir da publicação deste acórdão." (Acórdão publicado no DJe de 23/4/2021).

Contudo, conforme entendimento desta Turma, a modulação afasta a obrigatoriedade de sua incidência aos processos já em andamento, mas não impede a incidência da sua premissa jurídica referente à necessidade de aferição da boa-fé ou da má-fé, como pressuposto para decidir sobre repetibilidade dos valores recebidos (TRF4, AC n. 5001148-07.2018.4.04.7008/PR, Turma Regional suplementar do Paraná, Rel. Márcio Antônio Rocha, julg. em 10/08/2021).

Nesta linha há entendimento consolidado no âmbito deste Tribunal acerca da irrepetibilidade dos valores recebidos se o beneficiário agiu de boa-fé, em face de seu caráter alimentar. Vejamos:

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. REMESSA EX OFFICIO. INEXISTÊNCIA. AUDITORIA. AUXÍLIO-DOENÇA. FRAUDE NÃO DEMONSTRADA. RETOMADA DA CAPACIDADE LABORAL E RETORNO À ATIVIDADE LABORAL. NÃO COMPROVADAS. VALORES DEVIDOS E PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA. MAJORAÇÃO. 1. Hipótese em que a sentença não está sujeita à remessa ex officio, a teor do disposto no artigo 496, § 3º, I, do Código de Processo Civil. 2. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 3. A jurisprudência do STJ e também deste regional são uniformes no sentido de, em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não ser possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 4. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (...) (TRF4, AC 5010235-23.2014.4.04.7009, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator Des. Federal Fernando Quadros da Silva, 26/04/2021)

PREVIDENCIÁRIO. REVISÃO DE BENEFÍCIO. AUDITORIA. ERRO ADMINISTRATIVO. VALORES PERCEBIDOS DE BOA-FÉ. RESSARCIMENTO AO ERÁRIO. IMPOSSIBILIDADE. 1. A Administração possui o poder-dever de anular seus próprios atos, quando eivados de ilegalidade, assegurado o contraditório e ampla defesa. 2. Em face do princípio da irrepetibilidade e da natureza alimentar das parcelas, não é possível a restituição de valores pagos indevidamente a título de benefício previdenciário, por força de interpretação equivocada, má aplicação da lei ou erro administrativo, e cujo recebimento deu-se de boa-fé pelo segurado. 3. Admitida a relativização do art. 115, II, da Lei nº 8.213/1991 e art. 154, §3º, do Decreto nº 3.048/1999, considerando o caráter alimentar da verba e o recebimento de boa-fé pelo segurado, o que se traduz em mera interpretação conforme a Constituição Federal. (TRF4, AC 5005485-50.2015.4.04.7006, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 27/04/2021)

Com efeito, depreende-se que não houve nos autos demonstração de que o beneficiário ou seus representantes, tenham agido de má-fé.

Além da boa fé ser presumida, uma vez concedido o benefício de maneira regular, cabia ao INSS revisá-lo a cada dois anos, conforme dispõe o artigo 21, caput, da Lei 8.742/1993, in verbis:

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

No caso, em 2021, houve revisão administrativa para verificação da manutenção das condições que ensejaram a concessão do benefício da parte autora, que culminou com a sua suspensão. Não há indícios de omissão de informações no CadÚnico ou no relatório social.

Assim, ausente prova de má-fé, presume-se a boa-fé do segurado. Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. AUXÍLIO-DOENÇA. REQUISITOS. LAUDO TÉCNICO. INCAPACIDADE. DOENÇA PREEXISTENTE. NÃO CONFIGURAÇÃO. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. PRESTAÇÕES INACUMULÁVEIS. COMPENSAÇÃO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MAJORAÇÃO. TAXA ÚNICA DE SERVIÇOS JUDICIAIS. ISENÇÃO DE OFÍCIO. (...)4. Ao contrário da boa-fé, a má-fé não se presume. 5. Devem ser abatidos das prestações devidas na presente demanda os valores já adimplidos pelo INSS em razão de antecipação de tutela. 6. Nos casos em que a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do novo Código de Processo Civil) e que o recurso seja improvido, a verba honorária deve ser majorada em 20% sobre o percentual mínimo da primeira faixa (art. 85, § 3º, inciso I, do CPC/2015). 7. Havendo o feito tramitado perante a Justiça Estadual do Rio Grande do Sul e tendo em conta que a demanda foi ajuizada após 15/06/2015, o INSS está isento do pagamento da Taxa Única de Serviços Judiciais (art. 5º, inciso I, da Lei Estadual nº 14.634/14), mas obrigado a arcar com as despesas previstas nos parágrafos únicos dos artigos 2º e 5º da referida Lei. (TRF4, AC 5014793-16.2019.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALTAIR ANTONIO GREGÓRIO, juntado aos autos em 30/09/2020)

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. IRREPETIBILIDADE DOS VALORES RECEBIDOS. MÁ-FÉ NÃO COMPROVADA. INOVAÇÃO RECURSAL. NÃO CONHECIMENTO.

Hipótese em que se aplica ao caso o entendimento jurisprudencial já firmado em casos símiles, conforme precedentes antes transcritos, no sentido da irrepetibilidade dos valores recebidos a título de benefício previdenciário, na ausência de prova de má-fé do segurado, considerando-se que a má-fé deve ser provada, enquanto a boa-fé pode ser presumida. No caso, a alegação de possível fraude, ou conhecimento da ilicitude pelo segurado, somente foi aventada de fato na apelação. Portanto, tal matéria não foi submetida ao contraditório na fase de instrução, nem ao crivo do juízo de primeiro grau, não tendo sido decidida na sentença, motivo pelo qual não pode ser analisada pelo Tribunal, sob pena de supressão de instância, observando-se que não se trata de questão que deva ser examinada de ofício, e o recorrente não demonstra motivo de força maior que justifique a inovação, como exige o art. 1014 do Código de Processo Civil. Julgamento por maioria na forma do art. 942 do CPC. (TRF4, AC 5000272-23.2016.4.04.7008, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator para Acórdão MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 09/12/2021)

Dessa forma, não há fundamento para a repetição dos valores pretéritos recebidos indevidamente. A revisão somente poderá gerar efeitos futuros.

Até porque a presente decisão está a reconhecer a legalidade do benefício recebido pelo autor, não havendo, pois, fundamento para a restituição, sendo necessário a reforma da sentença quanto ao ponto.

CONSECTÁRIOS LEGAIS

Os consectários legais devem ser fixados nos termos que constam do Manual de Cálculos da Justiça Federal e, a partir da vigência da Lei nº 11.960/09 que alterou a redação do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, nos termos das teses firmadas pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 810 (RE 870.947/SE) e pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 905 (REsp 1.492.221/PR), ressalvada a aplicabilidade, pelo juízo da execução, de disposições legais posteriores que vierem a alterar os critérios atualmente vigentes (a título exemplificativo, a partir 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deverá ser observado o disposto no art. 3º da Emenda Constitucional n.º 113/2021: incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente).

CONSECTÁRIOS DA SUCUMBÊNCIA

HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

Reformada a sentença, inverto os ônus sucumbenciais totais e condeno o INSS ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre as prestações vencidas até a data da decisão de procedência (sentença ou acórdão), nos termos das Súmulas n.º 76 do Tribunal Regional Federal da 4ª Região e n.º 111 do Superior Tribunal de Justiça.

CUSTAS PROCESSUAIS

O INSS é isento do pagamento de custas processuais quando demandado no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96). Contudo, essa isenção não se aplica quando se tratar de demanda ajuizada perante a Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4).

TUTELA ESPECÍFICA - IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO

Em face da ausência de efeito suspensivo de qualquer outro recurso, é determinado ao INSS (obrigação de fazer) que implante ao segurado, a partir da competência atual, o benefício abaixo descrito, no prazo máximo de vinte (20) dias para cumprimento.

TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
CUMPRIMENTORestabelecer Benefício
NB1021321165
ESPÉCIE
DIB23/12/2021
DIPPrimeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
DCB
RMIA apurar
OBSERVAÇÕES

PREQUESTIONAMENTO

Restam prequestionados, para fins de acesso às instâncias recursais superiores, os dispositivos legais e constitucionais elencados pelas partes.

CONCLUSÃO

Apelação provida, para restabelecer o benefício assistencial a pessoa com deficiência, desde a cessação administrativa, ocorrida em 23/12/2021.

Apelação do INSS improvida.

Invertidos os ônus sucumbenciais.

Por fim, concedida a tutela específica e determinada a implantação do benefício.

DISPOSITIVO

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação e determinar o restabelecimento do benefício via CEAB e negar provimento a apelação do INSS.



Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004386327v7 e do código CRC 2564ac20.Informações adicionais da assinatura:
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TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

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Apelação Cível Nº 5000609-81.2022.4.04.7014/PR

RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

APELANTE: MARCELO TEIXEIRA DE LIMA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

APELANTE: MARIA IZABEL DE LIMA (Tutor) (AUTOR)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONDIÇÃO SOCIOECONÔMICA. REQUISITO ATENDIDO. IRREPETIBILIDADE DE VALORES RECEBIDOS DE BOA-FÉ. TEMA 979 DO STJ. CONSECTÁRIOS LEGAIS. INVERSÃO DO ÔNUS SUCUMBENCIAL. TUTELA ESPECÍFICA.

1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, de acordo com a redação original do artigo 20 da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, conforme redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

2. É devido o restabelecimento do benefício assistencial a pessoa com deficiência, visto o preenchimento dos requisitos necessários, à partir de 23/12/2021, data da cessação do benefício.

3. Conforme a tese definida no Tema 979 do Superior Tribunal de Justiça, na hipótese de pagamento a maior decorrente de erro da administração, não cabe a restituição contra o beneficiário de boa-fé.

4. Deliberação sobre índices de correção monetária e juros de mora diferida para a fase de cumprimento de sentença, a iniciar-se com a observância dos critérios da Lei nº 11.960/09, de modo a racionalizar o andamento do processo, permitindo-se a expedição de precatório pelo valor incontroverso, enquanto pendente, no Supremo Tribunal Federal, decisão sobre o tema com caráter geral e vinculante.

5. Invertida a sucumbência total, os honorários advocatícios são fixados em 10% sobre as parcelas vencidas.

6. Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do CPC.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação e determinar o restabelecimento do benefício via CEAB e negar provimento a apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 16 de abril de 2024.



Documento eletrônico assinado por LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004386328v3 e do código CRC 2c08d5a0.Informações adicionais da assinatura:
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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 09/04/2024 A 16/04/2024

Apelação Cível Nº 5000609-81.2022.4.04.7014/PR

RELATOR: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

PRESIDENTE: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES

APELANTE: MARCELO TEIXEIRA DE LIMA (Absolutamente Incapaz (Art. 3º CC)) (AUTOR)

ADVOGADO(A): SILVANA MARIA PICOLOTTO (OAB PR036984)

APELANTE: MARIA IZABEL DE LIMA (Tutor) (AUTOR)

ADVOGADO(A): SILVANA MARIA PICOLOTTO (OAB PR036984)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS (RÉU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 09/04/2024, às 00:00, a 16/04/2024, às 16:00, na sequência 328, disponibilizada no DE de 26/03/2024.

Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO E DETERMINAR O RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO VIA CEAB E NEGAR PROVIMENTO A APELAÇÃO DO INSS.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

SUZANA ROESSING

Secretária



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