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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. TRF4. 5005684-41.2020.4.04.9999

Data da publicação: 19/10/2021, 07:01:04

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA. 1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos. 2. Embora o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências. 3. Hipótese em que a documentação clínica juntada aos autos pela parte autora revela que a conclusão do jusperito está bastante dissociada do contexto laboral de magarefe. Isto porque nos atestados há efetivas indicações do médico assistente, ao longo dos anos, de que a autora não pode fazer esforços físicos e/ou laborais, necessitando manter-se afastada para tratamento das moléstias ortopédicas na coluna que lhe causam dores e impedem o exercício regular da sua atividade habitual. 4. Ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, a confirmação da existência das moléstias incapacitantes referidas na exordial (transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia, lumbago com ciática e dor lombar baixa: CID M51.1, M54.4 e M54.5), corroborada pela documentação clínica supra, associada às suas condições pessoais (magarefe e 53 anos de idade), demonstra a efetiva incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA desde 17-03-2016 (DCB do NB 611.891.428-5) até ulterior reavaliação clínica pelo INSS, descontados quaisquer valores recebidos na via administrativa pela mesma doença dentro do período abrangido pela condenação. (TRF4, AC 5005684-41.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 11/10/2021)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005684-41.2020.4.04.9999/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0300419-42.2016.8.24.0001/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: TEREZINHA APARECIDA DE AMARAT GALVAO

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta pela parte autora em face da sentença, publicada em 31-01-2019 (e. 2.42), que julgou improcedentes os pedidos de aposentadoria por incapacidade permanente ou auxílio por incapacidade temporária desde 17-03-2016 (DCB) em face de laudo pericial de médico especialista que considerou-lhe apta ao labor.

Em síntese, sustenta que preenche os requisitos necessários a sua concessão, ainda que o perito tenha entendido de forma contrária, porquanto a documentação clínica demonstra suficientemente a existência de incapacidade laborativa (e. 2.47). Portanto, requer a concessão de tutela antecipada e a reforma da sentença para o restabelecimento do auxílio por incapacidade temporária desde 17-03-2016 (DCB).

Juntou documentação clínica (e. 2.48-e. 2.52).

Embora intimado, o INSS não apresentou contrarrazões (e. 2.59).

Vieram os autos a esta Corte para julgamento.

É o relatório.

VOTO

Preliminar de competência

Preliminarmente à análise do mérito recursal, cumpre seja enfrentada a questão relativa à competência deste Tribunal para a apreciação do feito.

Compulsando os autos, não há elementos concretos, seja pela narrativa da exordial, seja pela documentação juntada, que apontem no sentido de se tratar de benefício decorrente de acidente de trabalho, ainda que o benefício concedido na via administrativa seja da espécie 91 (NB 611.891.428-5, cf. e. 2.12).

Por tais razões, e também baseado no entendimento do e. STJ de que "o pedido inicial deve ser interpretado em consonância com a pretensão deduzida, esta extraída da interpretação lógico-sistemática da exordial como um todo, e não apenas do capítulo relativo ao 'pedido" (STJ, REsp 1.104.357/RS, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, DJe de 05/03/12) e "a competência é definida com amparo na causa petendi e no pedido deduzido na demanda" (STJ, CC 128.982/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe de 05/12/2013) e, ainda, "é imprescindível para determinar a natureza do benefício-acidente o exame do substrato fático que ampara o pedido e a causa de pedir deduzidos em juízo" (STJ, CC 37.435/SC, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, DJ de 25/02/2004), entendo que a competência deste Tribunal para apreciação do recurso permanece hígida.

Exame do mérito

A parte autora (magarefe e 53 anos de idade atualmente) objetiva o restabelecimento de auxílio por incapacidade temporária desde 17-03-2016 (DCB do NB 611.891.428-5), decorrente de doenças ortopédicas (transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia, lumbago com ciática e dor lombar baixa: CID M51.1, M54.4 e M54.5), comprovadas pela seguinte documentação clínica:

a) (e. 2.15):

b) (e. 2.49, p. 1):

c) (e. 2.51):

Processado o feito, sobreveio sentença de improcedência (e. 2.41) em face de laudo pericial elaborado por médico especializado em ortopedia e traumatologia (Dr. Márcio Paz Telesca, CRMSC 9304) que considerou a autora apta ao labor (mídia do e. 5.1):

[...]

Quesitos das páginas 12 e 13 [...]

Quesito n. 1: Atualmente quadro de lombalgia, que é o sintoma referido pela parte autora: dor lombar.

Quesito n. 2: Sua condição não é incapacitante para atividade de auxiliar de produção.

Quesito n. 3: Relata que suas queixas iniciaram há cerca de 2 anos.

Quesito n. 4: Discopatia degenerativa é o processo de envelhecimento natural do disco, que é acompanhado de abaulamento do [...] fibroso, ou seja, vai cedendo a região periférica do disco [...] e é ruptura do anel fibroso. Quando esses discos começam a se alterar na parte da frente da coluna, diminuem a altura do disco e as articulações interapofisárias [...] começam a apresentar alterações degenerativas, também.

Quesito n. 5: Não há incapacidade.

6: Atestados do Dr. Francisco José Carvalho, Dr. Claudio [...] e Dr. Mauro Tibola: datados de junho/2014, agosto/15, setembro/15, setembro/15, março/16 e novembro/16; inclusive, nestes últimos dois, o Dr. Mauro Tibola indicou descompressão cirúrgica, o que dentro do quadro clínico que eu consigo observar hoje, eu discordo totalmente, também falando como um ortopedista e cirurgião de coluna.

Quesito 7: alterações degenerativas da coluna lombar associado ao sobrepeso do tronco que aumenta ainda mais a carga sobre os [...] e as articulações interapofisárias.

Quesito n. 8: A última atividade declarada, que foi realizada a partir de 2011, foi como auxiliar de produção em frigorífico.

Quesito n. 9: Quadro clínico estabilizado.

Quesito n. 10: Apta para a realização da sua atividade prévia.

Quesito n. 11: Não é relacionada ao trabalho.

Quesito n. 12: Com a perda de peso, fortalecimento muscular do tronco, realização de uma atividade física regular, ela pode ter uma vida praticamente sem maiores problemas.

[...]

Fl. 45, quesitos da Procuradoria-Geral Federal [...]

Quesito a) Lombalgia.

b) Sintoma de dor lombar, M54.5.

[...]

j) Não há incapacidade atual.

k) Baseado no exame físico da última perícia, foi mais ou menos o que eu consegui constatar hoje, também. Então, não havia incapacidade quando foi cessado o benefício.

l) Não há incapacidade nem parcial e nem permanente. [...]

n) Ela trouxe ressonância da coluna lombar, de agosto/2015, e foi feito avaliação da força e todos os [...] dos membros inferiores, teste de Lasègue, teste de [...], reflexos patelar e aquileu, mobilidade do tronco e não foi observado nenhum achado patológico atual.
[...]

Não obstante as considerações esposadas pelo expert, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015).

Assim, tendo a perícia certificado a existência da patologia alegada pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 375 do NCPC (O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.). Destaca-se que tal orientação vem prevalecendo no âmbito do Egrégio STJ ao ratificar, monocraticamente, decisões que levaram em consideração os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado para superar o laudo pericial (v.g. AREsp 1409049, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJ 21-02-2019).

Em recente estudo sobre a saúde ocupacional dos trabalhadores dos frigoríficos elaborado por Paulo Antonio Barros de Oliveira e Jussara Maria Rosa Mendes, (Processo de trabalho e condições de trabalho em frigoríficos de aves: relato de uma experiência de vigilância em saúde do trabalhador, disponível em https://www.scielo.br/pdf/csc/v19n12/1413-8123-csc-19-12-04627.pdf, acesso em 20 mai 2020), ficou bem demonstrada a dimensão do desgaste profissional dessa atividade:

Os trabalhadores atuam em uma sequência atroz, com um ritmo de produção de cadência elevada, determinando, consequentemente, um ritmo elevado do trabalho, que, por sua vez, ocasiona a prevalência de agravos relacionados com a repetitividade e a sobrecarga muscular. Aliado a este fator, há a predominância de um Sistema Taylorista-Fordista de produção, com todas as suas mazelas de fragmentação, baixa qualificação, atividades fixas e pouco variáveis, pouca remuneração e redução de todos os tempos mortos, monotonia, acumulação de tarefas desinteressantes, limitação dos contatos humanos, entre outros. Pode-se afirmar que nos dias atuais não é possível trabalhar mais rápido do já imposto.

Aliado a este quadro de modelo produtivo, temos o trabalho permanente em ambiente frio (até o máximo de 12º C), além do ruído elevado (frequentemente acima de 90 dB(A)), da exposição à umidade e a riscos biológicos (carne, glândulas, vísceras, sangue e fezes). Cabe ressaltar que as atividades, em sua grande maioria, são desenvolvidas em áreas refrigeradas, sempre com temperaturas inferiores aos 12ºC, nas quais nenhum equipamento de proteção individual (EPI) pode ser eficiente o bastante para proteger os trabalhadores das consequências de um ambiente insalubre, notadamente para as vias respiratórias. Neli, em seu estudo, identifica que a organização do trabalho fundada nos preceitos taylorista/fordista predominante no setor, foi acrescida or outras técnicas de organização da produção e do trabalho, inspiradas no modelo japonês ou toyotista, e que estão interferindo nas condições de saúde dos trabalhadores tanto física quanto psiquicamente. O crescimento de casos de LER (Lesão por Esforço Repetitivo) na categoria aparece de forma destacada como consequência18,19.

Outros riscos no processo produtivo são o forte constrangimento em relação às posturas inadequadas dos membros superiores, tronco e cabeça (elevação dos ombros, inclinação do tronco, extensão do pescoço) e ao trabalho estático. Isso ocorre devido à postura fixa de pé, como na linha de corte e desossa, e também ao trabalho dinâmico dos membros superiores e inferiores em outras atividades, como no transporte individual de cargas, no manuseio de peças de cortes, entre outras. Também há a exigência de força no manuseio de produtos que se sobrepõe à temperatura na qual eles precisam ser mantidos, entre 2° e 3°C na superfície do produto que está sendo manipulado.

E, por fim, ao trabalho preponderantemente em pé associam-se os espaços exíguos que impedem a livre movimentação em várias plantas, notadamente nas mais antigas. Além disso, a cadência elevada imposta pela gerência, que escolhe a velocidade das máquinas, leva à quase impossibilidade de os trabalhadores determinarem o ritmo e exercerem seus direitos a pausas. Em alguns casos, chega-se a identificar um volume de movimentos repetitivos assustadores, como no cortar e abrir as coxas/sobrecoxas da carcaça. Nesta atividade, foi identificada, em um único trabalhador, a produção de 17 frangos por minuto, com quatro movimentos por frango (três cortes), totalizando 68 movimentos por minuto, 4.080 movimentos por hora, 35.000 movimentos por dia. Já a atividade de separação da coxa e da sobrecoxa desossada, com ambas as mãos, resultou em 30 peças por minuto, com quatro movimentos por peça, totalizando, desta forma, 120 movimentos por minuto, 7.200 movimentos por hora, e 63.000 movimentos por dia1. Sobrepõe-se a esta sobrecarga biomecânica o estresse da gestão do trabalho que usa estratégias rígidas, que impõe metas sobredimensionadas, que levam a sobrecargas psicofisiológicas que interferem em suas capacidades sensitivas, motoras, psíquicas e cognitivas, destacando, entre outras, questões relativas aos reflexos, à postura, ao equilíbrio, à coordenação motora e aos mecanismos de execução dos movimentos que variam intra e inter indivíduos. Como agravantes desse modelo produtivo temos ainda a omissão em reduzir os riscos, por parte do corpo técnico das empresas, que não correlacionam o ritmo excessivo, a ausência de pausas e o elevado tempo de exposição, com jornadas de até 15 horas, resultando em agravos de saúde de seus trabalhadores.

Diante disso, é preciso asseverar que o princípio da prevenção- precaução está direcionado para proteger bens jurídicos de hierarquia constitucional: vida e saúde. E aqui, ao contrário do que se tem corriqueiramente, não há outro bem jurídico que esteja a periclitar diante desses. Não há qualquer colidência de princípios ou direitos fundamentais. Ao contrário, a prevenção/precaução impõe-se como inafastável justamente na medida em que preserva o conteúdo essencial dos direitos humanos fundamentais e constitucionais à vida e à saúde. Note-se, por outro lado, que o princípio da precaução tem aplicabilidade quando existe a dúvida científica e a prevenção quando existe a certeza do dano. Esta diferença vai ter importância porque muitas vezes sequer a perícia consegue identificar a relação de causalidade entre a atividade desenvolvida pelo segurado e as patologias ou morbidades que o acometem.

Vale aqui destacar que seria uma violência contra o segurado, que exerce atividade que requer intenso esforço físico exigir-se que persista desempenhando trabalhos rudes e que exigem flexões posturais incompatíveis com suas patologias que são progressivas.

Com efeito, a parte autora é portadora de patologias que no seu conjunto (somadas) recomendam a cessação de determinadas atividades físicas (trabalho) que possam, pelo esforço ou tipo de movimento, levar ao agravamento ou mesmo à irreversibilidade do quadro sintomático, desencadeando a incapacidade definitiva. Sobre esse quadro fático, apurado pericialmente (não sendo, portanto, um palpite infeliz do juiz), é que vai incidir o enunciado do princípio da prevenção/precaução, consubstanciado na possibilidade (não certeza) de a continuidade do trabalho potencialmente agravar a patologia.

Me parece esta relação de causalidade foi deixada de lado pelos peritos, que negligenciaram no seu mister de auxiliar o juiz, deixando de prestar uma informação de capital importância ao deslinde do conflito. Perícias incompletas, que obrigam o juiz a avançar por uma seara que não tem o domínio seguro. Definir o que é tarefa do perito e o que é tarefa do juiz não é mister simplório quando se trata da definição da (in)capacidade.

O certo é que a prevenção/precaução, enquanto princípio superior de aplicação subjetiva e objetivamente universalizada, que deveria ter sido aplicada pelo perito, se não o for, resulta submetida ao juiz, ao qual é vedado declarar o non liquet, pois precisa decidir o indecidível (Luhmann).

Embora o juiz utilize a sua condição de ser-no-mundo, experiência, vivência e a tradição, como subsídios para encontrar a melhor compreensão da relação fato-direito, o ideal é que tais supostos sejam previamente manejados e avaliados pelo profissional médico, vale dizer, pelo próprio sistema sanitário (médico). A experiência, embora com ele não se confunda, sempre é subsídio do conhecimento científico. É, podemos dizer, um pressuposto inafastável para a ele se chegar. É isso que os peritos recusam: deixar-se levar pela experiência e a vivência como suportes do conhecimento científico que precisam ter, auscultando os sentidos das inconfundíveis observações individuais sobre o mesmo fenômeno como movimento dialético que altera o seu saber e respectivo objeto, e que precisam ser levados à tona e desvelados. Melhor dizendo, submetidos ao crivo do processo dialógico, para debate das partes e avaliação judicial. A experiência, enquanto essência histórica do homem, permite uma melhor aproximação com a coisa (mesma) como ela é.

Ao que vejo, faltou ao perito e ao juiz do caso um pouco mais de outridade (alteridade). A decisão judicial não precisa ser consequencialista apenas do ponto de vista econômico. O consequencialismo para valer é aquele que reflete as consequências da decisão em um sentido amplo (holístico). O segurado, como qualquer autor de uma demanda judicial, sofre os efeitos negativos e positivos da decisão judicial. A pergunta é: até que ponto se pode, respeitada a dignidade da pessoa, impingir ao segurado o castigo de ter que trabalhar com sofrimento, com dores, falta de forças e submetido a tratamentos fármacos (analgesia) que atenuem as dores resultantes de suas limitações para determinadas atividades, mas que sempre impõem efeitos colaterais graves?

Têm-se visto laudos periciais que asseveram ser possível o trabalho de rural, por exemplo, nada obstante os problemas sérios na coluna, mediante analgesia e fisioterapia, como se tais paliativos não tivessem custo e não demandassem tempo, muitas vezes incompatível como as condições e local de trabalho. Um vício dos mais graves das perícias está em referir o perito que “no momento da perícia o segurado não apresentou sintomas que pudessem induzir à incapacidade”. Quando assim age, o perito culmina por congelar (em uma fotografia!) o quadro como se as doenças não tivessem “antes”, “durante” e “depois” (passado, presente e futuro). Esta atitude apaga o passado, celebra o presente e mata o futuro.

Com efeito, a perícia é muito mais uma anamnese qualificada e estudo da patologia desde o seu início (instalação), progressão e projeção para o futuro (perspectiva de cura, estabilização ou avanço da doença), do que outra coisa. Perícias incompletas, vai-se repetir à exaustão, ao invés de ajudarem, tornam a decisão judicial mais complicada e, às vezes, impossível. Ao olvidar o futuro, conectado com o passado e o presente, o perito-médico atua de forma imprevidente. Vale dizer, sem a devida atenção aos princípios universais da prevenção/precaução. Não cogita os riscos (evitáveis) de sua decisão (laudo é tomada de decisão) na perspectiva daqueles que serão afetados por sua decisão (as consequências).

Também ao juiz, no seu decidir, revela-se imperdoável não inserir a variável prevenção/precaução dirigida a inibir ou atenuar os riscos de a decisão desencadear uma situação de prejuízo insuperável ao segurado que se encontre em vias de incapacidade. Causará prejuízos também ao Estado-Previdência, que, ali na frente, resultado do trabalho em condições desumanas imposto ao segurado, terá que arcar com os ônus de uma incapacidade definitiva e as decorrências de contar com um indivíduo desabilitado que demandará tratamento mais oneroso, benefício mais dispendioso e, provavelmente, a impossibilidade de readaptação para outras atividades.

Voltando ao caso concreto, com escusas pela peroração alongada, não obstante as considerações esposadas pelos experts, sabe-se que o juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligidos aos autos, inclusive os aspectos socioeconômicos, profissionais e culturais do segurado, ainda que o laudo pericial apenas tenha concluído pela sua incapacidade parcial para o trabalho (AgRg no AREsp 35.668/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 20-02-2015). Assim, tendo a perícia certificado a existência da patologia alegada pela parte autora, o juízo de incapacidade pode ser determinado, sem sombra de dúvidas, pelas regras da experiência do magistrado, consoante preclara disposição do artigo 375 do NCPC (O juiz aplicará as regras de experiência comum subministradas pela observação do que ordinariamente acontece e, ainda, as regras de experiência técnica, ressalvado, quanto a estas, o exame pericial.).

Diante disso, na hipótese dos autos, a documentação clínica juntada aos autos pela parte autora revela que a conclusão do jusperito está bastante dissociada do contexto laboral de magarefe. Isto porque nos atestados há efetivas indicações do médico assistente, ao longo dos anos, de que a autora não pode fazer esforços físicos e/ou laborais, necessitando manter-se afastada para tratamento das moléstias ortopédicas que lhe causam dores e impedem o exercício regular da sua atividade habitual. Ora, como uma pessoa com problemas ortopédicos na coluna irá laborar em atividade na qual precisa permanecer por longos períodos em pé, sem abrir margem para o agravamento das moléstias incapacitantes já existentes? Não parece cogitável.

Portanto, ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, a confirmação da existência das moléstias incapacitantes referidas na exordial (transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia, lumbago com ciática e dor lombar baixa: CID M51.1, M54.4 e M54.5), corroborada pela documentação clínica supra, associada às suas condições pessoais (magarefe e 53 anos de idade), demonstra a efetiva incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA desde 17-03-2016 (DCB do NB 611.891.428-5, cf. e. 2.12) até ulterior reavaliação clínica pelo INSS, descontados quaisquer valores recebidos na via administrativa pela mesma doença dentro do período abrangido pela condenação.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

Correção monetária

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e aceitos na jurisprudência, quais sejam:

- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, D DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-102019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Juros moratórios

Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula 204 do STJ), até 29/06/2009.

A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema 810 da repercussão geral (RE 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe n. 216, de 22/09/2017.

Honorários advocatícios

Incide, no caso, a sistemática de fixação de honorários advocatícios prevista no art. 85 do NCPC, porquanto a sentença foi proferida após 18/03/2016 (data da vigência do NCPC definida pelo Pleno do STJ em 02/04/2016).

Invertidos os ônus sucumbenciais, estabeleço a verba honorária em 10% (dez por cento) sobre as parcelas vencidas (Súmula 76 do TRF4), considerando as variáveis dos incisos I a IV do § 2º do artigo 85 do NCPC.

Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento de custas (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).

Implantação do benefício

Reconhecido o direito da parte, impõe-se a determinação para a imediata implantação do benefício, nos termos do art. 497 do NCPC [Art. 497. Na ação que tenha por objeto a prestação de fazer ou de não fazer, o juiz, se procedente o pedido, concederá a tutela específica ou determinará providências que assegurem a obtenção de tutela pelo resultado prático equivalente.] e da jurisprudência consolidada da Colenda Terceira Seção desta Corte (QO-AC nº 2002.71.00.050349-7, Rel. p/ acórdão Des. Federal Celso Kipper). Dessa forma, deve o INSS implantar o benefício em até 45 dias, a contar da publicação do presente acórdão, conforme os parâmetros acima definidos, incumbindo ao representante judicial da autarquia que for intimado dar ciência à autoridade administrativa competente e tomar as demais providências necessárias ao cumprimento da tutela específica.

Saliente-se, por oportuno, que, na hipótese de a parte autora estar auferindo benefício previdenciário, deve o INSS implantar o benefício ora deferido apenas se o valor da renda mensal atual desse benefício for superior ao daquele.

Faculta-se, outrossim, à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.

Conclusão

Reforma-se a sentença para conceder à parte autora auxílio por incapacidade temporária desde 17-03-2016 (DCB do NB 611.891.428-5) até ulterior reavaliação clínica pelo INSS, descontados quaisquer valores recebidos na via administrativa pela mesma doença dentro do período abrangido pela condenação.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002761618v23 e do código CRC a02d0cdf.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 11/10/2021, às 13:36:46


5005684-41.2020.4.04.9999
40002761618.V23


Conferência de autenticidade emitida em 19/10/2021 04:01:02.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5005684-41.2020.4.04.9999/SC

PROCESSO ORIGINÁRIO: Nº 0300419-42.2016.8.24.0001/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: TEREZINHA APARECIDA DE AMARAT GALVAO

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO POR INCAPACIDADE. VINCULAÇÃO AO LAUDO. INOCORRÊNCIA. PROVA INDICIÁRIA.

1. O juízo não está adstrito às conclusões do laudo médico pericial, nos termos do artigo 479 do NCPC (O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371, indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito), podendo discordar, fundamentadamente, das conclusões do perito em razão dos demais elementos probatórios coligido aos autos.

2. Embora o caderno processual não contenha elementos probatórios conclusivos com relação à incapacidade do segurado, caso não se possa chegar a uma prova absolutamente conclusiva, consistente, robusta, é adequado que se busque socorro na prova indiciária e nas evidências.

3. Hipótese em que a documentação clínica juntada aos autos pela parte autora revela que a conclusão do jusperito está bastante dissociada do contexto laboral de magarefe. Isto porque nos atestados há efetivas indicações do médico assistente, ao longo dos anos, de que a autora não pode fazer esforços físicos e/ou laborais, necessitando manter-se afastada para tratamento das moléstias ortopédicas na coluna que lhe causam dores e impedem o exercício regular da sua atividade habitual.

4. Ainda que o laudo pericial realizado tenha concluído pela aptidão laboral da parte autora, a confirmação da existência das moléstias incapacitantes referidas na exordial (transtornos de discos lombares e de outros discos intervertebrais com radiculopatia, lumbago com ciática e dor lombar baixa: CID M51.1, M54.4 e M54.5), corroborada pela documentação clínica supra, associada às suas condições pessoais (magarefe e 53 anos de idade), demonstra a efetiva incapacidade temporária para o exercício da atividade profissional, o que enseja, indubitavelmente, a concessão de AUXÍLIO POR INCAPACIDADE TEMPORÁRIA desde 17-03-2016 (DCB do NB 611.891.428-5) até ulterior reavaliação clínica pelo INSS, descontados quaisquer valores recebidos na via administrativa pela mesma doença dentro do período abrangido pela condenação.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia Turma Regional Suplementar de Santa Catarina do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento à apelação da parte autora e determinar a imediata implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 08 de outubro de 2021.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40002761619v4 e do código CRC b38a0702.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 11/10/2021, às 13:36:46


5005684-41.2020.4.04.9999
40002761619 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 19/10/2021 04:01:02.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 01/10/2021 A 08/10/2021

Apelação Cível Nº 5005684-41.2020.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

PROCURADOR(A): WALDIR ALVES

APELANTE: TEREZINHA APARECIDA DE AMARAT GALVAO

ADVOGADO: DIEGO GOMES (OAB SC038331)

ADVOGADO: JOSIANI SANTIN GOMES (OAB SC019400)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 01/10/2021, às 00:00, a 08/10/2021, às 16:00, na sequência 310, disponibilizada no DE de 22/09/2021.

Certifico que a Turma Regional suplementar de Santa Catarina, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SANTA CATARINA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA E DETERMINAR A IMEDIATA IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Juíza Federal ELIANA PAGGIARIN MARINHO

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ANA CAROLINA GAMBA BERNARDES

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 19/10/2021 04:01:02.

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