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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITO ETÁRIO. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. TRF4. 5007248-50.2023.4.04.9999

Data da publicação: 29/12/2023, 07:00:59

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITO ETÁRIO. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de pessoa com deficiência (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante alterações promovidas pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011 e, atualmente, impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, a partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 02-01-2016) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família. 2. Comprovado o preenchimento dos requisitos legais, deve ser concedido o benefício em favor da parte autora, desde a data do requerimento administrativo (28-02-2018). 3. A atualização monetária, incidindo a contar do vencimento de cada prestação, deve-se dar pelos índices oficiais, e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam: IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n. 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, conforme o art. 31 da Lei n. 10.741/03, combinado com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP n. 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91, e REsp. n. 1.103.122/PR). A partir de 30-06-2009 até 08-12-2021, aplica-se o IPCA-E, consoante julgamento do RE n. 870.947 (Tema STF 810). 4. A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente". (TRF4, AC 5007248-50.2023.4.04.9999, NONA TURMA, Relatora GABRIELA PIETSCH SERAFIN, juntado aos autos em 21/12/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5007248-50.2023.4.04.9999/SC

RELATORA: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA ROSA

RELATÓRIO

Maria Rosa, nascida em 26-09-1952, ajuizou em 15-01-2019 ação contra o INSS, postulando o deferimento do benefício assistencial de amparo à pessoa idosa desde a DER (28-02-2018).

Na sentença, publicada em 01-03-2023, o magistrado a quo julgou procedente o pedido, condenando o INSS à concessão do benefício assistencial à parte autora a contar da data do requerimento administrativo em 28-02-2018, bem como ao pagamento das parcelas atrasadas, acrescidas de correção monetária e juros de mora.

Houve a implantação do benefício (evento 56).

Em suas razões de apelação, o INSS alega, em síntese, que a parte autora não está submetida à situação de vulnerabilidade econômica. Refere que a renda familiar per capita é superior ao limite legal. Dessa forma, requer seja julgado improcedente o pedido. Postula, caso mantida a condenação, seja aplicada a TR como índice de correção monetária.

Oportunizadas as contrarrazões, vieram os autos a esta Corte para julgamento.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento da apelação do INSS.

É o relatório.

VOTO

Mérito

Trata a presente ação do direito da parte autora à percepção do benefício assistencial previsto no art. 203, inciso V, da Constituição Federal, regulado pela Lei nº 8.742/93.

A Constituição Federal instituiu o benefício assistencial à pessoa com deficiência e ao idoso nos seguintes termos:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

[...]

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, veio a regular a matéria, merecendo transcrição o caput e os parágrafos 1º a 3º do art. 20, verbis:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei n. 9.720, de 30.11.1998)

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

A redação do art. 20 da LOAS, acima mencionado, foi alterada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011 e nº 12.470, de 31-08-2011, passando a apresentar o seguinte teor:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2o Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 3o Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 7o Na hipótese de não existirem serviços no município de residência do beneficiário, fica assegurado, na forma prevista em regulamento, o seu encaminhamento ao município mais próximo que contar com tal estrutura. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido.(Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 9º A remuneração da pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para fins do cálculo a que se refere o § 3o deste artigo. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

Com a edição, em 06-07-2015, do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/2015), que entrou em vigência em 02-01-2016, os §§ 2º e 9º do art. 20 da Lei nº 8.472/93 foram novamente alterados, assim dispondo:

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015)

No tocante ao idoso, o art. 38 da mesma Lei, com a redação dada pela Lei nº 9.720, de 30 de novembro de 1998, dispunha - antes de ser revogado pela Lei nº 12.435/2011 - que a idade prevista no art. 20 reduz-se para 67 anos a partir de 1º de janeiro de 1998. Esta idade sofreu nova redução, desta feita para 65 anos, pelo art. 34, caput, da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), idade esta que deve ser considerada a partir de 1º de janeiro de 2004, data de início da vigência do Estatuto, nos termos do seu art. 118.

Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de pessoa com deficiência (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante alterações promovidas pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011 e, atualmente, impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, a partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 02-01-2016) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

No tocante à condição de pessoa com deficiência, cabe fazer algumas observações.

A Constituição Federal, ao instituir o benefício, remete sua regulação à lei (conforme dispuser a lei, parte final do inciso V do art. 203). No entanto, conquanto seja atribuída à lei regular, concretizar, conformar, configurar ou organizar o direito à percepção do benefício da pessoa portadora de deficiência que não tenha condições de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, não pode, nesse desiderato, estabelecer um conceito restritivo de deficiência, por várias razões.

Em primeiro lugar, da análise da norma constitucional, verifico que consta o comando de que a assistência social será prestada a quem dela necessitar, o que demonstra inequivocamente a intenção constitucional de ampliação do conjunto de beneficiários da assistência social. Em linha de consequência, tal dispositivo (caput do art. 203) serve como princípio hermenêutico ou, se se preferir, como linha orientadora na interpretação dos demais dispositivos relativos à assistência social, entre os quais o do inciso V do mesmo artigo. Daí podemos inferir uma primeira conclusão, a de que se deve interpretar a locução pessoa portadora de deficiência (inciso V do art. 203) em um sentido amplo, jamais restritivo.

Em segundo, em sua importante missão de integrar a norma constitucional, não dispõe o legislador de liberdade plena. Ao revés, está limitado pelos preceitos da própria norma constitucional, sob pena de, a não ser assim, esvaziá-la de conteúdo. Nesse sentido, o ensinamento de José Joaquim Gomes Canotilho:

"Em alguns casos, as remissões constitucionais para as leis significa abertamente a concretização da constituição segundo as leis. Todavia, este reenvio aberto não implica arbítrio legislativo de conformação, pois sempre se terá de admitir que o cerne da regulamentação legal é determinado materialmente, de forma expressa ou implícita, por princípios recebidos na lei constitucional". (Constituição dirigente e vinculação do legislador: contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas. Coimbra Editora, 1994, reimpressão, p. 485).

Nesse sentido, a Constituição limita o legislador, "as suas leis devem ater-se a esse norte, sobretudo ao dos direitos fundamentais e das normas restantes fixadas na Constituição" (KLAUS STERN, O Juiz e a Aplicação do Direito, in Direito Constitucional - Estudos em Homenagem a Paulo Bonavides, Eros Roberto Grau e Willis Santiago Guerra Filho (Org.), Malheiros Editores, São Paulo, 2001, p. 515).

Em terceiro, trata-se aqui de um direito fundamental, não só porque o art. 6º da Constituição Federal inclui entre os direitos sociais a assistência aos desamparados, mas principalmente porque o art. 203, inciso V, consagra expressa e cristalinamente a garantia (rectius: o direito) de um salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que se encontrem em situação de desamparo. Pois bem, no âmbito das normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais, pode-se afirmar a existência de uma eficácia vinculante reforçada para todos os poderes públicos, inclusive o legislador (INGO WOLFGANG SARLET, A Eficácia dos Direitos Fundamentais, Livraria do Advogado, Porto Alegre, 1998). O citado autor, a respeito, assim ensina:

"Neste contexto, cumpre referir a paradigmática e multicitada formulação de Krüger, no sentido de que hoje não há mais falar em direitos fundamentais na medida da lei, mas, sim, em leis apenas na medida dos direitos fundamentais, o que - de acordo com Gomes Canotilho - traduz de forma plástica a mutação operada nas relações entre a lei e os direitos fundamentais. De pronto, verifica-se que a vinculação aos direitos fundamentais significa para o legislador uma limitação material de sua liberdade de conformação no âmbito de sua atividade regulamentadora e concretizadora. Para além disso, a norma contida no art. 5º, § 1º, da CF gera, a toda evidência, uma limitação das possibilidades de intervenção restritiva do legislador no âmbito de proteção dos direitos fundamentais. Se, por um lado, apenas o legislador se encontra autorizado a estabelecer restrições aos direitos fundamentais, por outro, ele próprio encontra-se vinculado a eles, podendo mesmo afirmar-se que o art. 5º, § 1º, da CF traz em seu bojo uma inequívoca proibição de leis contrárias aos direitos fundamentais, gerando a sindicabilidade não apenas do ato de edição normativa, mas também de seu resultado, atividade, por sua vez, atribuída à Jurisdição Constitucional. Isto significa, em última ratio, que a lei não pode mais definir autonomamente (isto é, de forma independente da Constituição) o conteúdo dos direitos fundamentais, o qual, pelo contrário, deverá ser extraído exclusivamente das próprias normas constitucionais que os consagram."

A necessidade de o legislador definir o conteúdo dos direitos fundamentais de forma vinculada com o sentido objetivo da norma constitucional é ressaltada pela doutrina mesmo nos casos, como o presente, em que a Constituição remete à lei a regulamentação ou concretização do direito fundamental. Nesse sentido, o ensinamento de Jorge Miranda:

"Mesmo quando a Constituição parece devolver para a lei a regulamentação de certos direitos ou institutos (...), o legislador não é livre de lhe emprestar qualquer conteúdo; a norma legislativa (insistimos) tem, na perspectiva global da Constituição, de possuir um sentido que seja compatível ou conforme com o sentido objectivo da norma constitucional. Fórmulas como "nos termos da lei" (...) ou equivalentes apenas podem indiciar que se trata de normas constitucionais não exeqüíveis por si mesmas" (Manual de Direito Constitucional, Tomo IV - Direitos Fundamentais, Coimbra Editora, Coimbra, 1993, pp. 280-1).

A doutrina constitucional, nacional ou estrangeira, é torrencial no sentido de que o legislador, em sua tarefa de concretização, está obrigatoriamente vinculado, antes de mais nada, ao texto constitucional, ou, em outras palavras, o texto constitucional limita a interpretação feita pelo legislador ao concretizar a norma constitucional (nesse sentido, KONRAD HESSE, El Texto Constitucional como Limite de la Interpretación, in Division de Poderes e Interpretación, ANTONIO LÓPEZ PINA (Org.), Tecnos, Madrid, 1987). Em conseqüência, o legislador encontra-se vinculado ao conteúdo constitucionalmente declarado dos direitos fundamentais, e se se aparta deste, cabe ao juiz protegê-lo, com o que é o juiz e não a lei a garantia última dos direitos (FRANCISCO RUBIO LLORENTE, La Forma del Poder, Centro de Estudios Constitucionales, Madrid, 1997, pp. 339-340).

Por fim, a impossibilidade de a lei estabelecer um conceito restritivo de deficiência é reforçada em razão de um dos objetivos constitucionais que devem servir de base à organização da seguridade social, o de universalidade da cobertura e do atendimento (Constituição Federal, art. 194, parágrafo único, inciso I). Ora, se se exigisse que para perceber o benefício assistencial deveria a pessoa ser portadora de deficiência que a incapacitasse não só para o exercício de atividade laboral, como para todos os atos da vida, a pessoa que se subsumisse na primeira hipótese (deficiência incapacitante para o trabalho) mas não na segunda (deficiência incapacitante para todos os atos da vida) ficaria completamente desprotegida da seguridade social - pois, evidentemente, não teria condições de ser segurado da previdência social -, em afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), ao objetivo da seguridade social de universalidade da cobertura e do atendimento (CF, art. 194, parágrafo único, I) e à ampla garantia de prestação da assistência social (CF, art. 203, caput).

Por todo o exposto, a exigência, para a percepção do benefício, de ser a pessoa incapaz para a vida independente, se entendida como incapacidade para todos os atos da vida, não se encontra na Constituição. Ao contrário, tal exigência contraria o sentido da norma constitucional, seja considerada em si, seja em sintonia com os demais princípios e objetivos constitucionais acima analisados. Se aquela fosse a interpretação para a locução incapacitada para a vida independente, constante do art. 20, § 2º, da Lei nº 8.742/93, o legislador teria esvaziado indevidamente o conteúdo material do direito fundamental da pessoa portadora de deficiência, deixando fora do seu âmbito uma ampla gama de pessoas portadoras de deficiência incapacitante para o trabalho, e, em consequência, incorreria em inconstitucionalidade.

Assim, a incapacidade para a vida independente a que se refere a Lei nº 8.742/93, na redação original, deve ser interpretada de forma a garantir o benefício assistencial a uma maior gama possível de pessoas portadoras de deficiência.

Nesse sentido, a incapacidade para a vida independente (a) não exige que a pessoa possua uma vida vegetativa ou que seja incapaz de locomover-se; (b) não significa incapacidade para as atividades básicas do ser humano, tais como alimentar-se, fazer a higiene e vestir-se sozinho; (c) não impõe a incapacidade de expressar-se ou de comunicar-se; e (d) não pressupõe dependência total de terceiros.

Precedentes do Egrégio Superior Tribunal de Justiça confortam tal entendimento, como demonstra a ementa a seguir transcrita:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. ART. 20, § 2º DA LEI 8.742/93. PORTADOR DO VÍRUS HIV. INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E PARA PROVER O PRÓPRIO SUSTENTO OU DE TÊ-LO PROVIDO PELA FAMÍLIA. LAUDO PERICIAL QUE ATESTA A CAPACIDADE PARA A VIDA INDEPENDENTE BASEADO APENAS NAS ATIVIDADES ROTINEIRAS DO SER HUMANO. IMPROPRIEDADE DO ÓBICE À PERCEPÇÃO DO BENEFÍCIO. RECURSO DESPROVIDO.

I - A pessoa portadora do vírus HIV, que necessita de cuidados freqüentes de médico e psicólogo e que se encontra incapacitada, tanto para o trabalho, quanto de prover o seu próprio sustento ou de tê-lo provido por sua família - tem direito à percepção do benefício de prestação continuada previsto no art. 20 da Lei 8.742/93, ainda que haja laudo médico-pericial atestando a capacidade para a vida independente.

II - O laudo pericial que atesta a incapacidade para a vida laboral e a capacidade para a vida independente, pelo simples fato da pessoa não necessitar da ajuda de outros para se alimentar, fazer sua higiene ou se vestir, não pode obstar a percepção do benefício, pois, se esta fosse a conceituação de vida independente, o benefício de prestação continuada só seria devido aos portadores de deficiência tal, que suprimisse a capacidade de locomoção do indivíduo - o que não parece ser o intuito do legislador.

III - Recurso desprovido.

(STJ, 5ª Turma, RESP 360.202/AL, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 01-07-2002)

No mesmo sentido, reiteradas decisões deste Tribunal (v.g., AC 2003.04.01.027597-7/PR, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Celso Kipper, DJU de 14-06-2006; AC 2001.04.01.068468-6/SC, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Antônio Albino Ramos de Oliveira, DJU de 10-04-2002; AC 2000.71.12.003233-1, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DJU de 12-07-2006; AC 2005.04.01.012524-1/RS, 5ª Turma, Rel. Des. Federal Otávio Roberto Pamplona; AC 2002.71.04.000395-5/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira, DJU de 19-04-2006; AC 2005.04.01.015590-7, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luís Alberto D" Azevedo Aurvalle, DJU de 27-07-2005).

No que diz respeito ao requisito econômico, é de ver-se que o parágrafo 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/93 (LOAS) prevê como critério para a concessão do benefício assistencial a idosos ou pessoas com deficiência o fato de a renda familiar mensal per capita ser inferior a um quarto do salário mínimo.

Todavia, o Plenário do Supremo Tribunal Federal ao julgar, em 18-04-2013, a Reclamação nº 4.374 e o Recurso Extraordinário nº 567.985, este com repercussão geral, reconheceu e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/93 (LOAS), por considerar que o critério ali previsto está defasado para caracterizar a situação de miserabilidade. Veja-se a ementa do último deles:

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição.

A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232.

Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que "considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo".

O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente.

Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS.

3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993.

A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS.

Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes.

Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas.

O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade do critérios objetivos.

Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro).

4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.

5. Recurso extraordinário a que se nega provimento.

A propósito, transcrevo excerto do voto do Min. Luiz Fux, ao abordar a modulação dos efeitos da decisão (modelação que acabou por não ser aprovada):

O que se pretende? Durante esse prazo de vácuo legislativo, não se pode ter coragem de assumir o caos. Ninguém tem o direito de assumir, por hombridade, o caos legislativo, o apagão legislativo do país. A verdade é a seguinte: são tantas as situações, as violações aqui! O princípio da isonomia, o princípio da dignidade humana foram reconhecidos pelo Supremo Tribunal Federal. E exatamente para que não permaneçam essas violações, é que o juiz pode, durante esse período de vácuo legislativo, avaliar o que deve ser feito no caso concreto. Mutatis mutandis, foi isso que se estabeleceu.

Em suma, com a declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/1993, os juízes, para a verificação da situação de risco social em que se encontra o pretendente do benefício assistencial e sua família, não ficam adstritos aos critérios objetivos ali traçados, podendo valer-se de outros elementos de prova que atestem a sua condição de miserabilidade.

Nesse sentido, aliás, o Superior Tribunal de Justiça já havia reconhecido, em sede de Recurso Repetitivo, a possibilidade de demonstração da condição de miserabilidade por outros meios de prova, quando a renda per capita familiar fosse superior a ¼ do salário mínimo, como se vê do seguinte acórdão:

RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. ART. 105, III, ALÍNEA C DA CF. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A CF/88 prevê em seu art. 203, caput e inciso V a garantia de um salário mínimo de benefício mensal, independente de contribuição à Seguridade Social, à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

2. Regulamentando o comando constitucional, a Lei 8.742/93, alterada pela Lei 9.720/98, dispõe que será devida a concessão de benefício assistencial aos idosos e às pessoas portadoras de deficiência que não possuam meios de prover à própria manutenção, ou cuja família possua renda mensal per capita inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo.

3. O egrégio Supremo Tribunal Federal, já declarou, por maioria de votos, a constitucionalidade dessa limitação legal relativa ao requisito econômico, no julgamento da ADI 1.232/DF (Rel. para o acórdão Min. NELSON JOBIM, DJU 1.6.2001).

4. Entretanto, diante do compromisso constitucional com a dignidade da pessoa humana, especialmente no que se refere à garantia das condições básicas de subsistência física, esse dispositivo deve ser interpretado de modo a amparar irrestritamente a o cidadão social e economicamente vulnerável.

5. A limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

6. Além disso, em âmbito judicial vige o princípio do livre convencimento motivado do Juiz (art. 131 do CPC) e não o sistema de tarifação legal de provas, motivo pelo qual essa delimitação do valor da renda familiar per capita não deve ser tida como único meio de prova da condição de miserabilidade do beneficiado. De fato, não se pode admitir a vinculação do Magistrado a determinado elemento probatório, sob pena de cercear o seu direito de julgar.

7. Recurso Especial provido.

(REsp 1112557/MG, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 20/11/2009)

Nessa linha, cumpre esclarecer que, com a edição do Estatuto da Pessoa com Deficiência, foi acrescido o parágrafo 11 ao art. 20 da Lei nº 8.742/93, dispondo no seguinte sentido:

§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015)

Registre-se que o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do Recurso Extraordinário nº 580.963/PR, realizado em 17-04-2013, declarou, outrossim, a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 34 do Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), o qual estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", baseado nos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da isonomia, bem como no caráter de essencialidade de que se revestem os benefícios de valor mínimo, tanto previdenciários quanto assistenciais, concedidos a pessoas idosas e também àquelas portadoras de deficiência. Segundo o STF, portanto, não se justifica que, para fins do cálculo da renda familiar per capita, haja previsão de exclusão apenas do valor referente ao recebimento de benefício assistencial por membro idoso da família, quando verbas de outra natureza (benefício previdenciário), bem como outros beneficiários de tais verbas (membro da família portador de deficiência), também deveriam ser contemplados.

Este Tribunal, aliás, já vinha julgando no sentido da desconsideração do interpretação restritiva do art. 34, parágrafo único, do Estatuto do Idoso.

Assim, no cálculo da renda familiar per capita, deve ser excluído o valor auferido por idoso com 65 anos ou mais a título de benefício assistencial ou benefício previdenciário de renda mínima (EIAC nº 0006398-38.2010.404.9999/PR, julgado em 04-11-2010), ou de benefício previdenciário de valor superior ao mínimo, até o limite de um salário mínimo, bem como o valor auferido a título de benefício previdenciário por incapacidade ou assistencial em razão de deficiência, independentemente de idade (EIAC nº 2004.04.01.017568-9/PR, Terceira Seção, julgado em 02-07-2009). Ressalto que tal pessoa, em decorrência da exclusão de sua renda, também não será considerada na composição familiar, para efeito do cálculo da renda per capita.

De outro lado, no período entre 11-08-1997 (data da entrada em vigor da Medida Provisória nº 1.473-34, sucessivamente reeditada até a Medida Provisória nº 1.599-51/1998, convertida na Lei nº 9.720/1998) e 06-07-2011 (data da edição da Lei nº 12.435/2011), não podem ser incluídos no cálculo da renda familiar os rendimentos auferidos por irmãos ou filhos maiores de 21 anos e não inválidos, bem assim por avós, tios, sobrinhos, primos e outros parentes não relacionados no art. 16 da Lei de Benefícios. Isso porque o art. 20, §1º, da Lei nº 8.742/93, na redação dada pela Lei nº 9.720, de 30-11-1998 (e desde antes, com a edição da MP nº 1.473-34, acima mencionada), dispõe que se entende como família, para efeito de concessão do benefício assistencial, o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, elencadas no art. 16 da Lei de Benefícios - entre as quais não se encontram aquelas antes referidas.

O egrégio Supremo Tribunal Federal tem assentado, por decisões monocráticas de seus Ministros, que decisões que excluem do cálculo da renda familiar per capita os rendimentos auferidos por pessoas não relacionadas no art. 16 da Lei de Benefícios não divergem da orientação traçada no julgamento da ADI 1.232-1, como se constata, v. g., de decisões proferidas pelos Ministros Gilmar Mendes (AI 557297/SC - DJU de 13-02-2006) e Carlos Velloso (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005).

Porém, a partir da entrada em vigor da Lei nº 12.435, de 06-07-2011, que alterou a redação do art. 20, § 1º, da Lei nº 8.742/93, o conceito de família, para efeito de concessão do benefício assistencial, passou a ser o conjunto de pessoas, que vivam sob o mesmo teto, ali elencadas ("Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.").

Vale ressaltar, também, que sempre que os necessários cuidados com a parte autora, em decorrência de sua deficiência, incapacidade ou avançada idade, acarretarem gastos - notadamente com medicamentos, alimentação especial, fraldas descartáveis, tratamento médico, psicológico e fisioterápico, entre outros -, tais despesas podem ser levadas em consideração na análise da condição de miserabilidade da família do demandante. Aliás, se o objetivo do legislador, tanto o constituinte quanto o ordinário, é a proteção social reforçada da pessoa portadora de deficiência e do idoso, passa ao largo do princípio da razoabilidade entendimento que inclui na renda familiar - para efeito, justamente, de averiguar o preenchimento de requisito à concessão de benefício em favor daqueles - valores desde já comprometidos com os cuidados inerentes à incapacidade e à avançada idade. A posição aqui defendida, ademais, não afronta o entendimento do Supremo Tribunal Federal esposado na ADI 1.232-1, como demonstram as decisões monocráticas dos Ministros Carlos Velloso (Reclamação 3891/RS - DJU de 09-12-2005), Celso de Mello (Reclamações 3750/PR, decisão de 14-10-2005, e 3893/SP, decisão de 21-10-2005) e Carlos Britto (RE 447370 - DJU de 02-08-2005).

Por fim, a eventual circunstância de a parte autora ter sido beneficiária e percebido renda proveniente do Programa Bolsa Família não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social.

Análise do caso dos autos

No caso dos autos, a condição de idosa da parte autora foi comprovada por meio do documento de identidade (evento 1 - OUT5), o qual demonstra que, na época do requerimento administrativo apresentado em 28-02-2018, já contava com 65 anos de idade, pois nasceu em 26-09-1952.

A hipossuficiência econômica da parte autora e de sua família encontra-se, igualmente, comprovada.

Com efeito, através do laudo de avaliação socioeconômica (evento 37 - OUT1), elaborado em agosto de 2021, a assistente social emitiu parecer nos seguintes termos:

1 – Dados pessoais do grupo familiar:

1.1 - Requerente

Nome: Maria Rosa

Filiação: Lidio Barnabé e Tereza Barnabé

Naturalidade: Rio do Oeste – SC

Data de Nascimento: 26/09/1952

Estado Civil: Separada

Profissão: Do lar

Grau de Instrução: Quarto ano do ensino fundamental

Rendimentos: Não possui renda

[...]

1.2 Filhos que residem na moradia com a requerente:

1.2.1 Nome: Maurino Rosa

Filiação: Hermínio Rosa e Maria Rosa

Naturalidade: Laurentino – SC

Data de Nascimento: 15/08/1974

Estado Civil: Solteiro

Profissão: Pedreiro autônomo

Grau de Instrução: Quarto ano do ensino fundamental

Rendimentos: Renda anual declara como MEI de R$ 15.000,00, mensal R$ 1.250,00

[...]

1.2.2 Nome: Maurício Rosa

Filiação: Hermínio Rosa e Maria Rosa

Naturalidade: Rio do Oeste – SC

Data de Nascimento: 04/09/1976

Estado Civil: Solteiro

Profissão: Pessoa com deficiência

Grau de Instrução: Não alfabetizado

Rendimentos: Um salário mínimo – Benefício de Prestação Continuada – BPC

[...]

1.2.3. Nome: Marcelo João Rosa

Filiação: Hermínio Rosa e Maria Rosa

Naturalidade: Rio do Oeste - SC

Data de Nascimento: 20/12/1983

Estado Civil: Solteiro

Profissão: Auxiliar de lavação autônomo

Grau de Instrução: quarto ano do ensino fundamental

Rendimentos: Renda anual declara como MEI de R$ 6.000,00 mensal R$ 500,00

[...]

2 - Introdução:

O Estudo Social apresenta-se no cotidiano da intervenção profissional do assistente social ao longo do processo histórico, especialmente para os que atuam na área sociojurídica. De acordo com FÁVERO (2009), o estudo social possui como finalidade “conhecer e interpretar a realidade social na qual está inserido o objeto da ação profissional, ou seja, a expressão da questão social ou o acontecimento ou situação que dá motivo à intervenção.” (FÁVERO, 2009, p. 625)

A demanda judicial, encaminhada ao Serviço Social, trata de ação para concessão de Benefício de Prestação Continuada – BPC, requerida pela Sra. Maria Rosa.

Com o Estudo Social, objetiva-se aborda aspectos pertinentes a trajetória de vida familiar da Sra. Maria, incluindo-se a rede de sociabilidade tecida, os espaços sociais a que está inserida e os papéis sociais exercidos, oferecendo-se subsídios que refletem a realidade do meio socioeconômico, cultural e vida na comunidade.

3 – Percurso metodológico:

O Estudo Social constitui-se como privativo ao Serviço Social conforme disposto no Art. 5, Incisos I e IV, da Lei 8.662, de 07 de junho de 1993. Para sua elaboração o profissional possui autonomia no estabelecimento dos recursos instrumentais utilizados, seguindo as disposições do Código de Ética da profissão, com destaque ao Art. 2.º.

Dada a realidade de pandemia declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS), resoluções publicadas pelo Presidente do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, o uso dos instrumentais técnicos do Serviço Social, foram desenvolvidos no contexto que seguem orientações de saúde e incluíram:

. análise documental;

. entrevistas individuais e com a família semiestruturadas e reflexivas;

. visita domiciliar;

. contato e entendimentos de profissionais do poder executivo;

. pesquisa a referencial bibliográfico.

4 – Histórico:

A Sra. Maria ingressou com solicitação do BPC no Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, vindo tal órgão negar o benefício com base na renda apresentada pela família ser superior 1/4 de salário mínimo por pessoa, iniciando a idosa com processo judicial após a negativa.

5 – Identificação familiar :

A família inclusa ao presente estudo social até a conclusão deste documento estava composta por quatro membros: a requerida Sra. Maria e os filhos Maurino, Maurício e Marcelo.

A Sra. Maria esta com sessenta e oito anos, apresenta como escolarização o quarto ano do ensino fundamental, não havendo ingressado ao mercado de trabalho formal ou informal, por haver se dedicado a atividades do lar e o cuidado para com a prole, em especial a um dos filhos com deficiência intelectual grave. A primeira conjugalidade foi estabelecida na adolescência nascendo do relacionamento nove filhos, três falecidos na primeira infância por razões que não soube explicar. Dos filhos, três residem com as famílias que constituíram: Márcio, quarenta e dois anos, vive em Indaial, Marciano, trinta e cinco anos, reside em Jaraguá do Sul e Elizane, vinte e sete anos em Apiúna. Os demais Maurino, Maurício e Marcelo compartilha da moradia com a idosa.

O primeiro esposo da Sra. Maria faleceu há doze anos, vindo a requerida estabelecer nova conjugalidade no ano de 2010, estando separada há mais de um ano.

O Sr. Maurino, quarenta e sete anos, apresenta como escolarização o quarto ano do ensino fundamental e profissão pedreiro autônomo na condição de MEI – Microempreendedor Individual. Refere a vivencia de uniões estáveis anteriores rompidas e o nascimento de dois filhos:Lucas, atualmente com vinte e dois anos e Vinícius, vinte e um anos. Os filhos adultos são independentes, o mais velho reside em Blumenau e o caçula em Indaial.

O Sr. Maurício, quarenta e quatro anos, pessoa com deficiência intelectual grave, não foi alfabetizado e recebe acompanhamento da APAE. Dada a deficiência não apresenta autonomia para capacidade funcional, com limitações frente as atividades básicas da vida diária (usar o banheiro sem supervisão, vestir-se, alimentar-se) e atividades instrumentais da vida diária (andar perto de casa, sair, fazer compras). Logo demanda de cuidado em tempo integral.

O Sr. Marcelo, trinta e sete anos, apresenta como escolarização o quarto ano do ensino fundamental e profissão auxiliar de lavação autônomo na condição de MEI. Refere a vivencia de uniões estáveis anteriores rompidas e o nascimento de duas filhas:Gabriele de Souza Rosa, atualmente com 14 anos e Isabele Balbino Rosa, onze anos. As meninas vivem com as mães, não há convivência com o pai e a pensão alimentícia é irregular.

6 - Aspectos do território e localização da residência

Ao que se refere ao território da residência, a família reside em área invadida há aproximadamente vinte e seis anos. No local havia uma escola desativada, ocupando o grupo a edificação enquanto espaço de moradia. O terreno não esta regularizado e a família chegou a procurar setor responsável no município para buscar orientações, aguardando retorno.

A rede de equipamentos públicos ou privados de serviços como escola, quadra de esportes, Centro de Referência da Assistência Social (CRAS) e unidade de saúde não são próximos.

No terreno o prédio destinado a escola era em madeira, apresentava péssimas condições e o Sr. Maurino há alguns anos construir uma pequena casa ao lado, composta por seis cômodos pequenos, dois destinados aos quartos. Por um período residiu sozinho, enquanto a Sra. Maria e o filho Maurício continuaram vivendo no prédio da escola até pouco tempo, vindo o local ser demolido devido às péssimas condições e risco de desabar. Com a demolição, mãe e filho passaram a compartilhar da moradia com o Sr. Maurino.

Neste mesmo período o Sr. Marcelo rompeu união estável e passou a viver no grupo, considerando ser esta realidade de carater provisório, mas que se estende até a presente data devido a dificuldades econômicas.

A casa em que vivem é pequena, há poucos móveis, a estrutura e mobília apresentam desgaste pelo tempo de uso e como são apenas dois quartos, o grupo utiliza recursos como lenções para manter certa individualidade a cada membro.

No local não há rede de saneamento básico, utilizando a família água de um poço para o consumo. Há energia elétrica e o grupo conta com dois banheiros inacabados para uso.

O terreno onde esta situada a moradia é de frente para a BR 470, distante do centro de Indaial, em um contexto que não há rede de comércio, não há moradores próximos, não há transporte público e para utilizar este último serviço, a família precisa passar a rodovia, utilizar uma rua não pavimentada, cruzar uma ponte e chegar ao bairro vizinho, onde podem acessar o transporte em horários limitados, havendo uma distância superior a dois quilômetros.

O Sr. Maurino afirma ter um carro Ford Ecosport ano 2006, que permanece com o filho Lucas em Blumenau, pois como nenhum deles na família sabe dirigir, Lucas, nos finais de semana, costuma os levar para locais que precisam. Em situações de urgência utilizam aplicativo ou táxi.

Anterior a pandemia Maurício frequentava diariamente a APAE, utilizando junto com a genitora o transporte oferecido pela instituição.

Os demais membros, Maria, Maurício e Marcelo não possuem bens móveis.

7- Aspectos socioeconômicos:

A família no momento esta inserida a uma realidade socioeconômica modesta e com características que apontam para uma gradativa precarização econômica que os remete a vivências produzidas pelo processo de empobrecimento.

A Sra. Maria não possui renda, o Sr. Maurício esta incluso ao BPC, lembrando que o salário mínimo que recebe não pode ser contato no montante da renda familiar para fins de benefício como novo BPC, conforme Art. 20, § 14. da LOAS

“O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo.”

O Sr. Maurino apresentou declaração da atividade enquanto MEI, com valor anual de quinze mil reais anual, ou mil, duzentos e cinquenta reais ao mês. O trabalho que desenvolve não é constante, logo a renda é variável e imprecisa.

O Sra. Marcelo apresentou declaração da atividade enquanto MEI, com valor anual de seis mil reais anual ou quinhentos reais ao mês. O trabalho que desenvolve não é constante, logo a renda é variável e imprecisa, vindo com a pandemia sofrer uma queda significativa.

O grupo familiar não apresenta outras fontes de renda e registram demanda junto a APAE de repasse de alimentos e roupas.

De acordo com a assistente social da APAE de Indaial, sempre que possível são repassados alimentos e vestuário a família, sinalizando que o aluno Maurício frequenta a APAE há muitos anos e o vestuário utilizado sempre fora o resultante das doações, acrescentando que a Sra. Maria também faz uso das roupas doadas. Com o auxílio que recebem da APAE, a família deixa de buscar por outros nas políticas públicas do executivo local.

A realidade observada no contexto da residência da família, reflete a renda que afirmam ter acesso, vindo o BPC de Maurício ser utilizado de forma integral na compra de alimentos, enquanto os Srs. Maurino e Marcelo são responsáveis por outras despesas.

Ao se tratar dos gastos domésticos, apresentaram documentos como notas fiscais e outros comprovantes que sinalizam:

- Alimentação, material de higiene e limpeza: R$ 1.500,00

- Energia elétrica: média de R$ 250,00

- Telefones celulares de Maria, Maurino e Marcelo: R$ 160,00

- Internet: R$ 83,00

- Gás: R$ 120,00

A família refere ter raro gasto com medicação, pois utilizam a disposta pelo SUS e quanto a vestuário, somente compram quando não recebem por doação, como ocorre com sapatos, tênis ou chinelos.

Os gastos apresentados, sinalizam uma média mensal de R$ 2.113,00. Observando-se que tal valor consome parte significativa da renda familiar, que sem contar o BPC de Maurício esta restrita a R$ 1.750,00.

O Sr. Maurino apresenta como bem um carro já citado anteriormente e os demais membros, Maria, Maurício e Marcelo não possuem bens móveis ou imóveis.

8 – Contextualização familiar:

A família da requerente há um pouco mais de um ano passou a estar configurada pelos quatro membros descritos. Por muitos anos a Sra. Maria com o filho Maurício viveu na edificação da antiga escola que foi demolida. Naquele espaço considera haver vivido também com o último esposo, ocorrendo a separação antes de passar a viver com o filho Maurino.

A Sra. Maria compreende viver de “favor” na casa do filho, apresentando preocupações com o futuro, pois embora demonstrem manter um relacionamento regular, teme que Maurino possa cansar da rotina, das demandas que ela e Maurício apresentam.

Maurício pela condição da deficiência, apresenta comportamento que demanda de todos os membros da família constante cuidado, atenção e proteção, há situações que costuma ficar muito agitado e embora a família receba orientações dos profissionais da APAE, o esgotamento é visualizado nas falas que apresentam.

Devido a realidade de pandemia, Maurício deixou de frequentar a APAE, havendo um planejamento para que retorne a instituição dois dias por semana. Enquanto isso a família recebe com frequência, visitas da equipe técnica e atendimentos online.

Ao que se refere a saúde do grupo, a Sra. Maria apresenta quadro de hipertensão e doenças decorrentes do envelhecimento, fazendo uso de medicamentos e consultas disponibilizadas no Sistema Único de Saúde -SUS. O Sr. Maurício faz uso de medicação controlada para dormir e também é acompanhado junto ao SUS. O Sr. Maurino não apresenta problemas de saúde e o Sr. Marcelo refere epilepsia, fazendo uso de medicação controlada e acompanhamento também junto ao SUS, descrevendo a doença como controlada, mas que já trouxe prejuízos em sua vida no passado.

Observou-se que a família faz uso do sistema público para o atendimento na área da saúde, procurando por atendimento na unidade de saúde de referência da localidade em que reside, situada há uma distância de dois a três quilômetros da moradia. Devido a dificuldade para o deslocamento da Sra. Maria e do filho Maurício, geralmente, os profissionais de saúde acabam se deslocando até a casa, vindo a agente de saúde realizar a mediação para isso.

A família pelo local que vive e a dificuldade com o deslocamento, acaba passando por limitações na socialização com outros grupos, espaços e o convívio na comunidade. Geralmente os filhos da Sra. Maria a visitam e alguns conhecidos, havendo a requerida se emocionado ao tratar de tal realidade, que compreende que se mostrou mais desafiadora após a pandemia. Na vida em comunidade, descreve frequentar uma instituição religiosa com periodicidade quinzenal se possível, quando outros membros do local a buscam.

9 - Parecer Técnico

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) é uma conquista do movimento de redemocratização no país durante a década de 1980 que culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988. O moderno ordenamento jurídico que a Carta Magna instaura na sociedade brasileira está impregnado de princípios éticos e sociais, como a dignidade da pessoa humana e a busca pela superação das desigualdades sociais históricas.

A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS) emerge neste ordenamento constitucional, com a finalidade de regulamentar os princípios éticos e sociais e fundar a Política Nacional de Assistência Social como instrumento do Estado Brasileiro na sua consecução.

O Benefício de Prestação Continuada (BPC) foi instituído na qualidade de garantia constitucional com o objetivo de assegurar às pessoas idosas ou com deficiência o acesso à renda de um salário mínimo que, presumidamente, deve atender à satisfação de todas suas necessidades básicas. Regulamentado pela LOAS, embora operacionalizado pela Previdência Social, o BPC se destina a proteger a cidadania desta população, reconhecida enquanto sujeitos de direitos.

O presente estudo possui como requerente, pessoa idosa, que busca judicialmente o acesso ao BPC.

Para se apresentar a realidade vivenciada pela requerente e responder as disposições dos autos, num primeiro momento se faz necessário delimitar a composição da família da requerente. O art. 20, §1º da LOAS, com a redação dada pela Lei n.º 12.435, de 7 de dezembro de 2011, estabelece, para tanto, o seguinte critério: "Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto". Conforme a descrição da linha de parentesco feita no relato da situação, vivem "sob o mesmo teto" a requerente e três filhos adultos, um deles com deficiência intelectual grave e com demandas de cuidado constante. Logo, a composição da família, no caso é dada por quatro pessoas.

Na definição da renda familiar a ser computada, destaca-se que o salário mínimo que Maurício recebe, não pode ser contato no montante da renda familiar para fins de benefício como novo BPC, conforme Art. 20, § 14. da LOAS. Além disso, o disposto no Ar. 20-A da LOAS , trata que em razão do estado de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Covid-19), o critério de aferição da renda familiar mensal per capita previsto no inciso I do § 3º do art. 20 poderá ser ampliado para até 1/2 (meio) salário-mínimo.

Neste sentido a renda familiar da requerida no momento esta restrita a apresentada pelos dois filhos que vivem no local e alcança a soma de R$ 1.750,00, R$ 437,50 por pessoa, valor este inferir ½ salário mínimo. Para refletir-se sobre o valor que a família tem acesso, cabe considerar, que o custo médio da chamada cesta básica entre os meses de abril e maio de 2021 em Florianópolis, capital de referência para o estado de Santa Catarina, informado pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), é de R$ 636,96 (DIEESE, s.d.) para um indivíduo adulto. Como se vê, o valor de corte na LOAS se encontra R$ 86,96 abaixo da renda per capita necessária ao suprimento para alimentação essencial mensal de um indivíduo adulto.

Ao que se refere as condições de habitação: esta situada em área invadida, não há documentação, é mista (alvenaria e madeira), inacabada, nem todas paredes são rebocas, a pintura e conservação demandam de reforma. A mobília e eletrodomésticos, são desgastados pelo tempo de uso e sinalizam uma vida modesta. O terreno apresenta uma pequena área sem construção que não comporta a criação de animais ou o plantio.

Ao que se refere ao relato do trabalho na vida da requerente, reflete a realidade sociocultural de muitas mulheres nesta faixa etária, havendo a Sra. Maria se dedicado ao cuidado do filho com deficiência intelectual grave.

Considerando a realidade vivenciada pela requerente, observa-se que a condição socioeconômica a que se insere reflete significativas limitações no acesso a bens e serviços essenciais a sobrevivência, sinalizando a existência de critérios que a direcionam para a necessidade de inclusão ao BPC, sugerindo-se ainda encaminhamento para política pública habitacional do município, observando-se ainda lei especifica direcionada ao idoso na inclusão habitacional.

Como se percebe, o núcleo familiar é composto por 04 pessoas - pela autora e seus 03 filhos, Maurício, Maurino e Marcelo.

A fonte de renda do núcleo familiar é proveniente: (1) do benefício assitencial de amparo à pessoa com deficiência percebido por Maurício, no valor de 1 salário mínimo; (2) do salário de Maurino como pedreiro autônomo, no valor aproximado de R$ 1.250,00; e (3) do salário de Marcelo como auxiliar de lavação autônomo, no montante variável de cerca de R$ 500,00.

Sucede que, conforme fundamentação supra, devem ser desconsiderados para o cálculo da renda familiar os valores auferidos pelo filho Maurício a título de benefício assistencial em razão de deficiência (NB 87/127.366.138-6), o qual é percebido desde 10-03-2003.

Logo, excluindo-se os valores do benefício supracitado, verifica-se que a renda mensal é de aproximadamente R$ 583,33. Resta demonstrada a condição de miserabilidade, haja vista a renda mensal per capita familiar inferior a ½ do salário mínimo.

Os gastos mensais, por sua vez, equivalem a aproximadamente R$ 2.113,00, com elementos essenciais como alimentação, materiais de higiene, energia elétrica, telefones, internet e gás.

Julgo importante mencionar, também, que a presença de pessoa com deficiência, com as limitações verificadas no caso concreto com relação ao filho Maurício, revela-se mais um indicador de vulnerabilidade, uma vez que implica em sobrecarga de cuidados e necessidade de monitoramento constante por parte da família.

Nesse sentido, houve registro, pela assistente social, de que Maurício conta com 44 anos, é pessoa com deficiência intelectual grave, não foi alfabetizado e recebe acompanhamento da APAE, demandando cuidado em tempo integral.

Assim, "dada a deficiência não apresenta autonomia para capacidade funcional, com limitações frente as atividades básicas da vida diária (usar o banheiro sem supervisão, vestir-se, alimentar-se) e atividades instrumentais da vida diária (andar perto de casa, sair, fazer compras)". A autora, inclusive, nunca pôde exercer atividade laborativa, em razão dos cuidados dedicados ao filho.

A assistente social ressaltou, por fim, que as condições de moradia são precárias e que a família "está inserida em uma realidade socioeconômica modesta e com características que apontam para uma gradativa precarização econômica que os remete a vivências produzidas pelo processo de empobrecimento".

Portanto, diante do conjunto probatório, entendo que se encontra configurada, na hipótese dos autos, a situação de risco social necessária à concessão do benefício.

Comprovados o requisito etário da parte autora e a situação de risco social em que vive, tem direito à concessão do benefício assistencial de prestação continuada desde a data do requerimento administrativo (28-02-2018).

Por tais razões, no ponto, nego provimento ao apelo do INSS.

Correção monetária e juros moratórios

A atualização monetária, incidindo a contar do vencimento de cada prestação, deve-se dar pelos índices oficiais, e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam: IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n. 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, conforme o art. 31 da Lei n. 10.741/03, combinado com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP n. 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91, e REsp. n. 1.103.122/PR). A partir de 30-06-2009 até 08-12-2021, aplica-se o IPCA-E, consoante julgamento do RE n. 870.947 (Tema STF 810).

Quanto aos juros de mora, entre 29-06-2009 e 08-12-2021, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice oficial aplicado à caderneta de poupança, por força da Lei n. 11.960/2009, que alterou o art. 1º-F da Lei n. 9.494/97, conforme decidido pelo Pretório Excelso no RE n. 870.947 (Tema STF 810).

A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".

Portanto, sem razão o INSS, já que pretendida a aplicação da TR, devendo ser determinada de ofício a alteração do INPC para o IPCA-E até 08-12-2021 e para a SELIC a partir de 09-12-2021, nos termos da fundamentação supra.

Honorários advocatícios

Considerando que a sentença foi publicada após 18-03-2016, data definida pelo Plenário do STJ para início da vigência do NCPC (Enunciado Administrativo nº 1-STJ), bem como o Enunciado Administrativo n. 7 do STJ (Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 demarço de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC), aplica-se ao caso a sistemática de honorários advocatícios ora vigente.

Desse modo, tendo em conta os parâmetros dos §§ 2º, I a IV, e 3º, do art. 85 do NCPC, bem como a probabilidade de o valor da condenação não ultrapassar o valor de 200 salários mínimos, mantenho os honorários advocatícios em 10% sobre as parcelas vencidas até a data da sentença (Súmulas 111 do STJ e 76 desta Corte), consoante as disposições do art. 85, § 3º, I, do NCPC, ficando ressalvado que, caso o montante da condenação venha a superar o limite mencionado, sobre o valor excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.

Doutra parte, considerando o disposto no § 11 do art. 85 do NCPC, bem assim recentes julgados do STF e do STJ acerca da matéria (v.g. ARE971774 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. EDSON FACHIN, PrimeiraTurma, DJe 19-10-2016; ARE 964330 AgR, Relator p/ Acórdão: Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 25-10-2016; AgIntno AREsp 829.107/RJ, Relator p/ Acórdão Ministro MARCO BUZZI, Quarta Turma, DJe 06-02-2017 e AgInt nos EDcl no REsp1357561/MG, Relator Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Terceira Turma, DJe de 19-04-2017), majoro a verba honorária para 12%, devendo ser observada a mesma proporção de majoração sobre eventual valor que exceder o limite de 200 salários-mínimos.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação do INSS.



Documento eletrônico assinado por GABRIELA PIETSCH SERAFIN, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004208844v9 e do código CRC c8f1d18b.Informações adicionais da assinatura:
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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5007248-50.2023.4.04.9999/SC

RELATORA: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA ROSA

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. REQUISITO ETÁRIO. SITUAÇÃO DE RISCO SOCIAL. REQUISITOS PREENCHIDOS. correção monetária.

1. O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: a) condição de pessoa com deficiência (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante alterações promovidas pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011, e nº 12.470, de 31-08-2011 e, atualmente, impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, a partir da entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência, em 02-01-2016) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) da parte autora e de sua família.

2. Comprovado o preenchimento dos requisitos legais, deve ser concedido o benefício em favor da parte autora, desde a data do requerimento administrativo (28-02-2018).

3. A atualização monetária, incidindo a contar do vencimento de cada prestação, deve-se dar pelos índices oficiais, e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam: IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei n. 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei n. 8.880/94) e INPC (04/2006 a 06/2009, conforme o art. 31 da Lei n. 10.741/03, combinado com a Lei n. 11.430/06, precedida da MP n. 316, de 11-08-2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n. 8.213/91, e REsp. n. 1.103.122/PR). A partir de 30-06-2009 até 08-12-2021, aplica-se o IPCA-E, consoante julgamento do RE n. 870.947 (Tema STF 810).

4. A partir de 09-12-2021, para fins de atualização monetária, impõe-se a observância do art. 3º da Emenda Constitucional n. 113/2021, segundo o qual, "nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente".

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 12 de dezembro de 2023.



Documento eletrônico assinado por GABRIELA PIETSCH SERAFIN, Juíza Federal Convocada, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004208845v5 e do código CRC 0a9771b2.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): GABRIELA PIETSCH SERAFIN
Data e Hora: 14/12/2023, às 18:19:43


5007248-50.2023.4.04.9999
40004208845 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 29/12/2023 04:00:59.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/12/2023 A 12/12/2023

Apelação Cível Nº 5007248-50.2023.4.04.9999/SC

RELATORA: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA ROSA

ADVOGADO(A): JORGE BUSS (OAB SC025183)

ADVOGADO(A): PIERRE HACKBARTH (OAB SC024717)

ADVOGADO(A): SALESIO BUSS (OAB SC015033)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/12/2023, às 00:00, a 12/12/2023, às 16:00, na sequência 1003, disponibilizada no DE de 23/11/2023.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN

Votante: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 29/12/2023 04:00:59.

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