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EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. EPI. DIVERGÊNCIA NA PROVA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. TRF4. 5011241-04.2023.4.04.9999

Data da publicação: 21/12/2023, 11:01:34

EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. EPI. DIVERGÊNCIA NA PROVA. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO. BENEFÍCIO CONCEDIDO. 1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria especial. 2. Havendo divergência entre o formulário PPP, o LTCAT e a perícia judicial, impõe-se, com fundamento no princípio da precaução, acolher a conclusão da asserção mais protetiva da saúde do trabalhador. 3. A utilização de EPIs é irrelevante para o reconhecimento da nocividade do labor prestado no período anterior a 03 de dezembro de 1998, a partir de quando a exigência de seu fornecimento e uso foi traçado pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89. 4. O uso de equipamentos de proteção individual, no caso de exposição a ruído, ainda que reduza os níveis do agente físico a patamares inferiores aos previstos na legislação previdenciária, não descaracteriza a nocividade do labor. Entendimento em consonância com o julgamento do Tema 555, exarado pelo STF no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335, com repercussão geral reconhecida. 5. No julgamento do Tema nº 555, o STF assentou que a nocividade do labor é neutralizada pelo uso eficaz de EPIs. Porém, o simples fornecimento pelo empregador de cremes de proteção para mãos não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes químicos nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador, a teor do art. 279, § 6º, da IN/INSS nº 77/2015. 6. A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do Tema nº 15, concluiu por fixar a tese jurídica de que a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório (IRDR nº 5054341-77.2016.4.04.0000, Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, julgado em 22/11/2017). 7. Diferida a definição sobre o termo inicial dos efeitos financeiros do benefício para a fase de cumprimento de sentença, para que venha a ser adotada a tese a ser definida pelo STJ no julgamento do Tema nº 1.124. Julgada prejudicada a apelação, no tópico. (TRF4, AC 5011241-04.2023.4.04.9999, NONA TURMA, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 13/12/2023)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011241-04.2023.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LEONIR ALCEU ELSNER

RELATÓRIO

Trata-se de apelação cível interposta contra sentença, publicada em 27/06/2023, proferida nos seguintes termos (evento 129, SENT1):

Ante o exposto, JULGO PROCEDENTE, com fundamento no art. 487, inc. I, do Código de Processo Civil, o pedido formulado por LEONIR ALCEU ELSNER para:

a) RECONHECER como tempo de serviço sob condições especiais o período compreendido entre 6.3.1997 a 18.11.2003, o que representa 6 anos, 8 meses e 13 dias de tempo especial; e

b) CONCEDER a tutela de urgência e DETERMINAR que o réu implemente, em favor da parte autora, o benefício da aposentadoria especial, no prazo de 15 (quinze) dias, fazendo-o retroativamente à data de entrada do requerimento administrativo, ocorrido em 2.2.2017.

Por sua vez, verificado o retorno ao labor nocivo ou sua continuidade após a implementação do benefício, deve ser cessada a aposentadoria especial, na forma do Tema 709 do STF.

Nas parcelas vencidas antes da Emenda Constitucional n. 113/2021, a correção monetária incide desde o vencimento de cada parcela inadimplida, uma única vez, com base no INPC, afastada a aplicação do art. 1.º-F, da Lei 9.494/97 (RE n.º 870.947, ADIs n.ºs 4.357 e 4.425). A partir da citação, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, a título de juros de mora, dos índices aplicados à caderneta de poupança (art. 1º-F, da Lei n. 9.494/1997, pela Lei n. 11.960/2009).

Após a edição da Emenda Constitucional n. 113/2021, em todas as parcelas e de forma exclusiva, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.

Em relação às custas processuais, deverá ser observado o seguinte: a) tratando-se de ação ajuizada na vigência da LCE n. 156/1997 (na redação dada pela LCE n. 524/2010), o INSS responde por metade das custas processuais (art. 33, § 1º); e b) tratando-se de ação ajuizada a partir de 1º de abril de 2019, na vigência da Lei Estadual n. 17.654/2018, o INSS é isento da taxa de serviços judiciais (art. 7º, inc. I), de natureza tributária, o que não se estende às despesas processuais, de natureza não tributária (gastos operacionais dirigidos a pessoas internas ou externas ao Poder Judiciário).

Condeno o INSS ao pagamento dos honorários advocatícios, estes fixados em 10% sobre o valor das prestações vencidas, nos termos do art. 85, §3º, inc. I do CPC e Súmula 111 do STJ.

Requisite-se o pagamento dos honorários periciais.

Sentença não sujeita à remessa necessária, uma vez que os valores não ultrapassarão o montante previsto no art. 496, § 3º, inc. I, CPC.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Transitado em julgado, arquivem-se os autos.

Em suas razões recursais, o órgão previdenciário investe contra o reconhecimento da atividade especial no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, sob os seguintes argumentos: (a) deve ser aceito o PPP, embora impugnado pela parte autora, pois devidamente preenchido pela empresa, conforme determina o art. 58, § 1º, da Lei nº 8.213/91; (b) a nocividade foi neutralizada pela utilização de EPIs eficazes. Pretende que os efeitos financeiros da concessão do benefício tenham como marco inicial a data da juntada da prova do direito alegado, e não a DER. Prequestiona afronta à matéria altercada (evento 135, APELAÇÃO1).

Com contrarrazões (evento 140, CONTRAZ1), foram os autos remetidos a esta Corte para julgamento do recurso.

É o relatório.

VOTO

Limites da controvérsia

Considerando-se que não se trata de hipótese de reexame obrigatório da sentença (art. 496, § 3º, inciso I, do CPC) e à vista dos limites da insurgência recursal, as questões controvertidas nos autos cingem-se à validade do PPP, ao uso eficaz dos EPIs no período controvertido (de 06/03/1997 a 18/11/2003) e ao termo inicial dos efeitos financeiros do benefício. Pois bem.

Exame do tempo especial no caso concreto

A magistrada a quo reconheceu a especialidade da atividade no período de 06/03/1997 a 18/11/2003, nos seguintes termos:

No caso em apreço, o laudo pericial concluiu:

No período de 6.3.1997 a 18.11.2003, na função de dobra de tubos na empresa IDM Metalúrgica Ltda, o autor esteve exposto, de forma habitual e permanente, ao agente físico ruído de 85,9dB(A), abaixo do limite de tolerância de 90 dB(A), e a agentes químicos (óleos e graxas minerais).

Considerando a exposição a agentes químicos, que efetivamente ocorria de forma habitual e permanente, consoante se extrai do evento 119, presente o enquadramento como atividade especial.

Assim, deve ser considerado como especial o período de 6.3.1997 a 18.11.2003, o que representa 6 anos, 8 meses e 13 dias de tempo especial.

O INSS não questiona o enquadramento pelo agente químico. A controvérsia reside tão somente na utilização da perícia judicial, em detrimento do formulário PPP, e na eficácia dos EPIs.

Não se pode olvidar que a presunção de veracidade das informações insertas nos formulários PPP e laudos emitidos pelas empresas não é absoluta. A teor do art. 371 do CPC, o julgador pode valorar livremente as provas anexadas aos autos, desde que apresente os fundamentos que assentaram o seu convencimento.

Como qualquer outro documento submetido ao juízo no processo previdenciário, o PPP tem sua veracidade e eficácia passível de exame sem qualquer limitação. Também o INSS não necessita ir à Justiça do Trabalho para sustentar a incorreção, ou mesmo a falsidade, de eventual PPP que padeça de vícios tais como "reconhecer como especial atividade que não o seja". Não há qualquer limitação, ressalte-se, à cognição que se estabelece no processo previdenciário, nem vertical nem horizontal. Aliás, não se pode confundir cognição judicial com competência.

Veja-se que mesmo quando reconhecida na Justiça do Trabalho a relação de emprego, matéria típica da sua esfera de competência, a decisão não faz coisa julgada na Justiça Previdenciária. Tudo o que diga respeito ao reconhecimento da especialidade é matéria própria do direito e do processo previdenciário, que, tem-se dito amiúde, guarda autonomia ampla, sobretudo probatória, em relação à ação trabalhista. Eventualmente, alguma prova produzida na Justiça do Trabalho pode vincular ao juízo previdenciário, mas, de regra, isso não ocorre, como tem assentado a jurisprudência remansosa.

Basta lembrar o caso da insalubridade reconhecida na Justiça do Trabalho, que pode não ser acolhida no Processo Previdenciário como absoluta e irrecusável. Os limites e parâmetros são diferentes. Institutos como PPP, EP e neutralização da nocividade são matérias tipicamente previdenciárias, sobre as quais, inclusive, o STF tem se debruçado sem qualquer limitação de cognição em processos previdenciários (vide ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015).

Da mesma forma, este Tribunal assim o fez, tratando sem qualquer limitação cognitiva, destes temas (PPP, EPI, neutralização das nocividade, natureza absoluta ou relativa), no IRDR n. 15, tendo fixado tese jurídica acerca da matéria, cujo mérito está sendo amplamente rediscutido no âmbito do STJ uma vez afetado em recurso repetitivo que aguarda julgamento, mas que, porque não houve determinação de sobrestamento dos processos nesta instância, deve ser provisoriamente adotado, ao menos com eficácia persuasiva, sobretudo quando o julgamento ocorre no âmbito do mesmo tribunal que fixou dita tese jurídica, ainda provisória, repita-se, mas amplamente discutida na 3ª Seção e, portanto, acreditada.

Por outro lado, havendo divergência entre o formulário PPP e o laudo pericial, destaco que, quando estamos diante de situações de incerteza científica relacionada aos efeitos nocivos do meio ambiente do trabalho na saúde humana, recomenda-se uma solução judicial acautelatória, de maneira a proteger o fundamental bem da vida que se encontra em discussão - direito à saúde -, direito este que se relaciona, no presente caso, com a contagem diferenciada do tempo de serviço e saída antecipada do trabalhador, mediante concessão de aposentadoria especial. Uma das consequências dessas premissas é a de que, uma vez identificada situação de divergência nas conclusões periciais, retratadas por laudos técnicos ambientais, impõe-se, com fundamento no princípio da precaução, acolher a conclusão da asserção mais protetiva da saúde do trabalhador.

Realmente, em caso análogo, este Regional já decidiu que, Havendo divergência entre o PPP e o laudo pericial judicial, devem prevalecer as conclusões constantes deste último, uma vez que elaborado com todas as cautelas legais, por profissional da confiança do juízo, legalmente habilitado para tanto, e equidistante das partes. (TRF4, AC 5001302-68.2013.4.04.7212, NONA TURMA, Relator CELSO KIPPER, juntado aos autos em 29/09/2022).

No caso, verifica-se que o laudo técnico, que atesta a sujeição do obreiro a agentes químicos, corroborou as informações contidas no PPP (evento 1, INF6, pp. 11/15), sendo inquestionável o enquadramento da atividade desempenhada pela parte autora.

A nocividade não foi neutralizada pelo uso de EPIs. A um, porque a utilização de equipamentos de proteção individual é irrelevante para o reconhecimento das condições especiais, prejudiciais à saúde ou à integridade física do trabalhador, da atividade exercida no período anterior a 03 de dezembro de 1998, a partir de quando a exigência de seu fornecimento e uso foi disposta pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89. A dois, porque o Supremo Tribunal Federal, em regime de repercussão geral, deixou assentado que O direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial (ARE nº 664.335, Tribunal Pleno, Relator Ministro Luiz Fux, DJE 12/02/2015).

Todavia, o simples fornecimento do EPI pelo empregador não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, a sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador. Tal interpretação, aliás, encontra respaldo no próprio regramento administrativo do INSS, conforme se infere do art. 279, § 6º, da IN/INSS nº 77/2015.

A respeito do ônus da prova, especificamente, sobre a eficácia, ou não, do EPI, faço as seguintes ponderações.

O entendimento tradicional (estático) sobre o ônus da prova indica que este recai sobre aquele que alega.

Contudo, tal regra pressupõe de uma maneira formal e abstrata uma igualdade de partes, que pode não estar refletida no caso concreto.

Assim, ao lado da regra geral, o novo CPC acolheu paralelamente a concepção da distribuição dinâmica do ônus da prova, ou seja, o encargo é atribuído a quem estiver mais próximo dos fatos e tiver maior facilidade de provar:

Art. 373. O ônus da prova incumbe:

I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito;

II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.

§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

§ 2º A decisão prevista no § 1o deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.

§ 3º A distribuição diversa do ônus da prova também pode ocorrer por convenção das partes, salvo quando:

I - recair sobre direito indisponível da parte;

II - tornar excessivamente difícil a uma parte o exercício do direito.

No mesmo sentido é a lição de Artur Thompsen Carpes (Ônus dinâmico da prova. Porto Alegre: Livr. do Advogado, 2010, fl. 85/86):

A transferência do ônus probatório, portanto, vai ao ensejo da tutela do direito fundamental à igualdade substancial das partes no processo: se a produção da prova é muito difícil ao autor e, em contrapartida, encontra-se melhor ao alcance do réu, apenas com a dinamização dos ônus probatórios é que será possível a adequada e efetiva tutela jurisdicional. Caso fosse mantida a distribuição estática prevista no art. 333 do CPC, resplandeceria a inconstitucionalidade do procedimento provatório, por manifesta violação ao art. 5º, XXXV, da Constituição, que outorga o direito fundamental de acesso à justiça mediante a observância da igualdade substancial de participação das partes no aporte da prova destinada à formação da convicção do órgão judicial.

A dinamização, in casu, revela-se técnica para conformação constitucional do procedimento probatório, quando o modelo básico ditado pela lei, em face das peculiaridades do caso concreto, não se ajusta aos preceitos constitucionais.

(...) considerando que ao juiz, a teor do que predispõe a Constituição e o próprio Código de Processo Civil em seu art. 125, I, é imposto o dever de 'assegurar às partes igualdade de tratamento', revela-se cristalino que se trata de verdadeiro dever do órgão judicial a utilização da técnica da dinamização dos ônus probatórios, quando verificada a dificuldade de acesso à prova pela parte onerada em detrimento da facilidade da outra.

Nessa quadra, em possuindo uma das partes melhores condições de provar, segundo as circunstâncias materiais do caso concreto, a dinamização funciona como filtro isonômico do direito fundamental à prova: o exercício desse direito é ajustado em concreto, evitando tratamento discriminatório a qualquer das partes na sua atividade probatória em face da distribuição estática positivada na lei'.

Sobre a possibilidade e adequação da distribuição dinâmica do ônus da prova no processo previdenciário, leciona Adriano Mauss (Princípio da cooperação no novo CPC - Novas perspectivas para a solução dos litígios previdenciários, obtido em http://www.ltr.com.br/loja/folheie/5474.pdf):

No novo CPC, também é interessante a regra trazida pelo art. 373, especialmente no seu § 1º, o qual se refere aos poderes dados ao juiz no que tange à determinação a quem deve ser imposto o ônus da prova (...).

O NCPC positivou uma teoria já utilizada em certa medida pelos tribunais, que se denomina 'distribuição dinâmica do ônus da prova' (THEODORO JUNIOR, 2014). Com base nesse dispositivo legal e vislumbrando o que leciona a doutrina, abre-se a possibilidade de aplicar, nos processos que envolvam lides previdenciárias, esse expediente. O sentido será de fazer com que o INSS cumpra o seu dever institucional de buscar, efetivamente, a prova de fatos que possam constituir o direito do cidadão. De acordo com a própria Instrução Normativa INSS/Pres. n. 77/2015, o dever probatório cabe ao INSS, conforme segue:

Art. 680. As atividades de instrução destinadas a averiguar e comprovar os requisitos legais para o reconhecimento de direito aos benefícios e serviços da Previdência Social serão realizadas pelo INSS, seja o processo constituído por meio físico ou eletrônico. Parágrafo único. O não cumprimento de um dos requisitos legais para o reconhecimento de direitos ao benefício ou serviço não afasta o dever do INSS de instruir o processo quanto aos demais.

Então, cabe ao INSS provar fato constitutivo de direito do requerente no Processo Administrativo. Muitos profissionais do Direito e, principalmente, a população não têm conhecimento dessa regra administrativa, que é extremamente vantajosa ao segurado. Quando se busca o direito na esfera judicial, o ônus probatório se inverte e a incumbência passa a ser do segurado, ou autor nesse momento (inciso I do art. 373 do NCPC) (DINAMARCO. 2002. p. 71). Entretanto, como foi observado anteriormente, o NCPC permite, expressamente, a alteração do ônus da prova, por decisão fundamentada do juiz, no momento adequado do processo, que é a fase de saneamento (NCPC, art. 357, inciso III). Tendo em vista as características do processo previdenciário, essa inversão seria plenamente possível, principalmente para realizar atos que seriam deveres institucionais do INSS, tais como realização de vistoria técnica em empresas (a fim de apurar possíveis condições insalubres), perícias médicas (para avaliação de incapacidades), justificações administrativas (a fim de comprovar tempos de contribuição, união estável, exercício de determinada profissão etc.) e pesquisa externa (a fim de averiguar alguma irregularidade, confirmar algum fato alegado pelo segurado no processo ou confirmar declarações emitidas por empresas, dentre outras possibilidades). Todas essas ferramentas probatórias estão dentro da disciplina normativa aprovada pela própria Autarquia, entretanto, nem sempre são plenamente utilizadas pelos servidores devido aos fatos já mencionados anteriormente (cumprimento de metas, desconhecimento etc.). Por vezes, ainda que sejam realizadas, pode ocorrer que elas não sejam devidamente formalizadas e não sirvam como prova efetiva, visto que se tornaram ilegais. Diante disso, é necessário que os órgãos externos fiscalizem e que o INSS execute medidas de qualificação de sua massa de servidores a fim de que estes possam cumprir a contento essas atribuições. Portanto, é necessário que as perícias sejam realizadas por profissionais capacitados e que saibam avaliar, efetivamente, a incapacidade dos segurados sob o ponto de vista incapacidade 'versus' ocupação. Além disso, é preciso que as decisões de mérito proferidas nos processos administrativos sejam mais bem fundamentadas, que as diligências probatórias sejam realizadas de acordo com os regulamentos editados pela administração, dentre outras medidas de melhoria.

A temática do fornecimento de EPI eficaz é terreno fértil para que se faça a distribuição dinâmica do ônus da prova, a fim de assegurar o cumprimento do princípio de igualdade material no processo e viabilizar a adequada tutela do direito invocado.

Impor ao segurado o ônus de comprovar, além da insalubridade do ambiente, o 'não recebimento/eficácia' do EPI (demonstrando que não houve a entrega de EPI adequado ao seu biotipo, que não houve treinamento na empresa, que os Certificados de Aprovação (CAs) dos EPIs informados nos formulários PPP não eram efetivamente válidos, etc.), pode ser tido como exigência de uma verdadeira prova diabólica. Não há como o empregado exigir do empregador recibos de entrega dos EPIs ou, ainda pior, documento atestando o não fornecimento/inadequação dos equipamentos. Isso sem falar da evidente desvantagem técnica que marca sua posição na produção dessa prova.

Sobre o tema, veja-se lição de Renato Ornellas Baldini (Distribuição dinâmica do ônus da prova no Direito Processual do Trabalho, Dissertação, Mestrado em Ciências Jurídicas e Sociais, Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo , fl. 49, obtido em http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2138/tde-05122013-093647/pt-br.php):

Afirma-se que a prova diabólica estaria relacionada à comprovação de um fato negativo, de modo que a extrema dificuldade ou a efetiva impossibilidade de produzir prova a respeito da negação caracterizaria a probatio diabólica. No entanto, como anteriormente exposto, nem sempre a exigência da prova do fato negativo será configurada como prova diabólica.

A extrema dificuldade ou impossibilidade de produção de prova relaciona-se principalmente às condições da parte onerada, diante das características particulares da demanda. Com efeito, a parte que detém o ônus probatório pode não ter condições materiais, financeiras, técnicas, sociais e informacionais de produzir a prova dos fatos que a beneficiem. A despeito da regra processual, na prática a parte onerada não possui informações, conhecimentos, recursos financeiros e acesso aos meios necessários para produzir a prova imprescindível ao deslinde do feito. Nesses casos é que a configuração da prova diabólica torna-se mais evidente.

Por sua vez, pode-se dizer que é inafastável o dever de fiscalização do INSS. A propósito, leciona Antonio Bazilio Floriani Neto (Precedência da fonte de custeio como elemento indispensável para a aposentadoria especial: uma análise do leading case ARE 664335, Revista de Direito Brasileira, v. 12, nº 5, 2015, fls. 227/254):

Esta premissa encontra fundamento no Código Tributário Nacional, que em seus artigos 119 e 120 dispõem sobre o sujeito ativo da relação tributária:

Art. 119. Sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público, titular da competência para exigir o seu cumprimento.

Art. 120. Salvo disposição de lei em contrário, a pessoa jurídica de direito público, que se constituir pelo desmembramento territorial de outra, subroga-se nos direitos desta, cuja legislação tributária aplicará até que entre em vigor a sua própria.

Sujeito ativo, portanto é a pessoa titular da competência para exigir o cumprimento da obrigação tributária, ou seja, ao tratar-se do Seguro de Acidente de Trabalho (SAT), é o INSS esse sujeito ativo.

Já no que se refere ao encarregado pelo pagamento do tributo, este é definido como sujeito passivo, ou seja, a pessoa obrigada ao pagamento do tributo ou da penalidade tributária estabelecida em lei. Neste caso, ainda existe um desdobramento, porque tem-se o contribuinte, que é aquele com relação pessoal e direta com a situação prevista no fato gerador; e o responsável, que não tem relação pessoal e direta, mas que tem atribuída essa condição especial por força de lei.

Em que pese a evidência e a simplicidade destes conceitos, estes se fazem necessários, pois parecem ser ignorados pelo INSS. Diz-se isto porque no caso do SAT, a empresa é a responsável pela contribuição (art. 121, inciso II, CTN). Não se trata apenas de previsão legal (art. 22, inciso II, da Lei 8.213/91), mas também constitucional (art. 195, I, 'a' e II).

Já à Previdência recaem os ônus pela fiscalização e para exigir o cumprimento da obrigação (artigo 119, do CTN). Não bastasse tal, ao se observar a Instrução Normativa da Receita Federal, IN RFB nº 971/2009, tem-se que este órgão igualmente detém o poder de fiscalizar a regularidade pelo recolhimento do SAT, conforme expressamente prevê o artigo 288, inciso II:

Art. 288. A RFB verificará, por intermédio de sua fiscalização, a regularidade e a conformidade das demonstrações ambientais de que trata o art. 291, os controles internos da empresa relativos ao gerenciamento dos riscos ocupacionais, em especial o embasamento para a declaração de informações em GFIP, de acordo com as disposições previstas nos arts. 57 e 58 da Lei nº 8.213, de 1991.

Parágrafo único. O disposto no caput tem como objetivo:

I - verificar a integridade das informações do banco de dados do CNIS, que é alimentado pelos fatos declarados em GFIP;

II - verificar a regularidade do recolhimento da contribuição prevista no inciso II do art. 22 da Lei nº 8.212, de 1991, e da contribuição adicional prevista no § 6º do art. 57 da Lei nº 8.213, de 1991;

III - garantir o custeio de benefícios devidos.

Ao lado disso, a Instrução Normativa INSS/PRES nº 77, de 21/01/2015, possibilita para a autarquia inúmeras formas de investigações e fiscalizações das condições de trabalho do segurado. O instituto previdenciário detém em seu quadro de funcionários peritos que podem realizar inspeção, solicitar laudos técnicos, sem olvidar aqueles que mantém no arquivo de cada APS.

Dito isso, verifico que a distribuição do ônus da prova em caso como o dos autos é a melhor solução, sendo que o voto condutor nos autos do IRDR nº 15 não exclui, de forma peremptória, a redistribuição.

Assim, é necessária a leitura do voto para a compreensão da decisão da 3ª Seção desta Corte, nos autos do IRDR nº 5054341-77.2016.4.04.0000, Relator para o acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique. Transcrevo, portanto e porque oportuno, excerto deste:

" ... E como o segurado poderá realizar este 'desafio' probatório?

A primeira (e mais difícil via) é a juntada de uma perícia (laudo) particular que demonstre a falta de prova técnica da eficácia do EPI - estudo técnico-científico considerado razoável acerca da existência de dúvida científica sobre a comprovação empírica da proteção material do equipamento de segurança.

Também pode ser juntada uma prova judicial emprestada, por exemplo, de um processo trabalhista onde tal ponto foi questionado. Outrossim, deve ser lembrado que existem já experiências com banco de perícias tanto na Justiça Federal como na Justiça Laboral, que podem ser utilizados como prova emprestada.

Reconheço que essas duas primeiras vias são 'dolorosas' para o segurado, pois sobre ele está todo o ônus de apresentar um estudo técnico razoável que aponte a dúvida científica sobre a comprovação empírica da eficácia do EPI.

Nesse sentido, entendo que a terceira (e última via que sugiro) será a de maior uso. E ela é a prova judicial solicitada pelo segurado (após analisar o LTCAT e o PPP apresentados pela empresa ou INSS) e determinada pelo juiz com o objetivo de requisitar ao perito judicial que ateste a existência de estudo técnico prévio ou contemporâneo encomendado pela empresa ou pelo INSS acerca da inexistência razoável de dúvida científica sobre a eficácia do EPI.

Ou seja, se está invertendo - no foro e momento adequado - o ônus da prova, tudo para contemplar o princípio da proteção do segurado hipossuficiente, bem como o da precaução ambiental-laboral. Quero dizer, ao determinar a produção dessa perícia específica, o juiz obrigatoriamente irá impor ao INSS ou empresa o ônus de demonstrar que não há dúvida científica razoável sobre a eficácia do EPI, isso através da apresentação de um estudo técnico-acadêmico (com aplicação empírica) prévio ou contemporâneo.

Acaso o perito judicial não encontre tal estudo, a conclusão será a de que o EPI não pode ser considerado eficaz no caso concreto.

Assim, a presente distribuição dinâmica do ônus da prova se mostra a melhor solução neste caso, até porque detalha, efetiva e dá aplicação prática àquilo lançado no precedente vinculante do STF formado no julgamento do ARE 664.335: (grifei)

Em termos esquemáticos, segue um roteiro resumido do procedimento, já levando em conta as considerações lançadas acima:

1 º Passo:

O juiz (a requerimento das partes ou de ofício) deve oficiar ao empregador para que apresente os registros do fornecimento de EPI ao trabalhador, podendo ser 'livros, fichas ou sistema eletrônico' (previsão contida na NR-06 - item 6.6.1 'h').

Não existindo esse controle de fornecimento do EPI a prova pericial será inócua, pois não basta o equipamento ser cientificamente adequado para afastar ou neutralizar a nocividade se não houve o controle do fornecimento e substituição do EPI pelo empregador.

2 º Passo:

Havendo documentação que comprove o fornecimento de EPI, poderá ser designada a realização de perícia nos termos parametrizados neste voto, inclusive para apurar se houve o cumprimento das demais condições previstas na IN INSS 77/2015, art. 279, § 6º, quais sejam:

I - da hierarquia estabelecida no item 9.3.5.4 da NR-09 do MTE, ou seja, medidas de proteção coletiva, medidas de caráter administrativo ou de organização do trabalho e utilização de EPI, nesta ordem, admitindo-se a utilização de EPI somente em situações de inviabilidade técnica, insuficiência ou interinidade à implementação do EPC ou, ainda, em caráter complementar ou emergencial;

II - das condições de funcionamento e do uso ininterrupto do EPI ao longo do tempo, conforme especificação técnica do fabricante, ajustada às condições de campo;

III - do prazo de validade, conforme Certificado de Aprovação do MTE;

IV - da periodicidade de troca definida pelos programas ambientais, comprovada mediante recibo assinado pelo usuário em época própria; e

V - da higienização.

Cumpre ainda observar que existem situações que dispensam a produção da eficácia da prova do EPI, pois mesmo que o PPP indique a adoção de EPI eficaz, essa informação deverá ser desconsiderada e o tempo considerado como especial (independentemente da produção da prova da falta de eficácia) nas seguintes hipóteses:

a) Períodos anteriores a 3 de dezembro de 1998:

Pela ausência de exigência de controle de fornecimento e uso de EPI em período anterior a essa data, conforme se observa da IN INSS 77/2015 -Art. 279, § 6º:

'§ 6º Somente será considerada a adoção de Equipamento de Proteção Individual - EPI em demonstrações ambientais emitidas a partir de 3 de dezembro de 1998, data da publicação da MP nº 1.729, de 2 de dezembro de 1998, convertida na Lei nº 9.732, de 11 de dezembro de 1998, e desde que comprovadamente elimine ou neutralize a nocividade e seja respeitado o disposto na NR-06 do MTE, havendo ainda necessidade de que seja assegurada e devidamente registrada pela empresa, no PPP, a observância: (...)'

b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:

b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, em 13/09/2017)

b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)

b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015:

Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, 19/04/2017 )

Por fim, resta esclarecer, quanto a esse aspecto, que nos casos de empresas inativas e não sendo obtido os registros de fornecimento de EPI, as partes poderão utilizar-se de prova emprestada ou por similaridade (de outros processos, inclusive de reclamatórias trabalhistas) e de oitiva de testemunhas que trabalharam nas mesmas empresas em períodos similares para demonstrar a ausência de fornecimento de EPI ou uso inadequado.

3º Passo:

Esgotada a produção da prova na via judicial e não sendo possível constatar a eficácia do EPI, cabe observar o item 11 do Acórdão do STF no julgamento da Repercussão Geral n.555 (ARE 664335/SC):

'Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial. Isto porque o uso de EPI, no caso concreto, pode não se afigurar suficiente para descaracterizar completamente a relação nociva a que o empregado se submete.'"

Da leitura do excerto acima, em conjunto com a tese transcrita no verbete, tenho, portanto, que não está afastada a possibilidade de inversão do ônus da prova.

Ora, a compreensão que se deve ter é que a juntada de PPP referindo a eficácia do EPI não elide a possibilidade de produção de prova para afastar tal conclusão, sendo que o ônus probatório, de início, é da parte que alega, mas se demonstrado, no caso concreto, que essa prova é diabólica, pode-se, sim, fazer a distribuição de tal prova de forma diversa.

Portanto, analisando o caso concreto, é de ser permitida a realização da distribuição do ônus da prova quanto ao fato modificativo (eficácia do EPI) ao réu, INSS.

Na situação dos autos, não se pode afirmar, exime de dúvidas, que a nocividade foi neutralizada pelo uso de EPIs, quer porque não demonstrado o cumprimento das condições referidas no art. 279, § 6º, da IN/INSS nº 77/2015, quer porque se trata de agente nocivo reconhecidamente cancerígeno (benzeno), quer porque não há conclusão nos LTCATs da empresa quanto à eficácia dos EPIs.

Vale anotar que a utilização de cremes de proteção, devidamente aprovados pelo Ministério do Trabalho e Emprego, não possui o condão de neutralizar a ação dos agentes nocivos a que estava exposto o autor. Com efeito, tais cremes são conhecidos como "luvas invisíveis" e são utilizados por não ocasionarem perda de tato ou movimentação dos trabalhadores. Exatamente em decorrência de tais características, torna-se impossível ao trabalhador a avaliação do nível de proteção a que está sujeito, considerando-se o desgaste natural da camada protetora proporcionada por tais cremes em virtude do manuseio de equipamentos, ferramentas, da fricção das mãos com objetos e roupas e mesmo do suor, aspectos ínsitos à prestação laboral em análise. Torna-se, destarte, praticamente impossível a manutenção de uma camada protetiva contínua e homogênea. Assim, inviável a afirmação de que a utilização apenas de cremes de proteção, ainda que de forma adequada, possui o condão de neutralizar a ação de agentes nocivos químicos.

É que o fornecimento, e até mesmo o uso eficaz, de creme protetor de segurança e luva para proteção contra óleos minerais e graxa são equipamentos destinados tão somente à proteção das mãos e dos braços, promovendo exclusivamente a proteção cutânea. Idêntico raciocínio se aplica aos óculos de proteção e ao guarda-pó. A exposição do trabalhador a hidrocarbonetos aromáticos, como tido acima, causa danos ao organismo que extrapolam as patologias cutâneas.

Realmente, em caso análogo, este Regional já deixou assentado que A exposição do trabalhador a hidrocarbonetos causa danos ao organismo que vão além de patologias cutâneas, de modo que a utilização de EPI promove, tão somente, a proteção cutânea. Assim, afastada a neutralização do agente nocivo pela utilização de EPI. (TRF4, AC nº 5009052-15.2012.4.04.7000, Sexta Turma, Relatora Juíza Federal Bianca Georgia Cruz Arenhart, juntado aos autos em 23/10/2016).

Saliente-se, por oportuno, que, por ocasião da realização da I Jornada de Direito da Seguridade Social do Conselho da Justiça Federal, realizada de 21 a 23 de junho de 2023, foi aprovado Enunciado no sentido de que São admissíveis outros meios de prova, além do PPP (Perfil Profissiográfico Previdenciário), para demonstrar a eficácia ou ineficácia do EPI (Equipamento de Proteção Individual).

Da suposta ausência de contribuição adicional como óbice ao reconhecimento da atividade especial. A inexistência de correlação com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º)

O argumento não prospera. É absolutamente inadequado aferir-se a existência de um direito previdenciário a partir da forma como resta formalizada determinada obrigação fiscal por parte da empresa empregadora. Pouco importa, em verdade, se a empresa entendeu ou não caracterizada determinada atividade como especial. A realidade precede à forma. Se os elementos técnicos contidos nos autos demonstram a natureza especial da atividade, não guardam relevância a informação da atividade na GFIP ou a ausência de recolhimento da contribuição adicional por parte da empresa empregadora.

O que importa é que a atividade é, na realidade, especial. Abre-se ao Fisco, diante de tal identificação, a adoção das providências relativas à arrecadação das contribuições que entender devidas. O raciocínio é análogo às situações de trabalho informal pelo segurado empregado (sem anotação em carteira ou sem recolhimento das contribuições previdenciárias). A discrepância entre a realidade e o fiel cumprimento das obrigações fiscais não implicará, jamais, a negação da realidade, mas um ponto de partida para os procedimentos de arrecadação fiscal e imposição de penalidades correspondentes.

De outro lado, consubstancia grave equívoco hermenêutico condicionar-se o reconhecimento de um direito previdenciário à existência de uma específica contribuição previdenciária. Mais precisamente, inadequada é a compreensão que condiciona o reconhecimento da atividade especial às hipóteses que fazem incidir previsão normativa específica de recolhimento de contribuição adicional (art. 57, §§ 6º e 7º, da Lei nº 8.213/91). E a ausência de contribuição específica não guarda relação alguma com o princípio da precedência do custeio (CF/88, art. 195, §5º).

Note-se, quanto ao particular, que a contribuição adicional apenas foi instituída pela Lei 9.732/98, quase quatro décadas após a instituição da aposentadoria especial pela Lei 3.807/60. Além disso, as empresas submetidas ao regime simplificado de tributação (SIMPLES), como se sabe, não estão sujeitas ao recolhimento da contribuição adicional e essa condição não propicia sequer cogitação de que seus empregados não façam jus à proteção previdenciária diferenciada ou de que a concessão de aposentadoria especial a eles violaria o princípio constitucional da precedência do custeio. E isso pelo simples motivo de que ela decorre, dita proteção à saúde do trabalhador, da realidade das coisas vis a vis a legislação protetiva - compreendida desde uma perspectiva constitucional atenta à eficácia vinculante dos direitos fundamentais sociais. O que faz disparar a proteção previdenciária é a realidade de ofensa à saúde do trabalhador, verificada no caso concreto, e não a existência de uma determinada regra de custeio. Deve-se, aqui também, prestigiar a realidade e a necessidade da proteção social correlata, de modo que a suposta omissão ou inércia do legislador, quanto à necessidade de uma contribuição específica, não implica a conclusão de que a proteção social, plenamente justificável, estaria a violar o princípio da precedência do custeio.

Conclusão quanto ao tempo de atividade especial

Possível o reconhecimento da nocividade do labor prestado no período de 06/03/1997 a 18/11/2003.

Do direito da parte autora à concessão do benefício

Aposentadoria especial

A soma do tempo especial computado administrativamente pelo INSS (21 anos, 11 meses e 21 dias - evento 1, INF7, pp. 7/8 ) com o que está sendo reconhecido em juízo (acréscimo de 6 anos, 8 meses e 13 dias), totaliza 28 anos, 8 meses e 4 dias, suficientes à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (02/02/2017), bem como ao recebimento das parcelas devidas desde então.

Efeitos financeiros da condenação

O Superior Tribunal de Justiça, nos autos do ProAfR no REsp nº 1.913.152/SP, decidiu afetar a matéria à sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1.124), a fim de Definir o termo inicial dos efeitos financeiros dos benefícios previdenciários concedidos ou revisados judicialmente, por meio de prova não submetida ao crivo administrativo do INSS: se a contar da data do requerimento administrativo ou da citação da autarquia previdenciária (Relator Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, sessão virtual realizada entre 15/09/2021 e 21/09/2021).

Houve a determinação de suspensão do processamento de todos os processos pendentes, individuais ou coletivos, que versem acerca da questão delimitada e tramitem no território nacional.

Não obstante, trata-se de assunto secundário dentro da lide, pois não interfere diretamente no reconhecimento do direito à concessão do benefício. A repercussão dar-se-á no cálculo dos valores atrasados, tema típico da fase de cumprimento de sentença, de modo que não há nulidade a ser declarada no caso.

Nesse contexto, deixo de determinar o sobrestamento do feito neste momento. Assim, fica diferida para a fase de cumprimento de sentença a fixação da data de início dos efeitos financeiros, ocasião em que o Juízo deverá observar o que vier a ser definido pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.124 dos Recursos Especiais Repetitivos. Prejudicado o recurso, no ponto.

Dos consectários

Segundo o entendimento das Turmas previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

Correção monetária

A correção monetária incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelo índice oficial e aceito na jurisprudência, qual seja:

- INPC no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91, conforme deliberação do STJ no julgamento do Tema 905 (REsp mº 1.495.146 - MG, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DE 02-03-2018), o qual resta inalterada após a conclusão do julgamento de todos os EDs opostos ao RE 870947 pelo Plenário do STF em 03-10-2019 (Tema 810 da repercussão geral), pois foi rejeitada a modulação dos efeitos da decisão de mérito.

Juros moratórios

Os juros de mora incidirão à razão de 1% (um por cento) ao mês, a contar da citação (Súmula nº 204 do STJ), até 29/06/2009. A partir de 30/06/2009, incidirão segundo os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme art. 5º da Lei nº 11.960/09, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo STF ao julgar a 1ª tese do Tema nº 810 da repercussão geral (RE nº 870.947), julgado em 20/09/2017, com ata de julgamento publicada no DJe nº 216, de 22/09/2017.

Taxa Selic

A partir de dezembro de 2021, a variação da SELIC passa a ser adotada no cálculo da atualização monetária e dos juros de mora, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021:

"Nas discussões e nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente."

Honorários advocatícios recursais

Incide a regra do art. 85, § 11, do CPC, que determina a majoração dos honorários fixados anteriormente, pelo trabalho adicional realizado em grau recursal, observando, conforme o caso, o disposto no art. 85, parágrafos 2º a 6º, e os limites estabelecidos nos parágrafos 2º e 3º desse dispositivo legal.

Confirmada a sentença no mérito, majoro a verba honorária, elevando-a de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre as parcelas vencidas, considerando as variáveis do art. 85, § 2º, incisos I a IV, do CPC. Conforme a tese fixada no julgamento do Tema 1.105/STJ, Continua eficaz e aplicável o conteúdo da Súmula 111/STJ (com a redação modificada em 2006), mesmo após a vigência do CPC/2015, no que tange à fixação de honorários advocatícios (REsp 1.880.529, REsp. 1.883.722, Resp 1.883.715, Primeira Seção, Relator Ministro Sérgio Kukina, acórdão publicado em 27/03/2023). Na eventualidade de o montante da condenação ultrapassar 200 salários mínimos, sobre o excedente deverão incidir os percentuais mínimos estipulados nos incisos II a V do § 3º do art. 85, de forma sucessiva, na forma do § 5º do mesmo artigo.

A jurisprudência do STJ assentou o entendimento de que é devida a majoração de verba honorária sucumbencial, nos termos do artigo 85, § 11, do CPC, quando presentes os seguintes requisitos de forma concomitante: a) decisão recorrida publicada a partir de 18/03/2016, data da vigência do novo Código de Processo Civil; b) recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente; e c) condenação em honorários advocatícios desde a origem no feito em que interposto o recurso.

Honorários periciais: Sucumbente o INSS, deverá arcar com o pagamento dos honorários periciais arbitrados.

Custas processuais: O INSS é isento do pagamento de custas no Foro Federal (art. 4º, inciso I, da Lei nº 9.289/96 e Lei Complementar Estadual nº 156/97, com a redação dada pelo art. 3º da LCE nº 729/2018).

Conclusão

- Sentença mantida quanto ao (a) cômputo de tempo especial no lapso de 06/03/1997 a 18/11/2003; e (b) direito da parte autora à concessão da aposentadoria especial, a contar da DER (02/02/2017), bem como ao pagamento das parcelas em atraso desde quando devidas, conforme a tese a ser definida no STJ (Tema 1.124), devendo ser observada a restrição imposta no art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91.

- Fixação do termo inicial dos efeitos financeiros da condenação diferida para a fase de cumprimento de sentença (Tema 1.124/STJ). Prejudicado o recurso, neste particular.

DISPOSITIVO

Pelo exposto, voto por (a) julgar prejudicada, em parte, a apelação do INSS e, nesta extensão, negar-lhe provimento; (b) diferir para a fase de cumprimento de sentença a fixação da data de início dos efeitos financeiros da condenação.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004240676v9 e do código CRC dbaf4d21.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 13/12/2023, às 18:46:50


5011241-04.2023.4.04.9999
40004240676.V9


Conferência de autenticidade emitida em 21/12/2023 08:01:34.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5011241-04.2023.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LEONIR ALCEU ELSNER

EMENTA

direito PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. EPI. divergência na prova. princípio da precaução. benefício concedido.

1. Comprovado o exercício de atividade especial por mais de 25 anos, a parte autora faz jus à concessão da aposentadoria especial.

2. Havendo divergência entre o formulário PPP, o LTCAT e a perícia judicial, impõe-se, com fundamento no princípio da precaução, acolher a conclusão da asserção mais protetiva da saúde do trabalhador.

3. A utilização de EPIs é irrelevante para o reconhecimento da nocividade do labor prestado no período anterior a 03 de dezembro de 1998, a partir de quando a exigência de seu fornecimento e uso foi traçado pela MP nº 1.729/98, convertida na Lei nº 9.732/89.

4. O uso de equipamentos de proteção individual, no caso de exposição a ruído, ainda que reduza os níveis do agente físico a patamares inferiores aos previstos na legislação previdenciária, não descaracteriza a nocividade do labor. Entendimento em consonância com o julgamento do Tema 555, exarado pelo STF no Recurso Extraordinário com Agravo nº 664.335, com repercussão geral reconhecida.

5. No julgamento do Tema nº 555, o STF assentou que a nocividade do labor é neutralizada pelo uso eficaz de EPIs. Porém, o simples fornecimento pelo empregador de cremes de proteção para mãos não exclui a hipótese de exposição do trabalhador aos agentes químicos nocivos à saúde. É preciso que, no caso concreto, estejam demonstradas a existência de controle e periodicidade do fornecimento dos equipamentos, sua real eficácia na neutralização da insalubridade ou, ainda, que o respectivo uso era, de fato, obrigatório e continuamente fiscalizado pelo empregador, a teor do art. 279, § 6º, da IN/INSS nº 77/2015.

6. A Terceira Seção desta Corte, no julgamento do Tema nº 15, concluiu por fixar a tese jurídica de que a mera juntada do PPP referindo a eficácia do EPI não elide o direito do interessado em produzir prova em sentido contrário. Deve ser propiciado ao segurado a possibilidade de discutir o afastamento da especialidade por conta do uso do EPI, como garantia do direito constitucional à participação do contraditório (IRDR nº 5054341-77.2016.4.04.0000, Relator para acórdão Des. Federal Jorge Antonio Maurique, julgado em 22/11/2017).

7. Diferida a definição sobre o termo inicial dos efeitos financeiros do benefício para a fase de cumprimento de sentença, para que venha a ser adotada a tese a ser definida pelo STJ no julgamento do Tema nº 1.124. Julgada prejudicada a apelação, no tópico.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 9ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, (a) julgar prejudicada, em parte, a apelação do INSS e, nesta extensão, negar-lhe provimento; (b) diferir para a fase de cumprimento de sentença a fixação da data de início dos efeitos financeiros da condenação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Florianópolis, 12 de dezembro de 2023.



Documento eletrônico assinado por PAULO AFONSO BRUM VAZ, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004240677v6 e do código CRC 98429615.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): PAULO AFONSO BRUM VAZ
Data e Hora: 13/12/2023, às 18:46:50


5011241-04.2023.4.04.9999
40004240677 .V6


Conferência de autenticidade emitida em 21/12/2023 08:01:34.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 04/12/2023 A 12/12/2023

Apelação Cível Nº 5011241-04.2023.4.04.9999/SC

RELATOR: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PRESIDENTE: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

PROCURADOR(A): MAURICIO PESSUTTO

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: LEONIR ALCEU ELSNER

ADVOGADO(A): LEOMAR ORLANDI (OAB SC020888)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 04/12/2023, às 00:00, a 12/12/2023, às 16:00, na sequência 101, disponibilizada no DE de 23/11/2023.

Certifico que a 9ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 9ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, (A) JULGAR PREJUDICADA, EM PARTE, A APELAÇÃO DO INSS E, NESTA EXTENSÃO, NEGAR-LHE PROVIMENTO; (B) DIFERIR PARA A FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA A FIXAÇÃO DA DATA DE INÍCIO DOS EFEITOS FINANCEIROS DA CONDENAÇÃO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Desembargador Federal PAULO AFONSO BRUM VAZ

Votante: Juíza Federal GABRIELA PIETSCH SERAFIN

Votante: Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ

ALEXSANDRA FERNANDES DE MACEDO

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 21/12/2023 08:01:34.

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