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PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL PROVA TESTEMUNHAL. CONCUBINATO. TEMA 526/STF. VERBA HONORÁRIA. TRF4. 5014682-27.2022.4.04.9999

Data da publicação: 11/03/2024, 07:01:12

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL PROVA TESTEMUNHAL. CONCUBINATO. TEMA 526/STF. VERBA HONORÁRIA. 1. A concessão de pensão por morte, a par da comprovação documental do evento que pode lhe dar origem, exige também a demonstração da qualidade de segurado do de cujus e a condição de dependente de quem pretende obter o benefício. 2. Não comprovada a contínua convivência, pública e não transitória do casal, com o propósito de constituir ou manter família, até o momento do óbito, resta descaracterizada a união estável. 3. "É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável." - Tema 526 do Supremo Tribunal Federal. 4. Majorados os honorários advocatícios para o fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil. (TRF4, AC 5014682-27.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 03/03/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5014682-27.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: CLEUSA DE FATIMA OLIVEIRA DA SILVA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA LENIR LAMB

APELADO: WALTER HENRIQUE DA SILVA LAMB

RELATÓRIO

Cleusa de Fatima Oliveira da Silva interpôs apelação em face de sentença que julgou improcedente o pedido para concessão, em favor da autora, na qualidade de companheira, do benefício de pensão por morte, desde a data de protocolização do requerimento administrativo (DER em 25/02/2015), diante do óbito do instituidor, Sr. Lotário Lamb, ocorrido em 14/10/2014, condenando-a ao pagamento das custas na forma da lei e honorários advocatícios, arbitrados em 20% (vinte por cento) sobre o valor atribuído à causa (evento 128, SENT1, dos autos de origem).

Sustentou que há provas em relação à manutenção da união estável até a data do óbito (2014), já que os documentos são contemporâneos ao infortúnio e o casal possui um filho em comum. Diz que o instituidor era separado de fato da esposa, com quem mantinha apenas relação profissional, pois possuíam uma empresa em conjunto. Protestou pela reforma da sentença, pela concessão da pensão e condenação da parte ré ao ônus da sucumbência (evento 140, APELAÇÃO1).

Com contrarrazões (evento 145, CONTRAZ1 e evento 147, CONTRAZ1), subiram os autos.

VOTO

Pensão por Morte

A Lei 8.213, que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social, preceitua em seu art. 74 ser devida pensão por morte aos dependentes do segurado falecido, não sendo exigido o cumprimento de carência (art. 26, I).

Logo, a concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.

Além disso, rege-se o benefício pela legislação vigente à época do falecimento.

Sobre a condição de dependência para fins previdenciários, dispõe o artigo 16 da Lei 8.213:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]

IV - REVOGADO pela Lei nº 9.032/95.

§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. [redação alterada pela MP nº 1.523/96, reeditada até a conversão na Lei nº 9.528/97]

§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.

O dependente, assim considerado na legislação previdenciária, pode valer-se de amplo espectro probatório de sua condição, seja para comprovar a relação de parentesco, seja para comprovar a dependência econômica. Esta pode ser parcial, devendo, contudo, representar um auxílio substancial, permanente e necessário, cuja falta acarretaria desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente (Enunciado. 13 do Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS).

Por fim, a Lei nº 13.135 trouxe importantes alterações no tocante ao dependente cônjuge ou companheiro, introduzindo nova redação ao art. 77, § 2º, V, da Lei 8.213, cuja vigência iniciou em 18/06/2015. Em síntese, foi instituída limitação do tempo de percepção do benefício (em quatro meses) se o casamento ou união estável for por período inferior a dois anos ou se o instituidor tiver menos de 18 contribuições mensais recolhidas. Caso superados tais aspectos, a duração dependerá da idade do beneficiário, de modo que a pensão por morte será vitalícia apenas se o cônjuge ou companheiro contar mais de 44 anos de idade na data do óbito.

No que é pertinente, por fim, ao reconhecimento de união estável, em óbitos ocorridos posteriormente à entrada em vigor da Lei nº 13.846, de 18/06/2019, exige-se início de prova documental contemporânea ao momento do falecimento, não sendo admissível a prova exclusivamente testemunhal. Confira-se:

Art. 24. A Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, passa a vigorar com as seguintes alterações:

[...]

"Art. 16. .....................................................................................................

§ 5º As provas de união estável e de dependência econômica exigem início de prova material contemporânea dos fatos, produzido em período não superior a 24 (vinte e quatro) meses anterior à data do óbito ou do recolhimento à prisão do segurado, não admitida a prova exclusivamente testemunhal, exceto na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no regulamento.

§ 6º Na hipótese da alínea c do inciso V do § 2º do art. 77 desta Lei, a par da exigência do § 5º deste artigo, deverá ser apresentado, ainda, início de prova material que comprove união estável por pelo menos 2 (dois) anos antes do óbito do segurado.

[...]

Qualidade de Segurado do de cujus

Conforme já referido, o disposto no art. 26, I, da Lei nº 8.213, o benefício independe de carência, regendo-se pela legislação vigente à época do falecimento.

A manutenção da qualidade de segurado tem previsão no artigo 15 da Lei nº 8.213:

Art. 15. Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições:

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições, o segurado que deixar de exercer atividade remunerada abrangida pela Previdência Social ou estiver suspenso ou licenciado sem remuneração;

III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, o segurado acometido de doença de segregação compulsória;

IV - até 12 (doze) meses após o livramento, o segurado retido ou recluso;

V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o segurado incorporado às Forças Armadas para prestar serviço militar;

VI - até 6 (seis) meses após a cessação das contribuições, o segurado facultativo.

§ 1º O prazo do inciso II será prorrogado para até 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

§ 2º Os prazos do inciso II ou do § 1º serão acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social.

§ 3º Durante os prazos deste artigo, o segurado conserva todos os seus direitos perante a Previdência Social.

§ 4º A perda da qualidade de segurado ocorrerá no dia seguinte ao do término do prazo fixado no Plano de Custeio da Seguridade Social para recolhimento da contribuição referente ao mês imediatamente posterior ao do final dos prazos fixados neste artigo e seus parágrafos.

A mesma previsão estava contida na legislação anterior, consoante o art. 7º do Decreto nº 83.080/1979:

Art. 7º Mantém a qualidade de segurado, independentemente de contribuições;

I - sem limite de prazo, quem está em gozo de benefício;

II - até 12 (doze) meses após a cessação das contribuições o segurado facultativo, os segurados de que trata o § 5º do artigo 4º e quem deixa de exercer atividade abrangida pela previdência social

urbana ou está suspenso ou licenciado sem remuneração;

III - até 12 (doze) meses após cessar a segregação, quem é acometido de doença de segregação compulsória;

V - até 12 (doze) meses após o livramento, o detido ou recluso;

V - até 3 (três) meses após o licenciamento, o incorporado as Forças Armadas para prestar serviço militar.

§ 1º O prazo do item II é dilatado para 24 (vinte e quatro) meses se o segurado já tiver pago mais de 120 (cento e vinte) contribuições mensais sem interrupção que acarrete a perda da qualidade de segurado.

§ 2º Os prazos do item II e do § 1º são acrescidos de 12 (doze) meses para o segurado desempregado, desde que comprovada essa situação pelo registro no órgão próprio do Ministério do Trabalho.

§ 3º Durante os prazos deste artigo o segurado conserva todos os seus direitos perante a previdência social urbana.

Assim, o período de graça de 12 (doze) ou 24 (vinte e quatro) meses, estabelecido no artigo 15, II e § 1º, da Lei nº 8.213, consoante as disposições do § 2º, pode ser ampliado em mais 12 (doze) meses, na eventualidade de o segurado estar involuntariamente desempregado.

A proteção previdenciária, no que se refere à prorrogação do período de graça, é destinada ao trabalhador em situação de desemprego involuntário, como preceituam o artigo 201, III, da Constituição Federal e o artigo 1º da Lei 8.213:

Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a:

(...)

III - proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário;

(...)

Art. 1º A Previdência Social, mediante contribuição, tem por fim assegurar aos seus beneficiários meios indispensáveis de manutenção, por motivo de incapacidade, desemprego involuntário, idade avançada, tempo de serviço, encargos familiares e prisão ou morte daqueles de quem dependiam economicamente.

Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO E GENITOR. QUALIDADE DE SEGURADO. PRORROGAÇÃO DO PERÍODO DE GRAÇA. DESEMPREGO INVOLUNTÁRIO. (...). 3. A extensão do período de graça decorrente do art. 15, § 2º, da Lei de Benefícios, somente ocorre em caso de desemprego involuntário, ou seja, quando a iniciativa de encerramento do vínculo empregatício não tenha partido do empregado/segurado. (...). (TRF4, AC 5059552-36.2017.4.04.9999, 5ª T., Relator Des. Federal Osni Cardoso Filho, 10.0./2018)

A condição de desemprego involuntário pode ser demonstrada por todos os meios de prova, não se exigindo apenas o registro no Ministério do Trabalho e da Previdência Social. Nesse sentido:

PREVIDENCIÁRIO. SALÁRIO-MATERNIDADE. DISPENSA DO EMPREGO. CESSAÇÃO DAS CONTRIBUIÇÕES. PERÍODO DE GRAÇA. PROVA DA CONDIÇÃO DE DESEMPREGADA. 1. Na hipótese de ocorrer a cessação das contribuições, decorrente de dispensa do empregado, a qualidade de segurado mantém-se pelos 12 meses seguintes, acrescidos de outros 12 meses, se o segurado demonstrar que se encontra desempregado. 2. A condição de desempregado, para o efeito de manutenção da qualidade de segurado da Previdência Social, pode ser provada por outros meios admitidos em direito, não se limitando à demonstração de registro em órgão próprio do Ministério do Trabalho e da Previdência Social. 3. Ocorrido o parto durante o período de graça (12 meses após a dispensa, acrescido de outros 12 meses se comprovar a condição de desempregada), a segurada tem direito à percepção do benefício de salário-maternidade. (TRF4, AC 5054069-25.2017.4.04.9999, 5ª T., Rel. Des. Federal Osni Cardoso Filho, 14.09.2018)

Saliente-se que não será concedida a pensão aos dependentes do instituidor que falecer após a perda da qualidade de segurado, salvo se preenchidos os requisitos para obtenção da aposentadoria segundo as normas em vigor à época do falecimento.

Mérito da causa

Extrai-se dos autos que o indeferimento administrativo do pedido de concessão de pensão por morte se deu ao argumento de que a autora, Cleusa de Fatima Oliveira da Silva, não possuía qualidade de dependente, uma vez que a documentação juntada aos autos não comprovaria a configuração da união estável com o instituidor, Sr. Lotario Lamb, até o momento do óbito.

Não há controvérsia sobre o falecimento do Sr. Lotario Lamb, em 14/10/2014 (evento 2, PROCJUDIC1, p.16),​​​​ e a qualidade de segurado junto à previdência, pois que era aposentado à época do sinistro.

A fim de comprovar a união estável juntou aos autos:

- Certidão de nascimento do filho em comum, Walter Henrique da Silva Lamb, em 28/07/1999 (evento 2, PROCJUDIC1, p. 17);

- Fotos de família, desprovidas de datação (evento 2, PROCJUDIC1, p. 23 a 26);

- Parte do Contrato Social da Pessoa Jurídica da qual o instituidor e a esposa, Maria Lenir Lamb, eram proprietários em partes iguais (evento 2, PROCJUDIC1, p. 23 a 29).

Foram inquiridas testemunhas, que disseram:

Tânia (evento 85, OUT2), conheceu a autora e o Lotário pois eles alugaram uma casa de propriedade da depoente. Ela relatou que Cleusa ficou na casa três ou quatro anos. Disse que a autora era cuidadosa com a casa e pediu para ela trabalhar na sua empresa, mas o Lotário não permitia que ela trabalhasse. Referiu que ele viajava muito, ficava muito tempo fora. Não conhece a requerida Maria. Nada soube dizer sobre a mudança de Lotário para Curitiba, mas disse saber que ele prestava serviço em naquela cidade. Aduziu que o de cujus ele ficava 15 dias em Curitiba e voltava. Acredita que eles saíram da casa em 2008. Nunca soube de a autora ter terminado relacionamento com o Lotário. Disse que a autora trabalha há 13 anos para a depoente. Questionada, disse não saber os motivos da autora, após certo tempo, ter aceitado a sua proposta de emprego. Sabe da ação de alimentos movida contra o Lotário, mas referiu não saber se ele abandonou a autora. Não sabia que o Lotário estava doente antes de falecer e também não tem conhecimento de onde ele faleceu. Não sabe se Lotário ter morou em Pejuçara. Disse que Cleusa não comentava se continuavam vivendo juntos. Referiu que, após a autora ter saído da casa, não voltou a ver o Lotário. Aduziu que conheceu o Lotário pessoalmente na época da locação do imóvel.

Noemi (evento 85, OUT3), afirmou que fazia trabalhos manuais e que oferecia seus trabalhos na rua e certa vez se deparou com esse senhor, o Lotário e conversando perguntou se ele era marido da autora. Ele respondeu que era o seu marido. Sempre quando ia na casa se deparava com o Lotário. Depois se mudou para Marau e quando voltou não teve mais contato com ele. Ficou sabendo do falecimento dele. Não sabe quanto tempo antes do óbito dele o viu pela última vez. Ficou um ano e quatro meses em Marau. Disse que faz três anos que voltou para Panambi e que soube do óbito do Lotário cerca de vinte dias depois.

Marcelo (evento 85, OUT4), afirmou que possui padaria na Rua Sete de Setembro, desde 2012 e que conheceu o Lotário. Afirmou que ele era frequentador da padaria antes do depoente ter adquirido a padaria e que frequentava o estabelecimento quase que todos os dias. Aduziu que ele ia a pé. Acreditava que ele morava uns 500 metros da padaria. Disse que os funcionários que trabalhavam na padaria continuaram trabalhando após a aquisição pelo depoente e que eles já conheciam o de cujus e sabiam dos seus hábitos. Afirmou que todo domingo Lotário comprava um galeto. Disse que nunca ouviu nada sobre ele manter união estável com outra pessoa. Referiu que tinha momentos em que ele se ausentava e que ele falava que estava em obra. Nunca soube de ele morar em Curitiba ou em Pejuçara. Acreditava que ele era casado com a Lenir pois Lotário comentou ser casado com a Lenir. Alguns dias após deixar de frequentar a padaria soube que o Lotário faleceu e que a vizinhança que comentou sobre o óbito.

Márcia (evento 85, OUT5), afirmou que sabe que a autora vivia em união estável com o Lotário Lamb. Sempre soube do relacionamento deles. Eles viviam juntos. Antes de viver com o Lotário, a Cleusa trabalhava mas ele era ciumento e não queria que ela trabalhasse. Dividiu uma casa com a Cleusa. Ele sempre assumiu a Cleusa e assumiu as despesas. Soube do falecimento dele pela Cleusa. Não sabia da existência de ação de alimentos movida em face do Lotário. Sabia que ele morava com a Cleusa até morrer. Sabia que ele era separado da primeira esposa. Um dos filhos dele, com que trabalhou, que lhe contou da separação. Não sabia que o Lotário tinha morado em Curitiba. Disse que sempre que se encontravam conversavam. Contou que em 1996 se mudou para outra casa. Referiu que via o casal juntos, passeando. Alegou que sabia que eles estavam juntos até morrer pois a Cleusa lhe contava. Disse que, quando dividiam a casa, a Cleusa vivia com os filhos. Afirmou que nunca conheceu pessoalmente o Lotário. Aduziu que encontrava a Cleusa na rua durante o ano e certa vez a Cleusa contou que ele estava doente e, em outra oportunidade, contou que ele tinha falecido. Não sabe detalhes da doença, quem tratou ele nem como morreu.

Luiz Severo de Paula (evento 114, OUT2), afirmou que o Lotário, todo domingo encontrava com o depoente, na lavagem de que é proprietário. Afirmou que ele trabalhou um bom tempo em uma empresa de Curitiba. Disse que geralmente via ele em casa, onde morava com a Maria Lenir. Aduziu que ele trabalhou para a Joscil em Condor e naquela época ele viajava muito a trabalho. Referiu que, antes de morrer, ele tinha uma oficina da frente de sua casa, no bairro Arco-íris. Frizou que, ao anteceder sua morte, Lotário ficou internado por problemas cardíacos, em Ijuí e que, pelo que sabia, a Lenir cuidou dele durante a internação. Narrou que ele nunca comentou e que o depoente nunca perguntou se o Lotário vivia com outra pessoa, extraconjugalmente. Afirmou nunca ter ouvido comentários sobre a existência de relacionamento extraconjugal. Disse que Lotário viajava muito a trabalho, e que vinha uma vez por mês visitar a família. Relatou que, no final da vida, trabalhava na sua empresa de máquinas de limpeza da agricultura e que quase sempre exercia o labor em Panambi, viajava pouco. Afirmou que ficou uns dois anos trabalhando com isso e que parou de trabalhar por conta da internação em Ijuí. Confirmou que foi vizinho dele duas vezes, e que a loja do depoente ficava ao lado da casa do Lotário e a loja deste ficava de frente para a casa do depoente. Nessa época a esposa referia ver o Lotário diariamente.

​Da análise dos depoimentos e dos documentos acostados pela corré, pode-se constatar que o Sr. Lotário Lamb possuía vínculo conjugal com sua esposa Maria Lenir Lamb à época de sua morte. Além da empresa que ambos possuíam, o endereço era o mesmo, a conta bancária do casal era conjunta, os documentos de internação do varão apontam a esposa como responsável e ela era a dependente indicada em seu vínculo empregatício com a empresa Joscil, no período de 2010 a 2012 (evento 2, PROCJUDIC2).

Quanto ao relacionamento com a autora, inequívoco que tenha ocorrido, mesmo porque há o filho em comum, no entanto, não se afigura a união estável, e sim, uma relação de concubinato, a qual não gera o benefício previdenciário em apreço. Ressalto que inexistem provas de coabitação, mesmo à época em que nascido o descendente. Demais disso, a autora moveu a ação de alimentos 060/1.09.0002742-8/RS contra Lotário, enquanto ainda vivo, tendo narrado, em 2010, "que o requerido abandonou o lar e o filho no mês de julho de 2009, sem dar qualquer explicação ou justificativa e desde então nunca mais visitou o filho ou ao menos efetuou uma ligação telefônica para o mesmo". Disse, ainda, na mesma demanda "saber que o mesmo voltou a viver maritalmente com a Sra. Maria Lenir".

Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, quando do julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 1045273, com repercussão geral reconhecida, realizado em 21/12/2020, apreciando o Tema 529 da repercussão geral ("529 - Possibilidade de reconhecimento jurídico de união estável e de relação homoafetiva concomitantes, com o consequente rateio de pensão por morte."), considerou ilegítima a existência paralela de duas uniões estáveis, ou de um casamento e uma união estável, inclusive para efeitos previdenciários, fixando a seguinte tese:

"A preexistência de casamento ou de união estável de um dos conviventes, ressalvada a exceção do artigo 1.723, § 1º, do Código Civil, impede o reconhecimento de novo vínculo referente ao mesmo período, inclusive para fins previdenciários, em virtude da consagração do dever de fidelidade e da monogamia pelo ordenamento jurídico-constitucional brasileiro."

Na espécie, considerando que o de cujus era casado com a demandada Maria Lenir, fato incontroverso, mostra-se de todo inviável o reconhecimento da existência de uniões estáveis simultâneas ou de união estável simultânea ao casamento, inclusive para o fim de concessão de pensão por morte, não demostrada, pela prova até então acostada, a alegada separação de fato do casal.

A questão é também objeto do Tema 526 do Supremo Tribunal Federal, cuja tese é a que segue:

"É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável."

Nesse sentido, a jurisprudência deste Regional (grifos nossos):

"PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. UNIÃO ESTÁVEL. TEMA 526 DO STF. 1. A concessão do benefício de pensão por morte demanda, nos termos do art. 74 da Lei n.º 8.213/91, o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: (a) a ocorrência do evento morte; (b) a condição de dependente daqueles que postulam o recebimento do benefício; e (c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. 2. "É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável." (Tema 526 do STF) 3. Apelo da parte autora desprovido." (TRF4, AC 5043037-82.2020.4.04.7100, Quinta Turma, Relator Hermes Siedler da Conceição Júnior, juntado aos autos em 19/04/2023)

Por fim, é de ver-se que a própria autora nomeia sua relação como extraconjugal, e o faz em sede de apelo (evento 140, APELAÇÃO1, p. 03 e 04), indicando ter consciência que, de fato, não convivia em união estável com Lotário Lamb.

Correta, pois, a improcedência da ação, a qual é confirmada.

Honorários de advogado

O Código de Processo Civil em vigor inovou de forma significativa a distribuição dos honorários de advogado, buscando valorizar a sua atuação profissional, especialmente por se tratar de verba de natureza alimentar (art. 85, §14, CPC).

Destaca-se, ainda, que estabeleceu critérios objetivos para arbitrar a verba honorária nas causas em que a Fazenda Pública for parte, conforme se extrai da leitura do respectivo parágrafo terceiro, incisos I a V, do mesmo artigo 85.

A um só tempo, a elevação da verba honorária intenta o desestímulo à interposição de recursos protelatórios.

Considerando o desprovimento do recurso interposto pela parte autora, associado ao trabalho adicional realizado nesta instância no sentido de manter a sentença de improcedência, a verba honorária deve ser aumentada em favor do procurador da requerida, ficando mantida a inexigibilidade, contudo, por litigar ao abrigo da assistência judiciária gratuita.

Assim sendo, em atenção ao que se encontra disposto no art. 85, §4º, II, do CPC, os honorários advocatícios deverão contemplar o trabalho exercido pelo profissional em grau de recurso, acrescendo-se, em relação ao valor arbitrado, mais 20% (vinte por cento).

Conclusão

Apelação da parte autora desprovida, com majoração, de ofício, dos honorários de advogado, ficando mantida a suspensão da exigibilidade por litigar ao amparo da gratuidade da justiça.

Dispositivo

Em face do que foi dito, voto por negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários de advogado.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004314884v17 e do código CRC c5e5f5ba.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 3/3/2024, às 14:58:55


5014682-27.2022.4.04.9999
40004314884.V17


Conferência de autenticidade emitida em 11/03/2024 04:01:11.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5014682-27.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

APELANTE: CLEUSA DE FATIMA OLIVEIRA DA SILVA

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA LENIR LAMB

APELADO: WALTER HENRIQUE DA SILVA LAMB

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE DE COMPANHEIRO. UNIÃO ESTÁVEL. INÍCIO DE PROVA DOCUMENTAL PROVA TESTEMUNHAL. concubinato. Tema 526/STF. verba honorária.

1. A concessão de pensão por morte, a par da comprovação documental do evento que pode lhe dar origem, exige também a demonstração da qualidade de segurado do de cujus e a condição de dependente de quem pretende obter o benefício.

2. Não comprovada a contínua convivência, pública e não transitória do casal, com o propósito de constituir ou manter família, até o momento do óbito, resta descaracterizada a união estável.

3. "É incompatível com a Constituição Federal o reconhecimento de direitos previdenciários (pensão por morte) à pessoa que manteve, durante longo período e com aparência familiar, união com outra casada, porquanto o concubinato não se equipara, para fins de proteção estatal, às uniões afetivas resultantes do casamento e da união estável." - Tema 526 do Supremo Tribunal Federal.

4. Majorados os honorários advocatícios para o fim de adequação ao que está disposto no art. 85, §11, do Código de Processo Civil.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, majorando, de ofício, os honorários de advogado, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 27 de fevereiro de 2024.



Documento eletrônico assinado por OSNI CARDOSO FILHO, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004314885v5 e do código CRC 5250d2fd.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): OSNI CARDOSO FILHO
Data e Hora: 3/3/2024, às 14:58:55


5014682-27.2022.4.04.9999
40004314885 .V5


Conferência de autenticidade emitida em 11/03/2024 04:01:11.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 20/02/2024 A 27/02/2024

Apelação Cível Nº 5014682-27.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): JANUÁRIO PALUDO

APELANTE: CLEUSA DE FATIMA OLIVEIRA DA SILVA

ADVOGADO(A): RAQUEL WENDLAND (OAB RS053010)

ADVOGADO(A): Vania Castro de Oliveira Paloski (OAB RS068808)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: MARIA LENIR LAMB

ADVOGADO(A): ARNO WINTER (OAB RS008857)

ADVOGADO(A): ALICE LINN (OAB RS046215)

APELADO: WALTER HENRIQUE DA SILVA LAMB

ADVOGADO(A): CRISTIANO VIEIRA HEERDT (OAB )

ADVOGADO(A): ANTONIO FLAVIO DE OLIVEIRA (OAB RS050479)

ADVOGADO(A): FABRÍCIO DA SILVA PIRES (DPU)

MPF: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 20/02/2024, às 00:00, a 27/02/2024, às 16:00, na sequência 433, disponibilizada no DE de 07/02/2024.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO, MAJORANDO, DE OFÍCIO, OS HONORÁRIOS DE ADVOGADO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



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