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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO DO FALECIDO. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. TRF4. 5001052-30.2024.4.04.9999

Data da publicação: 26/04/2024, 07:01:16

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. REQUISITOS. QUALIDADE DE SEGURADO DO FALECIDO. CONDIÇÃO DE SEGURADO ESPECIAL. TRABALHADOR RURAL. 1. A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. O benefício independe de carência e é regido pela legislação vigente à época do óbito 2. A qualidade de segurado especial do de cujus deve ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal, no caso de exercer atividade agrícola como volante ou boia-fria ou mesmo como trabalhador rural em regime de economia familiar. 3. Comprovado o preenchimento de todos os requisitos legais, a parte autora faz jus ao benefício de pensão por morte. (TRF4, AC 5001052-30.2024.4.04.9999, DÉCIMA TURMA, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 18/04/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001052-30.2024.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: VALDIR RIBEIRO

RELATÓRIO

A parte autora ajuizou ação contra o INSS, pleiteando a concessão de pensão por morte em razão do óbito de Benvinda Ribeiro, desde a data do óbito em 12.11.2019.

Processado o feito, sobreveio sentença, por meio da qual o Juízo a quo julgou o pedido nos seguintes termos (evento 98, SENT1):

Ante todo o exposto, julgo PROCEDENTE a demanda da parte autora, resolvendo o mérito com fundamento no art. 487, I, do CPC e condenando o INSS a conceder a pensão por morte desde 12/11/2019, com o consequente pagamento dos valores atrasados, corrigidos pelo INPC, conforme o art. 31 da Lei n. º 10.741/03, combinado com a Lei n.º 11.430/06, precedida da MP n.º 316, de 11/08 /2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei n.º 8.213/91, nos termos das decisões proferidas pelo STF, no RE nº 870.947, DJE de 20/11/2017 (Tema 810), e pelo STJ, no REsp nº 1.492.221/PR, DJe de 20/03/2018 (Tema 905). Juros conforme caderneta de poupança, por força do art. 5º da Lei 11.960/2009, que deu nova redação ao art. 1º-F da Lei n.º 9.494/1997.

CONDENO a autarquia ré ao pagamento dos honorários advocatícios que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas, não devendo incidir sobre as prestações vincendas, o que faço com fundamento no parágrafo 8º do artigo 85 do CPC e súmula 111 do STJ: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre prestações vincendas”.

CONDENO, ainda, o réu ao recolhimento das custas processuais, o que faço seguindo orientação da Súmula 178 do STJ, assim redigida: “O INSS não goza de isenção do pagamento de custas e emolumentos, nas ações acidentárias e de benefícios propostas na Justiça Estadual”.

Por fim, deixo de determinar a remessa necessária, uma vez que, no caso em tela, é possível concluir que o proveito econômico, obtido pela parte vencedora, não atinge o patamar de mil salários mínimos previstos no art. 496, §3º, I, do Código de Processo Civil.

Em suas razões recursais (evento 102, OUT1), o INSS requer a reforma da sentença, sustentando, em síntese, a não comprovação da qualidade de segurado. Refere que não há documento contemporâneo que comprove a qualidade de segurado especial. Aduz não ser possível identificar a data em que ocorreu o cadastro no registro de saúde, e as declarações reduzidas a termo não são consideradas provas materiais. Outrossim, argui que na escritura de compra e venda, datada de 2010, ela se qualificou como do lar. Por fim, salienta que "no CADÚNICO consta que a instituidora declarou como ÚNICA RENDA O SEU BENEFÍCIO DE PENSÃO. Portanto, com base nas próprias declarações da instituidora, ELA NÃO TINHA OUTRA FONTE DE RENDA ALÉM DO BENEFÍCIO. LOGO, EVIDENTEMENTE NÃO ERA TRABALHADORA RURAL". Requer o prequestionamento dos dispositivos que elenca. Subsidiariamente, pede a aplicação do INPC e da Selic como correção monetária e juros.

Com contrarrazões (evento 108, PET1), vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

Peço dia para julgamento.

VOTO

Pensão por Morte

A Lei 8.213/1991, que dispõe sobre os benefícios da Previdência Social, preceitua em seu art. 74 ser devida pensão por morte aos dependentes do segurado falecido, não sendo exigido o cumprimento de carência (art. 26, I).

Assim, a concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito.

Além disso, rege-se o benefício pela legislação vigente à época do falecimento.

Sobre a condição de dependência para fins previdenciários, dispõe o artigo 16 da Lei 8.213/91:

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I - o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]

II - os pais;

III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido; [redação alterada pela Lei nº 9.032/95]

IV - REVOGADO pela Lei nº 9.032/95.

§ 1º A existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

§ 2º O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento. [redação alterada pela MP nº 1.523/96, reeditada até a conversão na Lei nº 9.528/97]

§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.

O dependente, assim considerado na legislação previdenciária, pode valer-se de amplo espectro probatório de sua condição, seja para comprovar a relação de parentesco, seja para comprovar a dependência econômica. Esta pode ser parcial, devendo, contudo, representar um auxílio substancial, permanente e necessário, cuja falta acarretaria desequilíbrio dos meios de subsistência do dependente (Enunciado. 13 do Conselho de Recursos da Previdência Social - CRPS).

Qualidade de Segurado Especial

Tratando-se de trabalhador rural em regime de economia familiar e de pescador artesanal, a jurisprudência atenuava a exigência de prova material da atividade laboral, flexibilizando a Súmula n° 149 do Superior Tribunal de Justiça, que impedia o reconhecimento com base apenas em prova oral. Contudo, a 1ª Seção daquele Tribunal, ao julgar o Tema n° 297 de seus Recursos Repetitivos, reafirmou a Súmula, e afastou o abrandamento ao decidir com força vinculante que: "a prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeito da obtenção de benefício previdenciário".

O rol de documentos descrito no art. 106 da Lei nº 8.213/91 é exemplificativo, admitindo-se a inclusão de documentos em nome de terceiros, integrantes do grupo familiar, conforme a Súmula nº 73 desta Corte: "Admitem-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental".

Ressalva-se, neste ponto, que a atividade rural desempenhada na qualidade de boia-fria e/ou empregado assalariado caracteriza-se como serviços prestados individualmente a terceiros, não se tratando de trabalho exercido em mútua colaboração pelo grupo familiar, de modo que nessas hipóteses o efeito dos documentos comprobatórios da prestação de serviços pessoais a terceiros não se estende aos demais integrantes do grupo familiar.

O uso de provas documentais em nome de outras pessoas do grupo familiar também é vedado a partir do momento em que o titular da prova passa a exercer atividade de natureza diversa, de acordo com o Tema n° 533 dos Recursos Repetitivos do Superior Tribunal de Justiça : "Em exceção à regra geral (...), a extensão de prova material em nome de um integrante do núcleo familiar a outro não é possível quando aquele passa a exercer trabalho incompatível com o labor rurícola, como o de natureza urbana".

Ademais, sobre o labor urbano de integrante do grupo familiar e a investigação da descaracterização - ou não - do trabalho do segurado especial, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu no Tema n° 532 dos Recursos Repetitivos: "O trabalho urbano de um dos membros do grupo familiar não descaracteriza, por si só, os demais integrantes como segurados especiais, devendo ser averiguada a dispensabilidade do trabalho rural para a subsistência do grupo familiar, incumbência esta das instâncias ordinárias (Súmula 7/STJ)".

Para os trabalhadores eventuais, a comprovação do exercício de atividade rural é extremamente dificultosa, justamente porque o vínculo com o contratante dos serviços caracteriza-se pela não habitualidade. Executam as tarefas por curto período de tempo, normalmente um dia, razão pela qual são chamados volantes, diaristas ou “boias-frias”. São recrutados por agenciadores de mão-de-obra rural, os "gatos", muitas vezes sequer constituídos como pessoa jurídica. Compreende-se, então, que a escassez do início de prova material é mais um elemento distintivo das relações informais de trabalho do diarista rural. Dada sua peculiar circunstância e notável dificuldade em portar documentos que comprovem sua condição de trabalhador rural diarista, o Superior Tribunal de Justiça, em regime de julgamento de recursos repetitivos, ao julgar o REsp 1321493/PR (Rel. Ministro Herman Benjamin, Primeira Seção, j. 10.10.2012), fixou a seguinte tese, relativamente ao trabalhador rural "boia-fria":

TEMA 554: Aplica-se a Súmula 149/STJ ('A prova exclusivamente testemunhal não basta à comprovação da atividade rurícola, para efeitos da obtenção de benefício previdenciário') aos trabalhadores rurais denominados 'boias-frias', sendo imprescindível a apresentação de início de prova material. Por outro lado, considerando a inerente dificuldade probatória da condição de trabalhador campesino, a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.

O reconhecimento da condição de segurado especial em regime de economia familiar independe de recolhimento de contribuições previdenciárias. Da mesma forma, quanto ao trabalhador rural "boia-fria", em casos como o presente, que não trata de aposentadoria por tempo de contribuição, aplica-se o entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça no sentido de sua inexigibilidade, por equiparação ao segurado especial:

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. ENQUADRAMENTO DO TRABALHADOR BÓIA-FRIA. EQUIPARAÇÃO AO SEGURADO ESPECIAL. ART. 11, VII DA LEI 8.213/1991. DESNECESSIDADE DE RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES. RECURSO ESPECIAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Esta Corte consolidou a orientação de que o Trabalhador Rural, na condição de bóia-fria, equipara-se ao Segurado Especial de que trata o inciso VII do art. 11 da Lei 8.213/1991, no que tange aos requisitos necessários para a obtenção de benefícios previdenciários. 2. Exigindo-se, tão somente, a apresentação de prova material, ainda que diminuta, desta que corroborada por robusta prova testemunhal, não havendo que se falar em necessidade de comprovação de recolhimentos previdenciários para fins de concessão de aposentadoria rural (REsp. 1.321.493/PR, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe 19.12.2012). 3. É inegável que o trabalhador bóia-fria exerce sua atividade em flagrante desproteção, sem qualquer formalização e com o recebimento de valores ínfimos, o que demonstra a total falta de razoabilidade em se exigir que deveriam recolher contribuições previdenciárias. 4. Recurso Especial do INSS a que se nega provimento. (REsp 1.762.211/PR, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, 1ª T., DJe 07.12.2018)

Caso Concreto

O óbito de Benvinda Ribeiro, companheira do autor, ocorreu em 12.11.2019 (evento 1, OUT7).

A sentença, da lavra do MM. Juiz de Direito, Dr. Mateus Braga de Carvalho, examinou e decidiu com precisão todos os pontos relevantes da lide, devolvidos à apreciação do Tribunal, assim como o respectivo conjunto probatório produzido nos autos. As questões suscitadas no recurso não têm o condão de ilidir os fundamentos da decisão recorrida. Evidenciando-se a desnecessidade da construção de nova fundamentação jurídica, destinada à confirmação da bem lançada sentença, transcrevo e adoto como razões de decidir os seus fundamentos, in verbis:

(...)

Da análise dos autos e dos elementos de prova colhidos, observase que o benefício de pensão por morte deve ser concedido porque a parte autora provou o fato constitutivo do seu direito, na forma do artigo 373, inciso I, do Código de Processo Civil.

Dos requisitos – Pensão por morte

O art. 201, inciso V, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 prevê o benefício de pensão por morte aos dependentes dos segurados da Previdência Social.

Para a concessão desse benefício, exige-se, então, (i) que à época do óbito do instituidor, este detivesse a qualidade de segurado e (ii) que o beneficiário seja dependente econômico daquele.

Da qualidade de segurada da ‘de cujus’

Cinge-se a controvérsia do presente caso em saber se a instituidora do benefício, Benvinda Ribeiro, era segurada da Previdência Social. Alegou o autor que sua companheira era trabalhadora rural, e, portanto, segurada especial, pois laborava com a de cujus na agricultura, ambos como boia-fria, em propriedades rurais de terceiros na região de Laranjal até a data do óbito. O INSS, por outro lado, aduziu que não restou comprovada tal condição, pois ausente início de prova material.

Sabe-se que a lei não exige período de carência para a concessão da pensão por morte. O que se precisa é a comprovação da qualidade de segurado do instituidor da pensão na data do óbito. Assim, não há que se analisar com igual exigência as provas para a concessão de uma pensão, como se faz para a concessão da aposentadoria rural por idade; não há necessidade de que a prova tenha abrangência sobre todo o período, ano a ano, a fim de comprovar o exercício do trabalho rural, bastando um início de prova material, podendo ser complementada por prova testemunhal, conforme reiterados precedentes de todos os Tribunais Federais e do Superior Tribunal de Justiça.

A comprovação documental da qualidade de segurada especial da Previdência Social da instituidora se deu com a juntada dos seguintes documentos:

1. Declaração de atividade rural, na qual consta que a de cujus exerceu atividade rural entre os anos de 2000 a 2019 (mov. 1.15);

2. Ficha do posto de saúde, onde consta a profissão da falecida como sendo lavradora (mov. 1.16).

Diante disso tudo, vislumbra-se existir o início de prova material necessário à continuidade da análise dos requisitos na presente demanda. E, para corroborar as informações dos referidos documentos, foi realizada a oitiva de duas testemunhas, Clemir Figueiredo e João Maria dos Santos, as quais declararam que (mov. 86):

“Conhece Valdir há 20 anos; Valdir era casado com Benvinda e moram juntos em Laranjal, não tiveram filhos; nunca se separaram; o casal trabalha de boia-fria em propriedade de terceiros, não tinham propriedade; já viu o casal quebrando milho, colhendo feijão, carpindo, roçando pasto, juntado soja; eles levavam foice e enxada para fazer o trabalho; dependiam do trabalho rural para sobrevier; antes do falecimento da Benvinda, tinha parado de trabalhar há 2 meses pois estava realizando um tratamento de câncer; Valdir estava presente no velório e era reconhecido como viúvo da falecida; já viu o casal na igreja católica e na igreja Mundial; frequentavam o comércio juntos (mov. 86.2)

“Conhece Valdir há uns 20 anos, era casado com Benvinda, moravam juntos em Laranjal/PR; o casal não teve filhos; na casa morava a filha de Benvinda e o casal; o casal nunca se separou, sempre viveram juntos; os dois trabalhavam como boia-fria em propriedades de terceiros; o casal já trabalhou para o depoente colhendo milho; eles quebravam milho, colhiam arroz, soja, limpavam pastor, serviços braçais; o casal sempre trabalhava junto; levavam ferramentas para trabalhar; esse trabalho era o sustento da família; a falecida parou de trabalhar dois meses antes de seu óbito, em razão de tratamento para câncer; Valdir estava no velório de Benvinda e era reconhecido como viúvo da falecida; o velório foi na casa deles; já viu o casal frequentar igreja e comércios juntos.” (mov. 86.3).

O depoimento do autor também foi coeso:

“Trabalha de boia-fria; estava casado com Benvinda há aproximadamente 20 anos; Benvinda faleceu em novembro de 2019; moravam em Laranjal/PR, sempre na mesma casa, onde o autor mora atualmente; a casa é de propriedade da falecida e o autor foi morar com ela depois; não teve filhos com a falecida; o casal que pagava as despesas da casa; Benvinda trabalhava como boia-fria, trabalhavam juntos em propriedades de terceiro; o depoente continua trabalhando para as mesmas pessoas, quebrando milho, fazendo cerca, roçando pasto, arrancando feijão; Benvinda nunca trabalhou na cidade, somente na lavoura.” (mov. 86.1).

Sobreleva esclarecer que a prova documental foi devidamente corroborada pela prova oral produzida. Nesse sentido, destaco os depoimentos colhidos no curso da instrução processual.

In casu, entendo que o conjunto probatório formado pelo início de prova documental anexado à exordial e pela prova testemunhal produzida no curso da instrução processual é apto para demonstrar o trabalho rural desenvolvido pela instituidora do benefício em tela.

Com efeito, a partir da prova material carreada pela parte autora, denota-se que a falecida exercia trabalho rural de boia-fria com seu convivente, trabalhando em regime de economia familiar, para o sustento próprio.

Assim, à vista do teor dos depoimentos colhidos em juízo, que corroboram o início de prova material anexado à exordial, resta devidamente comprovada a qualidade da instituidora de trabalhador rural.

Da dependência econômica

No que tange à dependência econômica, a Lei 8.213/91, em seu art. 16, enumera o rol de dependentes dos segurados, dentre os quais se encontra, no inciso I, o companheiro. O §4º do mesmo artigo determina expressamente que a dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida.

Resta, portanto, preenchido o requisito, tendo em vista que a autora e o de cujus conviviam em união estável desde aproximadamente o ano de 2004 (mov. 1.12). Desta forma, o autor faz jus ao benefício de pensão por morte pleiteado.

Quanto ao termo inicial, o art. 74, I, da Lei 8.213/91, determina que, salvo para filhos menores de dezesseis anos, o benefício será devido desde a data do óbito quando o requerimento for feito em até noventa dias após o falecimento.

Observa-se que o autor realizou o requerimento dentro do prazo legal (em 28/01/2020).

Logo, a DIB deve ser fixada em 12/11/2019, data do falecimento da convivente do autor.

A fim de provar a qualidade de segurada especial da instituidora, a parte autora trouxe aos autos os seguintes documentos, assim consignados na sentença:

1. Declaração de atividade rural, na qual consta que a de cujus exerceu atividade rural entre os anos de 2000 a 2019 (mov. 1.15);

2. Ficha do posto de saúde, onde consta a profissão da falecida como sendo lavradora (mov. 1.16).

Como bem referido pelo INSS em suas razões de apelação, as declarações de ex-empregadores da falecida (evento 1, OUT15) não possuem condão de caracterizar início de prova material da atividade rurícola.

Contudo, a ficha de saúde da extinta, na qual foi qualificada como lavradora, com anotações de atendimento realizados entre 2005 e 2016 sem rasuras (evento 1, OUT16), servem para comprovar o alegado trabalho campesino na data do óbito.

Sobre a qualificação contida na escritura de compra e venda, datada de 2010, na qual a "de cujus" constou como do lar (evento 1, OUT12), compreendo que tal equívoco não tem o condão de desacreditar o exercício da atividade rurícola, uma vez que pessoa humilde, com grau de instrução baixa, sem anotações de vínculos no CNIS não me parece desarrazoado que ela tenha informado a profissão do lar, por não ter vínculo formal registrado.

No que tange à alegação de que "no CADÚNICO consta que a instituidora declarou como ÚNICA RENDA O SEU BENEFÍCIO DE PENSÃO" (evento 14, OUT3) e que em razão disso ela teria outra fonte de renda além do benefício, não merece guarida. Primeiro, porque o benefício do cônjuge falecido em 1990 é de pensão por morte de trabalhador rural, no valor de um salário mínimo e segundo (evento 14, OUT2), porque tal fato, por si só, serve como mais um indício de que desde sempre ela exerceu trabalho rural.

De outra banda, vale destacar a inexistência de registro de vínculo de trabalho de natureza urbana (evento 14, OUT2), bem como o fato de o companheiro, ora autor, exercer atividades laborativas, das quais percebia remuneração mínima, conforme extratos juntados aos autos (evento 14, OUT3), o que não infirma a necessidade da falecida de exercer o seu ofício rurícola.

Na mesma linha, as declarações das testemunhas Clemir Figueiredo e João Maria dos Santos corroboraram que a falecida laborava como bóia-fria até dois meses antes de vir a óbito, parando em função de tratamento para câncer (evento 86, VIDEO2 e evento 86, VIDEO3).

Diante do exposto, não merece provimento o recurso, devendo ser mantida intacta a r. sentença.

Consectários da Condenação

Os consectários legais incidentes sobre os valores devidos são os seguintes, ressalvada a aplicabilidade, na fase de cumprimento de sentença, de eventuais disposições legais posteriores que vierem a alterar os critérios atualmente vigentes.

Correção Monetária

A correção monetária incide a contar do vencimento de cada prestação, aplicando-se o INPC a partir de setembro de 2006 (Lei 11.430/06, que acrescentou o artigo 41-A à Lei 8.213/91), conforme decisão do Supremo Tribunal Federal no Tema 810, RE 870.947, Pleno, Rel. Min. Luiz Fux, DJE de 20.11.2017, item "2" (embargos de declaração rejeitados sem modulação dos efeitos em 03.10.2019, trânsito em julgado em 03.03.2020), e do Superior Tribunal de Justiça no Tema 905, REsp. 1.492.221/PR, 1ª Seção, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, DJe de 20.03.2018 , item "3.2" da decisão e da tese firmada.

Juros Moratórios

Os juros de mora se aplicam desde a citação, nos termos Súmula nº 204/STJ, ressalvados os casos específicos em que incidam as teses fixadas no Tema 995/STJ em razão de reafirmação da DER. Os índices são os seguintes:

a) até 29.06.2009, 1% (um por cento) ao mês;

b) a partir de 30.06.2009, de acordo com os índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, conforme dispõe o artigo 5º da Lei 11.960/09, que deu nova redação ao artigo 1º-F da Lei 9.494/97, consoante decisão do STF no RE 870.947, DJE de 20.11.2017.

SELIC

A partir de 09.12.2021, nos termos do art. 3º da Emenda Constitucional nº 113/2021, nas condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza, para fins de atualização monetária, remuneração do capital e compensação da mora, haverá a incidência do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente.

Dessarte, dou provimento ao recurso no ponto.

Honorários Advocatícios

Os honorários advocatícios são devidos, em regra, no patamar de 10%, observados os percentuais mínimos previstos em cada faixa do § 3º do art. 85 do Código de Processo Civil para as condenações proferidas a partir de 18.03.2016, considerando as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforma a sentença de improcedência, nos termos das Súmulas nº 111 do Superior Tribunal de Justiça e nº 76 deste Tribunal Regional Federal da 4ª Região, respectivamente:

Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, não incidem sobre as prestações vencidas após a sentença.

Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência.

Em grau recursal, consoante entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça, a majoração é cabível quando se trata de "recurso não conhecido integralmente ou desprovido, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente" (STJ, AgInt. nos EREsp. 1539725/DF, Rel. Min. Antonio Carlos Ferreira, 2ª S., DJe 19.10.2017), o que foi reafirmado no Tema 1.059/STJ:

A majoração dos honorários de sucumbência prevista no art. 85, § 11, do CPC pressupõe que o recurso tenha sido integralmente desprovido ou não conhecido pelo tribunal, monocraticamente ou pelo órgão colegiado competente. Não se aplica o art. 85, § 11, do CPC em caso de provimento total ou parcial do recurso, ainda que mínima a alteração do resultado do julgamento e limitada a consectários da condenação.

Parcialmente provido o recurso, não cabe majoração da verba honorária em grau recursal.

Custas

O INSS é isento do pagamento das custas processuais no Foro Federal (artigo 4.º, I, da Lei n.º 9.289/96), mas não quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF/4ª Região).

Tutela Específica

Nas ações previdenciárias deve-se, em regra, determinar a imediata implementação do benefício concedido, valendo-se da tutela específica da obrigação de fazer prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973 (TRF4, QOAC 2002.71.00.050349-7, Rel. p/Ac. Des. Federal Celso Kipper, 3ª S., j. 09.08.2007), e nos artigos 497, 536 e parágrafos e 537, do Código de Processo Civil de 2015, independentemente de requerimento expresso por parte do segurado ou beneficiário, considerando-se também a ausência de efeito suspensivo a eventuais recursos cabíveis em face do presente acórdão.

Assim, é determinado ao INSS (obrigação de fazer) que implante à parte autora, via CEAB (Central Especializada de Análise de Benefício), o benefício abaixo descrito, no prazo máximo de 20 (vinte) dias para cumprimento:

TABELA PARA CUMPRIMENTO PELA CEAB
CUMPRIMENTOImplantar Benefício
NB1972859320
ESPÉCIEPensão por Morte
DIB12/11/2019
DIPPrimeiro dia do mês da decisão que determinou a implantação/restabelecimento do benefício
DCB
RMIA apurar
OBSERVAÇÕES

Na hipótese de a parte autora já estar em gozo de benefício previdenciário inacumulável, o INSS deverá implantar o benefício deferido judicialmente apenas se o valor de sua renda mensal atual for superior ao daquele.

Faculta-se à parte beneficiária manifestar eventual desinteresse quanto ao cumprimento desta determinação.

Prequestionamento

Objetivando possibilitar o acesso das partes às Instâncias Superiores, considero prequestionadas as matérias constitucionais e/ou legais suscitadas nos autos, conquanto não referidos expressamente os respectivos artigos na fundamentação do voto, nos termos do art. 1.025 do Código de Processo Civil.

Conclusão

- apelação: provida em parte quanto aos consectários da condenação;

- de ofício, é determinada a implantação do benefício, via CEAB.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação e, de ofício, determinar a implantação do benefício.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004349131v14 e do código CRC a59ee7ca.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 18/4/2024, às 11:3:23


5001052-30.2024.4.04.9999
40004349131.V14


Conferência de autenticidade emitida em 26/04/2024 04:01:15.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5001052-30.2024.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: VALDIR RIBEIRO

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. pensão por morte. REQUISITOS. qualidade de segurado do falecido. condição de segurado especial. trabalhador rural.

1. A concessão do benefício de pensão por morte depende do preenchimento dos seguintes requisitos: a) a ocorrência do evento morte; b) a condição de dependente de quem objetiva a pensão; c) a demonstração da qualidade de segurado do de cujus por ocasião do óbito. O benefício independe de carência e é regido pela legislação vigente à época do óbito

2. A qualidade de segurado especial do de cujus deve ser comprovada por início de prova material, corroborada por prova testemunhal, no caso de exercer atividade agrícola como volante ou boia-fria ou mesmo como trabalhador rural em regime de economia familiar.

3. Comprovado o preenchimento de todos os requisitos legais, a parte autora faz jus ao benefício de pensão por morte.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 10ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação e, de ofício, determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Curitiba, 16 de abril de 2024.



Documento eletrônico assinado por MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004349132v4 e do código CRC 7235ef0b.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA
Data e Hora: 18/4/2024, às 11:3:23


5001052-30.2024.4.04.9999
40004349132 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 26/04/2024 04:01:15.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 09/04/2024 A 16/04/2024

Apelação Cível Nº 5001052-30.2024.4.04.9999/PR

RELATOR: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PRESIDENTE: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES

APELANTE: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

APELADO: VALDIR RIBEIRO

ADVOGADO(A): HELIO APARECIDO ZAGO FILHO (OAB PR065089)

ADVOGADO(A): BIANKA APARECIDA SCHIAVO ZAGO (OAB PR086284)

ADVOGADO(A): BRUNA SCHIAVO ZAGO (OAB PR103087)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 09/04/2024, às 00:00, a 16/04/2024, às 16:00, na sequência 1307, disponibilizada no DE de 26/03/2024.

Certifico que a 10ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 10ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO E, DE OFÍCIO, DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal MÁRCIO ANTONIO ROCHA

Votante: Desembargador Federal LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO

Votante: Juíza Federal FLÁVIA DA SILVA XAVIER

SUZANA ROESSING

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 26/04/2024 04:01:15.

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