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EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONCESSÃO. DEFICIÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. TRF4. 5002488-97.2019.4.04.9999

Data da publicação: 15/03/2024, 07:01:10

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONCESSÃO. DEFICIÊNCIA NÃO DEMONSTRADA. - O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou de pessoa idosa (assim considerada aquela com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família). - O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, afastando critérios objetivos para aferição do requisito econômico do benefício assistencial. - Não se tratando a autora de pessoa com deficiência conforme a perícia médica, impõe-se a manutenção da sentença de improcedência, em seus termos. (TRF4, AC 5002488-97.2019.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, juntado aos autos em 07/03/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

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Apelação Cível Nº 5002488-97.2019.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

APELANTE: BRENDA DE BARROS DIAS

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de apelação interposta contra sentença (evento 3, SENT23) que julgou improcedente ação postulando a concessão de Benefício de Prestação Continuada (BPC) ao deficiente, nos seguintes termos:

DIANTE DO EXPOSTO, na forma do artigo 487, I, do Novo CPC, JULGO IMPROCEDENTE o pedido formulado por BRENDA DE BARROS DIAS, representada em face do INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL.

Em face da sucumbência, condeno o autor ao pagamento das custas e despesas processuais, bem como honorários advocatícios ao procurador do demandado, os quais fixo em 15% do valor da causa, na forma do artigo 85, 2º, do CPC, levando-se em consideração a natureza da demanda, tempo de duração, bem como dado o zelo e providências tomadas nos autos, não tendo havido maiores intercorrências ou necessidade de muitas manifestações. Resta suspensa a exigibilidade das custas e despesas processuais em face da gratuidade judiciária concedida.

Em suas razões de apelação (evento 3, APELAÇÃO24), a parte autora aduz, em síntese, preencher os requisitos legais para a concessão do benefício assistencial postulado.

Sem contrarrazões, subiram os autos a este Tribunal.

Solvida questão de ordem, determinou-se a reabertura da instrução para realizar perícia técnica com médico especialista na enfermidade da autora (evento 23, RELVOTO1), com vistas a aferir com maior segurança se preenche os requisitos, visto que a perícia inicialmente realizada não foi suficientemente conclusiva.

Produzido o laudo pericial (evento 169, LAUDO1), retornaram os autos para a análise do mérito e julgamento do recurso interposto.

VOTO

Da concessão do Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência

Controverte-se nos autos acerca do direito da parte autora à percepção de benefício assistencial a pessoa alegadamente com deficiência.

A Constituição Federal instituiu o benefício assistencial ao deficiente e ao idoso nos seguintes termos:

Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente da contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

(...)

V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

A Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993, veio a regular a matéria, merecendo transcrição o caput e os parágrafos 1º a 3º do art. 20:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 70 (setenta) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família.

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, entende-se como família o conjunto de pessoas elencadas no art. 16 da Lei n. 8.213, de 24 de julho de 1991, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei n. 9.720, de 30.11.1998)

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, a pessoa portadora de deficiência é aquela incapacitada para a vida independente e para o trabalho.

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.(...)

A redação do art. 20 da LOAS, acima mencionado, foi alterada pelas Leis nº 12.435, de 06-07-2011 e nº 12.470, de 31-08-2011, passando a apresentar o seguinte teor:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 1º Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2º Para efeito de concessão deste benefício, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 3º Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 4o O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 5o A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2º, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

(...)

§ 8º A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

(...)

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

Mais recentemente, com alterações das Leis 13.146/2015, 13.846/2019, 13.982/2020, 14.176/2021, 14.441/2022, 14.601/2023, o referido artigo passou a ter a seguinte redação:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011) (Vide Lei nº 13.985, de 2020)

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

§ 3º Observados os demais critérios de elegibilidade definidos nesta Lei, terão direito ao benefício financeiro de que trata o caput deste artigo a pessoa com deficiência ou a pessoa idosa com renda familiar mensal per capita igual ou inferior a 1/4 (um quarto) do salário-mínimo. (Redação dada pela Lei nº 14.176, de 2021)

(...)

§ 4º O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória, bem como as transferências de renda de que tratam o parágrafo único do art. 6º e o inciso VI do caput do art. 203 da Constituição Federal e o caput e o § 1º do art. 1º da Lei nº 10.835, de 8 de janeiro de 2004. (Redação dada pela Lei nº 14.601, de 2023)

§ 5º A condição de acolhimento em instituições de longa permanência não prejudica o direito do idoso ou da pessoa com deficiência ao benefício de prestação continuada. (Redação dada pela Lei nº 12.435, de 2011)

§ 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o § 2o, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. (Redação dada pela Lei nº 12.470, de 2011)

(...)

§ 8o A renda familiar mensal a que se refere o § 3o deverá ser declarada pelo requerente ou seu representante legal, sujeitando-se aos demais procedimentos previstos no regulamento para o deferimento do pedido. (Incluído pela Lei nº 9.720, de 30.11.1998)

§ 9o Os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado e de aprendizagem não serão computados para os fins de cálculo da renda familiar per capita a que se refere o § 3o deste artigo. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

§ 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2o deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. (Incluído pela Lei nº 12.470, de 2011)

§ 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

§ 11-A. O regulamento de que trata o § 11 deste artigo poderá ampliar o limite de renda mensal familiar per capita previsto no § 3º deste artigo para até 1/2 (meio) salário-mínimo, observado o disposto no art. 20-B desta Lei. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

§ 12. São requisitos para a concessão, a manutenção e a revisão do benefício as inscrições no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) e no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal - Cadastro Único, conforme previsto em regulamento. (Incluído pela Lei nº 13.846, de 2019)

(...)

§ 14. O benefício de prestação continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário-mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda a que se refere o § 3º deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

§ 15. O benefício de prestação continuada será devido a mais de um membro da mesma família enquanto atendidos os requisitos exigidos nesta Lei. (Incluído pela Lei nº 13.982, de 2020)

Art. 20-A. (Revogado pela Lei nº 14.176, de 2021)

Art. 20-B. Na avaliação de outros elementos probatórios da condição de miserabilidade e da situação de vulnerabilidade de que trata o § 11 do art. 20 desta Lei, serão considerados os seguintes aspectos para ampliação do critério de aferição da renda familiar mensal per capita de que trata o § 11-A do referido artigo:. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

I – o grau da deficiência; (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

II – a dependência de terceiros para o desempenho de atividades básicas da vida diária; e. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

III – o comprometimento do orçamento do núcleo familiar de que trata o § 3º do art. 20 desta Lei exclusivamente com gastos médicos, com tratamentos de saúde, com fraldas, com alimentos especiais e com medicamentos do idoso ou da pessoa com deficiência não disponibilizados gratuitamente pelo SUS, ou com serviços não prestados pelo Suas, desde que comprovadamente necessários à preservação da saúde e da vida.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

§ 1º A ampliação de que trata o caput deste artigo ocorrerá na forma de escalas graduais, definidas em regulamento. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

§ 2º Aplicam-se à pessoa com deficiência os elementos constantes dos incisos I e III do caput deste artigo, e à pessoa idosa os constantes dos incisos II e III do caput deste artigo.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

§ 3º O grau da deficiência de que trata o inciso I do caput deste artigo será aferido por meio de instrumento de avaliação biopsicossocial, observados os termos dos §§ 1º e 2º do art. 2º da Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015 (Estatuto da Pessoa com Deficiência), e do § 6º do art. 20 e do art. 40-B desta Lei.. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

§ 4º O valor referente ao comprometimento do orçamento do núcleo familiar com gastos de que trata o inciso III do caput deste artigo será definido em ato conjunto do Ministério da Cidadania, da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia e do INSS, a partir de valores médios dos gastos realizados pelas famílias exclusivamente com essas finalidades, facultada ao interessado a possibilidade de comprovação, conforme critérios definidos em regulamento, de que os gastos efetivos ultrapassam os valores médios. (Incluído pela Lei nº 14.176, de 2021) (Vigência)

Portanto, o direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos:

a) condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20 da LOAS, ou aquela pessoa que tem impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou idoso (neste caso, considerando-se, desde 1º de janeiro de 2004, a idade de 65 anos); e

b) situação de risco social (estado de miserabilidade, hipossuficiência econômica ou situação de desamparo) do autor e de sua família.

O conceito de pessoa com deficiência foi redimensionado após a entrada em vigor do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei n. 13.146, de 6 de julho de 2015), passando a abranger diversas ordens de impedimentos de longo prazo, capazes de obstaculizar a plena e equânime participação social da pessoa com deficiência, considerando o meio em que esta se encontra inserida.

Com esse novo paradigma, o conceito de deficiência desvincula-se da mera incapacidade para o trabalho e para a vida independente - abandonando critérios de análise restritivos, voltados ao exame das condições biomédicas do postulante ao benefício -, para se identificar com uma perspectiva mais abrangente, atrelada ao modelo social de direitos humanos, visando à remoção de barreiras impeditivas de inserção social. Assim, a análise atual da condição de deficiente não mais se concentra na incapacidade laboral e na impossibilidade de sustento, mas na existência de restrição capaz de obstaculizar a efetiva participação social em igualdade de condições com os demais.

Assim, a nova legislação não trata separadamente os requisitos de incapacidade e socioeconômico, analisando-os de forma integrada para a concessão do benefício de prestação continuada.

Do aspecto socioeconômico

O art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, estabelecia que se considerava hipossuficiente a pessoa com deficiência ou idoso cuja família possuísse renda per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

Contudo, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso.

No primeiro caso, o STF identificou a ocorrência de um processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro), reconhecendo que o critério econômico presente na LOAS não pode ser tomado como absoluto, cabendo a análise da situação concreta em discussão.

Desta forma, uma vez que reconhecida a inconstitucionalidade do critério objetivo para aferição do requisito econômico do benefício assistencial, em regime de repercussão geral, caberá ao julgador avaliar os aspectos socioeconômicos que cercam a subsistência da parte autora e de sua família, em cada caso.

Já no que pertine ao parágrafo único do art. 34, que estabelece que o benefício assistencial já concedido a qualquer idoso membro da família "não será computado para os fins do cálculo da renda familiar per capita a que se refere a LOAS", entendeu o STF que violou o princípio da isonomia ao reconhecer a possibilidade de recebimento de dois benefícios assistenciais por idosos, mas não a percepção conjunta de benefício de idoso com o de pessoa com deficiência ou de qualquer outro previdenciário no mesmo grupo familiar. Diante disso, foi afastada a restrição para que qualquer benefício previdenciário ou assistencial, de até um salário mínimo, seja desconsiderado na renda familiar per capita.

Destaca-se, por fim, que eventual circunstância de a parte autora ser beneficiária e perceber renda proveniente do Programa Bolsa Família, não só não impede a percepção do benefício assistencial do art. 203, V, da Constituição Federal, como constitui forte indicativo de que a unidade familiar encontra-se em situação de risco social.

DO CASO CONCRETO

O MM. Juízo de primeiro grau, ao julgar o caso, entendeu que a parte autora não preenche os requisitos para a concessão do benefício assistencial, visto que não verificada a condição de deficiente ou a miserabilidade do grupo familiar, com a renda per capita sendo superior ao limite estipulado em lei.

Determinada a reabertura da instrução, foi produzido novo laudo pericial para aferir o preenchimento do requisito legal de deficiência. No ponto, transcrevo as conclusões mais elucidativas da perita-médica:

...

Parecer: A autora apresenta diagnóstico de hemangioma infantil (CID 10 D18.0) desde os primeiros dias de vida e vem realizando acompanhamento médico no Serviço de Dermatologia Pediátrica da Santa Casa de Porto Alegre desde então. Há menção no prontuário de que a paciente já iniciou o tratamento com o hemangioma ulcerado, razão pela qual apresenta uma cicatriz no lábio. Fez uso de propranolol contínuo tendo apresentado boa resposta à medicação. No momento, encontra-se estável, sem necessidade de medicação, fazendo acompanhamento clínico, apresenta sequelas residuais da patologia.

O Hemangioma Infantil (HI) é o tumor de partes moles mais frequente na infância. Apresenta uma fase proliferativa de crescimento rápido observada nas primeiras semanas de vida, seguida de regressão espontânea. Para a maioria dos HI, não há indicação de tratamento sistêmico, porém em 10 a 25%, podem ocorrer complicações como ulceração, risco de desfigurar e sequelas funcionais, além de risco à vida, nesses casos o tratamento deve ser rapidamente iniciado

....

Conforme o decreto N.3.298 de 20 de dezembro de 1999, a deficiência física não inclui deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções.

Conclusão:

Diante do exposto, concluo que a pericianda tem hemangioma infantil (CID10 18.0) desde os primeiros dias de vida, mas que foi devidamente tratado e está sendo acompanhado clinicamente. No momento apresenta alterações residuais/sequelares que podem necessitar de correção cirúrgica no futuro.

...

f) Doença/moléstia ou lesão torna o(a) periciado(a) incapacitado(a) para o exercício do último trabalho ou atividade habitual? Justifique a resposta, descrevendo os elementos nos quais de baseou a conclusão. R: Não a torna incapacitada para o exercício das atividades habituais, visto que clinicamente a lesão apresentou regressão com o tratamento proposto.

o) O(a) periciado(a) está realizando tratamento? Qual a previsão de duração do tratamento? Há previsão ou foi realizado tratamento cirúrgico? O tratamento é oferecido pelo SUS? R: Não está realizando tratamento medicamentoso atualmente, realiza acompanhamento clínico regular com a equipe de Dermatologia assistente. Não foi realizado tratamento cirúrgico e não há previsão de cirurgia pelos documentos analisados.

...

4) A autora pode executar todas as atividades físicas de uma criança da sua idade ou deve evitar atividades que possam gerar riscos de cair e bater a boca ou de outra criança bater na região onde está o hemangioma? R: Pode realizar as atividades físicas de crianças de sua idade.

7) É necessário um cuidado e vigilância maiores por partes dos pais em relação à autora? R: Durante a infância, a autora demandou cuidados e vigilância maiores por parte dos pais devido a sua patologia. No entanto, atualmente encontra-se estável, sem necessidade de maiores cuidados.

...

QUESITOS COMPLEMENTARES:

a) Dentro de qual período, especificado entre datas, a patologia da autora demandou restrições/impedimentos em atividades compatíveis com a sua faixa etária? R: A periciada necessitou do uso de propranolol para tratamento da fase proliferativa do hemangioma de 23/01/2015 a 28/02/2017, período de maior risco com relação à traumas. A indicação médica foi de evitar frequentar creches somente no primeiro ano de vida.

b) Transcorrido o período indicado em resposta ao quesito anterior, a autora pôde participar plenamente de todas as atividades compatíveis com a sua idade, sem correr qualquer risco relacionado à sua saúde? R: Sim, conforme anamnese e exame físico realizados na data da perícia, a periciada participou e participa das atividades compatíveis com a sua idade após as datas especificadas acima. (grifos acrescidos)

Consoante se depreende dos excertos acima, a autora apresenta quadro que não acarreta impedimentos de longo prazo.

A Lei 8.742/93, que rege a matéria, prevê claramente que se considera pessoa com deficiência para fins de concessão de benefício assistencial aquela com impedimentos de longo prazo, os quais prejudiquem a plena participação social em igualdade com todos, o que não é o caso dos autos, uma vez que a expert foi categórica em afirmar que a autora desempenha atividades compatíveis com sua faixa etária, sem restrições.

Para fins de elucidar o exposto, transcrevo a redação do art. 20 da Lei 8.742/93:

Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.

§ 1o Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.

§ 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

Assim sendo, a sentença de improcedência deve ser mantida, em seus termos, pois não preenchido requisito para a concessão do benefício postulado e inexistentes elementos capazes de infirmar as conclusões da perita nomeada pelo juízo, dotada de plena qualificação e imparcialidade para produzir a prova.

Inexistindo deficiência a justificar a concessão do benefício, desnecessária a análise das condições socioeconômicas do núcleo familiar da autora, posto que se tratam de requisitos cumulativos.

Das Custas Processuais

O INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4.º, I, da Lei 9.289/96).

Tratando-se de feitos afetos à competência delegada, tramitados na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, a autarquia também é isenta do pagamento dessas custas (taxa única), de acordo com o disposto no art. 5.º, I, da Lei Estadual n.º 14.634/14, que institui a Taxa Única de Serviços Judiciais desse Estado, ressalvando-se que tal isenção não a exime da obrigação de reembolsar eventuais despesas judiciais feitas pela parte vencedora (parágrafo único, do art. 5.º). Salienta-se, ainda, que nessa taxa única não estão incluídas as despesas processuais mencionadas no parágrafo único do art. 2.º da referida lei, tais como remuneração de peritos e assistentes técnicos, despesas de condução de oficiais de justiça, entre outras.

Da Verba Honorária

Mantida a sentença, considerando o trabalho adicional em grau recursal realizado, a importância e a complexidade da causa, nos termos do art. 85, §8.º, §2.º e §11.º, do CPC/15, os honorários advocatícios devem ser majorados em 50% sobre o valor fixado na sentença, e suspensa a exigibilidade em função do deferimento da Assistência Judiciária Gratuita.

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação da parte autora, nos termos da fundamentação.



Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004319203v9 e do código CRC 1c7da665.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Data e Hora: 7/3/2024, às 16:20:21


5002488-97.2019.4.04.9999
40004319203.V9


Conferência de autenticidade emitida em 15/03/2024 04:01:10.

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Apelação Cível Nº 5002488-97.2019.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

APELANTE: BRENDA DE BARROS DIAS

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL À PESSOA COM DEFICIÊNCIA. CONCESSÃO. DEFICIÊNCIA NÃO DEMONSTRADA.

- O direito ao benefício assistencial pressupõe o preenchimento dos seguintes requisitos: condição de deficiente (incapacidade para o trabalho e para a vida independente, consoante a redação original do art. 20, da LOAS, ou impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir a participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas, consoante a redação atual do referido dispositivo) ou de pessoa idosa (assim considerada aquela com 65 anos ou mais, a partir de 1º de janeiro de 2004, data da entrada em vigor da Lei nº 10.741/2003 - Estatuto do Idoso) e situação de risco social (ausência de meios para a parte autora, dignamente, prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família).

- O Supremo Tribunal Federal, ao analisar os recursos extraordinários 567.985 e 580.963, ambos submetidos à repercussão geral, reconheceu a inconstitucionalidade do § 3º do art. 20 da Lei nº 8.742/1993 - LOAS, assim como do parágrafo único do art. 34 da Lei 10.741/2003 - Estatuto do Idoso, afastando critérios objetivos para aferição do requisito econômico do benefício assistencial.

- Não se tratando a autora de pessoa com deficiência conforme a perícia médica, impõe-se a manutenção da sentença de improcedência, em seus termos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação da parte autora, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 06 de março de 2024.



Documento eletrônico assinado por RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA, Desembargador Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004319204v4 e do código CRC 89c898e6.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA
Data e Hora: 7/3/2024, às 16:20:21


5002488-97.2019.4.04.9999
40004319204 .V4


Conferência de autenticidade emitida em 15/03/2024 04:01:10.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 28/02/2024 A 06/03/2024

Apelação Cível Nº 5002488-97.2019.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

PROCURADOR(A): FÁBIO BENTO ALVES

APELANTE: BRENDA DE BARROS DIAS

ADVOGADO(A): DIORGENES CANELLA (OAB RS072884)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 28/02/2024, às 00:00, a 06/03/2024, às 16:00, na sequência 239, disponibilizada no DE de 19/02/2024.

Certifico que a 6ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 6ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

Votante: Desembargador Federal RICARDO TEIXEIRA DO VALLE PEREIRA

Votante: Juíza Federal ANA CRISTINA MONTEIRO DE ANDRADE SILVA

Votante: Desembargador Federal ALTAIR ANTONIO GREGORIO

PAULO ROBERTO DO AMARAL NUNES

Secretário



Conferência de autenticidade emitida em 15/03/2024 04:01:10.

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