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PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CESSAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. TEMA 692 STJ. INAPLICABILIDADE. TRF4. 5009276-25.2022.4.04.9999

Data da publicação: 02/05/2024, 07:01:39

EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CESSAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. TEMA 692 STJ. INAPLICABILIDADE. Em que pese a parte autora ter recebido valores em razão de tutela antecipada, posteriormente revogada, o título executivo não previu o respectivo ressarcimento ao INSS, razão pela qual inviável a cobrança dos respectivos valores na própria ação, sob pena de exceder os limites da coisa julgada. (TRF4, AC 5009276-25.2022.4.04.9999, QUINTA TURMA, Relator ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, juntado aos autos em 24/04/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5009276-25.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

APELANTE: WILSON FRANZEN

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

RELATÓRIO

Trata-se de ação movida por Wilson Franzen, em face do Instituto Nacional do Seguro Social, objetivando a declaração de inexistência de débito perante o instituto réu, asseverando ter ajuizado ação previdenciária contra a autarquia ré, em novembro de 2009, na qual obteve a concessão de antecipação de tutela determinante do pagamento de auxílio-doença. Esta liminar, todavia, foi revogada em maio de 2011 e a lide julgada improcedente posteriormente, transitando em julgado em abril de 2012. Ainda, no mês de novembro de 2011, obteve a concessão de aposentadoria por idade. Entretanto, decorrido longo prazo, especificamente no mês de setembro de 2016, foi notificado pela ré acerca da revisão administrativa do pagamento do auxílio-doença e do indevido recebimento do benefício, sendo cientificado, ainda, de que seriam efetuados descontos mensais no valor de 30% de sua aposentadoria até ser atingida quantia total do débito (R$ 18.410,44). Logo após a notificação correlata, tiveram início os descontos mencionados. Sustentou a prescrição quinquenal da dívida com lastro no Decreto nº 20.910/32. Comentou a boa-fé no recebimento do benefício, o qual inclusive estava lastreado em decisão judicial, assim como a natureza alimentar correlata e, por conseguinte, sua irrepetibilidade. Destacou a necessidade de devolução dos valores já retidos pela autarquia. Diante desse quadro, requereu, liminarmente, a suspensão dos descontos ou, alternativamente, a redução para o patamar de 10% do valor da aposentadoria. Ao final, postulou o reconhecimento da prescrição ou, caso afastada, a procedência, com a declaração de inexistência do débito, a suspensão dos descontos correlatos e a devolução das quantias apreendidas ou, subsidiariamente, a redução do valor da parcela mensal para 10% do benefício. Vindicou o deferimento da assistência judiciária gratuita. Juntou procuração e documentos.

Processado regularmente o feito, sobreveio sentença que julgou improcedente o pedido. Foi a parte autora condenada ao pagamento de honorários de advogado fixados em 10% do valor da causa atualizado. Suspensa a exigibilidade da condenação em razão de litigar o demandante sob o pálio da justiça gratuita.

Apela a parte autora repisando as razões declinadas na peça inicial.

Com contrarrazões, veio o processo concluso para julgamento.

VOTO

Juízo de admissibilidade

Recurso adequado e tempestivo. Apelante isenta de custas, nos termos do art. 4º, II, da Lei 9.289/1996.

Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça -devolução de valores de benefício previdenciário - revogação da antecipação de tutela

Primeiramente, a fim de contextualizar, impõe-se ressaltar que os valores recebidos pelo segurado em razão de decisão judicial de natureza precária, posteriormente revogada, não estavam sujeitos a devolução, nos termos do parágrafo único do art. 130 da Lei 8.213/91, na sua redação original. Entrementes, com o advento da Lei 9.528/97 o referido parágrafo único foi revogado, passando, em tese, a valer a regra geral do CPC, à vista da ausência de norma especial que tratasse da questão.

Com efeito, iniciou-se a discussão acerca da necessidade de devolução dos valores recebidos em caso de revogação da tutela antecipada, o que culminou na afetação da questão pelo STJ, Tema Repetitivo 692 (REsp 1.401.560/MT), com a delimitação, em 30/08/2013, da seguinte tese controvertida: Deve o litigante beneficiário do Regime Geral da Previdência Social - RGPS devolver os valores percebidos do INSS em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser posteriormente revogada?.

Julgado o REsp 1.401.560/MT, foi firmada a seguinte tese:

A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.

O acórdão paradigma foi assim ementado:

PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. REVERSIBILIDADE DA DECISÃO. O grande número de ações, e a demora que disso resultou para a prestação jurisdicional, levou o legislador a antecipar a tutela judicial naqueles casos em que, desde logo, houvesse, a partir dos fatos conhecidos, uma grande verossimilhança no direito alegado pelo autor. O pressuposto básico do instituto é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada (CPC, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária. Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional. Com efeito, o art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, exige o que o art. 130, parágrafo único na redação originária (declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal - ADI 675) dispensava. Orientação a ser seguida nos termos do art.543-C do Código de Processo Civil: a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos. (STJ, REsp 1.401.560/MT, 1ª Seção, Relator para o acórdão Ministro Ari Pargendler, julgado em 12/02/2014)

Da análise do voto divergente e dos votos dos ministros que o acompanharam, verifica-se que, embora o art. 115, II, Lei 8.213/1991 não se referisse expressamente à devolução de valores recebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada, o debate ficou restrito à possibilidade de repetição dos valores, à vista do caráter precário das decisões liminares e centrou-se na aplicação do referido artigo, concluindo que ele exige o que o art. 130, parágrafo único, também da Lei 8.213/91, dispensava.

Assim, sobreleva destacar, quando a linha de fundamentação poderia ter evoluído para a simples aplicação do art. 302, parágrafo único do CPC, em razão da não subsistência da norma que dispensava a devolução, optaram os julgadores por concluir que a repetição dos valores recebidos na hipótese era cabível em razão da incidência de norma de natureza especial prevista do art. 115, II, da Lei 8.213/91, a despeito da dificuldade interpretativa em razão da sua redação à época.

Acresça-se, ainda, que não houve, em que pese iniciativa do Ministro Herman Benjamin, fixação de critérios materiais ou processuais para a execução dos valores a serem repetidos. Quando do julgamento dos embargos de declaração no REsp 1.401.560/MT e enfrentamento da alegação de que o artigo 115 da Lei 8.213/91 pressupõe a existência de um benefício em manutenção, colaciono excerto do voto do Relator Ministro Mauro Campbell Marques:

Por fim, cumpre reafirmar o que já foi dito pelo Ministro Herman Benjamin, em seu voto divergente, o caráter alimentar dos benefícios previdenciários está indissociavelmente ligado ao princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, de forma que as imposições obrigacionais não comprometam o sustento do segurado.

Do texto legal contido no artigo 115 da Lei 8.213/1991, apesar de não expressamente prevista norma de desconto de valores recebidos a título de antecipação da tutela posteriormente revogada, é possível admitir, com base no inciso II e, eventualmente, no inciso VI, o ressarcimento pretendido.

Dessa forma, em que pese a ressalva da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana, novamente, optaram os julgadores por não adentrar nas diretrizes processuais da execução dos valores, limitando-se à análise da tese controvertida: Deve o litigante beneficiário do Regime Geral da Previdência Social - RGPS devolver os valores percebidos do INSS em virtude de decisão judicial precária, que venha a ser posteriormente revogada?.

Posteriormente, à vista de diversas dúvidas quanto à aplicação do tema, foi proposta questão de ordem, tendo o entendimento firmado no Tema 692 do Superior Tribunal de Justiça sido objeto de proposta de revisão (Petição n.º 12482/DF), ocasião em que foi reafirmada a tese jurídica originária, com acréscimo redacional, nos seguintes termos:

A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago.

O acórdão respectivo restou assim ementado:

PROCESSUAL CIVIL. PROPOSTA DE REVISÃO DO ENTENDIMENTO FIRMADO NO TEMA REPETITIVO 692/STJ (RESP N. 1.401.560/MT). ART. 927, § 4º, DO CPC/2015. ARTS. 256-S, 256- T, 256-U E 256-V DO RISTJ. DEVOLUÇÃO DE VALORES DE BENEFÍCIOS PREVIDENCIÁRIOS RECEBIDOS POR FORÇA DE DECISÃO LIMINAR POSTERIORMENTE REVOGADA. ADVENTO DE NOVA LEGISLAÇÃO. ART. 115, INC. II, DA LEI N. 8.213/1991, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 13.846/2019. TEMA N. 799/STF (ARE 722.421/MG): POSSIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS EM VIRTUDE DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. NATUREZA INFRACONSTITUCIONAL. QUESTÃO DE ORDEM JULGADA NO SENTIDO DA REAFIRMAÇÃO, COM AJUSTES REDACIONAIS, DO PRECEDENTE FIRMADO NO TEMA REPETITIVO N. 692/STJ.

1. A presente questão de ordem foi proposta com a finalidade de definir se o entendimento firmado no Tema Repetitivo 692/STJ (REsp n. 1.401.560/MT) deve ser reafirmado, alterado ou cancelado, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à jurisprudência do STF, estabelecida em sentido contrário, mesmo que não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.

2. O CPC/1973 regulamentava a matéria de forma clara, prevendo, em resumo, que a efetivação da tutela provisória corre por conta do exequente, e a sua eventual reforma restituiria as partes ao estado anterior à concessão, o que obrigaria o exequente a ressarcir eventuais prejuízos sofridos pelo executado. A mesma lógica foi mantida pelo legislador do CPC/2015. Por conta disso que sempre se erigiu como pressuposto básico do instituto da tutela de urgência a reversibilidade dos efeitos da decisão judicial.

3. O debate surgiu especificamente no que tange à aplicação de tal regulamentação no âmbito previdenciário. Ou seja, discutia-se se as normas específicas de tal área do direito trariam solução diversa da previsão de caráter geral elencada na legislação processual.

4. A razão histórica para o surgimento dessa controvérsia na área previdenciária consiste na redação original do art. 130 da Lei n. 8.213/1991, o qual dispunha que: "Ocorrendo a reforma da decisão, será suspenso o benefício e exonerado o beneficiário de restituir os valores recebidos". Nos idos de 1997, a Lei n. 9.528 alterou completamente a redação anterior, passando a valer a regra geral do CPC, na ausência de norma especial em sentido contrário no âmbito previdenciário.

5. A partir de então, começou a amadurecer a posição no sentido da necessidade de devolução dos valores recebidos em caso de revogação da tutela antecipada, o que redundou, em 2014, no entendimento vinculante firmado pelo STJ no Tema Repetitivo 692 (REsp n. 1.401.560/MT): "A reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos.".

6. Em 2018, esta Relatoria propôs a questão de ordem sob exame, diante da variedade de situações que ensejam dúvidas quanto à persistência da orientação firmada pela tese repetitiva referida, bem como à existência de alguns precedentes em sentido contrário no STF, mesmo não tendo sido com repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.

7. À época, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 – que regulamenta a matéria no direito previdenciário – trazia redação que não era clara e direta como a da legislação processual, uma vez que não referia expressamente a devolução de valores recebidos a título de antecipação dos efeitos da tutela posteriormente revogada. Tal fato, aliás, não passou despercebido pela Primeira Seção ao rejeitar os EDcl no REsp n. 1.401.560/MT fazendo menção a tal fato.

8. Foi essa redação pouco clara que gerou dúvidas e terminou ocasionando, em 2018, a propositura da questão de ordem ora sob julgamento.

9. A Medida Provisória n. 871/2019 e a Lei n. 13.846/2019, entretanto, trouxeram uma reformulação da legislação previdenciária, e o art. 115, inc. II, passou a não deixar mais qualquer dúvida: Na hipótese de cessação do benefício previdenciário ou assistencial pela revogação da decisão judicial que determinou a sua implantação, os valores recebidos devem ser devolvidos à parte adversa.

10. Se o STJ – quando a legislação era pouco clara e deixava margem a dúvidas – já tinha firmado o entendimento vinculante no Tema Repetitivo 692/STJ, não é agora que deve alterar sua jurisprudência, justamente quando a posição da Corte foi sufragada expressamente pelo legislador reformador ao regulamentar a matéria.

11. Trata-se, pois, de observância de norma editada regularmente pelo Congresso Nacional, no estrito uso da competência constitucional a ele atribuída, não cabendo ao Poder Judiciário, a meu sentir, reduzir a aplicabilidade do dispositivo legal em comento, decorrente de escolha legislativa explicitada com bastante clareza.

12. Ademais, a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF.

13. O STF adota o posicionamento referido em algumas ações originárias propostas (na maioria, mandados de segurança) em seu âmbito. Porém, não o faz com caráter de guardião da Constituição Federal, mas sim na análise concreta das ações originárias. A maioria dos precedentes do STF não diz respeito a lides previdenciárias e, além disso, são todos anteriores às alterações inseridas no art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. Na verdade, atualmente o STF vem entendendo pela inexistência de repercussão geral nessa questão, por se tratar de matéria infraconstitucional, como se verá adiante.

14. O que se discute no caso em tela é a interpretação de artigo de lei federal, mais especificamente, o art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 e vários dispositivos do CPC/2015. Assim, vale o entendimento do STJ sobre a matéria, pois, segundo o art. 105 da Carta Magna, é esta Corte a responsável pela uniformização da interpretação da legislação infraconstitucional no país.

15. A propósito, o STF, ao julgar o Tema 799 da Repercussão Geral ( ARE 722.421/MG, j. em 19/3/2015), já firmou expressamente que a questão não é constitucional e deve, portanto, ser deslindada nos limites da legislação infraconstitucional, o que foi feito com bastante clareza pelo legislador ao trazer a nova redação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991. No mesmo sentido, vide o RE 1.202.649 AgR (relator Ministro Celso de Mello, Segunda Turma, j. em 20/12/2019), e o RE 1.152.302 AgR (relator Ministro Marco Aurélio, Primeira Turma, j. em 28/5/2019).

16. Ao propor a questão de ordem, esta Relatoria citou as seguintes particularidades processuais que supostamente seriam aptas a ensejar uma consideração específica quanto à possibilidade de revisão do entendimento firmado no Tema 692/STJ: a) tutela de urgência concedida de ofício e não recorrida; b) tutela de urgência concedida a pedido e não recorrida; c) tutela de urgência concedida na sentença e não recorrida, seja por agravo de instrumento, na sistemática processual anterior do CPC/1973, seja por pedido de suspensão, conforme o CPC/2015; d) tutela de urgência concedida initio litis e não recorrida; e) tutela de urgência concedida initio litis, cujo recurso não foi provido pela segunda instância; f) tutela de urgência concedida em agravo de instrumento pela segunda instância; g) tutela de urgência concedida em primeiro e segundo graus, cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então existente.

17. Quanto a elas, note-se que se trata basicamente do momento em que foi concedida e/ou revogada a tutela de urgência, se logo no início do feito, se na sentença, se na segunda instância, ou se apenas no STF ou no STJ. A ideia subjacente é que, em algumas hipóteses, a tutela de urgência já estaria, de certa forma, incorporada ao patrimônio jurídico da parte autora, e sua revogação poderia resultar em injustiça no caso concreto.

18. Tais situações, entretanto, são tratadas pela lei da mesma forma, não merecendo distinção do ponto de vista normativo. Ou seja, em qualquer desses casos, a tutela de urgência não deixa de ser precária e passível de modificação ou revogação a qualquer tempo, o que implicará o retorno ao estado anterior à sua concessão.

19. Situação diversa é a da tutela de urgência cuja revogação se dá em razão de mudança superveniente da jurisprudência então dominante. Nesses casos, a superação do precedente deverá ser acompanhada da indispensável modulação dos efeitos, a juízo do Tribunal que está promovendo a alteração jurisprudencial, como determina o art. 927, § 3º, do CPC. Assim, como diz a norma, o próprio juízo de superação "de jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos" deve ser acompanhado da modulação dos efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica. Dessa forma, uma eventual guinada jurisprudencial não resultará, em princípio, na devolução de valores recebidos por longo prazo devido à cassação de tutela de urgência concedida com base em jurisprudência dominante à época em que deferida, bastando que o tribunal, ao realizar a superação, determine a modulação dos efeitos.

20. Por fim, não há que se falar em modulação dos efeitos do julgado no caso em tela, uma vez que não se encontra presente o requisito do art. 927, § 3º, do CPC. Isso porque, no caso sob exame, não houve alteração, mas sim reafirmação da jurisprudência dominante do STJ.

21. Questão de ordem julgada no sentido da reafirmação da tese jurídica, com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, nos termos a seguir: "A reforma da decisão que antecipa os efeitos da tutela final obriga o autor da ação a devolver os valores dos benefícios previdenciários ou assistenciais recebidos, o que pode ser feito por meio de desconto em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da importância de eventual benefício que ainda lhe estiver sendo pago. (STJ, Pet nº 12482/ DF, 1ª Seção, Relator OG Fernades, julgado em 11/05/2022)

Assim, a necessidade da devolução de quantia indevidamente paga, a título de antecipação de tutela posteriormente revogada, é questão que não comporta maiores digressões, uma vez que reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, com a reafirmação da tese jurídica, devendo portanto ser observada, à vista do seu caráter cogente, nos termos do art. 927, III, do Código de Processo Civil.

Releva destacar, contudo, que quando do julgamento da proposta de revisão do tema em tela, o STJ reafirmou a jurisprudência, concluindo que o entendimento anterior foi sufragado expressamente pelo legislador reformador ao regulamentar a matéria, alterando o artigo 115 da Lei 8.213/91. Asseverou, ainda, que a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF.

Com efeito, considerando que a questão foi tratada à luz do artigo 115, II, da Lei 8.213/91, desde o primeiro julgado, verifica-se que prevaleceu o entendimento de que a questão permanece tratada por lei especial, como já referido, pois, se assim não fosse, a tese não teria sido reafirmada com acréscimo redacional para ajuste à nova legislação de regência, que limitou o desconto a 30 % (trinta por cento) da importância de eventual benefício que o autor esteja recebendo, nos termos do artigo 115, II, da Lei 8.213/91, com a redação posterior à Lei 13.846/2019. (grifei)

Acresça-se, ainda, que assim como no julgamento anterior, não foram objeto de debate e, portanto, de julgamento, os critérios processuais para a execução dos valores a serem repetidos, de extrema relevância nos casos em que inexiste benefício em manutenção.

E, nesta perspectiva, assim dispõe o art. 115 da Lei 8.213/91, na sua redação atual, in verbis:

Art. 115. Podem ser descontados dos benefícios:

I - contribuições devidas pelo segurado à Previdência Social;

II - pagamento administrativo ou judicial de benefício previdenciário ou assistencial indevido, ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, em valor que não exceda 30% (trinta por cento) da sua importância, nos termos do regulamento;

(...)

§ 1o Na hipótese do inciso II, o desconto será feito em parcelas, conforme dispuser o regulamento, salvo má-fé.

(...)

§ 3º Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. (Redação dada pela Lei nº 13.846, de 2019)

Por outro lado, sobre a indenização decorrente da cessação da eficácia da tutela de urgência, assim dispõe o art. 302 do CPC:

Art. 302. Independentemente da reparação por dano processual, a parte responde pelo prejuízo que a efetivação da tutela de urgência causar à parte adversa, se:

(...)

Parágrafo único. A indenização será liquidada nos autos em que a medida tiver sido concedida, sempre que possível. (grifei)

Entrementes, à vista do aparente conflito entre as leis, deve prevalecer o disposto na Lei 8.213/91, seja em razão do princípio da especialidade, seja em razão da expressão sempre que possível constante do diploma processual, uma vez que o cumprimento, na hipótese, encontraria óbice no parágrafo 3º do art. 115 da Lei de Benefícios, que dispõe que os valores Serão inscritos em dívida ativa pela Procuradoria-Geral Federal os créditos constituídos pelo INSS em decorrência de benefício previdenciário ou assistencial pago indevidamente ou além do devido, inclusive na hipótese de cessação do benefício pela revogação de decisão judicial, nos termos da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 1980, para a execução judicial. (grifei)

Dessa forma, cabe ao INSS veicular a cobrança dos valores que entende devidos na forma do artigo 115, II e parágrafo 3º, da Lei nº 8.213/91, ou seja: i) através de descontos, nos casos de benefício em manutenção (artigo 115, II, da Lei 8.213/91); ou ii) inexistindo benefício em manutenção, deverá proceder a inscrição do crédito em dívida ativa (artigo 115, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91).

Entendimento diverso importaria no afastamento do art. 115, parágrafo 3º, da Lei 8.213/91, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, como bem ressaltou o STJ na ementa acima transcrita, em relação ao inciso II do mesmo artigo, também alterado pela Lei 13.846/2019: (12. Ademais, a postura de afastar, a pretexto de interpretar, sem a devida declaração de inconstitucionalidade, a aplicação do art. 115, inc. II, da Lei n. 8.213/1991 pode ensejar questionamentos acerca de eventual inobservância do art. 97 da CF/1988 e, ainda, de afronta ao verbete vinculante n. 10 da Súmula do STF.)

A hipótese em exame, contudo, guarda a peculiaridade de que o acórdão do processo de conhecimento, ao negar o benefício, revogou a tutela antecipada, não havendo comando expresso de devolução.

De outra parte, este Regional tem precedentes apontando que deve constar do título a obrigação de devolver em sede de cumprimento de sentença:

PREVIDENCIÁRIO. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. REAFIRMAÇÃO DA TESE FIRMADA NO TEMA 692 DO STJ. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS A TÍTULO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. NÃO APLICABILIDADE. Tratando-se de cumprimento de sentença em que o INSS requer a devolução dos valores recebidos pelo agravado a título de tutela antecipada e nada dispondo o título judicial exequendo acerca do pretendido ressarcimento, não se faz possível processá-lo nesta fase processual (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5020900-95.2022.4.04.0000, 9ª Turma, Desembargador Federal SEBASTIÃO OGÊ MUNIZ, POR UNANIMIDADE, JUNTADO AOS AUTOS EM 23/08/2022). (TRF4, AG 5022328-20.2019.4.04.0000, NONA TURMA, Relator JAIRO GILBERTO SCHAFER, juntado aos autos em 29/09/2022).

O recurso da parte autora comporta provimento para o efeito de afastar a devolução dos valores por ela recebidos a título de antecipação de tutela.

Como decorrência lógica, os valores descontados devem ser restituídos à autora, observando os seguintes critérios no que tange à correção monetária:

Correção monetária e juros de mora

A partir do julgamento definitivo pelo Supremo Tribunal Federal do tema 810 da repercussão geral (RE 870947), o Superior Tribunal de Justiça firmou tese no julgamento do tema 905 dos recursos repetitivos (REsp 1495146) no sentido de que as condenações judiciais de natureza previdenciária sujeitam-se à atualização monetária e aos juros de mora da seguinte forma:

3.2 Condenações judiciais de natureza previdenciária.
As condenações impostas à Fazenda Pública de natureza previdenciária sujeitam-se à incidência do INPC, para fins de correção monetária, no que se refere ao período posterior à vigência da Lei 11.430/2006, que incluiu o art. 41-A na Lei 8.213/91. Quanto aos juros de mora, incidem segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009).

Com base em tal entendimento, a correção monetária das parcelas vencidas dos benefícios previdenciários será calculada da seguinte forma:

- IGP-DI de 05/96 a 03/2006 (art. 10 da Lei n.º 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6º, da Lei n.º 8.880/94);

- INPC a partir de 04/2006 (art. 41-A da lei 8.213/91) até o advento da EC 113/2021.

Os juros de mora, por sua vez, incidentes desde a citação (súmula 204 do STJ), de forma simples (não capitalizada), devem observar os seguintes índices e períodos:

- 1% ao mês até 29/06/2009;

- a partir de 30/06/2009, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (art. 1º-F da Lei 9.494/97, com redação dada pela Lei n. 11.960/2009) até o advento da EC 113/2021.

A partir de 09/12/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, deve ser observada a redação dada ao art. 3º da EC 113/2021, a qual estabelece que, nas discussões e condenações que envolvam a Fazenda Pública, independentemente de sua natureza e para fins de atualização monetária, de remuneração do capital e de compensação da mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), acumulado mensalmente. As eventuais alterações legislativas supervenientes devem ser igualmente observadas.

Honorários de Advogado

Em razão do provimento do recurso, resta invertida a condenação.

Honorários Recursais

Hipótese que não contempla a majoração de honorários de advogado

Prequestionamento

O enfrentamento das questões suscitadas em grau recursal, assim como a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar, junto às instâncias superiores, os dispositivos que as fundamentam. Desse modo, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração, para esse exclusivo fim, o que evidenciaria finalidade de procrastinação do recurso, passível, inclusive, de cominação de multa, nos termos do art. 1.026, § 2º, do CPC.

Dispositivo

Pelo exposto, voto por dar provimento ao recurso.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003950584v3 e do código CRC 741b829e.Informações adicionais da assinatura:
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5009276-25.2022.4.04.9999
40003950584.V3


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Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Apelação Cível Nº 5009276-25.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

APELANTE: WILSON FRANZEN

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

EMENTA

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. CESSAÇÃO DA TUTELA PROVISÓRIA. DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. TEMA 692 STJ. INAPLICABILIDADE.

Em que pese a parte autora ter recebido valores em razão de tutela antecipada, posteriormente revogada, o título executivo não previu o respectivo ressarcimento ao INSS, razão pela qual inviável a cobrança dos respectivos valores na própria ação, sob pena de exceder os limites da coisa julgada.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, dar provimento ao recurso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 23 de abril de 2024.



Documento eletrônico assinado por ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL, Desembargador Federal Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40003950585v4 e do código CRC 9fca14d2.Informações adicionais da assinatura:
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Data e Hora: 24/4/2024, às 19:27:45


5009276-25.2022.4.04.9999
40003950585 .V4


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Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 16/04/2024 A 23/04/2024

Apelação Cível Nº 5009276-25.2022.4.04.9999/RS

RELATOR: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PRESIDENTE: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

PROCURADOR(A): ANDREA FALCÃO DE MORAES

APELANTE: WILSON FRANZEN

ADVOGADO(A): JOÃO CARLOS CEOLIN (OAB RS059294)

APELADO: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 16/04/2024, às 00:00, a 23/04/2024, às 16:00, na sequência 847, disponibilizada no DE de 05/04/2024.

Certifico que a 5ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 5ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, DAR PROVIMENTO AO RECURSO.

RELATOR DO ACÓRDÃO: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal ALEXANDRE GONÇALVES LIPPEL

Votante: Desembargador Federal HERMES SIEDLER DA CONCEIÇÃO JÚNIOR

Votante: Desembargador Federal OSNI CARDOSO FILHO

LIDICE PENA THOMAZ

Secretária



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