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EMENTA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CORONAVÍRUS. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS POR FORÇA DA LEI Nº 14. 151/21, ALTERADA PELA LEI Nº 14. 311/22. OMISSÃO LEGISLATIVA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO SALÁRIO. PROTEÇÃO DA MATERNIDADE PELA SEGURIDADE SOCIAL. ENQUADRAMENTO COMO SALÁRIO-MATERNIDADE. COMPENSAÇÃO DOS VALORES PAGOS. POSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. TRF4. 5017586-26.2023.4.04.7205

Data da publicação: 02/04/2024, 07:01:27

EMENTA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CORONAVÍRUS. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS POR FORÇA DA LEI Nº 14.151/21, ALTERADA PELA LEI Nº 14.311/22. OMISSÃO LEGISLATIVA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO SALÁRIO. PROTEÇÃO DA MATERNIDADE PELA SEGURIDADE SOCIAL. ENQUADRAMENTO COMO SALÁRIO-MATERNIDADE. COMPENSAÇÃO DOS VALORES PAGOS. POSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECURSAL. 1. A Lei nº 14.151/21, alterada pela Lei nº 14.311/22, é omissa quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante que, afastada de suas atividades presenciais, esteja impossibilitada de exercer suas tarefas de forma remota. De outro lado, a ordem constitucional estabelece expressamente a proteção da maternidade pela Seguridade Social (artigo 201, inciso II, da CF/88), razão pela qual os ônus financeiros decorrentes do afastamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador. Procedência do pedido. 2. O enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às colaboradoras gestantes, afastadas por força legal e pelos efeitos da pandemia da Covid-19, enquanto durar o afastamento, está em consonância com a especial proteção à maternidade conferida pela Constituição Federal, em seus artigos 7º, inciso XVIII e 201, inciso II, e com a Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho, devendo o custo da proteção social preconizada pela Lei nº 14.151/2021 ser suportado pela coletividade, e não pelo empregador. 3. É compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às trabalhadoras afastadas durante o período de emergência, sendo possível que as respectivas remunerações sejam restituídas ou compensadas, na forma da lei, atualizadas pela taxa SELIC. 4. Desprovido o apelo da União, devem ser majorados os honorários advocatícios a que esta foi condenada (artigo 85, § 11º, do CPC). (TRF4, AC 5017586-26.2023.4.04.7205, PRIMEIRA TURMA, Relator LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH, juntado aos autos em 25/03/2024)

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Desembargadora Federal Luciane Amaral Corrêa Münch - 5º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3222

Apelação Cível Nº 5017586-26.2023.4.04.7205/SC

RELATORA: Desembargadora Federal LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELADO: MUELLER ELETRODOMESTICOS LTDA (AUTOR)

RELATÓRIO

Trata-se de ação de procedimento comum proposta por MUELLER ELETRODOMÉSTICOS LTDA em face da UNIÃO FEDERAL – FAZENDA NACIONAL, visando ao direito de enquadrar como salário-maternidade as remunerações pagas às empregadas gestantes afastadas por força da Lei nº 14.151/21 e impossibilitadas de exercerem suas atividades remotamente, condenando-se a ré a devolução dos valores indevidamente recolhidos pela autora; uma vez enquadrado como salário-maternidade, excluir da base de cálculo das contribuições previdenciárias (parte patronal e RAT) e contribuições sociais (Terceiros) dos valores pagos a título de salário-maternidade, conforme decidiu o STF no julgamento do RE nº 576.967/PR, com Repercussão Geral reconhecida (Tema 72), visto que manifestamente inconstitucional e ilegal; seja determinada a compensação e/ou a restituição dos valores indevidamente recolhidos a título de acréscimo do salário-maternidade e das contribuições previdenciárias (patronal e RAT) e Terceiros, podendo optar pela compensação com débitos vencidos e/ou vincendos e/ou pela restituição mediante liquidação/cumprimento de sentença; seja determinada a correção do crédito desde os pagamentos indevidos até a data da efetiva recuperação do indébito, aplicando-se a taxa SELIC (evento 1, INIC1).

A parte autora alega, em síntese, que a Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil por meio do Decreto nº 10.088/2019, cujo status normativo é supralegal, é no sentido de que cabe ao Estado, e jamais ao empregador, arcar com os custos sociais da proteção à maternidade. Dessa forma, se a intenção do legislador era elastecer a proteção à maternidade em momento pandêmico, deveria prever o custeio pela Previdência Social, como ocorre com o salário-maternidade, pago pelo empregador e deduzido posteriormente de suas contribuições sociais. Aduz que a proteção à maternidade possui cunho constitucional, competindo ao Estado sua garantia por meio da Previdência Social, conforme se depreende do artigo 6º e artigos 196, 201, inciso II, e 227 da Constituição Federal. Pede o enquadramento das remunerações pagas em decorrência da Lei nº 14.151/2021 como salário-maternidade. Diz que responsabilizar a autora pelo pagamento das remunerações das empregadas gestantes afastadas obrigatoriamente, sem que estejam à disposição do empregador, viola os artigos 196, 201, inciso II e 227 da Constituição Federal e a Convenção nº 103 da OIT, que estabelecem como responsabilidade do Estado à proteção à maternidade, como também o princípio da livre iniciativa previsto no artigo 170 da Constituição Federal.

A sentença julgou procedente o pedido, nos seguintes termos:

"Isto posto, e nos termos da fundamentação, afasto a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pela União/ Fazenda Nacional, e, no mérito, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO para:

- reconhecer/enquadrar como salário-maternidade a remuneração paga às empregadas gestantes afastadas do trabalho nos termos da Lei nº 14.151/2021 e impossibilitadas de exercer o trabalho de forma remota, durante a vigência da redação original da Lei nº 14.151/2021;

- reconhecer o direito da autora de excluir a referida verba salário-maternidade da incidência da contribuição previdenciária patronal e RAT, e, por consequência da contribuição social destinada a terceiros;

Da restituição

- condenar a União/ Fazenda Nacional a restituir à autora, após o trânsito em julgado, os valores pagos indevidamente às gestantes afastadas do trabalho nos termos da Lei nº 14.151/2021 e impossibilitadas de exercer o trabalho de forma remota (ora enquadrados como salário-maternidade), e, dos valores recolhidos a título de contribuição previdenciária (quota patronal e RAT) e de contribuição social destinada a terceiros incidentes sobre o salário-maternidade, acrescidos de correção monetária, pela taxa SELIC (Lei nº 9.250, de 26-12-1995, art. 39, § 4º, c.c. o art. 73 da Lei nº 9.532, de 10-12-1997), conforme se apurar em liquidação do julgado/cumprimento de sentença;

Da compensação

- reconhecer o direito da autora à compensação, após o trânsito em julgado (art. 170-A do CTN), dos valores pagos indevidamente às gestantes afastadas do trabalho nos termos da Lei nº 14.151/2021 e impossibilitadas de exercer o trabalho de forma remota (ora enquadrados como salário-maternidade), e, dos valores recolhidos a título de contribuição previdenciária (quota patronal e RAT) e de contribuição social destinada a terceiros incidentes sobre o salário-maternidade, com valores devidos a título de contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários, observada a Lei nº 13.670/2008 - os valores decorrentes das contribuições de terceiros devem ser compensados com valores devidos e vincendos das próprias contribuições de terceiros.

A correção monetária obedecerá aos mesmos índices usados pela Fazenda Nacional quando da correção de seus créditos - taxa SELIC (Lei nº 9.250, de 26-12-1995, art. 39, § 4º, c.c. o art. 73 da Lei nº 9.532, de 10-12-1997).

Ressalto que nesta ação reconhece-se apenas o direito à compensação e não a exatidão da compensação; isto significa que a compensação deferida não tem o efeito de extinguir o crédito tributário. A extinção do crédito tributário só se dará com o pronunciamento expresso ou tácito do Fisco.

Havendo opção pela compensação, a autora deverá expressamente desistir da expedição do precatório.

Condeno a União/Fazenda Nacional ao ressarcimento das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, fixados em 10% sobre o valor dado à causa, corrigido pela Tabela de Coeficientes de Correção Monetária - Geral da Justiça Federal de Santa Catarina (IPCA-E / IPCA-15).

Sentença não sujeita à remessa necessária (art. 496, §3º, I, do CPC)." (evento 16, SENT1).

Apela a União Federal (evento 22, APELAÇÃO1), requerendo a reforma da sentença, para julgar-se improcedentes os pedidos formulados.

Sustenta a impossibilidade de concessão de salário-maternidade fora das hipóteses legais, dessa maneira, o pleito do contribuinte afronta o princípio da legalidade, que rege a Administração Pública (CF, art. 37), além dos princípios constitucionais da precedência da fonte de custeio (CF, art. 195, § 5º) e o do equilíbrio financeiro e atuarial (CF, art. 201, caput).

Destaca que não é possível criar ou estender, nem mesmo por lei, benefício previdenciário sem que tenha havido previsão da fonte de custeio total (art. 195, § 5º, da CF) e em prejuízo do equilíbrio atual da previdência (art. 201 da CF). No mesmo sentido, há determinação da LC nº 101/2000 quanto à impossibilidade de concessão de benefício relativo à seguridade social sem a devida indicação da fonte de custeio total, nos termos do art. 24. Assim, torna-se inadmissível, com base em interpretação contra legem, o deferimento do benefício do salário-maternidade às gestantes com base na Lei nº 14.151/21, a qual apenas estabeleceu que, durante a emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração, ficando à disposição para exercer as atividades em seu domicílio. Não se tratou, em momento algum, de salário-maternidade ou de antecipação desse benefício previdenciário. Sendo assim, afigura-se inadmissível a extensão do referido benefício previdenciário sem respaldo legal, tampouco do direito à compensação com as contribuições sobre a folha de salários, por ofender o disposto no artigo 20, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB). Diz que, em nada prevendo sobre percepção de salário-maternidade antes do seu termo inicial ordinário, é inviável cogitar-se do acolhimento da pretensão autoral, pois descabe ao Poder Judiciário conceder ou estender o benefício para além das hipóteses legais e aquém do atendimento dos seus requisitos.

Apresentadas contrarrazões pela autora (evento 25, CONTRAZAP1).

Vieram os autos a esta Corte.

É o relatório.

VOTO

O apelo não merece prosperar.

Busca a parte autora, na presente ação ajuizada em face da União - Fazenda Nacional, o direito de enquadrar como salário-maternidade as remunerações pagas às empregadas gestantes afastadas por força da Lei nº 14.151/21 e impossibilitadas de exercerem suas atividades remotamente.

A Lei nº 14.151, de 12 de maio de 2021, que previa o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante a emergência de saúde pública decorrente do novo coronavírus (Covid), estabelecia, em sua redação original:

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração.

Parágrafo único. A empregada afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância.

Com o advento da Lei nº 14.311, de 09 de março de 2022, assim ficou a redação do dispositivo:

Art. 1º Durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, a empregada gestante que ainda não tenha sido totalmente imunizada contra o referido agente infeccioso, de acordo com os critérios definidos pelo Ministério da Saúde e pelo Plano Nacional de Imunizações (PNI), deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial. (Redação dada pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 1º A empregada gestante afastada nos termos do caput deste artigo ficará à disposição do empregador para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância, sem prejuízo de sua remuneração. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 2º Para o fim de compatibilizar as atividades desenvolvidas pela empregada gestante na forma do § 1º deste artigo, o empregador poderá, respeitadas as competências para o desempenho do trabalho e as condições pessoais da gestante para o seu exercício, alterar as funções por ela exercidas, sem prejuízo de sua remuneração integral e assegurada a retomada da função anteriormente exercida, quando retornar ao trabalho presencial. (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

§ 3º Salvo se o empregador optar por manter o exercício das suas atividades nos termos do § 1º deste artigo, a empregada gestante deverá retornar à atividade presencial nas seguintes hipóteses: (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

I - após o encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2; (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

II - após sua vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2, a partir do dia em que o Ministério da Saúde considerar completa a imunização; (Incluído pela Lei nº 14.311, de 2022)

(...)

A controvérsia trazida a julgamento diz com a omissão legislativa acerca da responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante que, afastada das atividades presenciais em face da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, esteja impossibilitada de exercer suas tarefas de forma remota - ponto acerca do qual a lei silenciou.

Pois bem.

O texto constitucional estabelece expressamente a proteção da maternidade pela Seguridade Social (artigo 201, inciso II, da CF/88). Sendo assim, eventuais ônus financeiros decorrentes do afastamento da gestante devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador.

Ainda, o ordenamento jurídico já tratou de hipóteses semelhantes, mostrando-se legítima a utilização da analogia, no caso, porquanto é instrumento de integração normativa, nos termos do artigo 4º da LINDB (Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro): "Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito".

De outro lado, estabelece o artigo 394-A, § 3º, da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT):

Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a gestação; (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)

III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, quando apresentar atestado de saúde, emitido por médico de confiança da mulher, que recomende o afastamento durante a lactação. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vide ADIN 5938)

§ 1º (VETADO)

§ 2º Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017)

§ 3º Quando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no 8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento.

Portanto, entendo que a solução para o caso diz com o pagamento de salário-maternidade para as gestantes durante o período de afastamento.

Consequentemente, há que permitir que as respectivas remunerações sejam compensadas, na forma do artigo 72, § 1º, da Lei nº 8.213/91, in verbis:

Art. 72. O salário-maternidade para a segurada empregada ou trabalhadora avulsa consistirá numa renda mensal igual a sua remuneração integral.

§ 1º Cabe à empresa pagar o salário-maternidade devido à respectiva empregada gestante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, quando do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.

Assim, é compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às trabalhadoras afastadas durante o período de emergência, sendo possível que as respectivas remunerações sejam compensadas, conforme o referido artigo 72, § 1º, da Lei nº 8.213/91.

Este TRF já julgou a matéria: TRF 4ª R., AI nº 5043457-13.2021.4.04.0000, 3ª T., Relatora Desembargadora Federal MARGA INGE BARTH TESSLER, j. 15/12/2021. E, ainda, o seguinte julgado:

TRIBUTÁRIO. CORONAVÍRUS. EMPREGADAS GESTANTES LEI 11.451/21. AFASTAMENTO. RESPONSABILIDADE PELO SALÁRIO. PROTEÇÃO DA MATERNIDADE PELA SEGURIDADE SOCIAL. ENQUADRAMENTO COMO SALÁRIO-MATERNIDADE. POSSIBILIDADE DE COMPENSAÇÃO. 1. A Lei 11.451/21 é omissa quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante que, afastada de suas atividades presenciais, esteja impossibilitada de exercer suas tarefas de forma remota. 2. A ordem constitucional estabelece expressamente a proteção da maternidade pela seguridade social (art. 201, II), razão pela qual os ônus financeiros decorrentes do afastamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador. 3. É compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às trabalhadoras afastadas durante o período de emergência, sendo possível que as respectivas remunerações sejam compensadas, forte no art. 72, § 1º, da Lei 8.213/91. (AI nº 5050375-33.2021.4.04.0000/PR, Relator Desembargador Federal LEANDRO PAULSEN, 1ª T., por maioria, julgado em 20/04/2022)

Ainda que as Leis nº 14.151/2021 e nº 14.311/2022 sejam normas temporárias, criadas para que sejam aplicadas durante este excepcional período de saúde pública decorrente da pandemia da COVID-19, há que se reconhecer a omissão normativa no que se refere à hipótese em que o trabalho remoto não se mostre possível, devido às atividades desenvolvidas pela empregada.

Dessa realidade, decorre, evidentemente, prejuízo ao empregador, que paga o salário sem a devida contraprestação, de forma que possível a integração normativa mediante aplicação do artigo 394-A, § 3º, da CLT porquanto, na realidade vivenciada em função da pandemia, o local de trabalho constitui ambiente insalubre para as gestantes, sendo devido o recebimento de salário-maternidade durante todo o período de afastamento, com a correspondente compensação prevista no artigo 72 da Lei nº 8.213/91. Nesta direção, o julgado de minha relatoria: AI nº 5039945-22.2021.4.04.0000/SC, Relatora Desembargadora Federal LUCIANE AMARAL CORRÊA MÜNCH, 1ª Turma, por maioria, j. 18 de maio de 2022.

Portanto, o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às colaboradoras gestantes, afastadas por força legal e pelos efeitos da pandemia da Covid-19, enquanto durar o afastamento, está em consonância com a especial proteção à maternidade conferida pela Constituição Federal, em seus artigos 7º, inciso XVIII e 201, inciso II, e com a Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho, devendo o custo da proteção social preconizada pela Lei nº 14.151/2021 ser suportado pela coletividade, e não pelo empregador.

Restituição/compensação

A sentença, no caso, concedeu o direito ao ressarcimento dos valores indevidamente recolhidos, mediante compensação ou restituição, nos seguintes termos (evento 16, SENT1):

"Da restituição

- condenar a União/ Fazenda Nacional a restituir à autora, após o trânsito em julgado, os valores pagos indevidamente às gestantes afastadas do trabalho nos termos da Lei nº 14.151/2021 e impossibilitadas de exercer o trabalho de forma remota (ora enquadrados como salário-maternidade), e, dos valores recolhidos a título de contribuição previdenciária (quota patronal e RAT) e de contribuição social destinada a terceiros incidentes sobre o salário-maternidade, acrescidos de correção monetária, pela taxa SELIC (Lei nº 9.250, de 26-12-1995, art. 39, § 4º, c.c. o art. 73 da Lei nº 9.532, de 10-12-1997), conforme se apurar em liquidação do julgado/cumprimento de sentença;

Da compensação

- reconhecer o direito da autora à compensação, após o trânsito em julgado (art. 170-A do CTN), dos valores pagos indevidamente às gestantes afastadas do trabalho nos termos da Lei nº 14.151/2021 e impossibilitadas de exercer o trabalho de forma remota (ora enquadrados como salário-maternidade), e, dos valores recolhidos a título de contribuição previdenciária (quota patronal e RAT) e de contribuição social destinada a terceiros incidentes sobre o salário-maternidade, com valores devidos a título de contribuições previdenciárias incidentes sobre a folha de salários, observada a Lei nº 13.670/2008 - os valores decorrentes das contribuições de terceiros devem ser compensados com valores devidos e vincendos das próprias contribuições de terceiros.

A correção monetária obedecerá aos mesmos índices usados pela Fazenda Nacional quando da correção de seus créditos - taxa SELIC (Lei nº 9.250, de 26-12-1995, art. 39, § 4º, c.c. o art. 73 da Lei nº 9.532, de 10-12-1997).

Ressalto que nesta ação reconhece-se apenas o direito à compensação e não a exatidão da compensação; isto significa que a compensação deferida não tem o efeito de extinguir o crédito tributário. A extinção do crédito tributário só se dará com o pronunciamento expresso ou tácito do Fisco.

Havendo opção pela compensação, a autora deverá expressamente desistir da expedição do precatório."

Deve ser mantida a sentença no ponto.

Faz jus o contribuinte à restituição ou compensação dos valores recolhidos indevidamente, condicionado ao trânsito em julgado da presente decisão judicial (art. 170-A do CTN), nos termos do que decidiu o Juízo a quo.

No que se refere à compensação, a atualização monetária incide a partir do mês seguinte à data do pagamento indevido do tributo, até a sua efetiva restituição/compensação, na forma do artigo 73 da Lei nº 9.532/97.

Para os respectivos cálculos, devem ser utilizados, unicamente, os indexadores instituídos por lei para corrigir débitos e/ou créditos de natureza tributária, no caso, a taxa SELIC, instituída pelo art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95.

Conclusão

Em decorrência, nego provimento ao apelo, mantendo a sentença de procedência, para determinar que a ré (Fazenda Nacional) observe o direito da autora de enquadrar como salário-maternidade os valores pagos às trabalhadoras gestantes afastadas por força da Lei nº 14.151/21 (alterada pela Lei nº 14.311/2022), enquanto durar o afastamento; e determinar a compensação ou restituição dos valores correspondentes ao salário-maternidade pagos pela empresa autora às empregadas gestantes afastadas de suas atividades presenciais, em razão da pandemia de Covid-19, e dos valores recolhidos a título de contribuição previdenciária (quota patronal e RAT) e de contribuição social a Terceiros, incidentes sobre o salário-maternidade, nos termos da fundamentação.

Prequestionamento

O enfrentamento das questões apontadas em grau de recurso, e a análise da legislação aplicável, são suficientes para prequestionar junto às instâncias Superiores os dispositivos que as embasam. Basta a apreciação das questões pertinentes de fato e de direito que lhe são submetidas (artigo 489, II, CPC) com argumentos jurídicos suficientes, ainda que não exaurientes.

Deixo de aplicar os dispositivos legais tidos como aptos a obter pronunciamento jurisdicional diverso do que até aqui foi declinado. Dessa forma, evita-se a necessidade de oposição de embargos de declaração tão somente para este fim, o que evidenciaria finalidade procrastinatória do recurso, passível de cominação de multa (artigo 1.026, § 2º, do CPC).

Ônus sucumbenciais

A sentença, no caso, assim decidiu no tocante:

"Condeno a União/Fazenda Nacional ao ressarcimento das custas processuais e ao pagamento de honorários advocatícios, estes, nos termos do art. 85, §§ 2º e 3º, do CPC, fixados em 10% sobre o valor dado à causa, corrigido pela Tabela de Coeficientes de Correção Monetária - Geral da Justiça Federal de Santa Catarina (IPCA-E / IPCA-15)." (evento 57, SENT1)

Nesta Corte, o apelo da União foi desprovido.

Considerando-se o desprovimento do apelo da União, majoro os honorários advocatícios a que esta foi condenada em 1% (sobre a mesma base de cálculo fixada pela sentença), na forma do artigo 85, §§ 2º e 11, do CPC - honorários recursais. Explica-se: os honorários advocatícios a que foi condenada a União restam fixados no montante total de 11% do valor da causa.

No que se refere às custas, a União é isenta do pagamento de custas processuais no âmbito da Justiça Federal, devendo restituir, no entanto, os valores adiantados pela parte contrária a esse título, atualizados pelo IPCA-E (Lei nº 9.289/1996, artigo 4º, inciso I, e parágrafo único).

Dispositivo

Ante o exposto, voto por negar provimento à apelação.



Documento eletrônico assinado por LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004381252v51 e do código CRC 2df1f76a.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH
Data e Hora: 25/3/2024, às 19:26:42


5017586-26.2023.4.04.7205
40004381252.V51


Conferência de autenticidade emitida em 02/04/2024 04:01:26.

Poder Judiciário
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO

Rua Otávio Francisco Caruso da Rocha, 300, Gab. Desembargadora Federal Luciane Amaral Corrêa Münch - 5º andar - Bairro: Praia de Belas - CEP: 90010-395 - Fone: (51)3213-3222

Apelação Cível Nº 5017586-26.2023.4.04.7205/SC

RELATORA: Desembargadora Federal LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELADO: MUELLER ELETRODOMESTICOS LTDA (AUTOR)

EMENTA

TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CORONAVÍRUS. EMPREGADAS GESTANTES AFASTADAS POR FORÇA DA LEI Nº 14.151/21, ALTERADA PELA LEI Nº 14.311/22. OMISSÃO LEGISLATIVA. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DO SALÁRIO. PROTEÇÃO DA MATERNIDADE PELA SEGURIDADE SOCIAL. ENQUADRAMENTO COMO SALÁRIO-MATERNIDADE. COMPENSAÇÃO DOS VALORES PAGOS. POSSIBILIDADE. SUCUMBÊNCIA RECURSAL.

1. A Lei nº 14.151/21, alterada pela Lei nº 14.311/22, é omissa quanto à responsabilidade pelo pagamento da remuneração da gestante que, afastada de suas atividades presenciais, esteja impossibilitada de exercer suas tarefas de forma remota. De outro lado, a ordem constitucional estabelece expressamente a proteção da maternidade pela Seguridade Social (artigo 201, inciso II, da CF/88), razão pela qual os ônus financeiros decorrentes do afastamento em questão devem ser suportados pela coletividade, e não pelo empregador. Procedência do pedido.

2. O enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às colaboradoras gestantes, afastadas por força legal e pelos efeitos da pandemia da Covid-19, enquanto durar o afastamento, está em consonância com a especial proteção à maternidade conferida pela Constituição Federal, em seus artigos 7º, inciso XVIII e 201, inciso II, e com a Convenção 103 da Organização Internacional do Trabalho, devendo o custo da proteção social preconizada pela Lei nº 14.151/2021 ser suportado pela coletividade, e não pelo empregador.

3. É compatível com o ordenamento jurídico o enquadramento como salário-maternidade dos valores pagos às trabalhadoras afastadas durante o período de emergência, sendo possível que as respectivas remunerações sejam restituídas ou compensadas, na forma da lei, atualizadas pela taxa SELIC.

4. Desprovido o apelo da União, devem ser majorados os honorários advocatícios a que esta foi condenada (artigo 85, § 11º, do CPC).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, a Egrégia 1ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 25 de março de 2024.



Documento eletrônico assinado por LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH, Desembargadora Federal, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 40004381253v7 e do código CRC 21eeee21.Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH
Data e Hora: 25/3/2024, às 19:26:42


5017586-26.2023.4.04.7205
40004381253 .V7


Conferência de autenticidade emitida em 02/04/2024 04:01:26.

Poder Judiciário
Tribunal Regional Federal da 4ª Região

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 18/03/2024 A 25/03/2024

Apelação Cível Nº 5017586-26.2023.4.04.7205/SC

RELATORA: Desembargadora Federal LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH

PRESIDENTE: Desembargador Federal MARCELO DE NARDI

PROCURADOR(A): ORLANDO MARTELLO JUNIOR

APELANTE: UNIÃO - FAZENDA NACIONAL (RÉU)

APELADO: MUELLER ELETRODOMESTICOS LTDA (AUTOR)

ADVOGADO(A): GRAZIELLE SEGER PFAU (OAB SC015860)

Certifico que este processo foi incluído na Pauta da Sessão Virtual, realizada no período de 18/03/2024, às 00:00, a 25/03/2024, às 16:00, na sequência 335, disponibilizada no DE de 07/03/2024.

Certifico que a 1ª Turma, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

A 1ª TURMA DECIDIU, POR UNANIMIDADE, NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

RELATORA DO ACÓRDÃO: Desembargadora Federal LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH

Votante: Desembargadora Federal LUCIANE A. CORRÊA MÜNCH

Votante: Juiz Federal ANDREI PITTEN VELLOSO

Votante: Desembargador Federal MARCELO DE NARDI

MARIA CECÍLIA DRESCH DA SILVEIRA

Secretária



Conferência de autenticidade emitida em 02/04/2024 04:01:26.

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