Conforme já noticiamos aqui no Prev, em 23 de março de 2021 sancionou-se a Lei nº 14.126/2021, que reconheceu a visão monocular como deficiência.

De fato, a lei foi categórica ao afirmar que tal previsão é para todos os fins legais.

Assim, quem possui visão monocular preenche o requisito de deficiência ou impedimento de longo prazo para fins de BPC/LOAS?

Apesar de parecer uma pergunta com resposta simples, não é bem assim que os Tribunais entendem.

 

O que é o benefício assistencial (BPC/LOAS)?

O Benefício Assistencial ou BPC/LOAS é a prestação paga pela previdência social que visa garantir um salário mínimo mensal para pessoas que não possuam meios de prover à própria subsistência ou de tê-la provida por sua família.

Pode ser subdividido em Benefício Assistencial ao Idoso, concedido para idosos com idade acima de 65 anos e no Benefício Assistencial à Pessoa com Deficiência, destinado às pessoas com deficiência que estão impossibilitadas de participar e se inserir em paridade de condições com o restante da sociedade.

Nesse último caso, além de perícia socioeconômica, é necessária a realização de perícia médica, para verificar a existência de deficiência ou impedimento de longo prazo.

 

O que é deficiência para fins de BPC/LOAS?

A discussão sobre o que configura deficiência para fins de BPC/LOAS é longa. Para auxiliar, a Lei Orgânica de Assistencial Social – LOAS (Lei nº 8.742/1993) prevê o seguinte:

Art. 20. (…) § 2o Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. (Redação dada pela Lei nº 13.146, de 2015) (Vigência)

Essa redação foi dada em razão do advento do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146, de 2015), que passou a adotar um conceito mais amplo do que é deficiência.

Em razão disso, deixou-se de lado a ideia de que a deficiência necessária para o BPC/LOAS é aquela que incapacita a pessoa para os atos da vida independente e para o trabalho. Antes disso, ela deve ser encarada como algum tipo de impedimento, que, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade, em igualdade de condições com as demais pessoas.

Essa observação é extremamente importante para que não se confunda deficiência com a necessidade de demonstração de incapacidade laborativa, que é requisito para benefícios como auxílio-doença e aposentadoria por invalidez.

Da mesma forma, essa compreensão mais holística também serve para enquadrar como deficiência doenças que, em um primeiro momento, poderiam não soar como tal.

 

Visão monocular e a classificação como deficiência

Conforme já referido, a Lei nº 14.126/2021 passou a reconhecer a visão monocular como deficiência a partir deste ano.

Anteriormente, o Superior Tribunal de Justiça já havia reconhecido esse mesmo entendimento, ainda que no contexto de concursos públicos:

Súmula 377

O portador de visão monocular tem direito de concorrer, em concurso público, às vagas reservadas aos deficientes.

E para fins de imposto de renda, o STJ também possui entendimento favorável, no sentido de reconhecer a isenção para pessoas com visão monocular (REsp 1483971/AL, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/02/2015, DJe 11/02/2015).

Mais recentemente, no âmbito do direito previdenciário, a Turma Regional de Uniformização da 4ª Região reconheceu que a visão monocular pode ser considerada deficiência, mesmo que leve, para fins de concessão da aposentadoria da pessoa com deficiência:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA À PESSOA COM VISÃO MONOCULAR. RESQUISITOS E CRITÉRIOS DIFERENCIADOS. ARTS. 6º E 201, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTS. 2º E 3º DA LEI COMPLEMENTAR 142/2013. ENTENDIMENTO PRETORIANO NA ESFERA TRIBUTÁRIA E ADMINISTRATIVA AUTORIZAM A CONCLUSÃO DE QUE O PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR PODE SER CARACTERIZADO COMO DEFICIENTE. PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR (CEGUEIRA DE UM OLHO) ESTÁ ABRANGIDO PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 142, DE 08/05/2013, FAZENDO JUS À APLICAÇÃO DAS REGRAS DIFERENCIADAS VEICULADAS NESSE DIPLOMA LEGISLATIVO PARA A APOSENTAÇÃO. 1. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL PREVÊ, DESDE 2005 (EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 47), A APOSENTADORIA DEVIDA AOS SEGURADOS DO RGPS COM DEFICIÊNCIA, MEDIANTE ADOÇÃO DE REQUISITOS E CRITÉRIOS DIFERENCIADOS (ART. 201, § 1º). NO PLANO LEGAL, A MATÉRIA ESTÁ DISCIPLINADA NA LEI COMPLEMENTAR 142/2013. 2. A JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA (SÚMULA 377) CONTEMPLA O PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR COMO PESSOA COM DEFICIÊNCIA PARA EFEITO DE RESERVA DE VAGA EM CONCURSO PÚBLICO E TAMBÉM PARA, NA MATÉRIA TRIBUTÁRIA, ENQUADRÁ-LO COMO ISENTO DO IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA. 3. TRATAMENTO DIFERENCIADO PELA JURISPRUDÊNCIA ADMINISTRATIVA E TIBUTÁRIA AUTORIZAM A CONCLUSÃO DE QUE O PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR PODE SER CARACTERIZADO COMO DEFICIENTE (DEFICIÊNCIA LEVE, PELO MENOS), PARA EFEITOS DA APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO AO PORTADOR DE DEFICIÊNCIA. 4. O PORTADOR DE VISÃO MONOCULAR (CEGUEIRA DE UM OLHO) ESTÁ ABRANGIDO PELA LEI COMPLEMENTAR Nº 142, DE 08/05/2013, FAZENDO JUS À APLICAÇÃO DAS REGRAS DIFERENCIADAS VEICULADAS NESSE DIPLOMA LEGISLATIVO PARA A APOSENTAÇÃO. 5. RECURSO PROVIDO. ( 5006814-68.2018.4.04.7111, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DA 4ª REGIÃO, Relator FÁBIO VITÓRIO MATTIELLO, juntado aos autos em 03/11/2020)

Dessa forma, nota-se que em mais de uma ocasião os Tribunais brasileiros manifestaram-se de forma positiva sobre o tema. Ainda que em matérias diferentes, todas as decisões reforçam o reconhecimento de que pessoas com visão monocular possuem limitações em razão dessa deficiência – e por causa disso têm direito a um tratamento diferenciado.

A decisão da TRU-4, inclusive, foi de extrema relevância, pois centrou a discussão no âmbito do direito previdenciário.

No entanto, uma questão permanece: é possível dizer que visão monocular configura deficiência para fins de BPC/LOAS?

 

Visão monocular é deficiência para fins de BPC/LOAS?

De fato, o ponto que gostaria de chamar atenção no texto de hoje é especificamente se podemos dizer que a visão monocular atende presumivelmente o requisito deficiência do benefício assistencial.

Conforme já mencionei, a apuração desse requisito depende da realização de perícia médica.

No entanto, não raro, os peritos judiciais confundem os conceitos de deficiência e incapacidade laboral e atestam pela inexistência dessa última. Em boa parte dos casos, a sentença acaba acatando esse parecer e indeferindo o benefício.

Ocorre que o Estatuto da Pessoa com Deficiência veio justamente para dissociar a ideia de incapacidade da deficiência. Inclusive, a própria LOAS refere o seguinte em seu art. 21, §3º:

Art. 21. O benefício de prestação continuada deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade das condições que lhe deram origem.

[…] 3º O desenvolvimento das capacidades cognitivas, motoras ou educacionais e a realização de atividades não remuneradas de habilitação e reabilitação, entre outras, não constituem motivo de suspensão ou cessação do benefício da pessoa com deficiência. (Incluído pela Lei nº 12.435, de 2011)

Além disso, com a classificação legal de visão monocular enquanto deficiência, como seria possível dizer que ela não constitui um impedimento de longo prazo?

Em muitos casos, até mesmo, não é somente a perícia médica que precisa ser analisada. A avaliação do laudo socioeconômico em conjunto é fundamental para reforçar a convicção sobre a deficiência.

Isso porque mesmo que seja possível concluir que uma pessoa com visão monocular tem capacidade para algumas atividades, a sua situação de vulnerabilidade pode lhe privar ainda mais de oportunidades.

Assim, além da barreira sensorial visual, ela ainda pode ser afetada por barreiras sociais e econômicas que a impedem de se inserir na sociedade.

 

O que dizem os Tribunais?

Infelizmente, ainda não há um consenso sobre a visão monocular e o benefício assistencial.

Em 2020, o TRF-4 decidiu que mesmo podendo exercer determinadas atividades remuneradas, a visão monocular é considerada deficiência, o que poderia justificar a concessão do benefício. Vale ressaltar brilhante trecho da decisão:

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. PESSOA COM DEFICIÊNCIA. INCAPACIDADE. ASPECTO SOCIOECONÔMICO. COMPROVAÇÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. (…) 4. Os requisitos para a concessão do benefício de prestação continuada da assistência social não mais se confundem com os do auxílio-doença ou da aposentadoria por invalidez, embora possam ser concorrentes. O portador de visão monocular pode ser capaz de desenvolver atividades remuneradas que não exijam visão de profundidade (capacidade laborativa parcial), mas é considerado deficiente, como já positivado pelo STJ na súmula 377, o que, em conjunto com outras barreiras à inserção plena na sociedade, poderá justificar a concessão do benefício da assistência social. Hipótese configurada. (…) (TRF4, AC 5000523-25.2018.4.04.7120, SEXTA TURMA, Relatora TAÍS SCHILLING FERRAZ, juntado aos autos em 13/02/2020)

Por outro lado, o mesmo Tribunal também possui posicionamentos contrários.

As Turmas Recursais, por sua vez, acompanham a instabilidade de entendimentos. A título exemplificativo, a 2ª Turma Recursal de Campo Grande (Recurso nº 0004924-89.2019.4.03.6201 ) e a 2ª Turma Recursal do Paraná (Recurso Cível nº 5001344-52.2019.4.04.7004) tiveram decisões favoráveis sobre o tema.

Aqui no Prev, nós dispomos de modelo de Incidente para a TNU e Incidente para a TRU-4 acerca desse assunto.

Assim, mesmo diante de uma improcedência em segundo grau, é possível pleitear uma uniformização na Turma Nacional ou Regionais.

Mas e você, o que pensa sobre isso? Entende que a visão monocular também deveria dar direito ao benefício assistencial?

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