PREVIDENCIÁRIO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO EM REGIME ESPECIAL. TEMPO EXCEPCIONAL. PROFESSOR. JORNALISTA. CONVERSÃO. DIREITO TRANSITÓRIO.

1. A circunstância de ter sido denominado (tempo para aposentadoria de jornalistas) não como tempo especial, e sim como tempo excepcional, cuja amplitude semântica é inclusive maior, decorreu da necessidade de um atrelamento ao cumprimento integral do tempo de serviço nesta ou naquela carreira, o que não exclui, todavia, o fato em si de desfrutarem, na essência, de um tempo de serviço ao qual se dava um tratamento diferenciado do tempo comum (com valoração maior do que este), agregando-se-lhe uma vantagem especial ou excepcional, ainda que por mera ficção jurídica.

2. Não se pode olvidar que se reconheceu, até certo período, o trabalho atrelado a categorias profissionais, a indicar que o conceito de tempo especial, na essência, pode sim estar vinculado a certo tipo de atividade profissional, para a qual se reconhecia, implicitamente, a existência de penosidade ou de trabalho perigoso. Isto porque a classificação decorre de opção política do legislador. E mais, o tempo tido como excepcional nada mais é do que, além de ser um tempo especial (por ser valorado de forma diferenciada em relação ao tempo comum, por opção do legislador à época), um tempo ao qual o legislador entendeu por agregar mais uma condição para sua fruição, qual seja, a permanência por um período diferenciado para que fosse concedida a aposentadoria.

3. É consabido que não há direito adquirido a regime jurídico e que o que se possui é mera expectativa de direito quanto à pretensão de usufruir de aposentadoria diferenciada, mas tenho sérias restrições a que se utilizem destas ficções apenas para justificar a supressão de direitos no curso da aquisição dos mesmos e, antes de esgotado o prazo legalmente previsto, se suprima a expectativa, sem regramento transitório de aproveitamento diferenciado desse tempo.

4. O argumento de que havia mera expectativa de direito ao todo não exclui a ideia de que à parte, de que se constitui o total do período aquisitivo, não se deva assegurar tratamento diferenciado, na proporção do tempo cumprido.

5. A leitura da figura expectativa de direito não pode ser feita conforme aquela que se faz em face de um direito sujeito à condição futura, no qual, diante da ausência do evento/condição nada se realiza no mundo dos fatos e, como consequência óbvia, nada se constitui no mundo do direito. A contrário senso, na expectativa de direito eu tenho uma condição antecipada que apenas não pode ensejar o direito pela interrupção abrupta, arbitrária e unilateral de sua fruição.

6. A condição legal imposta, até então parcialmente realizada, tendente à obtenção de um direito outro, produz efeitos no mundo dos fatos, aos quais a lei conferia até então juridicidade e justamente em razão dessa lógica que o tratamento a ser-lhe dispensado (relativamente ao mundo do direito), não deve ser o mesmo, em nome de princípios como o da confiança, da boa-fé e da razoabilidade.

7. A expressão mera que se lhe agregou cotidianamente é de uma impropriedade corrosiva, pois conduz ao raciocínio equivocado de que esta condição realizada dia a dia é destituída de qualquer valor social e jurídico e, portanto, a ela não deve corresponder direito adquirido algum.

8. O que não se incorporou ao patrimônio jurídico da parte foi o comando final da regra, porém a expectativa de direito não pode ser entendida como uma ficção ou como a uma esperança de direito. A expressão contém uma carga ou modulação de conteúdo aquisitivo, até mesmo porque seria incoerente que se criasse uma regra com finalidade de proteger direitos legítimos dos indivíduos, porque assim entendeu devido o legislador e, ato contínuo, retirar qualquer efeito possível deste período aquisitivo realizado (irrelevante se não em sua totalidade), em nome do bem maior da coletividade, quando esta faculdade do Estado não deveria olvidar que este bem maior, sempre que possível, deve ser conciliado com os direitos individuais (pois nada mais é do que o conjunto ordenado deles), até mesmo porque a leitura que se deve fazer de segurança jurídica não deve estar dissociada do princípio da confiança que cabe tanto àqueles detentores de direitos em curso como adquiridos.

9. A expectativa de direito identifica a situação em que o fato aquisitivo do direito ainda não se completou quando sobrevém uma nova norma alterando o tratamento jurídico da matéria. Nesse caso, não se produz o efeito previsto na norma, pois seu fato gerador não se aperfeiçoou. Entende-se, sem maior discrepância que a proteção constitucional não alcança esta hipótese, embora outros princípios, no desenvolvimento doutrinário mais recente (como o da boa-fé e da confiança), venham oferecendo algum tipo de proteção também ao titular da expectativa de direito. É possível cogitar, nessa ordem de ideia, de direito a uma transição razoável.

10. É certo que o direito previdenciário vive um momento de grande e intensa atividade legislativa reformadora, na busca da obtenção do indispensável equilíbrio atuarial que propicie ao sistema a desejada autossustentabilidade. No contexto dessa intensa intervenção legislativa, é necessária a definição dos limites em relação à modificação de direitos dos que sofrem essas alterações na sua esfera jurídica.

11. O segurado da Previdência tem direito ao estabelecimento de normas de transição quando regras posteriores à sua adesão ao sistema piorarem sua situação. O estudo do tema tem razões evidentes: a população do Brasil está envelhecendo e vivendo mais, justamente o motivo pelo qual o direito previdenciário está vivendo um momento de intensa atividade legislativa reformadora.

12. No contexto dessa cada vez mais intensa intervenção legislativa, impõe-se a definição de limites em relação àqueles que sofrem tais alterações. Nessa senda, na rotina das lides previdenciárias desencadeadas perante a Justiça Federal, ocupa espaço destacadíssimo todo o rol de alegações formuladas pelos segurados em defesa dos “direitos adquiridos”, não se excluindo de plano a carga modular da expectativa de direito, que se contrapõem à retroatividade de leis lesivas e esses mesmos direitos.

13. Para a concessão da aposentadoria do jornalista profissional exigiu a legislação o mínimo de 30 anos de serviço em empresas jornalísticas, independentemente de condição de idade, após um período de carência de 24 contribuições mensais prestadas ao Instituto a que estivesse filiado.

14. O Decreto 60.501/67 aprovou a nova redação do RGPS, Decreto 48.959/60. Em seu art. 59 dispôs que o jornalista profissional teria a aposentadoria por tempo de serviço regida pela Lei 3.529/59. Em seu art. 60, considerou como jornalista profissional aquele cuja função remunerada e habitual compreendesse a busca ou a documentação de informações, inclusive a fotográfica, a redação da matéria a ser publicada, com ou sem comentários; a revisão da matéria quando composta tipograficamente; a ilustração, por desenho ou outro meio publicada; a recepção radiotelegráfica e telefônica de noticiários nas redações de empresas jornalísticas; a organização e a conservação cultural e técnica do arquivo redatorial; bem como a organização, orientação e direção de todos esses trabalhos e serviços.

15. Ao ser editada, a Lei 8.213/91 dispôs na redação original de seu art. 148 que reger-se-á pela respectiva legislação específica a aposentadoria do aeronauta, do jornalista profissional, do ex-combatente e do jogador de futebol, até que seja revista pelo Congresso Nacional.

16. A vigência da legislação especial que rege as aposentadorias relacionadas teria como limitação o tempo em que fossem revistas pelo Congresso Nacional, mas essa revisão, conforme uma interpretação razoável do dispositivo legal, não significa que seriam simplesmente apagadas do mundo jurídico.

17. Ainda que seja adotada por alguns julgadores uma interpretação mais restritiva, não pode ser recusada a conversão de todo tempo de serviço exercido pelo jornalista profissional quando a legislação que o beneficiava com a aposentadoria aos 30 anos de serviço não havia sido alterada.

18. Considerando as regras que regem a matéria, não se pode concluir que o preceito contido no art. 148 da Lei 8.213/91 deveria durar infinitamente, mas, tendo em vista a redação desse dispositivo, a conclusão razoável é que até que as aposentadorias ali referidas fossem revistas pelo Poder Legislativo deveriam continuar a ser regidas pela legislação específica que lhes dá tratamento diferenciado, com tempo reduzido.

19. Não foi editada nenhuma lei procedendo à revisão dessas aposentadorias, e o art. 148 teve sua redação alterada pela MP 1.523/96, passando a tratar de matéria diversa. Também aqui não se pode desconhecer que a questão diz respeito à legislação especial pertinente à aposentadoria dos jornalistas. A legislação que rege a aposentadoria do jornalista, Lei 3.529/59, sendo lei de caráter especial, deveria prevalecer sobre a lei geral, Lei 8.213/91 e suas posteriores alterações a que se procedeu pela MP 1.523 e reedições, MP 1.596 ou pela Lei 9.528/97.

20. Entendimento no mesmo enfoque já foi exarado pelo STJ, no Recurso Especial 425660/SC, DJ 05.08.2002 PG: 407, Relator Min. Felix Fischer, no qual se vê que, embora não haja referência explícita, a defesa de tratamento idêntico aos tempos laborados em condições especiais ao tempo laborado como jornalista: se o segurado presta serviço em condições especiais, nos termos da legislação então vigente, e que teria direito por isso à aposentadoria especial, faz jus ao cômputo do tempo nos moldes previstos à época em que realizada a atividade. Isso se verifica à medida em que trabalha. Assim, eventual alteração no regime ocorrida posteriormente, mesmo que não mais reconheça aquela atividade como especial, não retira do trabalhador o direito à contagem do tempo de serviço na forma anterior, porque é inserida em seu patrimônio jurídico. A legislação que regula a aposentadoria do jornalista profissional, Lei 3.529/59, sendo de caráter especial, deveria prevalecer sobre a lei geral, Lei 8.213/91, e suas alterações, feitas pela MP 1.523 e suas reedições, pela MP 1.596 ou pela Lei 9.528/97.

21. Ainda que seja considerado que a aposentadoria do jornalista profissional não se encontra mais submetida à legislação específica, é certo que a legislação anterior aplicável ao jornalista profissional não poderá alcançar os fatos ocorridos após sua revogação, mas continuará sendo aplicável aos fatos anteriores.

22. Deve ser reconhecido que o jornalista profissional tem direito adquirido a converter o tempo de serviço regulado pela legislação anterior à MP 1.523/96, e que esse direito se incorporou ao seu patrimônio, para ser exercido quando lhe convier, não podendo sofrer qualquer restrição imposta pela legislação posterior.

23. O jornalista profissional tem direito adquirido a converter o tempo de serviço regulado pela legislação anterior à MP 1.523/96, desde que referido tempo tenha sido exercido em atividade típica de jornalista, tendo esse direito se incorporado ao seu patrimônio jurídico, para ser exercido quando lhe convier, não podendo sofrer qualquer restrição imposta pela legislação posterior.

(TRF4, APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº 2008.71.00.019347-4, 6ª TURMA, DES. FEDERAL JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, POR UNANIMIDADE, D.E. 29.08.2012

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