Caros Previdenciaristas!
Seguindo a análise da recente micro reforma previdenciária através da edição da Medida Provisória 871/2019, que entre diversas alterações, alterou o artigo 103 da Lei 8.213/91 que trata do prazo decadencial em atos de concessão de benefício, além de instituir um prazo decadencial para o exercício do direito ao salário-maternidade.
Vejamos a nova redação do artigo 103 da Lei de Benefícios em comparação com o texto revogado:
REDAÇÃO ANTIGA:
Art. 103. É de dez anos o prazo de decadência de todo e qualquer direito ou ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão de benefício, a contar do dia primeiro do mês seguinte ao do recebimento da primeira prestação ou, quando for o caso, do dia em que tomar conhecimento da decisão indeferitória definitiva no âmbito administrativo. (Redação dada pela Lei nº 10.839, de 2004)
NOVA REDAÇÃO:
Art. 103. O prazo de decadência do direito ou da ação do segurado ou beneficiário para a revisão do ato de concessão, indeferimento, cancelamento ou cessação de benefício, do ato de deferimento, indeferimento ou não concessão de revisão de benefício é de dez anos, contado: (Redação dada pela Medida Provisória nº 871, de 2019 – sem grifo no texto original)
I – do dia primeiro do mês subsequente ao do recebimento da primeira prestação ou da data em que a prestação deveria ter sido paga com o valor revisto; ou (Incluído pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
II – do dia em que o segurado tomar conhecimento da decisão de indeferimento, cancelamento ou cessação do seu pedido de benefício ou da decisão de deferimento ou indeferimento de revisão de benefício, no âmbito administrativo. (Incluído pela Medida Provisória nº 871, de 2019)
Da leitura comparativa dos dispositivos legais, verifica-se que ambos os artigos falam em “decisão indeferitória”, porém a nova redação tratou de frisar as palavras “indeferimento, cancelamento, cessação e não concessão”. Se seguida à risca a literalidade do novo artigo 103, caso um benefício seja indeferido/cessado na data de hoje, e o segurado venha a ingressar com uma demanda judicial após a fluência do prazo decadencial, terá o seu direito ao benefício ceifado pela decadência.
Além da insistência e alargamento das hipóteses do prazo decadencial do artigo 103, a dicção do novo artigo 71-D da Lei 8.213/91 estabeleceu um prazo decadencial específico para o salário-maternidade:
Art. 71-D. O direito ao salário-maternidade decairá se não for requerido em até cento e oitenta dias da ocorrência do parto ou da adoção, exceto na ocorrência de motivo de força maior e ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento. (Incluído pela Medida Provisória nº 871, de 2019 – sem grifo na lei)
Em ambos os casos a ideia do governo é limitar o exercício do direito ao benefício propriamente dito (o fundo de direito, núcleo essencial do direito fundamental), e não somente a discussão da graduação pecuniária da prestação.
O debate acerca da instituição de prazo decadencial para revisão de atos de concessão de benefício previdenciário não é novo, já foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento do RE 626.489/SE (com Repercussão Geral). Na oportunidade, o voto do relator, Ministro Roberto Barroso, foi seguido por unanimidade pelo tribunal.
Em que pese o voto do Ministro Barroso ter dado provimento ao recurso do INSS, restou expressamente estabelecido na própria ementa do julgado que o direito à previdência social não se sujeita a prazo decadencial, sendo a concessão do benefício propriamente dito o exercício deste direito fundamental:
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL (RGPS). REVISÃO DO ATO DE CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DECADÊNCIA. 1. O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. 2. É legítima, todavia, a instituição de prazo decadencial de dez anos para a revisão de benefício já concedido, com fundamento no princípio da segurança jurídica, no interesse em evitar a eternização dos litígios e na busca de equilíbrio financeiro e atuarial para o sistema previdenciário. 3. O prazo decadencial de dez anos, instituído pela Medida Provisória 1.523, de 28.06.1997, tem como termo inicial o dia 1º de agosto de 1997, por força de disposição nela expressamente prevista. Tal regra incide, inclusive, sobre benefícios concedidos anteriormente, sem que isso importe em retroatividade vedada pela Constituição. 4. Inexiste direito adquirido a regime jurídico não sujeito a decadência. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido.
No decorrer do seu voto, o relator deixa claro tal ratio decidendi, diferenciando o direito ao benefício propriamente dito e a graduação pecuniária, inclusive ressaltando súmulas do STF e STJ[1] que tratam da incidência da prescrição quinquenal de parcelas vencidas no âmbito previdenciário.
Cabe distinguir, porém, entre o direito ao benefício previdenciário em si considerado – isto é, o denominado fundo do direito, que tem caráter fundamental – e a graduação pecuniária das prestações. Esse segundo aspecto é fortemente afetado por um amplo conjunto de circunstâncias sociais, econômicas e atuariais, variáveis em cada momento histórico. Desde a pirâmide etária e o nível de poupança privada praticado pelo conjunto de cidadãos até a conjuntura macroeconômica, com seu impacto sobre os níveis de emprego e renda.
(…)
Entendo que a resposta é negativa. No tocante ao direito à obtenção de benefício previdenciário, a disciplina legislativa não introduziu prazo algum. Vale dizer: o direito fundamental ao benefício previdenciário pode ser exercido a qualquer tempo, sem que se atribua qualquer consequência negativa à inércia do beneficiário. (…) Nesse sentido, permanecem perfeitamente aplicáveis as Súmulas 443/STF e 85/STJ, na medida em que registram a imprescritibilidade do fundo de direito do benefício não requerido.
Ainda, ad argumentandum tantum, da leitura das notas taquigráficas do julgado, percebe-se que a Ministra Cármen Lúcia destaca a impossibilidade de se impor prazo decadencial ao exercício do direito fundamental ao benefício previdenciário:
A SENHORA MINISTRA CÁRMEN LÚCIA – Senhor Presidente, também começo por cumprimentar o Ministro Barroso, que, na esteira do que é comum em todos os pronunciamentos de Sua Excelência, votou com objetividade e clareza. Espero que tenha ficado claro – não apenas para nós, mas, principalmente, para aqueles que são os beneficiários – que não se cuida aqui, como posto também pela doutora Luysien, de tangenciar, tocar, diminuir, comprometer o direito material à previdência, ao benefício, ou à nada que o valha. Estamos todos de acordo – Juízes, advogados dos dois lados – em que este direito é intocável. Faço essa referência porque a clareza do voto do Ministro Barroso, que é o Relator, creio, deixou isso devidamente patenteado. E é uma preocupação, Presidente, porque, quando se trata de Direito Previdenciário, especialmente direito a benefícios, estamos lidando com direito de pessoas que já prestaram o serviço à sociedade e que têm consolidado no seu patrimônio aquele direito. Não pode, agora, o Poder Judiciário – não poderia, muito menos em face da Constituição brasileira – tirar aquilo que já foi adquirido.
O SENHOR MINISTRO LUÍS ROBERTO BARROSO (RELATOR) – Só um comentário. Com esta preocupação que é a mesma de Vossa Excelência, eu abri a ementa do voto, dizendo: O direito à previdência social constitui direito fundamental e, uma vez implementados os pressupostos de sua aquisição, não deve ser afetado pelo decurso do tempo. Como consequência, inexiste prazo decadencial para a concessão inicial do benefício previdenciário. Essa é a primeira proposição da minha ementa.
Nesse sentido, fica muito claro que a posição unânime do Supremo Tribunal Federal é a de que o direito fundamental à concessão do benefício previdenciário não pode ser limitado por prazo decadencial, sendo que este se aplica somente aos casos de rediscussão da prestação pecuniária (como nas revisões de renda mensal inicial, por exemplo).
Assim, em consonância com o entendimento da Suprema Corte, a única interpretação constitucionalmente coerente a ser dada para a nova redação dos artigos 71-D e 103 da Lei 8.213/91 é a de que somente incidirá a prescrição quinquenal nas parcelas vencidas, restando o direito fundamental ao recebimento do benefício intocado, sendo INCONSTITUCIONAL qualquer interpretação diversa desta.
Fiquem atentos, seguiremos publicando materiais sobre a preocupante MP 871/2019!
Até breve!
[1] Súmula 443/STF: “a prescrição das prestações anteriores ao período previsto em lei não ocorre quando não tiver sido negado, antes daquele prazo, o próprio direito reclamado, ou a situação jurídica de que ele resulta”.
Súmula 85/STJ: “Nas relações jurídicas de trato sucessivo em que a Fazenda Pública figure como devedora, quando não tiver sido negado o próprio direito reclamado, a prescrição atinge apenas as prestações vencidas antes do quinquênio anterior à propositura da ação”.
Pesquisa realizada pelo bacharelando Yoshiaki Yamamoto Kiyama
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