Ementa para citação:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. QUALIDADE DE SEGURADO. INEXISTENTE. BENEFÍCIO INDEVIDO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE.

1. É indevida a concessão de pensão por morte a dependente de falecido que não mantinha a qualidade de segurado à época do óbito.

2. Presente a boa-fé, o beneficiário de pensão por morte concedida em decorrência de erro administrativo não está obrigada a restituir os valores recebidos indevidamente.

(TRF4, AC 0016735-13.2015.404.9999, SEXTA TURMA, Relatora VÂNIA HACK DE ALMEIDA, D.E. 11/07/2016)


INTEIRO TEOR

D.E.

Publicado em 12/07/2016

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016735-13.2015.4.04.9999/RS

RELATORA:Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE:CARLOS NEI PIRES DE MORAES
ADVOGADO:Mauro Antonio Volkmer
APELADO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO:Procuradoria Regional da PFE-INSS

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE BENEFÍCIO. QUALIDADE DE SEGURADO. INEXISTENTE. BENEFÍCIO INDEVIDO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. ERRO ADMINISTRATIVO. BOA-FÉ. IMPOSSIBILIDADE.

1. É indevida a concessão de pensão por morte a dependente de falecido que não mantinha a qualidade de segurado à época do óbito.

2. Presente a boa-fé, o beneficiário de pensão por morte concedida em decorrência de erro administrativo não está obrigada a restituir os valores recebidos indevidamente.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação da parte autora no tocante à dispensa da devolução dos valores percebidos em decorrência do benefício previdenciário suspenso, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 06 de julho de 2016.

Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Relatora


Documento eletrônico assinado por Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA, Relatora, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8375031v6 e, se solicitado, do código CRC 4DE8F817.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016735-13.2015.4.04.9999/RS

RELATORA:Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
APELANTE:CARLOS NEI PIRES DE MORAES
ADVOGADO:Mauro Antonio Volkmer
APELADO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO:Procuradoria Regional da PFE-INSS

RELATÓRIO

Trata-se de ação ordinária movida por Carlos Nei Pires de Moraes em face do Instituto Nacional do Seguro Social – INSS buscando o restabelecimento do benefício de pensão previdenciária em razão do óbito de Dirlane de Lourdes Pires de Moraes, ocorrido em 23/06/2010, cessada em 12/01/2011 (fls. 93), por irregularidade constatada sob o argumento de que não restou comprovado o efetivo exercício de atividade rural da falecida na condição de segurada especial, no período de 1991 a 2004.

A sentença das fls. 223/225 julgou o pedido improcedente, condenando o autor ao pagamento das custas processuais e despesas processuais, bem como de honorários advocatícios, estes fixados em R$ 600,00 (seiscentos reais), nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do CPC, montante a ser atualizado pelo IGP-M/FGV, da sentença até o efetivo pagamento, restando suspensa a exigibilidade em razão da AJG deferida.

Em seu apelo, defendeu o autor, que era casado com a falecida, a qual era segurada da previdência social e recebia benefício de aposentadoria por idade rural (DIB 08/11/2004), entendendo que para concessão do benefício de pensão por morte deve ser verificado se houve o implemento dos requisitos para este benefício, uma vez que as regras para aposentadoria por idade são totalmente distintas. Aduz que caso tenha havido alguma irregularidade no ato de concessão da aposentadoria da falecida esposa, por não ter implementado o requisito carência, nada impede ou retira o direito de seus dependentes em ter garantido o benefício de pensão por morte, o qual é isento de carência. Por fim, caso mantida a sentença, requer que o INSS se abstenha da prática de atos tendentes à exigibilidade de devolução de valores pagos e recebidos de boa-fé, tanto da aposentadoria, quanto da pensão por morte.

Apresentadas as contrarrazões, vieram os autos a este Tribunal.

É o breve relatório.

VOTO

Do Direito Intertemporal

Considerando que o presente voto está sendo apreciado por essa Turma após o início da vigência da Lei n.º 13.105/15, novo Código de Processo Civil, referente a recurso interposto em face de sentença exarada na vigência da Lei n.º 5.869/73, código processual anterior, necessário se faz a fixação, à luz do direito intertemporal, dos critérios de aplicação dos dispositivos processuais concernentes ao caso em apreço, a fim de evitar eventual conflito aparente de normas.

Para tanto, cabe inicialmente ressaltar que o CPC/2015 procurou estabelecer, em seu CAPÍTULO I, art. 1º que ‘o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil, observando-se as disposições deste Código’; em seu CAPÍTULO II, art. 14, que a norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada; bem como, em suas DISPOSIÇÕES FINAIS E TRANSITÓRIAS, art. 1.046, caput, que ‘ao entrar em vigor este Código, suas disposições se aplicarão desde logo aos processos pendentes, ficando revogada a Lei no 5.869, de 11 de janeiro de 1973′ (grifo nosso).

Neste contexto, percebe-se claramente ter o legislador pátrio adotado o princípio da irretroatividade da norma processual, em consonância com o art. 5º, inc. XXXVI da Constituição Federal, o qual estabelece que ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’.

Desta forma, a fim de dar plena efetividade às referidas disposições normativas, e tendo em vista ser o processo constituído por um conjunto de atos, dirigidos à consecução de uma finalidade, qual seja, a composição do litígio, adoto, como critério de solução de eventual conflito aparente de normas, a Teoria dos Atos Processuais Isolados, segundo a qual cada ato deve ser considerado separadamente dos demais para o fim de se determinar a lei que o rege, a qual será, segundo o princípio tempus regit actum, aquela que estava em vigor no momento em que o ato foi praticado.

Por consequência, para deslinde da antinomia aparente supracitada, deve ser aplicada no julgamento a lei vigente:

(a) Na data do ajuizamento da ação, para a verificação dos pressupostos processuais e das condições da ação;

(b) Na data da citação (em razão do surgimento do ônus de defesa), para a determinação do procedimento adequado à resposta do réu, inclusive quanto a seus efeitos;

(c) Na data do despacho que admitir ou determinar a produção probatória, para o procedimento a ser adotado, inclusive no que diz respeito à existência de cerceamento de defesa;

(d) Na data da publicação da sentença (entendida esta como o momento em que é entregue em cartório ou em que é tornado público o resultado do julgamento), para fins de verificação dos requisitos de admissibilidade dos recursos, de seus efeitos, da sujeição da decisão à remessa necessária, da aplicabilidade das disposições relativas aos honorários advocatícios, bem como de sua majoração em grau recursal.

Da pensão por morte

À época do falecimento de Dirlane de Lourdes Pires Moraes (23/06/2010), vigia o art. 74 da Lei n. 8.213/91, com a redação conferida pela Lei nº 9.528/97, que disciplinou a concessão de pensão por morte nos seguintes termos:

Art. 74. A pensão por morte será devida ao conjunto dos dependentes do segurado que falecer, aposentado ou não, a contar da data:

I – do óbito, quando requerida até trinta dias depois deste;

II – do requerimento, quando requerida após o prazo previsto no inciso anterior;

III – da decisão judicial, no caso de morte presumida.

 

A respeito dos dependentes, assim previa a Lei nº 8.213/91 à época do óbito:

 

Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado:

I – o cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;

II – os pais;

III – o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e um) anos ou inválido;

§ 1ºA existência de dependente de qualquer das classes deste artigo exclui do direito às prestações os das classes seguintes.

§ 2º .O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica na forma estabelecida no Regulamento.

§ 3º Considera-se companheira ou companheiro a pessoa que, sem ser casada, mantém união estável com o segurado ou com a segurada, de acordo com o § 3º do art. 226 da Constituição Federal.

§ 4º A dependência econômica das pessoas indicadas no inciso I é presumida e a das demais deve ser comprovada.

Isto é, para fazer jus à pensão por morte, o requerente deve comprovar o óbito, a qualidade de segurado do de cujus quando do óbito e a dependência econômica, nas hipóteses em que esta não é presumida.

Da qualidade de dependente

Por oportuno, destaco que a condição de dependente de Carlos Nei Pires de Moraes, na qualidade de cônjuge da de cujus se comprova pela certidão de casamento (fls. 16), não tendo sido objeto de controvérsia nos autos.

Da qualidade de segurado

O trabalho rural como segurado especial dá-se em regime individual (produtor usufrutuário, possuidor, assentado, parceiro ou meeiro outorgados, comodatário ou arrendatário rurais) ou de economia familiar, este quando o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico do núcleo familiar e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes (art. 11, VII e § 1º da Lei nº 8.213/91).

A atividade rural de segurado especial deve ser comprovada mediante início de prova material, complementada por prova testemunhal idônea, não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do art. 55, § 3º, da Lei 8.213/91, e súmula 149 do STJ.

Desde logo ressalto que somente excluirá a condição de segurado especial a presença ordinária de assalariados – insuficiente a tanto o mero registro em ITR ou a qualificação como empregador rural (II b) – art. 1º, II, “b”, do Decreto-Lei 1166, de 15.04.71. Já o trabalho urbano do cônjuge ou familiar, relevante e duradouro, não afasta a condição de regime de economia familiar quando excluído do grupo de trabalho rural. Finalmente, a constitucional idade mínima de dezesseis anos para o trabalho, como norma protetiva, deve ser interpretada em favor do protegido, não lhe impedindo o reconhecimento de direitos trabalhistas ou previdenciários quando tenham efetivamente desenvolvido a atividade laboral.

Quanto ao início de prova material, necessário a todo reconhecimento de tempo de serviço (§ 3º do art. 56 da Lei nº 8.213/91 e Súmula 149/STJ), por ser apenas inicial, tem sua exigência suprida pela indicação contemporânea em documentos do trabalho exercido, embora não necessariamente ano a ano, mesmo fora do exemplificativo rol legal (art. 106 da Lei nº 8.213/91), ou em nome de integrantes do grupo familiar (Admite-se como início de prova material do efetivo exercício de atividade rural, em regime de economia familiar, documentos de terceiros, membros do grupo parental -Súmula 73 do TRF 4ª Região).

Nos casos de trabalhadores informais, especialmente em labor rural de boia-fria, a dificuldade de obtenção de documentos permite maior abrangência na admissão do re

quisito legal de início de prova material, valendo como tal documentos não contemporâneos ou mesmo em nome terceiros (patrões, donos de terras arrendadas, integrantes do grupo familiar ou de trabalho rural). Se também ao boia-fria é exigida prova documental do labor rural, o que com isto se admite é mais amplo do que seria exigível de um trabalhador urbano, que rotineiramente registra suas relações de emprego.

Do caso concreto

Ao que se extrai do processo administrativo de revisão (NB 21/147.418.419-4, fls. 97/149), o INSS detectou indício de irregularidade na documentação que embasou a concessão do benefício de pensão por morte do autor, “as irregularidades apuradas consistem em não ter sido comprovado o efetivo exercício de atividade rural na condição de segurada especial da instituidora, no período de 1991 a 2004, período este utilizado para a concessão de aposentadoria por idade rural (NB 41/133.827.518-3), uma vez que, após auditagem e realizada pesquisa “in loco”, verificou-se que a segurada se aposentou como segurada especial trabalhando em uma área de 148,5 ha, e o cônjuge possuía atividade urbana em município vizinho, como contador, restando dúvidas sobre o real exercício de atividade rural da segurada no período, haja vista a distância da propriedade para com os endereços constantes nos cadastros informatizados da Previdência Social, em mais de 80 km.”

Dentro do prazo para oferecer defesa, manifestou-se o autor Carlos Nei Pires de Moraes, sustentando que “A de cujus, esposa do requerente, ao longo dos anos, exerceu atividade rural na localidade denominada Samburá, interior do município de São Borja, onde possuíam propriedade e que, quando do requerimento da aposentadoria, a Srª Dirlane apresentou todos os documentos que lhe foram solicitados pelo INSS, que após análise opinou favoravelmente pelo deferimento do benefício, o qual foi mantido até o óbito da segurada. O requerente, na qualidade de dependente da segurada/falecida, requereu e teve concedido o benefício de pensão por morte, a teor do disposto no art. 74 da Lei nº 8.213/91, dentro de sua normalidade, inexistindo qualquer ato que possa anular ou descaracterizar o direito na manutenção do benefício em questão.”

Apresentou também documentos, dentre os quais a certidão de óbito da de cujus (23/06/2010) (fls.13), e certidão de casamento do autor e da de cujus (fls. 26).

Após análise dos elementos apresentados em forma de defesa, concluiu-se que não ficou comprovada a regularidade da pensão por morte em questão, sendo determinada a suspensão do benefício (01/01/2011, fls. 93).

A controvérsia, portanto, restringe-se à comprovação da qualidade de segurada especial da de cujus ao tempo do óbito.

Para comprovar o efetivo trabalho agrícola, foram trazidos aos autos documentos, dentre os quais, destacam-se:

– Certidão de casamento do autor com a de cujus, realizado em 18/01/1967, em que aquele consta como comerciário (fls. 26);

– Certidão de óbito da de cujus, ocorrido em 23/06/2010, em que esta consta o autor como declarante e que a falecieda era aposentada (fls. 13);

– Notas fiscais de produtor, em nome do autor e da de cujus, referentes aos anos de 2003 e 2004 (fls. 152v/153v);

Nota fiscais de venda de soja para a Cooperativa Trit. Regional Sãoluizense ltda., em nome do autor, referentes aos anos de 2003 e 2004 (fls. 153/154);

– Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR 2000/2001/2002, em nome do autor (fls. 154v);

– Notas ficais de compras para industrialização, emitida pela empresa Bunge Alimentos, em nome do autor e da de cujus, referente ao ano de 2003 (fls. 155v/156);

– Nota fiscal emitida pela Cooperativa Tritícola Samborjense Ltda., em nome do autor, referente ao ano de 2000 (fls. 157);

– Notas fiscais de produtor, em nome da de cujus, referentes aos anos de 1998 e 1999 (fls. 158/158v/160);

– Nota fiscal, emitida pelo Frigorífico Riosulense de Vacaria/RS, em nome da de cujus, referente ao ano de 1997 (fls. 160v);

– Notas fiscais de produtor, em nome do autor, referentes aos anos de 1995, 1993 (fls. 161v e 168v);

– Nota fiscal de entrada, emitida pelo matadouro Cotricampo de Campo Novo, em nome do autor, referente ao ano de 1995 (fls. 162);

– Nota fiscal de produtor, em nome da de cujus, referente ao ano de 1995 (fls. 163);

– Notas fiscais de entrada, em nome do autor, referentes aos anos de 1994, 1992, 1989 (fls. 163v, 166v, 168);

– Certidão do Registro Imóveis do município de São Borja, referente à compra de imóvel rural, em nome do autor e da de cujus, referente ao ano de 1984 (fls. 170);

– Ficha do criador, em nome da de cujus, em que constam datas de vacinação do gado, registradas nos anos de 1995, 1996, 1997 e 1998 (fls. 171);

– Declaração do ITR, referente aos exercícios de 1997, 1998, em nome do autor (fls. 172v);

No que se refere à prova testemunhal (fls. 212, CD – Mídia), realizada audiência de instrução em 19/03/2013, foi ouvida a testemunha Pedro Fernandes Robalo, o qual não ratificou a tese apresentada pelo autor, no sentido de que a de cujus era trabalhadora rural, sendo segurada especial, conforme segue o depoimento:

A testemunha Pedro Fernandes Robalo, declarou que é agricultor, que conheceu o autor em 2002 ou 2003, quando foi cuidar de uma fazenda perto da sede dele; que estava arrendada na época que o depoente foi para lá; que o autor não morava lá, pois estava arrendada para outros; que sabe que a fazenda era de propriedade do autor; que conheceu a esposa do autor, que não sabe se ela trabalhava; que não sabe se o casal morava lá antes; que o depoente era capataz de uma fazenda lindeira com a do autor; que o depoente foi morar lá em 1999 até 2001; que quando o depoente saiu de lá o autor não morava mais lá, que sabe que o autor não vendeu a propriedade, que somente os filhos e um genro dele ficaram lá; que o depoente não via muito o autor por lá, que ele ia só passear lá; que o autor demorava para ir lá na fazenda, somente a passeio, que só via a esposa do autor quando ela ia passear lá; que ela não morava lá; que a fazenda era grande, que acha que o autor era de São Luiz Gonzaga. Que o pessoal da comunidade comentava que o autor era o proprietário da fazenda; que não sabe se o autor exercia outra atividade.

Embora tenham sido apresentados documentos em nome da de cujus, verifica-se que a propriedade foi arrendada até 1999, posteriormente os filhos e genro do casal é que permaneceram nas terras.

Neste contexto, considerando que a de cujus não tinha a qualidade de segurada antes do óbito, por certo a parte autora não fazia jus ao benefício de pensão por morte, inexistindo qualquer irregularidade no procedimento administrativo que cassou o benefício.

Assim, confirmo a sentença de improcedência.

Devolução de valores pagos indevidamente

Nas hipóteses em que o pagamento a maior ou a concessão indevida se deu por erro administrativo do INSS, os valores são irrepetíveis, pois nesses casos está presente a boa-fé objetiva do segurado, que recebeu os valores pagos pela autarquia na presunção da definitividade do pagamento.

 

Note-se que a própria Advocacia Geral da União, no tocante aos servidores públicos, já reconheceu como indevido o ressarcimento de valores pagos a maior quando decorrentes de erro da Administração Pública, definindo a questão na Súmula nº 34/AGU:

 

Não estão sujeitos à repetição os valores recebidos de boa-fé pelo servidor público, em decorrência de errônea ou inadequada interpretação da lei por parte da Administração Pública”. (DOU I 27, 28 e 29.1.2014)

 

No caso dos autos, portanto, em que a concessão

do benefício decorreu exclusivamente de erro administrativo, reconhecido pelo INSS na via administrativa (irregularidades constatadas na concessão do benefício – auditoria interna pelo INSS) e na judicial, mais evidenciado ainda se tem o recebimento de boa-fé pelo segurado, não havendo que se falar em restituição, desconto ou devolução desses valores, ainda que constatada irregularidade administrativa no pagamento do benefício.

 

Ressalto que eventual ineficiência do INSS no exercício do poder-dever de fiscalização – pela inexistência ou ineficácia de sistemas de cruzamento de dados e/ou elaboração de cálculos – não afasta o erro ou desídia da Autarquia Previdenciária, nem justifica a pretensão de ressarcimento, e menos ainda transfere ao segurado a responsabilidade e o ônus por pagamentos indevidos.

 

Nessa esteira, incontroverso o erro administrativo, levando em conta o caráter alimentar das prestações previdenciárias, e ausente comprovação de eventual má-fé da parte autora – que não deu causa à irregularidade administrativa, nem praticou qualquer ato no sentido de burlar a fiscalização previdenciária -, devem ser relativizadas as normas do art. 115, II, da Lei 8.213/91 e 154, § 3º, do Decreto 3.048/99, e prestigiada a jurisprudência já firmada por esta Corte:

 

PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DOS VALORES PAGOS EM RAZÃO DE ERRO DA ADMINISTRAÇÃO NA CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. DESNECESSIDADE. BOA-FÉ DO SEGURADO. HIPOSSUFICIÊNCIA. NATUREZA ALIMENTAR DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. PRESCRIÇÃO.

1. É inviável a devolução pelos segurados do Regime Geral de Previdência Social de valores recebidos em decorrência de erro da Administração Pública. Entendimento sustentado na boa-fé do segurado, na sua condição de hipossuficiência e na natureza alimentar dos benefícios previdenciários. 2. Não há a violação ao art. 130, § único da Lei nº 8.213/91, pois esse dispositivo exonera o beneficiário da previdência social de restituir os valores recebidos por força da liquidação condicionada, não guardando, pois, exata congruência com a questão tratada nos autos. 3. O art. 115 da Lei nº 8.213/91, que regulamenta a hipótese de desconto administrativo, sem necessária autorização judicial, nos casos em que a concessão a maior se deu por ato administrativo do Instituto, não se aplica às situações em que o segurado é receptor de boa-fé, o que, conforme documentos acostados aos presentes autos, se amolda ao vertente caso. Precedentes.

(APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO nº 5002456-61.2012.404.7211/SC, 6ª T., Rel. Des. Federal João Batista Pinto Silveira. Dec. un. em 03/07/2013)

 

Diante disso, entendo que está a parte autora dispensada da devolução dos valores percebidos em decorrência do benefício previdenciário suspenso.

Honorários Advocatícios

Considerando que a sentença recorrida foi publicada antes de 18/03/2016, data da entrada em vigor do NCPC, e tendo em conta as explanações tecidas quando da análise do direito intertemporal, esclareço que as novas disposições acerca da verba honorária são inaplicáveis ao caso em tela, de forma que não se determinará a graduação conforme o valor da condenação (art. 85, §3º, I ao V, do CPC/2015), tampouco se estabelecerá a majoração em razão da interposição de recurso (art. 85, §11º, do CPC/2015).

Assim, mantidos os ônus sucumbenciais fixados na sentença, devendo ser suportados pela parte autora, suspensa a exigibilidade em razão da AJG deferida.

Dispositivo

 Ante o exposto, voto por dar parcial provimento à apelação da parte autora no tocante à dispensa da devolução dos valores percebidos em decorrência do benefício previdenciário suspenso.

É o voto.

Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Relatora


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 06/07/2016

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016735-13.2015.4.04.9999/RS

ORIGEM: RS 00003261320118210034

RELATOR:Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
PRESIDENTE:Desembargadora Federal Vânia Hack de Almeida
PROCURADOR:Procurador Regional da República Fábio Nesi Venzon
APELANTE:CARLOS NEI PIRES DE MORAES
ADVOGADO:Mauro Antonio Volkmer
APELADO:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO:Procuradoria Regional da PFE-INSS

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 06/07/2016, na seqüência 129, disponibilizada no DE de 17/06/2016, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PARCIAL PROVIMENTO À APELAÇÃO DA PARTE AUTORA NO TOCANTE À DISPENSA DA DEVOLUÇÃO DOS VALORES PERCEBIDOS EM DECORRÊNCIA DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO SUSPENSO.

RELATOR ACÓRDÃO:Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
VOTANTE(S):Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA
:Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE
:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Gilberto Flores do Nascimento

Diretor de Secretaria


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