O artigo 100, §1º da Constituição erige os benefícios previdenciários ao status de verbas de natureza alimentar, ou seja, destinadas ao sustento do seu destinatário. Nesse sentido, depreende-se que na percepção dos benefícios previdenciários é presumível a necessidade do segurado de auferir os valores de forma continuada.

Diante desta necessidade, quando postulado o direito do segurado em juízo, é natural que se requeira a concessão de tutela provisória, seja em sede liminar ou por ocasião da prolação de sentença, para que o segurado não seja prejudicado pela (de)mora da prestação jurisdicional.

Porém e se ao final, a sentença for desfavorável e a tutela revogada? E se a sentença que concedeu a tutela provisória for reformada pelo Tribunal? O segurado deve devolver os valores recebidos de boa-fé?

Até meados de Outubro de 2015, a jurisprudência dos tribunais superiores (STJ e STF) era pacífica quanto a matéria, estabelecendo que os valores recebidos de boa-fé a título de beneficio previdenciário eram irrepetíveis, dado seu caráter alimentar. Contudo, por ocasião do julgamento do REsp 1.401.560/MT pelo Superior Tribunal de Justiça, pelo rito dos recursos repetitivos, em 13/10/2015, fixou-se a tese genérica de que “a reforma da decisão que antecipa a tutela obriga o autor da ação a devolver os benefícios previdenciários indevidamente recebidos”.

Com a determinação do CPC/15 de que os acórdãos proferidos em recursos repetitivos são precedentes de caráter vinculante, a tese fixada pelo STJ passou a ser aplicada indiscriminadamente em todos os tribunais e turmas recursais do país.

Aliado a isto, em 20/03/2015, o STF havia decidido que a questão não teria Repercussão Geral (Tema 799), o que impediria que Recursos Extraordinários subissem para a Suprema Corte.

A guinada jurisprudencial impremeditável do STJ gerou diversas decisões teratológicas e totalmente contrárias aos princípios constitucionais atinentes à seguridade social e a segurança jurídica, surpreendendo inclusive aqueles que haviam tido a tutela provisória concedida sob a égide do entendimento jurisprudencial favorável.

Nesse sentido, recentemente o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Presidente da Comissão Gestora de Precedentes da mesma Egrégia Corte, proferiu, recentemente, decisão admitindo o Recurso Especial nº 1.734.627 – SP (2018/0082061-7), que versa sobre a mesma matéria, asseverando que o recurso deve ser processado para que o STJ reafirme, esclareça ou revise o seu precedente.

Impende destacar, nesse sentido, os seguintes trechos da decisão (grifos acrescidos):

A Oitava Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em análise para juízo de retratação de sua decisão ao referido tema repetitivo, decidiu manter o acórdão em desacordo com o entendimento do STJ com base em precedentes firmados pelo Plenário do STF em 19/3/2015 e 26/11/2015 e em julgados da Primeira Turma do STF proferidos em 4/8/2015 e 1/12/2015 que concluíram pela desnecessidade de devolução de parcelas previdenciárias recebidas por força de liminar.

[…]

É possível ainda recuperar da base de jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça julgamento proferido em 20/11/2013 pela Corte Especial do STJ nos Embargos de Divergência do Recurso Especial n. 1.086.154/RS em que se assentou a irrepetibilidade de valores recebidos de boa-fé, quando a antecipação da tutela, concedida anteriormente, chega a ser confirmada em decisão de segundo grau. Assim, a sucessão de julgamentos pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em datas aproximadas desencadearem divergências nas instâncias de origem que possivelmente fragilizaram o precedente firmado pela Primeira Seção sob o rito dos repetitivos.

Com o presente recurso especial admitido em claro confronto com o Tema repetitivo n. 692, pode-se observar que a situação atual é de dúvida perante a instância de origem, justificando o processamento regular deste recurso, seja para o STJ: a) reafirmar o entendimento e a sua aplicabilidade ao caso em questão; b) esclarecer se os casos são diferentes, firmando novo precedente qualificado; c) revisar o seu precedente.

Ante o exposto, com fundamento na parte final do caput do art. 1.041 e no art. 256-D do RISTJ, c/c o inciso I do art. 2º da Portaria STJ/GP n. 299 de 19 de julho de 2017, distribua-se este recurso por prevenção ao REsp n. 1.734.698/SP (2018/0082226-9).

O Recurso ainda está pendente de julgamento, porém pode significar a superação do precedente anteriormente firmado pelo STJ.

Contudo, deve-se salientar que a aplicação do REsp nº 1.401.560/MT atualmente está sendo feito sem o distinguishing (distinção) necessário, pois os tribunais e turmas recursais não estão analisando corretamente a ratio decidendi do precedente firmado pelo STJ. Vejamos alguns pontos:

a) O precedente só se aplica em casos de tutela antecipada.

            Aqui, delimita-se que o precedente do STJ se referiu apenas aos casos de tutelas antecipadas, ou seja, concedidas em cognição sumária, diferente das tutelas provisórias concedidas em cognição exauriente, ou seja, em sentença ou concedida anteriormente e confirmada nesta.

            De igual forma, também não pode se confundir o instituto da tutela antecipada com a inexistência de efeito suspensivo no recurso inominado no âmbito dos Juizados Especiais, na qual a sentença, em regra, passa a produzir efeitos de imediato quanto à obrigação de fazer (implantação do beneficio), que em regra é feita ex officio pelo Juízo.

b) O precedente não deve ser aplicado a tutelas concedidas antes da virada jurisprudencial

            Em respeito aos princípios da proteção da confiança e da segurança jurídica, o precedente do STJ, que representou uma alteração drástica no entendimento daquele tribunal sobre a matéria, não pode ser aplicado às tutelas requeridas e concedidas sob a égide do entendimento anterior.

            Assim, traçado o panorama atual da questão nos tribunais superiores, e demonstradas as distinções do precedente ainda vigente, cabe aos Previdenciaristas delimitar e suscitar corretamente estas questões, para que os segurados não sejam prejudicados com o entendimento atual do STJ sobre a matéria.

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