Em tempos de reformas no sistema previdenciário, muitas são as dúvidas de segurados e advogados sobre o alcance da garantia constitucional do direito adquirido nesta matéria. O texto da atual proposta de reforma da previdência (PEC 6/2019) prevê expressamente a proteção do direito adquirido dos segurados que preencham os requisitos para obtenção de benefícios até a data da promulgação da EC.

A proteção do direito adquirido nos casos de preenchimento dos requisitos para concessão do benefício, ainda que requerido em momento posterior à mudança das regras, nos parece trivial. O que de fato suscitará grandes debates jurisprudenciais será a extensão desta proteção às relações e fatos jurídicos já consolidados, mas que não se enquadram enquanto preenchimento de todos os requisitos para concessão de benefício.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já asseverou que inexiste direito adquirido a regime jurídico previdenciário, sendo aplicável o princípio do tempus regit actum nas relações previdenciárias. Ou seja, para a Suprema Corte, só há direito adquirido quando o seu titular preenche todas as exigências previstas no ordenamento jurídico vigente, de modo a habilitá-lo ao seu exercício. [1]

O que podemos perceber é que tempus regit actum e direito adquirido são conceitos que se complementam, na medida em que ambos determinam qual será o regime jurídico aplicável nas relações previdenciárias.

Vejamos como exemplo o caso de enquadramento de atividades especiais. A jurisprudência consolidou o entendimento de que a comprovação do tempo especial deve ser feita conforme a legislação de regência da época. Assim, nos casos até o advento da Lei 9.032/1995 (28/04/1995), por exemplo, era possível o reconhecimento do tempo de serviço especial com base no enquadramento da categoria profissional do trabalhador. Até hoje é plenamente possível reconhecer tempo especial até 28/04/1995 por categoria profissional, ainda que a norma em vigência exija a comprovação real da exposição aos agentes nocivos.

A PEC 6/2019 antevê essas situação e prevê expressamente a possibilidade de conversão de tempo especial em comum até a data de promulgação da EC, vedando a conversão somente para o período laborado posteriormente (art. 26, §2º). Por outro lado, algumas situações carecem de previsão expressa, ainda que possamos apontar o seu provável caminho hermenêutico. Um destes casos é o da vedação de enquadramento de atividade especial por periculosidade, cuja solução que advogamos é a de possibilidade de concessão de aposentadoria especial por periculosidade desde que preenchidos os requisitos em momento anterior à PEC.

Outro caso que nos parece pertinente é o introduzido pela Lei 13.846/19, que converteu a MP 871/2019, estabelecendo que para comprovação de união estável e dependência econômica não seria admitida prova exclusivamente testemunhal, sendo imprescindível o início de prova material. Sabemos que antes do advento desta exigência, vigia a Súmula 63 da TNU, que possibilitava a comprovação da união estável ainda que sem início de prova material. Então como resolver este problema?

Nos parece igualmente simples: para as uniões estáveis constituídas até a entrada em vigor da MP 871/2019, possibilita-se a comprovação pela via da prova testemunhal, aplicando-se as novas exigências apenas para as relações jurídicas constituídas a posteriori do novo regramento.

Estes são apenas alguns exemplos que demonstram a importância de compreender profundamente esta temática, e também reforça a necessidade de relembrar que tanto o direito adquirido como o tempus regit actum permitem que o advogado realize o seu trabalho com calma, eis que independente do decurso do tempo, o regime jurídico e o direito do seu cliente estarão assegurados, a despeito de modificações legislativas.

Portanto, a lição que fica é de que devemos sempre pensar juridicamente o Direito Previdenciário, a fim de não deixarmos escapar detalhes que podem fazer a diferença na resolução de casos complexos.

[1] ADI 3104/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 26.9.2007.

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