A concessão de aposentadoria especial para Agentes Comunitários de Saúde (ACS) e Agentes de Combate às Endemias (ACE) voltou ao centro das discussões no Congresso Nacional. 

A audiência pública realizada na Câmara dos Deputados, em 8 de julho de 2025, reacendeu uma pauta que há anos gera controvérsias entre representantes de classe, parlamentares e especialistas em Previdência: os riscos da atividade justificam uma aposentadoria diferenciada?

A resposta não é simples. O tema exige equilíbrio entre a valorização de profissionais expostos a condições adversas e a responsabilidade com a sustentabilidade do Regime Geral da Previdência Social (RGPS).

Riscos diários e a realidade da atuação dos agentes

ACS e ACE compõem a espinha dorsal da saúde pública preventiva no Brasil. Atuando diretamente em comunidades, principalmente em áreas periféricas, esses profissionais visitam domicílios, acompanham famílias vulneráveis, lidam com pacientes portadores de doenças transmissíveis e enfrentam condições de trabalho que vão muito além das exigências físicas: enfrentam riscos biológicos, químicos, físicos e psicológicos em sua rotina.

Estudos recentes mostram que mais de 90% dos agentes consideram que suas atividades impactam negativamente a saúde. Não se trata apenas de risco pontual, mas de uma exposição constante e generalizada a agentes nocivos, algo que, na lógica da aposentadoria especial, seria suficiente para justificar um regime diferenciado.

Contudo, a legislação atual exige comprovação individual da exposição, mediante documentos como o PPP e o LTCAT, que muitas vezes não são produzidos corretamente ou não refletem a real condição de trabalho. Esse é o nó central que o Congresso tenta desatar com propostas como:

  • PEC 14/2021, que propõe aposentadoria especial com 25 anos de atividade, sem idade mínima;
  • PLP 185/2024, que define critérios etários (52 anos para homens e 50 para mulheres) e tempo mínimo de serviço na função (20 anos) para concessão do benefício.

Ambas as propostas visam reconhecer que a exposição a agentes nocivos é inerente à função, eliminando a burocracia que atualmente impede o acesso ao benefício.

O desafio previdenciário: justiça social versus equilíbrio atuarial

Sob a ótica jurídica e atuarial, a aposentadoria especial exige comprovação da habitualidade e permanência da exposição a agentes nocivos, sem o uso de equipamentos de proteção eficazes. A grande dificuldade no caso dos agentes de saúde é que essa comprovação é exigida caso a caso, o que torna o processo moroso, injusto e sujeito à judicialização.

No entanto, a proposta de reconhecimento automático também levanta preocupações. O partido Novo, por exemplo, criticou a ausência de estudos de impacto orçamentário nas propostas em tramitação. E com razão: incluir mais de 400 mil profissionais em um regime especial, com regras menos rígidas e sem idade mínima, pode representar um custo significativo ao RGPS.

Por outro lado, é preciso considerar que a EC 120/2022, já aprovada, reconhece o direito desses profissionais à aposentadoria especial e ao adicional de insalubridade. Ou seja, a discussão já foi parcialmente vencida em termos constitucionais — resta agora o desafio de regulamentar esse direito por meio de lei complementar, de forma técnica e sustentável.

Caminhos possíveis: o que pode ser feito com responsabilidade

Como advogado atuante na área previdenciária há mais de 18 anos, posso afirmar que a realidade desses profissionais merece atenção especial. Mas é preciso cautela para que o discurso político não atropele os limites técnicos e orçamentários.

Algumas medidas que considero viáveis:

  • Definição de critérios objetivos para o reconhecimento da atividade especial, por categoria e não por empresa, com base em estudos técnicos e realidade funcional.
  • Criação de um banco de dados nacional de exposição ocupacional, facilitando o cruzamento de informações e eliminando a necessidade de PPPs em papel.
  • Investimento em programas de saúde ocupacional e redução de carga horária para quem já atingiu um tempo relevante de exposição.
  • Adoção de um modelo híbrido, com idade mínima moderada e tempo de contribuição reduzido, permitindo equilíbrio entre desgaste funcional e sustentabilidade financeira.

Essas alternativas podem compor um meio-termo entre a concessão irrestrita e a exigência excessiva de documentação, garantindo justiça aos trabalhadores sem comprometer o sistema previdenciário.

Um debate que exige maturidade técnica e diálogo institucional

A aposentadoria especial para ACS e ACE é um tema legítimo e urgente. São profissionais que enfrentam riscos reais e cujas atividades impactam diretamente na prevenção e controle de doenças. Mas qualquer avanço nessa pauta deve vir acompanhado de dados, planejamento e responsabilidade.

A audiência pública de julho foi um passo importante, mas não suficiente. É preciso que o Congresso avance com maturidade, ouvindo os técnicos da Previdência, os representantes das categorias e os especialistas em direito previdenciário, para que uma eventual concessão seja justa, exequível e segura para todos.

Mais do que uma vitória política, trata-se de uma política pública com impacto direto sobre a vida de milhares de trabalhadores e sobre o orçamento de toda a sociedade.

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