Colegas Previdenciaristas!

Na coluna de hoje vou falar sobre situação bastante controversa no âmbito judicial previdenciário: o recebimento de auxílio-doença no período em que o segurado exerceu atividade remunerada.

Como sabemos, a Lei nº 8.213/91 prevê a possibilidade de cancelamento do auxílio-doença nos casos em que o segurado venha a exercer atividade laborativa:

Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz.

[…]

§ 6o O segurado que durante o gozo do auxílio-doença vier a exercer atividade que lhe garanta subsistência poderá ter o benefício cancelado a partir do retorno à atividade.          (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015)

Todavia, não podemos perder de vista a notória morosidade na tramitação dos processos previdenciários de concessão e restabelecimento de benefícios por incapacidade ao trabalho. Na imensa maioria dos casos, a realização da perícia médica judicial se dá meses após o ajuizamento (e mais meses ainda após o indeferimento administrativo).

Durante esta longa espera, há uma pessoa incapaz e totalmente desamparada. E, em muitas ocasiões, estes segurados não têm outra alternativa, senão se sacrificar voltando ao trabalho, com o intuito único de garantir a sobrevivência própria e a de sua prole.

Lamentavelmente, o retorno ao trabalho, nestas hipóteses, é visto por muitos como prova da capacidade laborativa do segurado.

Para melhor ilustrarmos a controvérsia, tomemos por base o seguinte exemplo:

“No dia 05/09/2019, João afasta-se do trabalho e postula, junto ao INSS, a concessão de auxílio-doença. A perícia médica administrativa foi realizada em 10/09/2019, cujo parecer foi desfavorável à concessão do benefício.

Inconformado, em 20/09/2019 João ingressa com ação judicial de concessão de benefício por incapacidade em face do INSS, diante do indeferimento ao pedido administrativo. O juízo designou a realização de perícia médica para o dia 05/12/2019.

Em face destes três meses de longa espera, João, com muito sacrifício, retomou o desempenho de sua atividade habitual e a verter contribuições para o RGPS, pois, como todo cidadão médio brasileiro, possui despesas com alimentação, dívidas a saldar, mensalidade da escola dos filhos, etc.

Realizada perícia médica judicial, o perito indica que João está incapaz para o trabalho, fixando o início da incapacidade na data do requerimento administrativo (05/09/2019).”

Pergunto aos Prezados: João poderá receber auxílio-doença desde a DER (05/09/2019), mesmo diante do retorno ao trabalho e das contribuições vertidas?

Entendo que sim! O retorno ao trabalho pelo segurado incapaz consiste unicamente na busca “desesperada” por sobrevivência e dignidade, frente à demasiada espera por amparo previdenciário. Com máximo respeito, entendimento contrário me parece “fechar os olhos” para a realidade atual.

Aliás, nos casos em que a perícia judicial comprova a incapacidade ao trabalho desde o requerimento administrativo, verifica-se que o INSS incorreu em erro ao indeferir o pedido. Por óbvio, este ônus não deve ser suportado pelo trabalhador que se sacrifica retornando à atividade, quando comprovadamente deveria estar amparado pela previdência.

Felizmente, os Tribunais especializados na matéria firmaram entendimento em favor dos segurados, em casos tais. Trago aos leitores os seguintes precedentes:

PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO. APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. INCAPACIDADE COMPROVADA.. DOENÇA PRE-EXISTENTE. INOCORRÊNCIA.  SALÁRIO DE BENEFÍCIO. CONSECTÁRIO. HONORÁRIOS. […] 2. Se o Autor, mesmo incapaz para o labor, teve obstado o seu benefício na via administrativa – justifica-se eventual retorno ao trabalho para a sua sobrevivência ou o recolhimento de contribuições previdenciárias. […]. (TRF4, AC 5069658-57.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator LUIZ FERNANDO WOWK PENTEADO, juntado aos autos em 13/11/2019)

PREVIDENCIÁRIO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. IMPUGNAÇÃO. PARCELAS DEVIDAS POR BENEFÍCIO DE AUXÍLIO-DOENÇA CONCOMITANTEMENTE COM PERÍODO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE LABORAL. POSSIBILIDADE. O fato de a parte autora ter exercido atividade remunerada em período abrangido pela concessão do auxílio-doença não impede o recebimento do benefício, pois, mesmo incapaz para o labor, teve obstado o seu benefício na via administrativa, tornando plenamente justificável eventual retorno ao trabalho para a sua sobrevivência. Tal circunstância não configura enriquecimento sem causa (art. 884 do CC). (TRF4, AG 5018955-78.2019.4.04.0000, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DO PR, Relator MÁRCIO ANTÔNIO ROCHA, juntado aos autos em 20/08/2019)

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. TRABALHADOR RURAL. RETORNO AO LABOR DURANTE A INCAPACIDADE. NECESSIDADE DE SUBSISTÊNCIA. REGIME DE JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO DESPROVIDA. […]3. O fato de o Autor ter exercido, durante curto lapso temporal, atividade remunerada, quando já estava incapacitado, não revela aptidão para o trabalho, mas sim a temerária tentativa de manter sua subsistência, não sendo tal situação, por si só, apta a infirmar as conclusões da perícia judicial. 4. Não há óbice legal para a cumulação de recebimento do auxílio doença com o exercício de atividade remunerada. Isso, porque é possível que o segurado, diante da negativa administrativa ao benefício, siga exercendo suas atividades, ainda que sem capacidade laborativa, em razão da necessidade de prover a própria subsistência, conforme entendimento pacificado na TNU: “1. O trabalho exercido pelo segurado no período em que estava incapaz decorre da necessidade de sobrevivência, com inegável sacrifício da saúde do obreiro e possibilidade de agravamento do estado mórbido. 2. O benefício por incapacidade deve ser concedido desde o indevido cancelamento, sob pena de o Judiciário recompensar a falta de eficiência do INSS na hipótese dos autos, pois, inegavelmente, o benefício foi negado erroneamente pela perícia médica da Autarquia. 3. Incidente conhecido e improvido.” (PEDILEF 200650500062090, Rel. Juiz Federal Antônio Schenkel do Amaral e Silva, DOU 25.11.2011). […] (AC 0019012-53.2018.4.01.9199, DESEMBARGADOR FEDERAL WILSON ALVES DE SOUZA, TRF1 – PRIMEIRA TURMA, e-DJF1 02/10/2019 PAG.)

No mesmo sentido, dispõe o enunciado nº 72 da súmula da Turma Nacional de Uniformização (TNU):

É possível o recebimento de benefício por incapacidade durante período em que houve exercício de atividade remunerada quando comprovado que o segurado estava incapaz para as atividades habituais na época em que trabalhou.

Mesmo havendo entendimento sumulado quanto à matéria, o Superior Tribunal de Justiça submeteu a questão a julgamento (Tema 1013). Por ora, resta aguardar que a Corte consolide o favorável entendimento majoritário aplicado pelos Tribunais.

Por fim, disponibilizo aos colegas um modelo de recurso inominado que utilizei em um caso real e obtive sucesso.

Desejo um excelente trabalho aos Prezados!

Fico à disposição!

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