Ementa para citação:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR E NA CONDIÇÃO DE BOIA-FRIA. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL COMPROVADA. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA.

1. Restando comprovado nos autos, mediante início de prova material corroborado pela prova testemunhal, o requisito etário e o exercício da atividade laborativa rural, no período correspondente à carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural. 2. Tratando-se de trabalhador rural que desenvolveu atividade na qualidade de boia-fria, deve o pedido ser analisado e interpretado de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do STJ e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149 do STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 3. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).

(TRF4, AC 0016624-63.2014.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 03/12/2014)


INTEIRO TEOR

D.E.


Publicado em 04/12/2014

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016624-63.2014.404.9999/PR

RELATOR:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO:Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO:MARIA MARGARIDA JACINTO VANINI
ADVOGADO:Alan Rodrigo Pupin

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSO CIVIL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. ATIVIDADE RURAL. TRABALHADOR RURAL EM REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR E NA CONDIÇÃO DE BOIA-FRIA. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL COMPROVADA. REQUISITOS PREENCHIDOS. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. TUTELA ESPECÍFICA.

1. Restando comprovado nos autos, mediante início de prova material corroborado pela prova testemunhal, o requisito etário e o exercício da atividade laborativa rural, no período correspondente à carência, é de ser concedida a aposentadoria por idade rural. 2. Tratando-se de trabalhador rural que desenvolveu atividade na qualidade de boia-fria, deve o pedido ser analisado e interpretado de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do STJ e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149 do STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal. 3. Determina-se o cumprimento imediato do acórdão naquilo que se refere à obrigação de implementar o benefício, por se tratar de decisão de eficácia mandamental que deverá ser efetivada mediante as atividades de cumprimento da sentença stricto sensu previstas no art. 461 do CPC, sem a necessidade de um processo executivo autônomo (sine intervallo).

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial, e determinar a implantação do benefício, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 19 de novembro de 2014.

Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Relator



Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7093328v5 e, se solicitado, do código CRC 9A8D8A1F.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): João Batista Pinto Silveira
Data e Hora: 21/11/2014 16:04


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016624-63.2014.404.9999/PR

RELATOR:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO:Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO:MARIA MARGARIDA JACINTO VANINI
ADVOGADO:Alan Rodrigo Pupin

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação interposta em face da sentença que assim dispôs:

“Diante desse cenário, JULGO PROCEDENTE o pedido autoral, para condenar o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS a conceder à parte autora o benefício da Aposentadoria por Idade (NB 155.173.274-0), nos termos do art. 143, da Lei 8.213/91, desde 06/06/2011 (data do requerimento do benefício em sede administrativa), além do pagamento, desde essa data, das prestações vencidas e vincendas devidas.

Condeno, ainda, a incidir sobre as parcelas atrasadas juros de mora, a contar da citação válida (Súmula nº 204, do STJ), e correção monetária, desde a data de vencimento de cada parcela, nos moldes estatuídos pela Lei nº 11.960/2009, que deu nova redação ao art. Lº-F, da Lei nº 9.494/97.

Condeno, por fim, o réu ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, estes no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação, a ser apurado em liquidação, observada a Súmula nº 111 do STJ.”

Apela a Autarquia Previdenciária, postulando a reforma do julgado. Sustenta, em síntese: a) que os documentos juntados aos autos não são contemporâneos à época dos fatos a comprovar; b) insuficiência da prova exclusivamente testemunhal para comprovação da atividade rurícola.

Regularmente processado o feito, subiram os autos a esta corte.

É o relatório.

VOTO

A questão controversa nos presentes autos cinge-se ao direito da parte autora à concessão de APOSENTADORIA POR IDADE RURAL, desde a data de entrada do requerimento administrativo (06-06-2011, fl. 15).

É caso de reexame necessário, porque não há condenação em valor certo, de modo que não incide a exceção do art. 475, § 2.º do CPC. Aplica-se a Súmula n.º 490 do STJ.

Da atividade rural

A concessão de aposentadoria rural por idade, devida a partir da DER, está condicionada à comprovação do implemento da idade mínima exigida, de sessenta anos para o homem e de cinqüenta e cinco anos para a mulher, e do labor rural correspondente ao período de carência relativo ao ano da data de entrada do requerimento administrativo (DER entre 01-09-1994 e 28-4-1995) ou relativo ao ano em que cumprido o requisito etário (na vigência da Lei n° 9.032/95, a partir de 29-04-1995), contado retroativamente à data da implementação dos requisitos, ainda que a atividade se dê de forma descontínua, não importando que após preenchidos tais pressupostos, sobrevenha a perda daquela condição, a teor do art. 102, § 1º da Lei de Benefícios. A concessão do benefício independe, pois, de recolhimento de contribuições previdenciárias.

Quanto à demonstração do exercício da atividade rural, encontra-se averbado no parágrafo 3º do art. 55 da Lei de Benefícios da Previdência que a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

Complementando a matéria, cuidou o legislador de elencar no art. 106 do mesmo Diploma os meios destinados à demonstração do exercício da atividade rural e, ainda que se entenda o referido rol meramente enunciativo, à evidência, alguma prova material há de ser produzida.

Registra-se que o início de prova material, consoante interpretação sistemática da lei, será feito mediante documentos que comprovem o exercício da atividade rural, devendo ser contemporâneos ao período de carência, ainda que parcialmente, exceto quando se trata de trabalhador rural boia-fria.

De outro modo, não há impedimento a que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade, em regime de economia familiar.

Os documentos apresentados em nome de terceiros, sobretudo quando dos pais ou cônjuge, consubstanciam início de prova material do labor rural, de acordo com a Súmula n° 73, desta Corte, haja vista que o trabalho com base em uma única unidade produtiva tem como regra a documentação emitida em nome de uma única pessoa.

Tal orientação, agora sumulada, decorre da própria interpretação possibilitada pelo art. 11 da Lei de Benefícios, que define o regime de economia familiar como aquele em que os membros da família exercem “em condições de mútua dependência e colaboração”, sendo certo, repita-se, que os atos negociais da entidade respectiva, via de regra, serão formalizados não de forma individual, mas em nome do pater familiae, que é quem representa o grupo familiar perante terceiros, função esta exercida, normalmente, pelo genitor ou cônjuge masculino (STJ, REsp 506.959/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 07-10-03; REsp 603.202, Rel. Min. Jorge Scartezzini, j. 06-05-04 e REsp. 538.232/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, j. 15-03-04).

Oportuno, no presente caso, conferir-se decisão unânime proferida pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em 26 de outubro de 1999, assim ementada:

PREVIDENCIÁRIO. RURÍCOLA. PROVA TESTEMUNHAL. CERTIDÃO DE CASAMENTO. MARIDO. LAVRADOR. EXTENSÃO PROVA MATERIAL.

1. Verificada a existência de certidão de casamento reconhecendo a atividade de rurícola do marido, é de se estender à sua mulher esta condição, para fins de obtenção de aposentadoria por idade ou por invalidez, desde que aliada à idônea prova testemunhal. 2. Precedentes. 3. Recurso não conhecido. (REsp. nº 225.867, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, in DJ de 29-05-2000)

Nesse sentido, ressalte-se que os documentos em nome do cônjuge extensíveis a parte autora devem ser contemporâneos ao período a ser comprovado ou estarem aliados a outros documentos referentes ao período de carência do benefício.

Não se pode deixar de mencionar, parte do voto proferido pelo Exmo. Sr. Ministro Edson Vidigal, no REsp. nº 237.378, publicado no DJ de 08-03-2000, que com muita propriedade analisou a questão proposta:

(…) A realidade no campo é bem diversa da que vivemos aqui na cidade. A imensidão de nosso país esconde por trás da civilização, pessoas alheias à realidade concreta, que sequer possuem meios suficientes à autosubsistência digna ou de seus familiares. Somos bombardeados todos os dias com notícias veiculadas na televisão ou em revistas da existência de “escravidão” nos campos, em pleno século XX, “bóias-frias” que se desgastam dia e noite em troca de pão e água. E quando chega a ancianidade, ainda têm de lutar para conseguir um mínimo à sua sobrevivência. É nesse sentido que se deve buscar uma interpretação teleológica da regra contida na Lei 8.213/91, Art. 55, § 3º. Ao contrário do que tenta fazer crer o INSS, quando o dispositivo se refere à expressão “início de prova material”, essencial para a comprovação de tempo de serviço, busca se reportar a qualquer documento escrito que demonstre inequivocamente o exercício da atividade referida, ainda que não corresponda integralmente ao período exigido em lei, desde que complementado, é claro, por qualquer outro meio de prova idôneo, como os depoimentos testemunhais. Não fosse assim, seria praticamente inócua a disposição legal.

Acresça-se às Jurisprudências mencionadas, a decisão unânime, proferida pela Terceira Sessão do Superior Tribunal de Justiça, em 25 de outubro de 2000, rescindindo o acórdão, na AÇÃO RESCISÓRIA nº 931, em que foi relator o ilustre Ministro Félix Fischer e Revisor o ilustre Ministro Gilson Dipp:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. TRABALHADOR RURAL. PROVA DOCUMENTAL. ERRO DE FATO.

Existência de documento – certidão de casamento -, não considerado quando do julgamento do recurso especial, atestando a condição de rurícola da então recorrida, sendo razoável presumir que se a Turma houvesse atentado nessa prova não teria julgado no sentido em que julgou. Erro de fato, que, nos termos do art. 485, inciso IX, do CPC, autoriza a rescisão do acórdão. Precedentes. Ação rescisória procedente.

Quando se trata de mulheres, a prova se torna ainda mais difícil, pois se sabe que quando existiam documentos, estes eram lançados em nome do chefe da família onde, há certo tempo, era o único membro familiar a possuir direito à aposentadoria, de modo que deixar de atribuir-lhe a qualidade de trabalhadora rural em face da inexistência de documento em nome próprio, qualificando-a como tal, redunda em grande injustiça com as mulheres ativas neste tipo de trabalho árduo em que trabalham tanto quanto ou muitas vezes ainda mais que os homens.

Nos casos dos trabalhadores avulsos, os assim denominados “boias-frias”, destaco que a orientação que desde algum tempo vinha sendo adotada de forma unânime pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça era no sentido de abrandamento da exigência de início de prova material, até dispensando-o em casos extremos, haja vista a informalidade com que exercida a profissão e a dificuldade de comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nessas condições. Por ocasião do julgamento do REsp n.º 72.216-SP já manifestava o Relator, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, em 19-11-1995 (DJU, Seção I, de 27-11-1995).

Esta era também a linha de orientação desta Corte para o exame das demandas que visam à concessão de aposentadoria para os trabalhadores avulsos, diaristas, safristas, etc., tendo em vista a dificuldade de apresentar um início razoável de prova material. Inúmeras vezes, neste tipo de demanda, estão envolvidos interesses de segurados não alfabetizados ou semialfabetizados, o que impelia esta Corte, mitigando o rigorismo da Súmula n.º 149 do STJ, manifestar posicionamento mais flexível no sentido da dispensa de prova material (AC n.º 0014149-76.2010.404.9999/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE em 10-03-2011, AC n.º 2009.70.99.001354-0/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE em 18-06-2009, AC n.º 2009.70.99.001354-0/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE em 18-06-2009, e AG n.º 1999.04.01.105217-6/PR, 6ª Turma, Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, DJU, Seção II, de 24-05-2000, e EIAC n.º 98.04.02984-7/PR, 3ª Seção, Rel. Juiz Wellington Mendes de Almeida, DJU, Seção I, de 18-11-1998. 

Não raras foram as manifestações do STJ, não se podendo deixar de mencionar parte do voto proferido pelo Exmo. Sr. Ministro Edson Vidigal, no REsp n.º 237.378, publicado no DJU, Seção I, de 08-03-2000, que com muita propriedade analisou tal circunstância:

“(…). A realidade no campo é bem diversa da que vivemos aqui na cidade. A imensidão de nosso país esconde por trás da civilização, pessoas alheias à realidade concreta, que sequer possuem meios suficientes à autosubsistência digna ou de seus familiares. Somos bombardeados todos os dias com notícias veiculadas na televisão ou em revistas da existência de “escravidão” nos campos, em pleno século XX, “boias-frias” que se desgastam dia e noite em troca de pão e água. E quando chega a ancianidade, ainda têm de lutar para conseguir um mínimo à sua sobrevivência. É nesse sentido que se deve buscar uma interpretação teleológica da regra contida na Lei n.º 8.213/91, Art. 55, § 3º. Ao contrário do que tenta fazer crer o INSS, quando o dispositivo se refere à expressão “início de prova material”, essencial para a comprovação de tempo de serviço, busca se reportar a qualquer documento escrito que demonstre inequivocamente o exercício da atividade referida, ainda que não corresponda integralmente ao período exigido em lei, desde que complementado, é claro, por qualquer outro meio de prova idôneo, como os depoimentos testemunhais. Não fosse assim, seria praticamente inócua a disposição legal. (…).” (Grifou-se e sublinhou-se).

Diversas construções se fizeram ao longo destes anos sedimentando este entendimento.

Todavia, a recente decisão proferida pela Primeira Seção do egrégio STJ, na sessão de 10-10-2012, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, publicado no DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos prevista no artigo 543-C do CPC, se direciona no sentido de consolidar entendimento pela insuficiência da prova exclusivamente testemunhal.

Não obstante, o referido julgado não impõe aos “boias-frias” o mesmo rigorismo que aos demais segurados é o que se pode extrair de diversos trechos daquele julgado, considerando ainda, que o caso em concreto tratou apenas de segurado especial, não de avulso e boias-fria.

Partindo-se da construção que ali se fez, no sentido da validade de início de prova material consubstanciada por certidão atestando a condição de rurícola, como válida a respaldar a prova testemunhal idônea e robusta, tampouco me parece que se deva impor rigor maior do que ali se defendeu.

Enfim, o tempo de serviço rural pode ser comprovado mediante a produção de prova material suficiente, ainda que inicial, complementada por prova testemunhal idônea – quando necessária ao preenchimento de eventuais lacunas – não sendo esta admitida exclusivamente, a teor do disposto no art. 55, § 3º, da Lei n.º 8.213/91, e na Súmula n.º 149 do STJ. Embora o art. 106 da Lei de Benefícios relacione os documentos aptos a essa comprovação, tal rol não é exaustivo. Não se exige prova plena da atividade rural de todo o período correspondente à carência, de forma a inviabilizar a pretensão, mas um início de documentação que, juntamente com a prova oral, possibilite um juízo de valor seguro acerca dos fatos que se pretende comprovar.

No caso concreto:

A autora completou a idade necessária à concessão do benefício em 19-08-2008 (nascida em 19-08-1953, fl. 11), e formulou pedido administrativo em 06-06-2011 (fl. 14). Assim, o demandante deverá comprovar o exercício da atividade rural pelo período de 162 meses (de 19-08-1997 a 19-08-2008), conforme previsto na tabela anexa ao artigo 142 da Lei 8.213-93.

In casu, a fim de evitar tautologia, passo a transcrever excerto da sentença, adotando seus bem lançados fundamentos como razões de decidir (fls. 57/60):

“Pois bem. No caso em análise, consta nos autos os seguintes documentos que denotam a qualidade de agricultora da parte autora: a) Cópia de certidão de casamento, em que a autora consta qualificada como “do lar” e o seu marido consta qualificado corno “lavrador aposentado” (fl. 16); b) Cópia de certidão de nascimento da filha, em que a autora consta qualificada como “doméstica” e o seu marido consta qualificado como lavrador (fls. 17); c) Documento comprovando que o marido da autora se encontra aposentado por idade na condição do empregado rural (fl. 19).

Embora tais documentos não me conduzam à convicção de que houve prestação de atividade rurícola no período indicado sem dúvida, consistem em início razoável de prova material imprescindível, que, reforçada pela oitiva de testemunhas, venham a ratificar àqueles indícios.

Em justificação Administrativa realizada, a partir da oitiva da oitiva das testemunhas, extrai-se:

Depoimento da testemunha YOSHIO MIURA (fl. 37): QUE conhece a autora há uns 30 (trinta) anos; QUE na época o declarante foi morar na fazenda Bonanza, de propriedade do Sr. Pedro Ribas Melo, em Congonhinhas/PR, na condição de porcenteiro em lavoura de café; QUE a autora já morava na referida fazenda e que seu marido tomava conta das terras, como empregado; QUE a autora trabalhava ali e para outros produtores vizinhos; QUE a autora trabalhou para o declarante na Fazenda Godoy; QUE a autora trabalhou em serviços de carpa, como diarista; QUE a autora trabalhou também para Antônio Paulo, que possuía plantação de café; QUE a autora sempre realizou serviços de enxada; QUE a autora se mudou com o marido, já aposentado, para Cornélio Procópio/PR; QUE a autora ia de Cornélio para a região em que o declarante possuía propriedade rural, levada pelos “gatos”; QUE até mais ou menos uns 02 (dois) ou 03 (três) anos atrás viu a autora trabalhando em lavouras vizinhas à sua propriedade.

Depoimento da testemunha LUZIA (fl. 38): QUE conhece a autora desde quando tinha 10 (dez) anos; QUE a declarante foi morar na Fazenda Bonanza, do Dr. Pedro Ribas de Meio, localizada em Congonhinhas/PR; QUE a autora já residia na referida fazenda, juntamente com seu marido, Sr. Turibio, e suas duas filhas; QUE o marido da autora trabalhava na referida fazenda como empregado; QUE a autora tinha uma pequena plantação de arroz e feijão para consumo, e trabalhava também como diarista para proprietários vizinhos; QUE a declarante morava perto da autora na fazenda e a via saindo ou voltando do trabalho; QUE sabe que a autora trabalhou para o Bino e para o Roberto Canarihno em serviços de colheita de algodão e carpa de café; QUE o marido da autora se aposentou e eles foram morar em Cornélio; QUE a autora, mesmo morando em Cornélio, ia trabalhar nas terras da região levada pelo “gato” Célio; QUE sabe que a autora parou de trabalhar em 2009, devido a problemas de saúde.

Pelos depoimentos, constata-se que a autora sempre trabalhou na agricultura. Nas inquirições realizadas, observa-se a uniformidade das declarações prestadas.

Portanto, não resta qualquer resquício de dúvida acerca da condição da autora como segurada especial, conforme se extrai dos elementos irrefutáveis e uníssonos colhidos na audiência de inquirição das testemunhas acima referidas.

Dessa forma, conclui-se que esta se enquadra na qualidade de segurada especial, havendo desenvolvido o trabalho rurícola por período superior ao de carência. Assim, em face do conjunto fático-probatório constante nos presentes autos desta demanda, com a conjugação da prova documental carreada e a prova testemunhal produzida, merece prosperar a pretensão da autora.” (Grifou-se.)

Consoante se vê, embora a prova material não se revista de robustez suficiente, nos casos em que a atividade rural é desenvolvida na qualidade de boia-fria, a ação deve ser analisada e interpretada de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, embora não se possa eximir, até mesmo o “boia-fria”, da apresentação de um início de prova material, basta apresentação de prova material que ateste sua condição, mitigando a aplicação do disposto na Súmula n.º 149/STJ, porém, sem violá-la, desde que este início de prova seja complementado por idônea e robusta prova testemunhal.

Nem se diga que a parte autora é trabalhadora autônoma. Ocorre que, no meio rural, o chamado “diarista”, “boia-fria” ou “safrista”, trabalha para terceiros em períodos não regulares. Sendo assim, é inegável que se estabelece vínculo empregatício entre ele e o contratante. Nesses casos, cabe ao empregador arcar com o ônus do recolhimento das Contribuições Previdenciárias. Gize-se, entretanto, que a realidade é muito diferente, pois o costume é de que não se reconheça a relação de emprego, muito menos eventual recolhimento de contribuições previdenciárias aos cofres públicos. Assim, atenta aos fatos públicos e notórios, a jurisprudência, ao permitir a prova do tempo de trabalho mediante reduzido/diminuto início de prova material desta condição devidamente corroborado por robusta prova testemunhal, tem tentado proteger esses brasileiros para que sobrevivam com um mínimo de dignidade. E, não me parece tenha a recente decisão do STJ descuidado desta realidade.

No caso, é possível a formação de uma convicção plena, após a análise do conjunto probatório, no sentido de que, efetivamente, houve o exercício da atividade laborativa rurícola na condição de boia-fria e em regime de economia familiar, no período correspondente à carência, restando comprovada a qualidade de segurado especial.

Assim, preenchidos os requisitos – idade exigida (completou 55 anos em 2008, DN: 19-08-1953 – fl. 11) e carência, no caso 162 meses -, deve ser mantida a sentença que concedeu o benefício desde a data do requerimento administrativo, com o pagamento dos valores atrasados.

Dos consectários

Cuidando-se de questão de ordem pública, segundo orientação do STJ, devem ser adequados de ofício (AgRg no AREsp: 144069 SP 2012/0026285-1, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 19-10-12).

Assim, conforme entendimento das Turmas Previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

a) CORREÇÃO MONETÁRIA:

A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam:

– ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);

– OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);

– BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);

– INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);

– IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);

– URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94);

– IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);

– INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);

– IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei nº 8.880/94);

– INPC (a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/03, combinado com a Lei nº 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp nº 1.103.122/PR).

Entendia a 3.ª Seção deste Tribunal que a contar de 30.06.2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960/09, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009 (a qual alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97), deveria haver, para fins de atualização monetária e juros, a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

Não são aplicáveis, todavia, no que toca à correção monetária, os critérios previstos na Lei nº 11.960/2009, que modificou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, por conta de decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, que apreciou a constitucionalidade do artigo 100 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 62/2006. Essa decisão proferida pela Corte Constitucional, além de declarar a inconstitucionalidade da expressão “na data de expedição do precatório”, do §2º; dos §§ 9º e 10º; e das expressões “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” e “independente de sua natureza”, do §12, todos do art. 100 da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, por arrastamento, também declarou inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29.07.2009 (atualização monetária pelo índice de remuneração da poupança).

Impõe-se, pois, a observância do que decidido com efeito erga omnes e eficácia vinculante pelo STF nas ADIs 4.357 e 4.425, restabelecendo-se, no que toca a juros e correção monetária, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/09, ou seja, apuração de correção monetária pelo INPC.

A correção monetária deve ser adequada aos critérios acima definidos. De fato, em razão do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, as disposições do art. 1.º-F da Lei n.º 9.494, com a redação dada pelo art. 5.º da Lei nº 11.960/09, foram expungidas do ordenamento jurídico no que toca à correção monetária, a qual, como sabido, constitui acessório, sobre o qual pode e deve o órgão julgador deliberar. Eliminada do mundo jurídico uma norma legal em razão de manifestação do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade, não pode subsistir decisão que a aplique, pois está em confronto com a Constituição Federal.

b) JUROS DE MORA

Até 30.06.2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao mês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n.º 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.

A partir de 30.06.2009, por força da Lei n.º 11.960, de 29.06.2009(publicada em 30.06.2009), que alterou o art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos juros aplicados à caderneta de poupança. Registre-se que a Lei 11.960/09, segundo o entendimento do STJ, tem natureza instrumental, devendo ser aplicada aos processos em tramitação (EREsp 1207197/RS. Relator Min. Castro Meira. Julgado em 18.05.2011).

Observo que as decisões tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não interferiram com a taxa de juros aplicável às condenações da Fazenda Pública, consoante entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do RESP 1.270.439. Com efeito, como consignado pela Ministra Eliana Calmon no julgamento do MS 18.217, “No julgamento do REsp 1.270.439/PR, sob a sistemática dos recursos repetitivos, esta Corte, diante da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 1º-F da Lei 9.494/99 no que concerne à correção monetária, ratificou o entendimento de que nas condenações impostas à Fazenda Pública após 29.06.2009, de natureza não tributária, os juros moratórios devem ser calculados com base na taxa de juros aplicáveis à caderneta de poupança“.

c) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência”.

d) CUSTAS PROCESSUAIS: o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.

   

DA TUTELA ESPECÍFICA DO ART. 461 DO CPC

Considerando a eficácia mandamental dos provimentos fundados no art. 461 do CPC, e tendo em vista que a presente decisão não está sujeita, em princípio, a recurso com efeito suspensivo (TRF4, 3.ª Seção, Questão de Ordem na AC n.º 2002.71.00.050349-7/RS, Rel. para o acórdão Des. Federal Celso Kipper, julgado em 09-08-2007), determino o cumprimento imediato do acórdão no tocante à implantação do benefício da parte autora, a ser efetivada em 45 dias, com DIP na data do presente julgamento.

Frente ao exposto, nos termos da fundamentação, voto por negar provimento ao recurso do INSS e à remessa oficial, e determinar a implantação do benefício.

Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Relator



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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 19/11/2014

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0016624-63.2014.404.9999/PR

ORIGEM: PR 00044123920118160075

RELATOR:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE:Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR:Procurador Regional da República Paulo Gilberto Cogo Leivas
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO:Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO:MARIA MARGARIDA JACINTO VANINI
ADVOGADO:Alan Rodrigo Pupin

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 19/11/2014, na seqüência 125, disponibilizada no DE de 05/11/2014, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO DO INSS E À REMESSA OFICIAL, E DETERMINAR A IMPLANTAÇÃO DO BENEFÍCIO.

RELATOR ACÓRDÃO:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
VOTANTE(S):Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
:Des. Federal CELSO KIPPER
:Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Gilberto Flores do Nascimento

Diretor de Secretaria



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