Prezados colegas, espero que estejam bem!

Na coluna de hoje vou falar sobre um tema de cunho processual-previdenciário importantíssimo nas lides de concessão de benefícios por incapacidade e deficiência. Trata-se da eficácia (não) preclusiva da coisa julgada.

Imbuído do hábito de inaugurar a discussão com um exemplo, proponho a análise do seguinte caso ilustrativo:

Carlos, 57 anos, é acometido por sérias lesões na coluna. Não bastasse a importante enfermidade, também vive em estado de vulnerabilidade social. Seu último período contributivo foi entre 04/06/2008 e 21/08/2009, na qualidade de contribuinte individual. Neste contexto de escassas contribuições atuais, postula em 06/04/2016 a concessão de benefício assistencial à pessoa com deficiência, junto ao INSS. Sendo indeferido o requerimento, ingressa com a respectiva ação judicial.

Instruído o processo, Carlos foi considerado permanentemente incapaz para toda e qualquer atividade remunerada. A data de início da incapacidade foi fixada em 01/01/2010.

O laudo socioeconômico, por seu turno, foi desfavorável à concessão do benefício assistencial, o que culminou no julgamento improcedente do feito.

No exemplo acima, podemos verificar a ocorrência de importante omissão dos agentes processuais: Carlos preenchia todos os requisitos à concessão de aposentadoria por invalidez.

Tal erro é bastante comum, pois a inexigência de contribuições previdenciárias para acesso ao benefício assistencial faz com que as partes e juízo “fechem os olhos” ao extrato do CNIS/CTPS, culminando em atuação deficitária, analisando-se tão somente o direito ao benefício assistencial.

Como os colegas bem sabem, em âmbito previdenciário opera-se a fungibilidade[1] entre os benefícios por incapacidade e deficiência, de sorte que, neste caso hipotético, deveria o postulante ventilar seu direito e ter concedido em seu favor a aposentadoria por invalidez.

Pergunto aos prezados: é possível ingressar com ação judicial visando a concessão de aposentadoria por invalidez desde 06/04/2016 (data do requerimento administrativo do benefício assistencial anterior)?

Com máximo respeito a eventual interpretação diversa, entendo que sim!

Não estou ignorando a decisão transitada em julgado na ação anterior, sequer o artigo 508 do CPC, o qual trata da eficácia preclusiva da coisa julgada:

Art. 508. Transitada em julgado a decisão de mérito, considerar-se-ão deduzidas e repelidas todas as alegações e as defesas que a parte poderia opor tanto ao acolhimento quanto à rejeição do pedido.

A propositura de nova ação com pedido de aposentadoria por invalidez não ofenderia a coisa julgada, tampouco violaria o artigo 508/CPC. Isto, pois, no ilustrativo processo anterior, foi analisado exclusivamente o direito a benefício assistencial, e não a benefícios previdenciários.

Não me parece razoável cogitar julgamento implícito de pedidos não formulados pelo postulante, não deduzidos, debatidos e controvertidos no processo (cognição exauriente) e nem analisados pelo magistrado. Nas palavras do brilhante jurista Diego Henrique Schuster, “o que não foi arguido na demanda anterior não pode ser alcançado pela ficção da eficácia preclusiva da coisa julgada[2].

A esse respeito, prudente destacar o recente julgamento desta temática pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região, envolvendo casos de auxílio-doença e auxílio-acidente. O caso foi julgado sob a sistemática do artigo 942 do CPC. Perceba trecho do voto vencedor, lavrado pelo notório desembargador federal PAULO AFONSO BRUM VAZ:

Dito isso, evidencia-se que a discussão em torno da eficácia preclusiva da coisa julgada (regra do deduzido e do dedutível prevista pelo art. 508 do NCPC – art. 474 do CPC de 1973) diz respeito a se o dito “julgamento implícito” incide sobre argumentos envolvendo a mesma causa petendi (próxima ou remota – relação jurídica ou fato jurídico) ou se incide sobre outras causas de pedir não deduzidas, mas sempre tendo em conta o mesmo pedido. Vale dizer: não é possível falar em julgamento implícito de pedidos que não foram formulados pelo autor e examinados pelo julgador na demanda anterior (nesse sentido, por todos, citando substancial doutrina: DIDIER JR., Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA; Rafael. Curso de direito processual civildireito probatório, decisão judicial, cumprimento e liquidação da sentença e coisa julgada. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 494-498).

No caso dos autos, o restabelecimento do auxílio-doença NB 117.718.880-2 desde a cessação (30.11.2000) não foi postulado pelo autor na ação anterior, na qual apenas se pretendia a concessão de auxílio-acidente.

Somente seria possível falar-se em coisa julgada se, considerada a fungibilidade entre os benefícios por incapacidade, a cognição exauriente exercida pelo julgador tivesse avançado sobre o exame do direito ao auxílio-doença, julgamento esse que, todavia, não se verificou. (TRF4, AC 5069343-29.2017.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator para Acórdão PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 15/10/2019, com grifos acrescidos)

Ainda, digno de referência é o voto do desembargador federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, acompanhando o voto vencedor do acórdão:

Efetivamente, não é possível falar em julgamento implícito de pedidos que não foram formulados pelo autor e tampouco examinados pelo julgador na demanda anterior.

Não se esta diante de coisa julgada e tampouco eficacia preclusiva de coisa julgada, não se pode emprestar à prova pericial tal dimensão.

Inegavelmente, estamos diante de tema complexo, que merece estudo e aprofundamento. A provocação desta coluna é justamente esta.

Por fim, disponibilizo um modelo de recurso inominado pertinente ao tema.

Desejo bom estudo e bom trabalho a todos!

Forte abraço!

 

[1] PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. FUNGIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA. JUROS DE MORA. CUSTAS PROCESSUAIS. […] 2. Esta Corte possui entendimento no sentido de que há fungibilidade entre o benefício assistencial e o auxílio-doença, enquanto benefícios decorrentes de incapacidade, de modo que é possível a concessão daquele que melhor se enquadrar ao caso concreto, sem violação do princípio da adstrição. […]. (TRF4, AC 5028989-25.2018.4.04.9999, SEXTA TURMA, Relator JULIO GUILHERME BEREZOSKI SCHATTSCHNEIDER, juntado aos autos em 29/08/2019)

[2] SCHUSTER, Diego Henrique; Direito previdenciário: para compreender com a prática colada na teoria e sem respostas prontas. Curitiba: Alteridade Editora, 2019.

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