Olá!

Na coluna de hoje vou tratar de um tema bem específico, mas que certamente acenderá uma luz para novas possibilidades.

Vou tomar a liberdade de dizer a vocês que o tema de hoje foi objeto de um processo em que atuo durando anos, e tive uma vitória muito importante no TRF  da 4ª Região, de onde eu escrevo.

Primeiramente, para começar, vou ilustrar a situação:

João vinha em gozo de auxílio-doença por acidente de trabalho. Foi convocado para perícia médica revisional em 20/01/2010, ocasião em que teve o benefício cessado. Procurou advogado e esse profissional ajuizou no mês seguinte ação de restabelecimento na Justiça Comum Estadual, visto que se trata de acidente de trabalho (art. 109, I/CF).

Em Março de 2010 o juízo expediu citação ao INSS. Na perícia médica desse processo, o Perito reconhece a incapacidade laborativa, mas afirma que não se trata de acidente de trabalho. Após anos de tramitação, agora em 2021 a demanda é julgada improcedente, ante a inexistência de acidente de trabalho.

Assim, pergunto: o que vocês fariam diante de tal cenário?

Fariam um novo requerimento de auxílio-doença? Mas e os atrasados desde a cessação?

Ajuizariam o processo na Justiça Federal? Mas e a coisa julgada? E a prescrição quinquenal?

Agora, vou lhes responder o que eu faria, considerando a experiência que tive no meu processo.

Nesse caso, eu ajuizaria a mesma ação de restabelecimento, mas na Justiça Federal, e utilizaria o mesmo indeferimento de 20/01/2010 para demonstrar o interesse processual.

Coisa julgada?

Primeiramente, não haveria coisa julgada quanto ao pedido de auxílio-doença “comum”.

A coisa julgada alcança o pedido feito na própria demanda: naquele caso, de auxílio-doença acidentário.

Dessa forma, quero dizer, a coisa julgada incidiria apenas quanto ao benefício acidentário, não quanto ao auxílio-doença comum (não acidentário).

Além disso, ainda que se trata de uma decisão antiga, vou deixar esse precedente com vocês:

PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-DOENÇA OU APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. COISA JULGADA MATERIAL. INOCORRÊNCIA. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. CONVERSÃO EM APOSENTADORIA POR INVALIDEZ. TUTELA ESPECÍFICA. 1. Afasta-se a incidência de coisa julgada material, se, na Justiça Federal, a ação visa à concessão de benefício por incapacidade de natureza previdenciária e, na Justiça Estadual, o objeto da ação tenha sido a concessão de benefício por incapacidade acidentária, sobretudo porque o benefício foi negado por ausência de comprovação de que a doença decorreu de acidente do trabalho. […] (TRF4, AC 5003105-15.2010.4.04.7108, SEXTA TURMA, Relator JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, juntado aos autos em 09/05/2013, com grifos acrescidos)

Assim, também recomendo a leitura da seguinte matéria que escrevi há algum tempo:

E a prescrição quinquenal?

Também não haveria prescrição quinquenal.

Isto, pois o despacho que ordena a citação interrompe a prescrição.

Assim dispõe o Código de Processo Civil:

Art. 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil)

§ 1º A interrupção da prescrição, operada pelo despacho que ordena a citação, ainda que proferido por juízo incompetente, retroagirá à data de propositura da ação.

A mesma previsão consta no Código Civil:

Art. 202. A interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á:

I – por despacho do juiz, mesmo incompetente, que ordenar a citação, se o interessado a promover no prazo e na forma da lei processual;

E vejam esse precedente, também do TRF/4:

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. COISA JULGADA E PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. INOCORRÊNCIA. AFASTADA A HIPÓTESE DE ACIDENTE DE TRABALHO NA JUSTIÇA ESTADUAL. PERÍCIA MÉDICA. LIMITAÇÃO COMPROVADA DESDE A ÉPOCA DO ACIDENTE. VÍNCULO COM A PREVIDÊNCIA SOCIAL. TERMO INICIAL. HONORÁRIOS. […] 2. A decisão proferida no processo que tramitou na Justiça Estadual não induz coisa julgada de modo a obstar nova ação com o propósito de obter, na Justiça Federal, auxílio-acidente, porque, naquela ação, apenas houve o afastamento do nexo entre o acidente sofrido e o trabalho desempenhado pelo segurado. 3. A citação válida, ainda que ordenada por juízo incompetente, interrompe a prescrição. 4. Faz jus ao recebimento do auxílio-acidente o empregado (urbano, rural e doméstico), o trabalhador avulso e o segurado especial. 6. Honorários advocatícios majorados (art. 85, §11, do CPC). (TRF4, AC 5004483-62.2017.4.04.7107, QUINTA TURMA, Relator OSNI CARDOSO FILHO, juntado aos autos em 18/06/2019)

E assim consta no inteiro teor do julgado acima:

Prescrição quinquenal

Como bem observou o magistrado sentenciante, não se trata de hipótese de incidência da prescrição quinquenal, pois o autor ajuizou ação perante a Justiça Estadual em 02/12/2011 buscando a concessão do mesmo benefício. Confira-se:

A parte autora postula a concessão de auxílio-acidente em decorrência de acidente ocorrido em 04/04/2010, tendo percebido benefício por incapacidade até 04/11/2011.

A princípio, a prescrição atingiria as parcelas anteriores ao quinquênio que antecede o ajuizamento da presente ação, em 29/03/2017.

Contudo, o autor ajuizou, na Justiça Estadual, demanda buscando a concessão do benefício em pauta em 02/12/2011, a qual transitou em julgado em 04/08/2016.

Deve ser observado que, consoante disposto no art. 240 do CPC, a citação válida, ainda que ordenada por juízo incompetente, interrompe a prescrição, sendo que tal interrupção, nos termos do §1º da referida norma, retroage à data da propositura da ação.

Logo, não houve decurso de prazo no intervalo entre 02/12/2011 e 04/08/2016.

Assim, somando-se os períodos entre a cessação do auxílio-doença e o ajuizamento da demanda na Justiça Estadual e entre o trânsito em julgado da ação na esfera estadual e o ajuizamento da presente ação, tem-se o transcurso de menos de um ano. Nesse contexto, inexistem parcelas prescritas.

Rejeita-se, assim, a preliminar.

Nesse sentido, sobre a prescrição quinquenal, recomendo o excelente texto escrito com propriedade pela Dra. Fernanda Rodrigues:

O despacho que ordenou a citação interrompeu a prescrição, e a contagem só reiniciou (do zero) após o trânsito em julgado do processo acidentário.

Em suma, no exemplo hipotético que eu trouxe, seria possível pleitear a concessão do benefício desde a cessação em 20/01/2010, sem incidência de prescrição quinquenal.

Assim, foi isto que fiz e felizmente tive êxito!

Por fim, para ajudá-los, vou disponibilizar um modelo de peça pertinente ao texto de hoje.

Grande abraço e bom trabalho!

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