Ementa para citação:

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. BOIA-FRIA.

1. Restando comprovado nos autos o exercício da atividade laborativa rural no período de carência, há de ser concedida a aposentadoria por idade rural. 2. Tratando-se de trabalhador rural que desenvolveu atividade na qualidade de bóia-fria, deve o pedido ser analisado e interpretado de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do STJ e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.

(TRF4, AC 0022459-32.2014.404.9999, Sexta Turma, Relator João Batista Pinto Silveira, D.E. 28/01/2015)


INTEIRO TEOR

D.E.

Publicado em 29/01/2015

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0022459-32.2014.404.9999/PR

RELATOR:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO:Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO:ROSA RODRIGUES DOS SANTOS e outros
ADVOGADO:Alessandra da Nóbrega Leite

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. SEGURADO ESPECIAL. BOIA-FRIA.

1. Restando comprovado nos autos o exercício da atividade laborativa rural no período de carência, há de ser concedida a aposentadoria por idade rural. 2. Tratando-se de trabalhador rural que desenvolveu atividade na qualidade de bóia-fria, deve o pedido ser analisado e interpretado de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do STJ e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que a apresentação de prova material somente sobre parte do lapso temporal pretendido não implica violação da Súmula 149/STJ, cuja aplicação é mitigada se a reduzida prova material for complementada por idônea e robusta prova testemunhal.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 21 de janeiro de 2015.

Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Relator


Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7233729v7 e, se solicitado, do código CRC 9191C5C4.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): João Batista Pinto Silveira
Data e Hora: 22/01/2015 14:15

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0022459-32.2014.404.9999/PR

RELATOR:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO:Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO:ROSA RODRIGUES DOS SANTOS e outros
ADVOGADO:Alessandra da Nóbrega Leite

RELATÓRIO

Cuida-se de apelação em face da sentença que, antecipando os efeitos da tutela, julgou procedente o pedido da parte autora, condenando o INSS a:

a) conceder à parte autora o benefício de aposentadoria por idade a trabalhador rural, no valor equivalente a um salário mínimo mensal, a contar da data de início de benefício (30/12/2010 – fl. 36);

b) pagar as diferenças vencidas atualizadas monetariamente e acrescidas de juros de mora, conforme a Lei 11.960/2009;

c) pagar custas processuais e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor das parcelas vencidas até a data da prolação da sentença.

Apela o INSS, sustentando, em síntese, a ausência de início de prova material do trabalho rural e a existência de prova de trabalho urbano do autor, fato que descaracterizaria a sua qualidade de segurado especial. Aduz que há contradição nos depoimentos das testemunhas.

É o relatório.

VOTO

É caso de reexame necessário, porque não há condenação em valor certo, de modo que não incide a exceção do art. 475, § 2.º do CPC. Aplica-se a Súmula n.º 490 do STJ, se for de valor certo (líquido) inferior a sessenta salários mínimos.

Controverte-se nos autos acerca do direito da parte autora à concessão de APOSENTADORIA POR IDADE RURAL, desde a data do requerimento administrativo (30/12/2010 – fl. 36).

A Lei nº 8.213/91 em seu artigo 11, inciso VII, assim dispõe acerca dos segurados especiais:

Art. 11. São segurados obrigatórios da Previdência Social as seguintes pessoas físicas:

(omissis)

VII – como segurado especial: o produtor, o parceiro, o meeiro e o arrendatário rurais, o garimpeiro, o pescador artesanal e o assemelhado, que exerçam suas atividades, individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros, bem como seus respectivos cônjuges ou companheiros e filhos maiores de 14 (quatorze) anos ou a eles equiparados, desde que trabalhem, comprovadamente, com o grupo familiar respectivo.

§ 1º – Entende-se como regime de economia familiar a atividade em que o trabalho dos membros da família é indispensável à própria subsistência e é exercido em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados.

A concessão de aposentadoria por idade rural, devida a partir da DER, deve observar os artigos 11, VII; 15; 48, § 1º; 142 (redação alterada pela Lei 9.032/95) e 145 da Lei 8.213/91 para quem, mantendo a condição de segurado especial em 05-04-1991, comprovar a satisfação da idade mínima – 60 anos, se homem e 55, se mulher – e do exercício de atividade agrícola, mesmo que exercida de forma descontínua, pelo interregno exigível quando do implemento do requisito etário ou, se nesta ocasião não tiver sido ele implementado, por um dos subseqüentes previstos na tabela anexa ao artigo 142 antes citado, não importando que após preenchidos tais pressupostos, sobrevenha a perda daquela condição, a teor do art. 102, § 1º da Lei de Benefícios.”

Quanto à demonstração do exercício da atividade rural, encontra-se averbado no parágrafo 3º do art. 55 da Lei de Benefícios da Previdência que a comprovação do tempo de serviço para os efeitos desta Lei, inclusive mediante justificação administrativa ou judicial, conforme o disposto no art. 108, só produzirá efeito quando baseada em início de prova material, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, salvo na ocorrência de motivo de força maior ou caso fortuito, conforme disposto no Regulamento.

Complementando a matéria, cuidou o legislador de elencar no art. 106 do mesmo Diploma os meios destinados à demonstração do exercício da atividade rural e, ainda que se entenda o referido rol meramente enunciativo, à evidência, alguma prova material há de ser produzida.

Registra-se que o início de prova material, consoante interpretação sistemática da lei, será feito mediante documentos que comprovem o exercício da atividade rural, devendo ser contemporâneos ao período de carência, ainda que parcialmente.

De outro modo, não há impedimento a que sejam considerados os documentos emitidos em período próximo ao controverso, desde que indiquem a continuidade da atividade.

Nos casos dos trabalhadores avulsos, os assim denominados “bóias-frias”, destaco que a orientação que desde algum tempo vinha sendo adotada de forma unânime pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça era no sentido de abrandamento da exigência de início de prova material, até dispensando-o em casos extremos, haja vista a informalidade com que exercida a profissão e a dificuldade de comprovar documentalmente o exercício da atividade rural nessas condições. Por ocasião do julgamento do REsp n.º 72.216-SP já manifestava o Relator, Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, em 19-11-1995 (DJU, Seção I, de 27-11-1995).

Esta era também a linha de orientação desta Corte para o exame das demandas que visam à concessão de aposentadoria para os trabalhadores avulsos, diaristas, safristas, etc., tendo em vista a dificuldade de apresentar um início razoável de prova material. Inúmeras vezes, neste tipo de demanda, estão envolvidos interesses de segurados não alfabetizados ou semi-alfabetizados, o que impelia esta Corte, mitigando o rigorismo da Súmula n.º 149 do STJ, manifestar posicionamento mais flexível no sentido da dispensa de prova material (AC n.º 0014149-76.2010.404.9999/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Luis Alberto D’Azevedo Aurvalle, DE em 10-03-2011, AC n.º 2009.70.99.001354-0/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE em 18-06-2009, AC n.º 2009.70.99.001354-0/PR, 6ª Turma, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus, DE em 18-06-2009, e AG n.º 1999.04.01.105217-6/PR, 6ª Turma, Rel. Juiz Nylson Paim de Abreu, DJU, Seção II, de 24-05-2000, e EIAC n.º 98.04.02984-7/PR, 3ª Seção, Rel. Juiz Wellington Mendes de Almeida, DJU, Seção I, de 18-11-1998

Não raras foram as manifestações do STJ, não se podendo deixar de mencionar parte do voto proferido pelo Exmo. Sr. Ministro Edson Vidigal, no REsp n.º 237.378, publicado no DJU, Seção I, de 08-03-2000, que com muita propriedade analisou tal circunstância:

“(…). A realidade no campo é bem diversa da que vivemos aqui na cidade. A imensidão de nosso país esconde por trás da civilização, pessoas alheias à realidade concreta, que sequer possuem meios suficientes à autosubsistência digna ou de seus familiares. Somos bombardeados todos os dias com notícias veiculadas na televisão ou em revistas da existência de “escravidão” nos campos, em pleno século XX, “bóias-frias” que se desgastam dia e noite em troca de pão e água. E quando chega a ancianidade, ainda têm de lutar para conseguir um mínimo à sua sobrevivência. É nesse sentido que se deve buscar uma interpretação teleológica da regra contida na Lei n.º 8.213/91, Art. 55, § 3º. Ao contrário do que tenta fazer crer o INSS, quando o dispositivo se refere à expressão “início de prova material”, essencial para a comprovação de tempo de serviço, busca se reportar a qualquer documento escrito que demonstre inequivocamente o exercício da atividade referida, ainda que não corresponda integralmente ao período exigido em lei, desde que complementado, é claro, por qualquer outro meio de prova idôneo, como os depoimentos testemunhais. Não fosse assim, seria praticamente inócua a disposição legal. (…).” (Grifou-se e sublinhou-se).

Diversas construções se fizeram ao longo destes anos sedimentando este entendimento.

Todavia, a recente decisão proferida pela Primeira Seção do egrégio STJ, na sessão de 10-10-2012, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, publicado no DJe em 19-12-2012, submetido à sistemática dos recursos repetitivos prevista no artigo 543-C do CPC, se direciona no sentido de consolidar entendimento pela insuficiência da prova exclusivamente testemunhal.

Não obstante, o referido julgado não impõe aos “bóias-frias” o mesmo rigorismo que aos demais segurados é o que se pode extrair de diversos trechos daquele julgado, considerando ainda, que o caso em concreto tratou apenas de segurado especial e não de avulsos e bóias-frias.

Partindo-se da construção que ali se fez, no sentido da validade de início de prova material consubstanciada por certidão atestando a condição de rurícola, e não a prova do trabalho em si, como válida a respaldar a prova testemunhal idônea e robusta, tampouco me parece que se deva impor rigor maior do que ali se defendeu.

No caso concreto

Para a comprovação do trabalho agrícola no período de carência, a parte autora juntou aos autos documentos, dos quais se destacam:

a) CTPS do Autor indicando o exercício de atividade urbana nos períodos de 21-06-1977 a 16-10-1977; 21-02-1978 a 09-03-1978; 20-04-1978 a 05-08-1978; 21-08-1978 a 07-10-1978; 23-01-19

79 a 04-05-1979; 10-04-1980 a 17-04-1980; 30-05-1980 a 04-08-1980; 01-05-1980 a 03-08-1981; 07-06-1982 a 24-09-1982; 16-05-1983 a 24-09-1983; 22-11-1985 a 22-01-1986; 14-11-1987 a 12-01-1988; 01-08-1988 a 11-04-1989; 22-10-1990 a 20-02-1991; 16-07-1993 a 01-06-1994; 06-09-1994 a 13-01-1995; 07-01-2006 a 04-07-2007 e 23-01-2009 a 10-09-2009;

b) Declaração de Exercício de Atividade Rural em nome do Autor, expedida pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cornélio Procópio, para os períodos de 01-01-1968 a 30-05-1977; 01-09-1980 a 30-04-1981; 01-10-1983 a 30-10-1985; 01-01-1992 a 30-12-1992 e de 01-08-2007 a 30-12-2008(fl. 20);

c) Certidão de Casamento, o qual foi realizado em 07/07/1973, na qual o Autor está qualificado como sendo lavrador (fl. 23);

d) Certidão de Nascimento do filho, o Sr. Jadiro, nascido no ano de 1980, onde o Autor consta qualificado como sendo lavrador (fl. 24);

e) recibo de pagamento de mensalidades/anuidades ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cornélio Procópio-PR, referente aos período de janeiro de 2002 a dezembro de 2005, maio a dezembro de 2006, janeiro a novembro de 2007 e janeiro a dezembro de 2009 (fls. 25-31);

f) Termo de Declaração para Fins de Aposentadoria, expedido por Milton de Barros Gatti Filho juntamente com o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Cornélio Procópio (fl. 32), comprovando que o Autor desempenhava a atividade agrícola, na condição de diarista, no período de agosto de 2007 a dezembro de 2008;

Consoante se vê, embora a prova material não se revista de robustez suficiente, nos casos em que a atividade rural é desenvolvida na qualidade de bóia-fria, a ação deve ser analisada e interpretada de maneira sui generis, conforme entendimento já sedimentado no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e ratificado pela recente decisão da sua Primeira Seção, no julgamento do REsp n.º 1.321.493-PR, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, embora não se possa eximir, até mesmo o “bóia-fria”, da apresentação de um início de prova material, basta apresentação de prova material que ateste sua condição, mitigando a aplicação do disposto na Súmula n.º 149/STJ, porém, sem violá-la, desde que este início de prova seja complementado por idônea e robusta prova testemunhal.

Nem se diga que a parte autora é trabalhadora autônoma. Ocorre que, no meio rural, o chamado “diarista”, “bóia-fria” ou “safrista”, trabalha para terceiros em períodos não regulares. Sendo assim, é inegável que se estabelece vínculo empregatício entre ele e o contratante. Nesses casos, cabe ao empregador arcar com o ônus do recolhimento das Contribuições Previdenciárias. Gize-se, entretanto, que a realidade é muito diferente, pois o costume é de que não se reconheça a relação de emprego, muito menos eventual recolhimento de contribuições previdenciárias aos cofres públicos. Assim, atenta aos fatos públicos e notórios, a jurisprudência, ao permitir a prova do tempo de trabalho mediante reduzido/diminuto início de prova material desta condição devidamente corroborado por robusta prova testemunhal, tem tentado proteger esses brasileiros para que sobrevivam com um mínimo de dignidade. E, não me parece tenha a recente decisão do STJ descuidado desta realidade.

Pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais de Cornélio Procópio foram realizados termos de declarações. Em 25/11/2010, 02/12/2010 e 08/12/2010, respectivamente, as testemunhas Elza Maria Tereza Penha, José Barbosa da Silva e Geraldo Sindici (p. 33/35), não impugnadas pelo Instituto Previdenciário, restou confirmado que o autor trabalhou na agricultura, na condição de bóia-fria, no período de carência, conforme a seguir transcrevo:

Elza Maria Tereza Penha

“conhece o requerente há uns 30 anos, que sempre presenciou o mesmo trabalhando na lavoura em diversas propriedades rurais na região, como Fazenda São Judas e Fazenda Santa Maria, entre outras. Informou que o requerente, mesmo quando desempenhava atividade na cidade o mesmo nas horas vagas ia na roça para suplementar a renda familiar, até hoje o requerente é trabalhador rural na região para subsistência familiar.” (SIC)

José Barbosa da Silva

“Conhece o requerente desde meados de 1977, que testemunhou que o mesmo exerceu atividades na lavoura na Fazenda Santa Maria do Arthur Hoffig nessa época como bóia-fria e entre os anos 1980 e 1981, que nos ano de 1992 testemunhou o requerente trabalhando para o Edvaldo Cantieri em serviços diversos na lavoura como no algodão e café, o depoente disse conhecer o requerente há mais de trinta anos e que o mesmo não estava trabalhando registrado, ele prestava serviços na lavoura como bóia-fria.” (SIC)

Geraldo Sindici

“conhece o requerente desde meados de 1980, que nessa época o mesmo exercia atividades na lavoura como bóia-fria em diversas propriedades na região de Cornélio Procópio- PR, que o requerente exerceu atividades na lavoura também na região do distrito de Congonhas no ano de 1992 no sítio de Edvaldo Cantieri conhecido como Bio e também para Reginaldo Marin carpindo soja, que também o requerente planta lavoura na beirada da linha férrea, portanto o depoente informou que o requerente quando não estava registrado na CTPS, o mesmo exercia atividades na lavoura como bóia-fria.” (SIC)

Saliento que tendo vista a informalidade em que é exercido o trabalho rural, na condição de bóia-fria, é comum o fato de que os trabalhadores não possuem recibos ou documentos que os vincule aos seus empregadores ou as propriedades em que desenvolveram as atividades campesinas, motivo pelo qual não apresentam robustas provas materiais para fins de comprovação da atividade, como ocorre no presente caso.

Assim, em que pese os documentos apresentados pelo autor não cubram todo o período, são válidos como início de prova material e, aliados à prova testemunhal colhida, da qual não restou controvérsia, mostram-se razoáveis à demonstração de que a parte autora trabalhou durante toda a sua vida na lavoura, e eventuais imprecisões verificáveis no conteúdo da prova oral podem ser atribuídas ao tempo transcorrido desde os fatos narrados, que não comprometem, porém, a idoneidade da prova.

Frise-se que o fato de o autor ter exercido atividade no meio urbano não resta capaz para afastar prevalência de labor rural, eis que quase a totalidade dos períodos são extemporâneos ao correspondente à carência.

Ainda, através da análise dos documentos juntados aos autos, observa-se que a autora possui vínculos urbanos, no período correspondente ao da carência do benefício, no lapsos de 07-01-2006 a 04-07-2007 e 23-01-2009 a 10-09-2009. Contudo, pequenos lapsos temporais de labor urbano, por si só, não têm o condão de afastar a aposentadoria especial rural. O critério do artigo 11, §9º, inciso, III, da Lei nº 8.213/91 não pode ser considerado absoluto. Gera, por outro lado, presunção juris tantum em favor do segurado, quando o trabalho se limita ao lapso temporal de 120 (cento e vinte) dias. Nos casos em que o período de trabalho urbano é superior, deve-se ponderar no caso concreto a intenção do trabalhador em retornar ao meio rural. A propósito, cito precedentes da E. Turma Regional de Uniformização do TRF-4:

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. PREVIDENCIÁRIO. TEMPO DE SERVIÇO RURAL. REGIME DE ECONOMIA FAMILIAR. QUALIDADE DE SEGURADO ESPECIAL. TRABALHO URBANO EXERCIDO POR UM DOS MEMBROS DA FAMÍLIA. DESNECESSIDADE DE COMPROVAÇÃO DA INDISPENSABILIDADE DA ATIVIDADE RURAL EM FACE DA ATIVIDADE URBANA. APOSENTADORIA IDADE RURAL. DESCONTINUIDADE DA ATIVIDADE DE SEGURADO ESPECIAL, EM FACE DA INTERCALAÇÃO COM ATIVIDADE URBANA NO PERÍODO DE CARÊNCIA DO BENEFÍCIO. VÍNCULOS URBANOS SUPERIORES A 120 DIAS NO ANO. ART. 11, § 9º, III, DA LEI N. 8.213/91, COM A REDAÇÃO DA LEI N. 11.718/08. CRITÉRIO NÃO ABSOLUTO. APLICAÇÃO SEGUNDO AS

CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. 1. “A circunstância de um dos integrantes do núcleo familiar desempenhar atividade urbana não implica a descaracterização do trabalhador rural como segurado especial, desde que o pretendente ao benefício comprove o exercício da atividade de produção rural de modo habitual com potencialidade de comercialização, de modo a enquadrar-se na figura de segurado especial prevista no artigo 11, VII, da Lei 8.213/1991.” (IUJEF 0002855-09.2008.404.7053, Turma Regional de Uniformização da 4ª Região, Relator José Antonio Savaris, D.E. 09/03/2011) 2. “1. A descontinuidade da atividade de segurado especial, para o fim de concessão de aposentadoria por idade rural, deve ser valorada caso a caso, buscando verificar se, no caso concreto, o exercício intercalado de atividade urbana dentro do período de carência do benefício não afeta toda a vocação do segurado especial e pode ser compensada com outros períodos de atividade de segurado especial. 2. O critério estabelecido no inciso III do § 9º do art. 11 da Lei nº 8.213, de 1991, não é absoluto, mas, sim, adicional, que gera presunção juris tantum em favor do segurado, quando o trabalho urbano intercalado é exercido naquele lapso de tempo, mas que, sendo superior o tempo de atividade urbana, pode ser ponderado com as circunstâncias do caso concreto.” (IUJEF 0000948-62.2009.404.7056, Rel. Juíza Federal Luísa Hickel Gambá, DE 25/10/2010) 3. Incidente conhecido e provido. (TRF4, INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO JEF Nº 0001260-03.2007.404.7055, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Juíza Federal JOANE UNFER CALDERARO, POR UNANIMIDADE, D.E. 29/05/2012, PUBLICAÇÃO EM 30/05/2012).

INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO. APOSENTADORIA RURAL POR IDADE. DESCONTINUIDADE DA ATIVIDADE DE SEGURADO ESPECIAL, EM FACE DA INTERCALAÇÃO COM ATIVIDADE URBANA NO PERÍODO DE CARÊNCIA DO BENEFÍCIO. VÍNCULOS URBANOS SUPERIORES A 120 DIAS NO ANO. ART. 11, § 9º, III, DA LEI N. 8.213/91, COM A REDAÇÃO DA LEI N. 11.718/08. CRITÉRIO NÃO ABSOLUTO. APLICAÇÃO SEGUNDO AS CIRCUNSTÂNCIAS DO CASO CONCRETO. 1. A descontinuidade da atividade de segurado especial, para o fim de concessão de aposentadoria por idade rural, deve ser valorada caso a caso, buscando verificar se, no caso concreto, o exercício intercalado de atividade urbana dentro do período de carência do benefício não afeta toda a vocação do segurado especial e pode ser compensada com outros períodos de atividade de segurado especial. 2. O critério estabelecido no inciso III do § 9º do art. 11 da Lei nº 8.213, de 1991, não é absoluto, mas, sim, adicional, que gera presunção juris tantum em favor do segurado, quando o trabalho urbano intercalado é exercido naquele lapso de tempo, mas que, sendo superior o tempo de atividade urbana, pode ser ponderado com as circunstâncias do caso concreto. 3. Precedentes da TRU desta 4ª Região. 4. Recurso desprovido. (TRF4, INCIDENTE DE UNIFORMIZAÇÃO JEF Nº 0000948-62.2009.404.7053, TURMA REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO, Juíza Federal LUISA HICKEL GAMBA, POR UNANIMIDADE, D.E. 25/10/2010, PUBLICAÇÃO EM 26/10/2010).

Embora tenha compreensão idêntica a que vem consagrada nos incidentes de uniformização supracitados, no caso concreto o período urbano corresponde a um lapso superior aos 120 dias. Entretanto, por si só, não constitui óbice intransponível à concessão do benefício, visto que se trata de um período mínimo se considerada toda a vida da segurada a qual foi dedicada ao labor rural.

No caso, é possível a formação de uma convicção plena, após a análise do conjunto probatório, no sentido de que, efetivamente, houve o exercício da atividade laborativa rurícola, na condição de bóia-fria, no período correspondente à carência.

Assim, preenchidos os requisitos – idade exigida (completou 60 anos em 2010, DN: 20/10/1950 – fl. 11) e carência, no caso, 174 meses -, deve ser mantida a sentença que concedeu o benefício, com o pagamento das parcelas vencidas até a data do óbito do autor, ocorrido em 04-10-2013 (fl. 87).

Dos consectários

Cuidando-se de questão de ordem pública, segundo orientação do STJ, devem ser adequados de ofício (AgRg no AREsp: 144069 SP 2012/0026285-1, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, DJe 19-10-12).

Assim, conforme entendimento das Turmas Previdenciárias do Tribunal Regional Federal da 4ª Região estes são os critérios aplicáveis aos consectários:

a) CORREÇÃO MONETÁRIA:

A correção monetária, segundo o entendimento consolidado na 3ª Seção deste TRF4, incidirá a contar do vencimento de cada prestação e será calculada pelos índices oficiais e jurisprudencialmente aceitos, quais sejam:

– ORTN (10/64 a 02/86, Lei nº 4.257/64);

– OTN (03/86 a 01/89, Decreto-Lei nº 2.284/86);

– BTN (02/89 a 02/91, Lei nº 7.777/89);

– INPC (03/91 a 12/92, Lei nº 8.213/91);

– IRSM (01/93 a 02/94, Lei nº 8.542/92);

– URV (03 a 06/94, Lei nº 8.880/94);

– IPC-r (07/94 a 06/95, Lei nº 8.880/94);

– INPC (07/95 a 04/96, MP nº 1.053/95);

– IGP-DI (05/96 a 03/2006, art. 10 da Lei nº 9.711/98, combinado com o art. 20, §§5º e 6.º, da Lei nº 8.880/94);

– INPC (a partir de 04/2006, conforme o art. 31 da Lei nº 10.741/03, combinado com a Lei nº 11.430/06, precedida da MP nº 316, de 11/08/2006, que acrescentou o art. 41-A à Lei nº 8.213/91, e REsp nº 1.103.122/PR).

Entendia a 3.ª Seção deste Tribunal que a contar de 30.06.2009, data em que passou a viger a Lei nº 11.960/09, de 29.06.2009, publicada em 30.06.2009 (a qual alterou o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97), deveria haver, para fins de atualização monetária e juros, a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança.

Não são aplicáveis, todavia, no que toca à correção monetária, os critérios previstos na Lei nº 11.960/2009, que modificou a redação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, por conta de decisão proferida pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, que apreciou a constitucionalidade do artigo 100 da CF, com a redação que lhe foi dada pela EC 62/2006. Essa decisão proferida pela Corte Constitucional, além de declarar a inconstitucionalidade da expressão “na data de expedição do precatório”, do §2º; dos §§ 9º e 10º; e das expressões “índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança” e “independente de sua natureza”, do §12, todos do art. 100 da Constituição Federal de 1988, com a redação da Emenda Constitucional nº 62/2009, por arrastamento, também declarou inconstitucional o art. 1º-F da Lei nº 9.494, com a redação dada pelo art. 5º da Lei nº 11.960, de 29.07.2009 (atualização monetária pelo índice de remuneração da poupança).

Impõe-se, pois, a observância do que decidido com efeito erga omnes e eficácia vinculante pelo STF nas ADIs 4.357 e 4.425, restabelecendo-se, no que toca a juros e correção monetária, a sistemática anterior à Lei nº 11.960/09, ou seja, apuração de correção monetária pelo INPC.

A correção monetária deve ser adequada aos critérios acima definidos. De fato, em razão do que decidido pelo Supremo Tribunal Federal, as disposições do art. 1.º-F da Lei n.º 9.494, com a redação dada pelo art. 5.º da Lei nº 11.960/09, foram expungidas do ordenamento jurídico no que toca à correção monetária, a qual, como sabido, constitui acessório, sobre o qual pode e deve o órgão julgador deliberar. Eliminada do mundo jurídico uma norma legal em razão de manifestação do Supremo Tribunal Federal em ação direta de inconstitucionalidade, não pode subsistir decisão que a aplique, pois está em confronto com a Constituição Federal.

b) JUROS DE MORA

Até 30.06.2009 os juros de mora, apurados a contar da data da citação, devem ser fixados à taxa de 1% ao m

ês, com base no art. 3º do Decreto-Lei n.º 2.322/87, aplicável analogicamente aos benefícios pagos com atraso, tendo em vista o seu caráter eminentemente alimentar, consoante firme entendimento consagrado na jurisprudência do STJ e na Súmula 75 desta Corte.

A partir de 30.06.2009, por força da Lei n.º 11.960, de 29.06.2009(publicada em 30.06.2009), que alterou o art. 1.º-F da Lei n.º 9.494/97, haverá a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos juros aplicados à caderneta de poupança. Registre-se que a Lei 11.960/09, segundo o entendimento do STJ, tem natureza instrumental, devendo ser aplicada aos processos em tramitação (EREsp 1207197/RS. Relator Min. Castro Meira. Julgado em 18.05.2011).

Observo que as decisões tomadas pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 não interferiram com a taxa de juros aplicável às condenações da Fazenda Pública, consoante entendimento firmado no Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do RESP 1.270.439. Com efeito, como consignado pela Ministra Eliana Calmon no julgamento do MS 18.217, “No julgamento do REsp 1.270.439/PR, sob a sistemática dos recursos repetitivos, esta Corte, diante da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 1º-F da Lei 9.494/99 no que concerne à correção monetária, ratificou o entendimento de que nas condenações impostas à Fazenda Pública após 29.06.2009, de natureza não tributária, os juros moratórios devem ser calculados com base na taxa de juros aplicáveis à caderneta de poupança“.

c) HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS: devem ser fixados em 10% sobre o valor da condenação, excluídas as parcelas vincendas, observando-se a Súmula 76 desta Corte: “Os honorários advocatícios, nas ações previdenciárias, devem incidir somente sobre as parcelas vencidas até a data da sentença de procedência ou do acórdão que reforme a sentença de improcedência”.

d) CUSTAS PROCESSUAIS: o INSS é isento do pagamento das custas no Foro Federal (art. 4º, I, da Lei nº 9.289/96) e na Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, devendo, contudo, pagar eventuais despesas processuais, como as relacionadas a correio, publicação de editais e condução de oficiais de justiça (artigo 11 da Lei Estadual nº 8.121/85, com a redação da Lei Estadual nº 13.471/2010, já considerada a inconstitucionalidade formal reconhecida na ADI nº 70038755864 julgada pelo Órgão Especial do TJ/RS), isenções estas que não se aplicam quando demandado na Justiça Estadual do Paraná (Súmula 20 do TRF4), devendo ser ressalvado, ainda, que no Estado de Santa Catarina (art. 33, p. único, da Lei Complementar estadual 156/97), a autarquia responde pela metade do valor.

Da antecipação de tutela

Considerando que o benefício foi cessado em razão do óbito do Autor, fica prejudicada a análise da antecipação de tutela deferida na sentença.

Frente ao exposto, nos termos da fundamentação, voto por negar provimento à remessa oficial e à apelação.

Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA

Relator


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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 21/01/2015

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0022459-32.2014.404.9999/PR

ORIGEM: PR 00049528720118160075

RELATOR:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE:Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR:Procurador Regional da República Carlos Eduardo Copetti Leite
APELANTE:INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS
ADVOGADO:Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO:ROSA RODRIGUES DOS SANTOS e outros
ADVOGADO:Alessandra da Nóbrega Leite

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 21/01/2015, na seqüência 92, disponibilizada no DE de 08/01/2015, da qual foi intimado(a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL – INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o(a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL E À APELAÇÃO.

RELATOR ACÓRDÃO:Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
VOTANTE(S):Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
:Juiz Federal LUIZ ANTONIO BONAT
:Des. Federal VÂNIA HACK DE ALMEIDA

Gilberto Flores do Nascimento

Diretor de Secretaria


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