Mesmo com a pandemia de Covid-19, que deixou clara a facilidade em que ocorre a transmissão de doenças infectocontagiosas, ainda nos deparamos com decisões negando aposentadoria especial a profissionais da saúde pela suposta eventualidade na exposição a agentes biológicos.
Nesta publicação explico os caminhos para combatermos decisões deste tipo.
- Leia também: Aposentadoria especial dos profissionais da área da saúde após a Reforma da Previdência
O que é exposição permanente a agentes nocivos?
De início, reproduzo o texto do artigo 65 do Decreto 3.048/99, continua definindo o tempo de trabalho permanente como aquele “exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço”. Esta definição mantém sua plena vigência em 2025, sendo fundamental para o reconhecimento da atividade especial por exposição a agentes biológicos:
Art. 65. Considera-se tempo de trabalho permanente aquele que é exercido de forma não ocasional nem intermitente, no qual a exposição do empregado, do trabalhador avulso ou do cooperado ao agente nocivo seja indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço.
Veja-se que o conceito de permanência é definido pela forma indissociável que a exposição ao agente nocivo se dá com prestação da atividade.
Isto é, quando a exposição é intrínseca ao desempenho da profissão ela é permanente! A norma não exige o contato direto com o agente nocivo durante todos os momentos da prática laboral, mas sim que a exposição ocorra de forma habitual e seja inerente à profissão.
Nesse contexto, não se pode exigir que um profissional da saúde esteja, de forma integral, em contato direto com agentes biológicos para que a atividade especial seja reconhecida. Isso porque o risco de contaminação é inerente ao ambiente hospitalar, ou seja, indissociável da atividade destes profissionais.
Tema 383 da TNU: Marco Jurisprudencial de 2025
O Tema 383 da Turma Nacional de Uniformização, afetado como representativo de controvérsia em sessão virtual realizada entre 17 e 25 de junho de 2025, debate questão crucial: “se a exposição de profissionais de saúde em ambiente hospitalar a agentes biológicos potencialmente nocivos configura hipótese excepcional em que, mesmo diante da anotação positiva de eficácia no Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP) do EPI, não há a descaracterização da atividade especial”.
Este julgamento promete consolidar o entendimento de que a mera existência de registro de EPI eficaz não deve automaticamente impedir o reconhecimento da especialidade para profissionais expostos a agentes biológicos. A afetação do tema confere segurança jurídica a milhares de processos previdenciários, reconhecendo as particularidades dos agentes biológicos em relação aos demais agentes nocivos.
O risco de contágio independe de tempo mínimo de exposição
Em se tratando de agentes biológicos, ainda temos a peculiaridade de que o risco de contágio independe do tempo mínimo de exposição durante a jornada laboral.
O Tema 211 da TNU permanece como precedente fundamental: “Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada”.
Esta tese continua sendo amplamente aplicada pelos tribunais em 2025, consolidando que profissionais de saúde que atuam em ambientes hospitalares têm direito ao reconhecimento da atividade especial.
Foi exatamente assim que decidiu a Turma Nacional de Uniformização ao julgar o Tema 211. Vale conferir a tese fixada:
TNU Tema 211: Para aplicação do artigo 57, §3.º, da Lei n.º 8.213/91 a agentes biológicos, exige-se a probabilidade da exposição ocupacional, avaliando-se, de acordo com a profissiografia, o seu caráter indissociável da produção do bem ou da prestação do serviço, independente de tempo mínimo de exposição durante a jornada.
Interessante mencionar, também, decisão do I. Desembargador Federal Paulo Afonso Brum Vaz, com a fundamentação de que o tempo de exposição a agentes biológicos não está diretamente relacionado com o risco de contágio:
EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. TEMPO DE ATIVIDADE RURAL. SEGURADO ESPECIAL. TEMPO ESPECIAL. AGENTES BIOLÓGICOS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. […] 4. A exposição de forma intermitente aos agentes biológicos não descaracteriza o risco de contágio, uma vez que o perigo existe tanto para aquele que está exposto de forma contínua como para aquele que, durante a jornada, ainda que não de forma permanente, tem contato com tais agentes. Precedentes. 5. A exposição a agentes biológicos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. […] (TRF4 5002418-46.2020.4.04.9999, TURMA REGIONAL SUPLEMENTAR DE SC, Relator PAULO AFONSO BRUM VAZ, juntado aos autos em 18/03/2021)
Neste mesmo ínterim, também, decisão da I. Desembargadora Federal TAIS SCHILLING FERRAZ, com a fundamentação de que o tempo de exposição a agentes biológicos não está diretamente relacionado com o risco de contágio:
ÓRGÃO JULGADOR 6ª Turma
DATA DO JULGAMENTO: 15/08/2025
EMENTA
PREVIDENCIÁRIO. RETIFICAÇÃO DO CNIS. INCLUSÃO DE REMUNERAÇÕES. ATIVIDADE ESPECIAL. AGENTES NOCIVOS BIOLÓGICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. CONCESSÃO. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. 1. O segurado poderá solicitar, a qualquer momento, a inclusão, exclusão ou retificação das informações constantes no CNIS, mediante a apresentação de documentos comprobatórios dos dados divergentes, nos termos do art. 29-A, §2º, da Lei nº 8.213/91. 2. O reconhecimento da especialidade e o enquadramento da atividade exercida sob condições nocivas são disciplinados pela lei em vigor à época em que efetivamente exercidos, passando a integrar, como direito adquirido, o patrimônio jurídico do trabalhador. 3. Até 28-04-1995 é admissível o reconhecimento da especialidade por categoria profissional ou por sujeição a agentes nocivos, admitindo-se qualquer meio de prova (exceto para ruído e calor); a partir de 29-04-1995 não mais é possível o enquadramento por categoria profissional, sendo necessária a comprovação da exposição do segurado a agentes nocivos por qualquer meio de prova até 05-03-1997 e, a partir de então, através de formulário embasado em laudo técnico, ou por meio de perícia técnica. 4. A exposição a agentes biológicos enseja o reconhecimento do tempo de serviço como especial. 5. A habitualidade e permanência do tempo de trabalho em condições especiais prejudiciais à saúde ou à integridade física referidas no artigo 57, § 3º, da Lei 8.213/91 não pressupõem a submissão contínua ao agente nocivo durante toda a jornada de trabalho. Não se interpreta como ocasional, eventual ou intermitente a exposição ínsita ao desenvolvimento das atividades cometidas ao trabalhador, integrada à sua rotina de trabalho. Precedentes desta Corte. 6. Comprovada a exposição do segurado a agente nocivo, na forma exigida pela legislação previdenciária aplicável à espécie, possível reconhecer-se a especialidade do tempo de labor correspondente. 7. Preenchidos os requisitos legais, tem o segurado direito à obtenção de aposentadoria por tempo de contribuição. 8. O Supremo Tribunal Federal reconheceu no RE 870947, com repercussão geral, a inconstitucionalidade do uso da TR, sem modulação de efeitos. 9. O Superior Tribunal de Justiça, no REsp 1495146, em precedente também vinculante, e tendo presente a inconstitucionalidade da TR como fator de atualização monetária, distinguiu os créditos de natureza previdenciária, em relação aos quais, com base na legislação anterior, determinou a aplicação do INPC, daqueles de caráter administrativo, para os quais deverá ser utilizado o IPCA-E. 10. Os juros de mora, a contar da citação, devem incidir à taxa de 1% ao mês, até 29/06/2009. A partir de então, incidem uma única vez, até o efetivo pagamento do débito, segundo o percentual aplicado à caderneta de poupança. 11. A partir de 09/12/2021, nos termos do art. 3º da EC 113/2021, para fins de atualização monetária e juros de mora, inclusive do precatório, haverá a incidência, uma única vez, até o efetivo pagamento, do índice da taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (Selic), acumulado mensalmente, devendo-se observar, quanto ao período de graça do precatório, o quanto decidido pelo STF no tema 1335.
No mesmo sentido julgado do TRF da 3ª Região:
PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. AGENTES QUÍMICOS. AGENTES BIOLÓGICOS. HABITUALIDADE E PERMANÊNCIA. AFASTAMENTO DE ESPECIALIDADE POR UTILIZAÇÃO DE EPI. INOCORRÊNCIA. CONVERSÃO DE TEMPO ESPECIAL EM COMUM. POSSIBILIDADE. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA
– O § 3º do art. 57 da Lei 8.213/91 exige a comprovação de que a exposição aos agentes nocivos se deu em caráter permanente, “não ocasional nem intermitente”.
– Conforme art. 65 do Decreto 3.048/99, considera-se exposição permanente aquela que é indissociável da prestação do serviço ou produção do bem. Isto não significa que a exposição deve ocorrer durante toda a jornada de trabalho, mas é necessário que esta ocorra todas as vezes em que este é realizado. É necessário destacar que a ausência da informação da habitualidade e permanência no PPP não impede o reconhecimento da especialidade. […]
(TRF 3ª Região, OITAVA TURMA, Ap – APELAÇÃO CÍVEL – 2255869 – 0012062-80.2014.4.03.6105, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL LUIZ STEFANINI, julgado em 20/05/2019, e-DJF3 Judicial 1 DATA:03/06/2019)
Dessa forma, não devemos nos conformar com qualquer decisão que nega o reconhecimento da atividade especial a profissionais da saúde pela suposta eventualidade na exposição a agentes biológicos, pois o risco independe de tempo mínimo de exposição.
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