O segurado especial é um tipo diferenciado de segurado, pois dele não são exigidas contribuições previdenciárias para que se vincule à Previdência ou para que tenha direito a benefícios. Por outro lado, a legislação instituiu critérios específicos para delimitar quais trabalhadores fazem parte dessa categoria
Recentemente foi esclarecido aqui que existem diversos fatores que podem levar ao desenquadramento do segurado especial – elenquei os 11 principais fatores, incluindo, dentre outros, exercício de atividade urbana por mais de 120 dias/ano, contratação de empregados, exploração de terra maior do que 4 módulos fiscais.
No entanto, dentre todas as situações previstas na legislação como passíveis de desenquadrar o segurado especial, nenhuma diz respeito à quantidade da produção obtida pelo trabalho. Ainda assim, não são raras as decisões, administrativas e judiciais, que afastam o enquadramento do segurado especial por considerarem que a produção rural é “excessiva”.
Vamos verificar por que essa linha argumentativa não condiz com a legislação previdenciária.
Ausência de restrição da lei
Do ponto de vista jurídico, qualquer decisão que limitar direitos para além do disposto na lei estará equivocada. A partir dessa perspectiva busca-se evitar que o Estado, a partir de seus agentes (juízes e servidores do INSS, por exemplo) incorra em abuso de poder.
No caso do segurado especial, não há limitação quanto à quantidade de produção ou valor financeiro decorrente do seu trabalho. A própria Instrução Normativa 128/22 do INSS buscou explicitar a ausência desse critério na lei:
Art. 109. São considerados segurados especiais o produtor rural e o pescador artesanal ou a este assemelhado, desde que exerçam a atividade rural individualmente ou em regime de economia familiar, ainda que com o auxílio eventual de terceiros.
- 1º A atividade é desenvolvida em regime de economia familiar quando o trabalho dos membros do grupo familiar é indispensável à própria subsistência e ao desenvolvimento socioeconômico, sendo exercida em condições de mútua dependência e colaboração, sem a utilização de empregados permanentes, independentemente do valor auferido pelo segurado especial com a comercialização da sua produção, quando houver (…);
Assim, não poderia o julgador adotar esse parâmetro, pois está criando uma restrição sem respaldo legal e, por consequência, a segurança jurídica e o sistema previdenciário ficam prejudicados.
Contribuição sobre a produção
É fato que o segurado especial não precisa contribuir para a previdência para que tenha direitos previdenciários. Isso não significa, contudo, que ele não contribua: o § 8º do art. 195 da Constituição Federal e o art. 25 da Lei 8.212/91 definem que a contribuição do segurado especial, quando houver, será sobre a receita bruta da comercialização de sua produção.
É incoerente, portanto, penalizar o segurado justamente no ponto em que a contribuição previdenciária é mais efetiva, que é a comercialização da produção, sem que isso esteja minimamente embasado na legislação.
Quantidade de produção incompatível: como medir?
Por fim, vamos refletir um pouco sobre o mérito da questão: a quantidade de produção. Ora, se não há lei que restrinja a quantidade ou o valor auferido, tampouco há parâmetro para estabelecer o que seria “excessivo” para um segurado especial. Daí que, para além de apoiarem-se em uma restrição que não existe, alguns julgadores utilizam medidas absolutamente subjetivas sobre o que seria pouca ou muita produção.
Para termos ideia, quanto à safra 2022/2023, a produtividade média da soja foi de 3.508 kg/ha, enquanto a do milho foi de 6 toneladas por hectare. Para indivíduos sem familiaridade com o setor agrícola, esses números podem parecer elevados, mas representam a média nacional.
Além disso, quando o juiz ou o servidor do INSS reputam como excessivo o valor obtido em um ano de trabalho, por vezes desconsideram outros diversos fatores, como custos elevados de produção e a significativa variação de lucro, influenciada por fatores de mercado e climáticos. As enchentes do Rio Grande do Sul, por exemplo, geraram a perda de mais 110 mil hectares de arroz.
Ignoram-se, ainda, as diferenças regionais, pois um rendimento tido como alto em uma região pode ser considerado baixo em outra, em razão de especificidades climáticas, de solo, culturais, etc. No Sul, por exemplo, a produção é impactada por diversas alterações climáticas como geadas e chuva na hora da colheita, o que não ocorre no Nordeste e no Cerrado, por exemplo, em que a produtividade do trigo é bem maior.
Conclusão
Podemos concluir, portanto, que, para que o julgador pudesse efetivamente utilizar como critério, para enquadrar o segurado especial, a quantidade/valor da produção agropecuária, seria necessário estipular parâmetros que levassem em conta os quesitos levantados, a produtividade média da safra por produto e por região, bem como variações de mercado.
Mais ainda, esses parâmetros teriam que estar previstos em lei. Em não sendo o caso, melhor até para os julgadores, pois os critérios que efetivamente constam na legislação são mais objetivos e não lhes exige um conhecimento extensivo em agronomia.
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