Após a sua promulgação, a Emenda Constitucional nº 103/2019 trará alterações substanciais nas regras de cálculo da pensão por morte. Embora mantidos os requisitos para concessão da benesse, os quais seguem sendo disciplinados por lei ordinária, a nova legislação passou a prever regra especial de cotas para os dependentes, além de ameaçar a garantia de benefício não inferior ao salário mínimo.

De antemão, deve-se ressaltar que quem já recebe pensão por morte antes da aprovação da Reforma não terá os valores modificados, visto que o direito adquirido é garantido. Aliado a isso, os requisitos e regras de cálculo para concessão da benesse são analisados conforme legislação vigente na data do fato gerador da pensão por morte, qual seja, o óbito.

Nesse sentido, caso o óbito tenha ocorrido antes da promulgação da EC nº 103/2019, mas o benefício seja posteriormente requerido no INSS, aplicam-se as normas vigentes na data do falecimento do de cujus. Por outro lado, caso o óbito seja posterior a promulgação, aplicam-se as novas regras.

 

Do cálculo do salário de benefício e do pensionamento por cotas

Atualmente, o beneficiário da pensão por morte tem garantido o benefício no mesmo valor de 100% da aposentadoria que o segurado falecido recebia, de modo que, caso não estivesse aposentado na data do óbito, a pensão corresponde ao valor da aposentadoria por invalidez que teria direito (100% do salário de benefício calculado a partir das 80% maiores contribuições desde julho de 1994), conforme previsão do art. 75 da Lei 8.213/91.

A nova previsão constitucional, em seu artigo 23, trouxe um sistema de cotas por dependente aplicável tanto às pensão dos Regimes Próprios, quanto ao Regime Geral de Previdência Social. Destarte, a pensão por morte será equivalente a uma cota familiar de 50% do valor da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, acrescida de cotas de 10 pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100%.

Ressalte-se que o cálculo da aposentadoria por invalidez (agora denominada aposentadoria por incapacidade permanente) foi alterado pela EC nº 103/2019, de modo que o artigo 26, § 2º dispõe que seu valor corresponderá a 60% da média aritmética de todo o período contributivo desde julho de 1994, com acréscimo de 2 pontos percentuais para cada ano de contribuição que exceder o tempo de 20 anos de contribuição. Exceção a esta regra se dá nos casos em que a aposentadoria por incapacidade permanente decorrer de acidente de trabalho, de doença profissional e de doença do trabalho, ocasião em que o benefício corresponderá a 100% da média aritmética.

Em relação ao percentual de cotas, a título exemplificativo, os cônjuges e companheiros, enquanto dependentes únicos do segurado falecido, receberão o equivalente a 60% da aposentadoria do de cujus. Todavia, a possibilidade de recebimento de 100% do valor da aposentadoria ocorrerá quando o segurado instituidor possuir a partir de cinco dependentes, como na hipótese de ter deixado uma esposa e quatro filhos menores de 21 anos.

Atente para o quadro abaixo:

Uma das exceções à norma, disposta no art. 23, § 2º da EC 103/2019, versa sobre a hipótese de existir dependente inválido ou com deficiência intelectual, mental ou grave, ocasião em que o valor da pensão por morte será equivalente a 100% da aposentadoria recebida pelo segurado ou servidor ou daquela a que teria direito se fosse aposentado por incapacidade permanente na data do óbito, até o limite máximo de benefícios do RGPS. O valor que ultrapassar o teto do Regime Geral será calculado a partir de uma cota familiar de 50% acrescida de cotas de 10 pontos percentuais por dependente, até o máximo de 100% por cento.

Outra exceção à regra, no âmbito dos Regimes Próprios de Previdência Social (RPPS), o art. 10º, § 6º dispõe que a pensão por morte devida aos dependentes do policial civil, do policial legislativo e dos ocupantes dos cargos de agente federal penitenciário ou socioeducativo decorrente de agressão sofrida no exercício ou em razão da função será vitalícia para o cônjuge ou companheiro e equivalente à remuneração do cargo.

 

Da perda da qualidade de dependente e redistribuição das cotas

A Lei de Benefício da Previdência Social determina que a pensão por morte, havendo mais de um pensionista, será rateada entre todos em parte iguais e a cota daquele cujo direito à pensão cessar reverterá em favor dos demais (art. 77 da Lei 8.213/91).

Não obstante, uma das alterações alvo da Reforma da Previdência foi a expressa disposição do § 1º do art. 23 da EC nº 103/2019, que afastou a possibilidade de reversão das cotas:

Art. 23. […]

1º As cotas por dependente cessarão com a perda dessa qualidade e não serão reversíveis aos demais dependentes, preservado o valor de 100% (cem por cento) da pensão por morte quando o número de dependentes remanescente for igual ou superior a 5 (cinco).

Atente-se que, na hipótese de falecimento de segurado que recebia aposentadoria no valor de R$ 4.000,00 e possuía como dependentes sua esposa e dois filhos, com idades de 18 e 12 anos (total de 3 dependentes), o valor da pensão será de 80% da aposentadoria do de cujus, isto é, R$ 3.200,00 (cota-parte de R$ 1.066,67). Com o implemento de 21 anos por um dos filhos, o valor da pensão será de 70% (dois dependentes apenas), equivalente a uma renda de R$ 2.800,00 (cota-parte de R$ 1.400,00). Por fim, na hipótese de remanescimento apenas da esposa como dependente, o valor da pensão corresponderá a 60%, perfazendo a monta de R$ 2.400,00.

Veja-se a simulação abaixo:

Da garantia de valor mínimo da pensão por morte

Uma questão que tem levado a diversas indagações diz respeito a garantia do valor da pensão por morte não ser inferior a 1 salário mínimo.

Para os benefícios concedidos no RGPS não há nenhuma menção acerca do afastamento dessa garantia, podendo-se para fins de fundamento na manutenção desta garantia o disposto nos artigos 20, § 3º da EC 103/2019, 201, § 2º da Constituição Federal, 29, § 2º da Lei 8.213/91 e 42 do Decreto 3.048/99:

EC 103/2019: Art. 20 […]

3º O valor das aposentadorias concedidas nos termos do disposto neste artigo não será inferior ao valor a que se refere o § 2º do art. 201 da Constituição Federal e será reajustado: […]

Constituição Federal de 1988: Art. 201 A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, a: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (Vide Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

[...] § 2º Nenhum benefício que substitua o salário de contribuição ou o rendimento do trabalho do segurado terá valor mensal inferior ao salário mínimo. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998)

Lei 8.213/91: Art. 29. O salário-de-benefício consiste:(Redação dada pela Lei nº 9.876, de 26.11.99)

[…] § 2º O valor do salário-de-benefício não será inferior ao de um salário mínimo, nem superior ao do limite máximo do salário-de-contribuição na data de início do benefício.

Decreto 3.048/99: Art. 42: Nenhum benefício reajustado poderá exceder o limite máximo do salário-de-benefício na data do reajustamento, respeitados os direitos adquiridos, nem inferior ao valor de um salário mínimo. (Redação dada pelo Decreto nº 6.722, de 2008)

Parágrafo único. O auxílio-acidente, o abono de permanência em serviço, o auxílio-suplementar, o salário-família e a parcela a cargo do Regime Geral de Previdência Social dos benefícios por totalização, concedidos com base em acordos internacionais de previdência social, poderão ter valor inferior ao do salário mínimo.

Por outro lado, a presente garantia foi posta em risco no âmbito do Regime Próprio de Previdência Social, a partir da nova redação proposta ao artigo 40, § 7º, isto porque ressalva a garantia do valor não ser inferior ao mínimo apenas nos casos quando a pensão se tratar de ‘única fonte de renda formal auferida pelo dependente’. Perceba-se:

Art. 40. O regime próprio de previdência social dos servidores titulares de cargos efetivos terá caráter contributivo e solidário, mediante contribuição do respectivo ente federativo, de servidores ativos, de aposentados e de pensionistas, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial.

[…] § 7º Observado o disposto no § 2º do art. 201, quando se tratar da única fonte de renda formal auferida pelo dependente, o benefício de pensão por morte será concedido nos termos de lei do respectivo ente federativo, a qual tratará de forma diferenciada a hipótese de morte dos servidores de que trata o § 4º-B decorrente de agressão sofrida no exercício ou em razão da função.

Assim, na hipótese do dependente possuir renda mensal igual ou superior a um salário mínimo, pode haver o afastamento da garantia do dependente receber pensão por morte em valor não inferior ao mínimo. Se a situação ora analisada se confirmar, é possível que diversos benefícios fiquem aquém do patamar mínimo, sobretudo considerando as novas regras de cálculo (cota familiar de 50%, mais 10% por dependente habilitado).

Por outro lado, vislumbra-se a tendência para reafirmação do valor da pensão por morte em valor não inferior ao mínimo por meio da PEC Paralela (Proposta de Emenda à Constituição nº 133 de 2019). Durante sua tramitação até a presente data, foi acatada, na forma de subemenda, a manutenção do piso de um salário mínimo para a pensão de servidores, que passaria a ter a seguinte redação:

Art. 40.

[…] § 7º Observado o disposto no § 2º do art. 201, o benefício de pensão por morte será concedido nos termos de lei do respectivo ente federativo, a qual tratará de forma diferenciada a hipótese de morte dos servidores de que trata o § 4º-B decorrente de agressão sofrida no exercício ou em razão da função.

Ressalve-se que a garantia de valor não inferior ao salário mínimo diz respeito ao salário de benefício da pensão por morte (independentemente do percentual), excluindo dessa garantia o valor das cotas-partes, que podem ser inferiores ao mínimo, como já ocorre atualmente.

A matéria em comento tem gerado muitas dúvidas e discussões a respeito, de forma que, mesmo aprovada a EC nº 103/2019, é possível que seja alterada na PEC Paralela e também regulamentada por legislação infraconstitucional. Não se deve olvidar, todavia, que a pensão por morte é um benefício previdenciário que instiga sensibilidade por parte do legislador, visto que a adoção de critérios estritamente legais e com viés econômicos não são suficientes para garantir a proteção social, especialmente tratando-se de benesse de caráter alimentar, destinada a prover a subsistência do dependente.

Voltar para o topo