A utilização de equipamentos de proteção é um dos motivos mais recorrentes para negativa de aposentadorias especiais pelo INSS, inclusive para profissionais da área da saúde.

Analisando a questão sob um viés realista e científico, em meio à pandemia de coronavírus e o grande número de profissionais da saúde infectados em todo mundo, um questionamento emerge com força:

Existe proteção eficaz contra risco biológico?

Esse é o tema que abordo a seguir no texto de hoje.

Sumário:

  1. Julgamento do Tema n. 555 pelo Supremo Tribunal Federal
  2. Unilateralidade das informações sobre EPI’s no PPP
  3. Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 15 do TRF4
  4. Afinal, existe proteção capaz de eliminar o risco biológico?
  5. Peças relacionadas

 

Julgamento do Tema n. 555 pelo Supremo Tribunal Federal

Ao se falar de equipamentos de proteção, é indispensável mencionar o julgamento do Tema n. 555 pelo STF, no qual foram firmadas as seguintes teses objetivas:

1) o direito à aposentadoria especial pressupõe a efetiva exposição do trabalhador a agente nocivo à sua saúde, de modo que, se o EPI for realmente capaz de neutralizar a nocividade não haverá respaldo constitucional à aposentadoria especial;

2) na hipótese de exposição do trabalhador a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador, no âmbito do Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), no sentido da eficácia do Equipamento de Proteção Individual – EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para aposentadoria.

Percebe-se que o STF definiu que caso o EPI neutralize totalmente o agente nocivo, o direito à aposentadoria especial estaria prejudicado.

No entanto, também restou consolidado, com base em critérios científicos, que não existe proteção totalmente eficaz contra o ruído.

Além disso, foi estabelecido que, em havendo dúvida sobre a real eficácia do equipamento, o direito à aposentadoria especial deve ser reconhecido, nestes termos:

“Em caso de divergência ou dúvida sobre a real eficácia do Equipamento de Proteção Individual, a premissa a nortear a Administração e o Judiciário é pelo reconhecimento do direito ao benefício da aposentadoria especial”

Em resumo, o STF definiu claramente que se comprovado por critérios científicos a ineficácia do EPI ou havendo dúvidas sobre sua eficácia, deve ser garantida a aposentadoria especial.

 

Unilateralidade das informações sobre EPI’s no PPP

Para entender por que o EPI é um assunto tão recorrente no âmbito previdenciário, é necessário se atentar ao fato de que as informações sobre sua utilização e eficácia são inseridas unilateralmente pelo empregador no PPP.

Aliado a isso, há a circunstância de que se o empregador reconhecer a existência de exposição a agentes agressivos sem proteção eficaz estará obrigado a recolher uma contribuição adicional para o custeio da aposentadoria especial, conforme previsão do § 6º do art. 57 da Lei nº 8.213/91.

Deste cenário decorre todo o problema, pois por receio de eventuais repercussões financeiras, muitos empregadores inserem dados sobre a eficácia de EPI’s no PPP sem qualquer comprometimento técnico.

Estas informações não condizentes com a realidade geram o indeferimento em massa de benefícios pelo INSS e o ajuizamento de ações na mesma proporção.

 

Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas n. 15 do TRF4

Sem dúvida o julgamento do IRDR n. 15 pelo TRF da 4ª Região representou um grande avanço para a questão. Além de possibilitar a produção de prova pericial para verificação da real eficácia dos EPI’s no caso concreto, foram definidas algumas situações de ineficácia presumida.

Nesse sentido, vale destacar o seguinte trecho do voto do Des. Federal Jorge Antonio Maurique:

Cumpre ainda observar que existem situações que dispensam a produção da eficácia da prova do EPI, pois mesmo que o PPP indique a adoção de EPI eficaz, essa informação deverá ser desconsiderada e o tempo considerado como especial (independentemente da produção da prova da falta de eficácia) nas seguintes hipóteses:

[…]

b) Pela reconhecida ineficácia do EPI:

b.1) Enquadramento por categoria profissional: devido a presunção da nocividade (ex. TRF/4 5004577-85.2014.4.04.7116/RS, 6ª Turma, Rel. Des. Fed. João Batista Pinto Silveira, em 13/09/2017)

b.2) Ruído: Repercussão Geral 555 (ARE 664335 / SC)

b.3) Agentes Biológicos: Item 3.1.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

b.4) Agentes nocivos reconhecidamente cancerígenos: Memorando-Circular Conjunto n° 2/DIRSAT/DIRBEN/INSS/2015:

Exemplos: Asbesto (amianto): Item 1.9.5 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017; Benzeno: Item 1.9.3 do Manual da Aposentadoria Especial editado pelo INSS, 2017.

b.5) Periculosidade: Tratando-se de periculosidade, tal qual a eletricidade e vigilante, não se cogita de afastamento da especialidade pelo uso de EPI. (ex. APELAÇÃO/REMESSA NECESSÁRIA Nº 5004281-23.2014.4.04.7000/PR, Rel. Ézio Teixeira, 19/04/2017 )

Veja-se que dentre as situações de ineficácia presumida de EPI’s foi mencionada a exposição a agentes biológicos.

 

Afinal, existe proteção capaz de eliminar o risco biológico?

No atual cenário de pandemia mundial que vivemos devido à covid-19, a resposta a essa pergunta já parece um tanto quanto óbvia.

Conforme matéria publicada pela Folha de São Paulo em 23 de março de 2020, cerca de 10% de todos os contaminados pelo coronavírus na Itália são profissionais da saúde.

Na mesma linha, a revista Veja publicou texto com a informação de que mais de 1.700 profissionais da área foram infectados na China.

De fato, é impossível afirmar objetivamente que o risco biológico é eliminado com a utilização de equipamentos de proteção. Existem inúmeras variáveis que podem aumentar ou diminuir a chance de contaminação, mas o risco está sempre presente.

O treinamento para retirada do equipamento é uma dessas variáveis, mas reitera-se que, ainda assim, o risco de contaminação nesse momento está presente.

Nesse sentido, em sua obra Aposentadoria Espcial Aspectos Técnicos para caracterização, Tuffi Messias Saliba refere que:

Quanto à neutralização da exposição aos agentes biológicos por meio de EPI (Equipamento de Proteção Individual), do ponto de vista técnico, não se pode afirmar que objetivamente, como ocorre, por exemplo, com o agente ruído, que o uso efetivo e obrigatório de EPI neutraliza o risco de exposição aos agentes biológicos. É importante ressaltar, que a caracterizaçao do risco por agentes biológicos é feita por avaliação qualitativa e, dessa forma, não há como mensurar se o EPI afasta a exposição a esse agente, vez que esse evento envolve vários fatores. Desse modo, na exposição aos agentes biológicos o risco de vida é inerente à atividade.

Portanto, obviamente temos subsídios jurídicos e científicos para concluirmos que, em se tratando de risco biológico, a utilização de EPI’s não descarateriza a atividade especial e, consequentemente, o direito à aposentadoria especial.

 

 Peças relacionadas

Petição inicial. Revisão. Aposentadoria por Tempo de Contribuição. Atividade especial. Médico

Petição inicial. Aposentadoria especial. Fisioterapeuta. Agentes biológicos

Réplica. Atividade especial. Agentes biológicos. Ineficácia dos EPI’s.

Razões finais. Aposentadoria especial. Dentista. Agentes biológicos. Agentes cancerígenos (mercúrio e aparelho de raio-x). Ineficácia dos EPIs

 

SALIBA, Tuffi Messias. Aposentadoria especial: aspectos técnicos para caracterização. São Paulo: LTr, 2019, p. 78.

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