O trabalhador rural segurado especial possui um regime diferenciado dentro do sistema previdenciário brasileiro. Diferentemente dos trabalhadores urbanos e dos empregadores rurais, ele não precisa contribuir diretamente para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Seu vínculo com a Previdência Social decorre, essencialmente, do exercício da atividade rural. 

No entanto, ainda há decisões, tanto do INSS quanto judiciais, que pressupõem a necessidade de o trabalhador rural comprovar a comercialização da produção para que seja enquadrado como segurado especial. Essa exigência, contudo, não possui amparo legal, conforme veremos a seguir. 

Contribuição previdenciária do segurado especial 

A contribuição do segurado especial é regulamentada pelo art. 25 da Lei 8.212/91, que define a incidência de uma alíquota sobre a receita bruta da comercialização de sua produção. Essa contribuição faz parte do custeio da Seguridade Social, mas ela não é condição para a comprovação da atividade rural ou do enquadramento como segurado especial. 

Afinal, um dos principais fatores que diferencia o segurado especial dos demais segurados é que, para ele, o simples exercício da atividade rural, ainda que em regime de subsistência, é suficiente para que ele tenha direito à aposentadoria e demais benefícios previdenciários. 

Não há, portanto, nenhuma previsão na legislação previdenciária sobre a necessidade de o segurado especial comprovar a comercialização da produção para obter qualquer benefício. O artigo 39 da Lei 8.213/91 estabelece que o direito à aposentadoria por idade, aposentadoria por invalidez e outros benefícios é garantido desde que o trabalhador comprove o exercício da atividade rural, ainda que de forma descontínua, pelo tempo equivalente ao período de carência exigido para o benefício. 

Jurisprudência atual 

O Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Recurso Especial nº 1.496.250/SP, consolidou o entendimento de que a contribuição sobre a comercialização da produção concerne à arrecadação da Previdência, não sendo, em si, um requisito para o reconhecimento da qualidade de segurado especial. Segundo a decisão, mesmo que o trabalhador rural não tenha produzido excedentes para venda, ele continua sendo segurado especial, desde que comprove a atividade rural: 

PREVIDENCIÁRIO. RECURSO ESPECIAL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE SERVIÇO/CONTRIBUIÇÃO. SEGURADO ESPECIAL. AVERBAÇÃO DE TEMPO RURAL. OBSERVÂNCIA DA SÚMULA 272/STJ. OBRIGATORIEDADE DE RECOLHIMENTO DA CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E NÃO PROVIDO. (…) 

  1. O Tribunal a quo salientou que não é exigível o recolhimento das contribuições previdenciárias relativas ao tempo de serviço prestado pelo segurado como trabalhador rural, anteriormente à vigência da Lei 8.213/1991. Entretanto, o tempo de serviço rural posterior à vigência da Lei 8.213/1991 somente poderá ser computado, para fins de aposentadoria por tempo de serviço ou outro valor superior à renda mínima, mediante o recolhimento das contribuições previdenciárias respectivas. Acrescentou que deve ser reconhecido o direito à averbação de tempo de serviço rural posterior à Lei 8.213/1991, sem recolhimento, exceto para efeito de carência, para fins de aproveitamento para concessão de benefício no valor de um salário mínimo. (…) 

(REsp n. 1.496.250/SP, relator Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, julgado em 3/12/2015, DJe de 14/12/2015.) 

Os tribunais regionais federais também têm reafirmado a desnecessidade da comercialização da produção para fins de reconhecimento da qualidade de segurado especial, como se verifica: 

EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REEXAME NECESSÁRIO. VALOR DA CONDENAÇÃO. TEMPO RURAL. INÍCIO DE PROVA MATERIAL. TEMPO COMUM. VÍNCULO RECONHECIDO EM SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE RECLAMAÇÃO TRABALHISTA. TEMPO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A RUÍDO COMPROVADA POR PERÍCIA JUDICIAL. METODOLOGIA DE AFERIÇÃO. CUSTAS PROCESSUAIS. ISENÇÃO DO INSS. CORREÇÃO MONETÁRIA E JUROS DE MORA. (…) 

  1. A ausência de notas fiscais de comercialização de gêneros agrícolas não impede o reconhecimento de atividade rural como segurado especial, não apenas porque a exigência de comercialização dos produtos não consta da legislação de regência, mas também porque, num sistema de produção voltado para a subsistência, é normal que a venda de eventuais excedentes aconteça de maneira informal (TRF4, 3ª Seção, EIAC 199804010247674, DJU 28/01/2004, p. 220). (…) (TRF4, AC 5002601-80.2021.4.04.9999, 11ª Turma, Relatora para Acórdão ELIANA PAGGIARIN MARINHO, julgado em 18/02/2025) 

Essa interpretação é fundamental para garantir a proteção previdenciária de agricultores familiares que cultivam apenas para sua subsistência ou que, por razões climáticas ou econômicas, não conseguem comercializar sua produção em determinados períodos. 

Tendo comercializado a produção ou não, o trabalhador continuará tendo direito aos benefícios previdenciários, desde que consiga comprovar a atividade rural, e isso pode ser feito por meio de documentos outros que não os de compra e venda de produtos agropecuários. 

A IN 128/22 do INSS dispõe, em seu art. 116, um rol de documentos rurais válidos para a comprovação da atividade, tais como: contratos de arrendamento, comodato, etc; comprovante de pagamento do ITR; certidões de casamento ou nascimento; ficha de sócio de sindicatos rurais, dentre outros. 

Vale lembrar, ainda, que esse rol não é taxativo, ou seja, qualquer documento pode vir a servir como prova, desde que demonstre a atividade rural ou a condição de produtor rural. 

Reconhecimento da qualidade de segurado especial 

O reconhecimento da qualidade de segurado especial para fins de aposentadoria rural não está condicionado à comercialização da produção. A legislação previdenciária e a jurisprudência do STJ e dos tribunais regionais federais confirmam que basta a comprovação da atividade rural, independentemente da existência de excedentes comercializados. 

Esse entendimento é essencial para garantir o acesso à proteção social aos trabalhadores do campo, assegurando que condições climáticas adversas ou a própria dinâmica da agricultura familiar não sejam um empecilho para a concessão dos benefícios previdenciários. Portanto, o segurado especial que deseja se aposentar deve focar na reunião de provas que demonstrem sua atividade rural, sem a necessidade de comprovar a comercialização da produção. 

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