O benefício de auxílio-acidente, previsto no art. 86, da Lei 8.213/91, é um benefício previdenciário de cunho indenizatório, sendo devido ao segurado acidentado, quando, após a consolidação das lesões decorrentes de acidente de qualquer natureza, resultarem sequelas que impliquem redução da capacidade para a atividade laborativa habitual. Este benefício não possui caráter substitutivo da renda proveniente do trabalho, pois é recebido pelo segurado cumulativamente com o salário.

Nos termos do art. 18, §1º, da Lei 8.213/91, somente fazem jus ao auxílio-acidente o segurado empregado, empregado doméstico, trabalhador avulso e segurado especial. Em razão disso, contribuinte individual e segurado facultativo, em regra, não possuem direito ao benefício, ainda que apresentem redução definitiva da capacidade laboral.

Ocorre que, ao menos no que tange ao contribuinte individual, tal estipulação parece extremamente injusta e descabida, por inúmeros motivos. Em primeiro lugar, destaca-se que tal distinção quanto aos beneficiários de auxílio-acidente não é feita pela Constituição. Pelo contrário, ao observarmos o Princípio da Isonomia, trazido no art. 5º da Constituição Federal, não deveria ser feita qualquer diferenciação entre os segurados que podem gozar do referido benefício.

Imagina-se a seguinte situação: dois segurados do RGPS, um contribuinte individual e outro empregado foram, à mesma época, acometidos de limitação da capacidade laboral em face de acidente de qualquer natureza. Parece lógico que um tenha direito a auxílio-acidente e o outro não? Evidentemente, a resposta a tais indagações passa pela averiguação da equidade emanada da mencionada norma previdenciária, permitindo-se afirmar que a distinção fere o Princípio Constitucional da Isonomia.

Com efeito, a partir de uma breve digressão histórica, vê-se que o principal foco do auxílio-acidente sempre foi o de assegurar o trabalhador nos casos em que este foi vítima de um acidente e, em razão disso, teve sequelas consolidadas que acarretaram na redução da sua capacidade para o labor. Na redação original da Lei 8.213/91, este benefício era restrito a acidente do trabalho (e equiparados – artigos 20 e 21, ambos da Lei 8.213/91), porém, com a edição da Lei nº 9.032/95, o auxílio-acidente passa a ser concedido a acidentes de qualquer natureza.

No ponto, deve-se ter em mente que a lesão ou sequela constituída possui um aspecto social significativamente excludente, uma vez que tem o condão de deprimir o indivíduo, além de, em regra, ocasionar, ainda, a redução de sua renda, pois não conseguirá executar o mesmo trabalho de antes e/ou com a mesma eficiência. Nesse momento, o trabalhador é colocado à margem do seu próprio processo produtivo, bem como do da sua empresa, e, muitas vezes, quando ainda se encontra no auge de sua idade produtiva.

Veja-se que, no caso do contribuinte individual, tal situação parece ainda mais gravosa. Com efeito, uma vez que é seu próprio “chefe”, na hipótese de sofrer a redução permanente de sua capacidade laboral, o contribuinte individual se quedará totalmente desamparado, sofrendo uma redução na sua já instável renda e sem poder gozar do benefício de auxílio-acidente ainda que esteja em dia com as contribuições previdenciárias. Após a mudança do critério de acidente de trabalho para acidente de qualquer natureza não faz sentido mais essa forma de discriminação.

Em análise fria, o contribuinte individual é exatamente o segurado que deveria ter maior amplitude da cobertura previdenciária, tendo em vista que está totalmente desamparado do apoio patronal e direitos trabalhistas inerentes (irredutibilidade salarial, por exemplo), e a perda de parte de sua capacidade laborativa ensejará fatalmente queda de sua produtividade e consequentemente remuneração.

Deste norte, obstar a percepção de benefício previdenciário ao segurado do RGPS que paga religiosamente suas contribuições ao ente estatal usando como fator discriminatório a sua atividade laboral é situação repugnante que, além de inconstitucional, por violação do princípio da igualdade e da dignidade da pessoa humana, destoa de qualquer senso de justiça.

Todavia, destaca-se que mesmo a jurisprudência é extremamente rasa nesse sentido. Veja-se decisão da 1º Turma Recursal de Santa Catarina:

PREVIDENCIÁRIO. AUXÍLIO-ACIDENTE. SEGURADOS. TRATAMENTO ISONÔMICO. CONTRIBUINTE INDIVIDUAL. DIREITO RECONHECIDO. 1. A Constituição Federal não estabelece distinção entre os segurados da Previdência Social quanto o direito ao auxílio-acidente. 2. Reconhecimento do direito ao tratamento isonômico entre os segurados do RGPS. 3. A ausência de previsão na Lei n. 8.213/91 não impede a concessão do auxílio-acidente ao contribuinte individual, pois a contribuição que financia esse benefício não é da responsabilidade dos segurados. (5000361-91.2012.404.7200, PRIMEIRA TURMA RECURSAL DE SC, Relator para Acórdão JOÃO BATISTA LAZZARI, julgado em 13/11/2012)

Por ocasião da sentença, a Magistrada Federal Eliana Paggiarin Marinho frisou que os próprios princípios constitucionais da seguridade social também são amplamente violados diante da exclusão do contribuinte individual para a concessão de auxílio-acidente. No ponto, destacou que o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento (art. 194, parágrafo único, inc. I, CF/88), “não é só objetiva, possibilitando que todas as pessoas tenham acesso à Seguridade Social (no caso da Previdência, desde que contribuam), mas também subjetiva, exigindo que todos os eventos que causem estado de necessidade sejam cobertos (grifo nosso).

Com efeito, segundo Castro e Lazzari(2018, p. 91), o referido princípio preconiza a necessidade de que “a proteção social deve alcançar todos os eventos cuja reparação seja premente, a fim de manter a subsistência de quem dela necessite” (grifo nosso). Todavia, a Magistrada não deixa de reconhecer que a universalidade também apresenta suas limitações.

Nesse sentido:

Tenho, porém, que a seletividade permite ao legislador tão-somente a escolha dos tipos de prestação que melhor atendam aos objetivos da Seguridade Social. Uma vez eleitas as prestações, não é legítimo o direcionamento da prestação a apenas algumas espécies de segurado.

Exemplificando: a seletividade permite que o legislador opte pelo deferimento do auxílio-acidente apenas quando a sequela resultante do acidente acarrete efetiva redução da capacidade laborativa; não legitima, todavia, que a prestação seja deferida somente a algumas espécies de segurado, conforme a forma de vínculo com a Previdência Social (se como empregado, individual ou outro).

Nem mesmo a distributividade, vista como uma preocupação de atendimento prioritário do indivíduo que está em maior estado de necessidade, valida a exclusão do segurado contribuinte individual do acesso ao auxílio acidente. Tudo porque não é possível estabelecer-se, com alguma razoabilidade de argumentos, ordem de preferência entre um segurado empregado que, por ter sofrido acidente, possui atualmente redução da capacidade laborativa, e um segurado autônomo (contribuinte individual), que sofreu o mesmo infortúnio. Ambos terão, a meu ver, maior dificuldade para obter sua subsistência através do trabalho.

 

Por ocasião de voto divergente, o Juiz Federal João Batista Lazzari confirmou a sentença por seus próprios fundamentos e, por maioria de votos, a decisão inovadora foi mantida em sede recursal. O Juiz Federal Relator, Marcus Holtz, em seu voto vencido, limitou-se a sustentar que o contribuinte individual não constava do rol de beneficiários do auxílio-acidente, razão pela qual a sentença deveria ser reformada.

Com a devida vênia, porém, esse assunto não pode ser tratado com simplicidade, ainda mais considerando a quantidade de princípios constitucionais já referidos que são violados em razão de tal distinção. De fato, o tema exige verdadeiro exercício de hermenêutica, sob pena de se perpetuar (mais?) uma injustiça social dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

Dito isso, é evidente que a atual redação do § 1º do art. 18 da Lei 8.213/91, quanto à proibição da concessão do auxílio-acidente ao contribuinte individual é inconstitucional na medida em que restringe o benefício do seguro acidentário previsto no art. 7º, inciso XXVIII, da Constituição Federal, a uma categoria de segurado, sem um fator discriminante que se justifique constitucionalmente. A expressa vedação legal acima apontada mostra-se injusta, porque fere não somente o princípio constitucional da isonomia, dando tratamento diferenciado ao trabalhador autônomo da que é dada às outras categorias de segurados obrigatórios previstas na Lei 8.213/91, mas também princípios constitucionais basilares da seguridade social.

Repise-se: o contribuinte individual verte a mesma espécie de contribuição ao Regime de Previdência Social do que as outras categorias de segurados obrigatórios. Esse sistema contributivo não faz diferenciação no momento de invadir a esfera patrimonial do trabalhador autônomo, assim, também não deve fazê-lo no momento de agraciá-lo com o benefício de auxílio-acidente. A mera diferença de categoria de beneficiário não pode ser impeditiva à percepção do referido benefício, sob pena de se estar pecando por um excesso de formalismo desarrazoado, não sendo legítimo o direcionamento de determinada prestação previdenciária a determinada espécie de segurado.

Outrossim, por mais que não exista previsão legal de custeio dos benefícios acidentários ao contribuinte individual, o mesmo ocorre com os segurados especiais, sendo que a estes é alcançado legalmente o benefício de auxílio-acidente. Dessa forma, cai por terra o único argumento no que tange à discriminação do contribuinte individual.

Por fim, destaca-se que o advogado previdenciarista possui papel fundamental para a superação desse dispositivo inconstitucional, devendo trazer visibilidade á notória inconstitucionalidade do dispositivo e buscando o tratamento isonômico e paritário aos segurados contribuintes individuais, em especial, no que tange à possibilidade de percepção do benefício de auxílio-acidente.

Peças relacionadas:

Petição inicial

Recurso inominado

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